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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Estudos da Linguagem


Graduação em Letras

LUDE GOMES CARDOSO NUNES

Seja sob Carvalhos, Seja sob Palmeiras:


Identidade, Cultura e Nacionalidade no Lesebuch für Schule
und Haus

CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Estudos da Linguagem
Graduação em Letras

LUDE GOMES CARDOSO NUNES

Seja sob Carvalhos, Seja sob Palmeiras:


Identidade, Cultura e Nacionalidade no Lesebuch für Schule
und Haus

Monografia de Final de Curso


apresentada ao Instituto de Estudos da
Linguagem da Universidade Estadual
de Campinas como requisito parcial
para obtenção do título de “Licenciado
em Letras – Português”.

Orientadora: Profª Dra. Terezinha de


Jesus Machado Maher

Campinas, dezembro de 2017

ii
DEDICATÓRIA

A meu pai, minha mãe, Max Cardoso Pais, Rebeca


Cantelmo, e a todos os outros que, não sendo
estudiosos da área, manifestaram entusiasmo por
esta pesquisa.

iii
AGRADECIMENTOS

Agradeço...

A minha orientadora, Terezinha Maher, que depois de me tolerar por


três disciplinas, ainda aceitou orientar este trabalho. Da apresentação de curso
em 2012 até a presente monografia, passando pela minha experiência de
intercâmbio e por minha candidatura bem-sucedida ao DAAD
Hochschulwinterkurs, é difícil pensar em marcos na minha graduação com os
quais você não esteja envolvida.

A Norma Wucherpfennig, por seu interesse pelo meu aprendizado de


alemão – muito além do que lhe era necessária. Asseguro-lhe que a marca
deixada por nossa relação docente-aluno me acompanhará ainda por muitos
anos.

A Dörthe Uphoff, por aceitar o convite para a banca deste trabalho.


Poucos têm o privilégio de ter uma pessoa tanto na bibliografia como na banca
de seus trabalhos de conclusão de curso. Obrigado por me franquear a entrada
neste restrito clube.

A meus pais, por sempre insistirem que tudo daria certo no final –
venha isso a ser verdade ou não.

A minha coordenadora de estágio no Centro de Memória da Unicamp,


Marli Marcondes, por sua compreensão quanto a meus horários erráticos na
reta final da elaboração deste trabalho.

A Deus, que não me deixou desfalecer.

iv
EPÍGRAFE

Meiner Heimat Schmuck sind Palmen,


wo im Hain die Drossel singt –
schöner singt als alle Vögel,
deren Stimme hier erklingt.

Heller funkeln unsre Sterne,


blumiger ist unsre Flur,
reicher unser Wald an Leben
und an Liebe die Natur.

Glücklich bin ich, wenn in stiller


Nacht mein Geist ins Weite dringt –
Meiner Heimat Schmuck sind Palmen,
wo im Hain die Drossel singt.

Kann die Heimat mir ersetzen,


was das fremde Land mir bringt?
Glücklich bin ich, wenn in stiller
Nacht mein Geist ins Weite dringt –
Meiner Heimat Schmuck sind Palmen,
wo im Hain die Drossel singt.

Laß, Herr, noch den Tag mich schauen,


der mich in die Heimat bringt,
in die Heimat deren Zauber
in des Herzens Tiefe dringt!
Laß mich schaun das Land der Palmen,
wo im Hain die Drossel singt!

Tradução livre para o alemão de Canção do Exílio, de Gonçalves


Dias, feita por Rudolf Damm, junto a um poema desse autor
intitulado Mein Vaterhaus (Minha casa paterna) (SEYFERTH,
2004).

v
RESUMO

Este trabalho se propõe a analisar um livro didático empregado nas escolas


comunitárias alemãs do Sul do Brasil no período anterior à sua nacionalização
por Getúlio Vargas. O livro examinado é a sexta edição do Lesebuch für Schule
und Haus, de Wilhelm Rotermund, publicado em 1927. O foco da análise recai
sobre questões de nacionalidade, identidade e cultura envolvidas no projeto de
educação teuto-brasileiro, sobretudo no que tange a o que é ser alemão, o que
é ser brasileiro e como se esperava, à época, combinar estas duas identidades
em um mesmo indivíduo.

PALAVRAS-CHAVE: Lesebuch für Schule und Haus; identidade nacional;


identidade cultural; Linguística Aplicada.

vi
ABSTRACT

This paper aims at analyzing a textbook employed by the German community


schools of Southern Brazil in the period before their nationalization by Getulio
Vargas. The book under examination is the sixth edition of the Lesebuch für
Schule und Haus, by Wilhelm Rotermund, published in 1927. The analysis
focuses on questions of nationality, identity and culture involved in the German-
Brazilian education project, particularly on matters such as what it means to be
German, what means to be Brazilian and how these two identities were
expected, at the time, to be combined into one same individual.

KEY-WORDS: Lesebuch für Schule und Haus; national identity; cultural identity;
Applied Linguistics.

vii
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – DELINEAMENTO DO ESTUDO

1.1 Como chegamos aqui e para onde vamos ............................................... 01

1.2 A pesquisa qualitativa-interpretativista e a Linguística Aplicada .......... 04

1.3 A organização desta monografia .............................................................. 08

CAPÍTULO 2 – ARCABOUÇO TEÓRICO

2.1 Considerações sobre o Livro Didático ..................................................... 10

2.2 Considerações sobre Cultura, Identidade e Representação ................... 13

CAPÍTULO 3 – PANORAMA DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO BRASIL

3.1 Origem da imigração alemã para o Brasil ................................................ 18

3.2 Um grupo heterogêneo .............................................................................. 19

3.3 Os alemães no sul do país ........................................................................ 20

3.3.1 Autonomia ............................................................................................ 21

3.3.2 Clivagem ideológica ............................................................................. 22

3.3.3 Traços da vida cotidiana....................................................................... 23

3.3.4 Imprensa .............................................................................................. 24

3.3.5 Escola .................................................................................................. 25

3.3.6 Reforços à unidade: unificação e 1ª guerra .......................................... 26

CAPÍTULO 4 – DESTRINCHANDO O LESEBUCH...

4.1 Ser Alemão ................................................................................................. 30

4.1.1 Nobres e loiros guerreiros: mitos fundadores da nação alemã ............. 32

4.1.2 Imaginários do deslocamento ............................................................... 38

4.1.3 Língua .................................................................................................. 40

4.1.4 Religião ................................................................................................ 42

4.1.5 Trabalho, modéstia e outras virtudes.................................................... 44

viii
4.2 O Brasil no Lesebuch ................................................................................ 45

4.2.1 A terra: natureza e lugares ................................................................... 46

4.2.2 O homem: típicos tipos e manifestações culturais ................................ 49

4.3 Um lugar ao Sol para os teuto-brasileiros

4.3.1 Presença e contribuições alemãs para o progresso do Brasil............... 51

4.3.2 Quanto mais alemão, melhor brasileiro ................................................ 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 58

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 60

ix
CAPÍTULO 1 – DELINEAMENTO DO ESTUDO

1.1 Como chegamos aqui e para onde vamos

Gostaria de começar esta monografia com um pouco de história. Da


minha história, mais especificamente.

Talvez o tom desta introdução cause estranhamento em alguns de


seus leitores pela sua pessoalidade escancarada. Porém, visto tratar-se de
um trabalho de pesquisa qualitativa interpretativista – ponto sobre o qual nos
deteremos mais adiante – semelhante sentimento não se justifica. Ao rejeitar
a objetividade almejada pela tradição positivista como um “mito” e abraçar a
subjetividade do pesquisador como parte integrante de sua investigação, todo
o processo, desde a seleção do objeto até a apresentação dos resultados.
Feito este esclarecimento, creio que possamos prosseguir sem maiores
sobressaltos.

Boa parte de minha infância e adolescência foi ocupada com uma


espécie de crise de “autoestima nacional”. Ainda menino, costumava invejar
pessoas de origem imigrante, ainda que fossem, normalmente, brasileiros,
com famílias aqui radicadas há várias décadas, ou ainda mais de um século.
Seus sobrenomes, que demandavam soletração, atestavam uma herança
antiga e distante: seus ancestrais haviam lutado em grandes guerras, usado
roupas exóticas (eles mesmos também as usavam, em ocasiões especiais),
sido súditos de reis interessantes, falado em línguas que não concebia algum
dia vir a compreender. E tudo isso era patrimônio deles também. Eles podiam
dizer “sou alemão”, “sou italiano”, ou ainda “japonês”, “árabe”, o que fosse.
Podiam justificar certos traços de personalidade apelando para essa origem
(“sou esquentado porque sou italiano/espanhol/etc.”).

Em comparação, ser simplesmente “brasileiro” parecia genérico e


sem graça. A cultura brasileira parecia não ser mais que uma versão
ligeiramente adulterada da cultura global que vinha dos Estados Unidos. A
meu ver, não havia nada de interessante que fosse tipicamente brasileiro.
Nas únicas manifestações culturais que eu via como tipicamente nacionais

1
(Carnaval, Festas Juninas, etc.), eu não podia tomar parte: não era o tipo de
coisa considerada adequada para um cristão protestante. Em suma, aos
meus olhos, o que não era genérico, era pagão.

Embora essa crise seja, em grande medida, coisa do passado, as


questões que discutia comigo mesmo à época ainda me interessam e
motivam muita reflexão, resultem elas em pesquisa acadêmica, ou não. A
condição de estrangeiro ou de pertencente a uma comunidade de imigrantes,
seja qual for a geração, ainda me intriga. Semelhantemente, o ser brasileiro,
membro de uma sociedade relativamente jovem, cuja mestiçagem é
apontada como traço distintivo, tanto por aqueles que desejam exaltá-la,
quanto pelos que visam denegri-la, também alimenta o meu matutar.

Em meu curso de graduação em Letras, me interessei por questões


relativas à educação bilíngue e a identidades bi, ou ainda, transculturais
como objeto de pesquisa. Creio que foi durante a composição de um trabalho
sobre as desventuras da língua japonesa no Brasil durante a Era Vargas que
acabei lendo um artigo que mencionava brevemente as escolas de imigrantes
alemães no Sul do país e seus esforços visando fazer de seus alunos
basicamente o que poderíamos chamar de “cidadãos brasileiros de alma
alemã” (ALENCASTRO & RENAUX, 2006). Dizia-se aí que os livros didáticos
alternavam histórias sobre Carlos Magno com outras sobre os pioneiros da
colonização do Brasil, aqui e ali lembrando os seus alunos, tanto de sua
herança alemã, quanto de sua nacionalidade brasileira, devendo tanto uma
quanto a outra ser reverenciadas. Meu objetivo nessa leitura era outro, então
não me detive longo tempo nessa parte do artigo. Não obstante, aquelas
poucas linhas foram suficientes para colocar a metafórica pulga atrás da
minha orelha.

Como funcionava exatamente essa identidade dupla?


Aparentemente, para aqueles educadores não havia contradição entre ser
alemão e ser brasileiro: ambas as nacionalidades seriam perfeitamente
conciliáveis. Nesse caso, o que significava para eles ser alemão? E ser
brasileiro? Todo projeto pedagógico tem em vista um tipo de pessoa que se

2
deseja criar 1 ; o dos educadores germânicos no Sul parecia ser o perfeito
teuto-brasileiro, um anfíbio que funcionaria perfeitamente tanto na sociedade
brasileira mais ampla quanto no seio da colônia. Como eles pensavam atingir
semelhante objetivo? Essas perguntas não me dariam descanso.

Desde a menção aos mesmos no artigo que engendrou essa ideia,


vinha pensando que os livros didáticos seriam um lugar privilegiado para
estudar esse projeto. Depois de leituras mais extensas e focadas sobre a
educação alemã no Sul, percebi que a escola alemã enquanto instituição está
bem documentada: currículo, estrutura, desenvolvimento histórico... Sobre
2
tudo isso a informação é abundante . Sobre os livros didáticos aí
empregados a informação é um pouco mais escassa, mas ainda assim existe
um conjunto de textos apreciável que os discutem de maneira mais
panorâmica: sua autoria, publicação distribuição, emprego, etc. 3 Os artigos
que discutem a escola como um todo dedicam algum espaço para falar de
como estes livros se encaixavam dentro da estrutura maior. Em suma,
prevalece uma abordagem do macro para o micro. O presente trabalho, no
entanto, ao invés de meditar sobre a máquina em seu conjunto, se deterá
apenas sobre uma de suas engrenagens – a fim de, quem sabe, encontrar o
proverbial universo numa gota d’água.

Desde o início, meu desejo foi trabalhar com fontes primárias. Tendo
buscado em várias bases de dados, constatei que existem, efetivamente,
exemplares desses livros preservados em arquivos e bibliotecas Brasil afora
– a indisponibilidade de livros assim havia sido encarada como uma
possibilidade real na fase de preparação do projeto. A ideia original era fazer
uma pesquisa de caráter transversal: escolher um tema e ver como ele é
tratado em diversos títulos. Esse plano, que envolveria diversos
deslocamentos geográficos até os lugares onde os livros estão preservados,
se revelaria impraticável devido às contingências financeiras que atingiram
tanto o pesquisador, quanto a Universidade. O projeto foi, então, alterado

1
A esse respeito, ver Silva, 1999.
2
Conferir, apenas a guisa de exemplos, Alencastro & Renaux (2006), Uphoff (2011), Kreutz
(2000), Arendt (2006), etc.
3
Destacamos, nesse sentido, o texto de Kreutz, 2008. O Professor Kreutz também
desenvolve um notável trabalho de levantamento de exemplares sobreviventes da literatura
didática dos imigrantes alemães.

3
para uma análise em profundidade de um único livro: a sexta edição do
Lesebuch für Schule und Haus, de Wilhelm Rotermund (1843-1925),
publicado pela editora que leva seu nome, em São Leopoldo, RS, no ano de
1927. Trata-se do único livro do gênero encontrado em uma biblioteca da
Unicamp – a saber, na Coleção Aristides Cândido de Mello e Souza, uma das
Coleções Especiais e de Obras Raras preservadas na Biblioteca Central
Cesar Lattes.

Embora a escolha tenha sido motivada primariamente por razões de


praticidade, trata-se de uma obra exemplar do gênero. Seu autor, que era
pastor luterano, educador e doutor em Filosofia, foi uma figura das mais
influentes nas escolas alemã no sul do país, principalmente por meio dos
livros didáticos e periódicos, tanto escritos por ele, quanto publicados por sua
casa editora. Trata-se de um livro de leitura, contendo textos de diversos
gêneros sobre diversos assuntos; seu título se traduz literalmente como
“Livro de leitura para a escola e para casa”, traindo uma vocação para ser
mais do que um simples instrumento didático – talvez um companheiro das
horas vagas, que garantisse que estas fossem desfrutadas em alemão... Na
sexta edição já foram acrescentados à coletânea diversos textos, assim como
diversas introduções – quase uma para cada edição. Como pesquisador,
posso me considerar com sorte que, tendo somente um livro à disposição,
tenha sido este. Devo ressaltar, porém, que não li o livro inteiro para a
preparação deste trabalho. Era minha intenção inicial fazê-lo, porém, durante
a leitura, me dei conta que diversos textos da antologia (especialmente os
dedicados ao mundo natural ou aos diversos países do mundo) não tinham
qualquer relevância imediata para minha análise, de modo que prescindi de
sua leitura.
Meu corpo-a-corpo com este material foi orientado por três perguntas
que concentravam em si minhas diversas dúvidas sobre o assunto; foram
elas:
1. Segundo o Lesebuch..., o que significa ser alemão?
2. E ser brasileiro?
3. O que significaria, portanto, ser brasileiro?

4
1.2 A pesquisa qualitativa-interpretativista e a Linguística Aplicada

Com base em todo o exposto até aqui, não deve surpreender que
este trabalho se filie ao campo da Linguística Aplicada (LA), interdisciplinar
por excelência. Nas palavras de Moita Lopes (2006, p. 99), “como linguistas
aplicados, nossa posição deve ser nos situar nas fronteiras onde diferentes
áreas de investigação se encontram”, e

mais importante do que se preocupar com os limites de uma


área de investigação, é tentar operar dentro de uma visão de
construção de conhecimento que tente compreender a
questão de pesquisa na perspectiva de várias áreas do
conhecimento, com a finalidade de integrá-las (MOITA
LOPES, 2006, p. 98)

Seria impossível fazer uma pesquisa que valesse alguma coisa sobre
esse material e esse tema sem apelar para a História, a Antropologia, a
Educação ou mesmo a Geografia Humana. O Lesebuch... não faz sentido se
não entendemos a escola alemã, que por sua vez não faz sentido se não
entendemos as dinâmicas da colonização teutônica, e mais especificamente
a do Sul, pois ela, devido a fatores geográficos e históricos que serão
comentados conforme seja oportuno, se distinguiu da ocorrida em estados
como São Paulo, Espirito Santo ou Minas Gerais. A “preservação” da cultura
alemã no Novo Mundo era um esforço para o qual o Lesebuch... foi
designado para contribuir. O que, porém, é cultura? Podemos obter uma
resposta que não seja superficial sem passar pela Antropologia?

Em vista destas alegações, alguém poderia indagar o porquê de


inserir essa pesquisa na Linguística Aplicada, e não em alguma dessas áreas
limítrofes. Comecemos por dizer que, se estamos na fronteira, como Moita
Lopes sugere em um dos textos anteriormente mencionados, pode ser difícil
saber no território de quem estamos pisando. E se concordarmos com ele, a
Linguística Aplicada é uma das Ciências Sociais, de modo que a circulação
de conhecimento entre esses espaços deve ser livre – uma espécie de
Espaço de Schengen intelectual.

Os bitolamentos de muitos departamentos estão na


contramão da produção do conhecimento que possa dizer

5
algo ao mundo contemporâneo (...). Vivemos tempos de
hibridismo teórico e metodológico nas ciências sociais e
humanas, o que tem tornado as fronteiras disciplinares
tênues e sutis (MOITA LOPES, 2006, p.99).

Mas cabe observar aqui que o grande objetivo da LA, ainda segundo
Moita Lopes (2006, p. 102), é “a problematização da vida social na intenção
de compreender as práticas sociais nas quais a linguagem tem papel crucial”.
O projeto bicultural da escola alemã era, conforme detalharemos adiante, um
projeto bilíngue, e garantir a “sobrevivência” da cultura germânica num novo
ambiente passava, necessariamente, pela manutenção do alemão como
língua materna das gerações já nascidas brasileiras. Todas as outras
ciências que sejam empregadas aqui têm por finalidade iluminar uma prática
social centrada na linguagem. É ela a cintura que mantém unidos os corpos
desse Gerião.

Talvez seja mais difícil explicar como este trabalho poderia responder
à missão que a LA se auto impõe, de não somente analisar o mundo, mas de
alguma forma ajudar a mudá-lo – um conhecimento socialmente responsável.
Moita Lopes (2006) demonstra muita preocupação em discutir como a LA
pode responder aos desafios e questionamentos do mundo moderno. Meu
objeto de pesquisa, porém, é histórico. As colônias alemãs não funcionam
como nos dias do Lesebuch...., tampouco suas escolas. Se os resultados
desta pesquisa vierem a ajudar a pensar o mundo moderno de alguma
maneira, não deverá ser pela rota mais óbvia. Penso que, como tantas outras
incursões por tópicos históricos, a maior contribuição que podemos dar aqui é
a condução à reflexão; e a melhor reflexão que poderemos deixar ao final de
tudo é uma discussão sobre o mérito de certas crenças essencialistas acerca
de cultura e identidade que, apesar de questionáveis, seguem vivas e, em
escala global, ainda fortes. O debate sobre o que significa “ser brasileiro”
mudou desde uma época onde o contingente de imigrantes constituía uma
parcela apreciável da sociedade. Na última década, o Brasil ensaiou seu
retorno como polo de imigração. Tais ensaios devem ser pausados com
várias crises diminuindo nossa atratividade, mas ainda tivemos tempo de
questionar o mito de nossa xenofilia inata quando os estrangeiros voltaram a
aportar aqui em quantidade. Discursos sobre imigrantes africanos portadores

6
de doenças e de refugiados sírios trazendo na bagagem a sharia e a jihad
ganharam as redes sociais com uma retórica que não soaria estranha nos
anos em que o Lesebuch... era empregado. Ainda há muito a ser dito acerca
de culturas e identidades nacionais, sejam a nossa própria ou as daqueles
que aqui chegam e aqui terão de se integrar. E o que significa integração?
Wilhelm Rotermund e os outros que contribuíram com textos para o livro que
estudamos tinham suas ideias a respeito, e tenham elas algum mérito ou
não, conhecê-las pode lançar alguma luz sobre os debates – ainda que
possa ser, às vezes, como exemplo do que não fazer. Não seria a primeira
vez que alguém olha para o passado em busca de soluções para o presente.

Havendo estabelecido a investigação em pauta como uma pesquisa


do campo da LA, cabe perguntar como cumpre conduzi-la. Este trabalho
seguirá, conforme já anunciado nas palavras de abertura, uma abordagem
qualitativa interpretativista. Para Moita Lopes (1994, p. 331), “(...) a
investigação em C. Sociais tem que dar conta da pluralidade de vozes em
ação no mundo social e considerar que isso envolve questões relativas a
poder, ideologia, história e subjetividade”. A voz do pesquisador termina
sendo outra que se junta ao coro – e é essencial que se possa contender
com ela. Uma pesquisa desse tipo não tem pretensões de ser o ponto final
sobre um assunto, mas sim mais uma interpretação. Depois de mim, muitos
poderão visitar o Lesebuch... e chegar a interpretações muito distintas – e
isso não é um problema.

Enfatizemos que “na visão interpretativista, os múltiplos significados


que constituem as realidades só são passíveis de interpretação. É o fato
qualitativo, ie, particular, que interessa” (MOITA LOPES, 1994, p. 332). Ou
seja, não visamos aqui criar princípios de aplicação geral. Estamos em busca
do que a sexta edição do Lesebuch für Schule und Haus de Wilhelm
Rotermund nos diz sobre o projeto educacional bilíngue das escolas alemãs
do Sul do Brasil, sobre o papel da língua alemã nesse projeto, sobre o que
significa ser alemão e ser brasileiro, etc. Pode ser que outros livros
desenvolvam estes temas de forma distinta. Para os efeitos deste trabalho,
isso é irrelevante: visamos aqui situar o objeto em seu contexto e interpretá-
lo.

7
E como cumpre interpretá-lo?

A questão da interpretação pode ser resolvida através de


uma análise de dados que primeiramente trabalha com base
na procura das regularidades que surgem nos dados
(padrões de unidades de significados) e que possibilitem a
formação de um arquivo de dados, relacionados à(s)
questão(ões) sob análise, que podem ser então novamente
re-interpretados a partir do confronto com dados
provenientes de outros instrumentos ou de novas
investigações. Já quanto ao problema da divulgação, resta
ao pesquisador usar sua capacidade de fazer julgamentos
sobre os dados e escolher aqueles que melhor ilustrem sua
interpretação, e que a sua totalidade deve estar disponível
para outros pesquisadores-interpretadores, como forma de
oferecer seu trabalho à crítica. (MOITA LOPES 1994, p. 335-
6)

Se ao fim deste trabalho tivermos mais insumos acerca do


Lesebuch..., do contexto onde ele funcionava e do projeto que o perpassa no
sentido de fomentar uma cultura e “munir” seus alunos de uma identidade,
este pesquisador se dará por feliz.

1.3 A organização desta monografia

Este texto está dividido em quatro capítulos. Neste primeiro capítulo,


ocupamo-nos em delinear os contornos da pesquisa realizada para compor
esta monografia de final de curso. Para tanto, explicitamos, inicialmente, a
motivação que nos fez determinar o objeto de estudo da investigação em
pauta, bem como seus objetivos e a composição do corpus analisado. Em
seguida, descrevemos sua filiação a um dado campo do conhecimento – a
Linguística Aplicada – e os princípios epistemológicos observados ao longo
de sua realização, de modo a poder justificá-la.

O segundo capítulo é devotado à apresentação dos principais


conceitos teóricos que deram sustentação ao nosso trabalho, a saber: o
conceito de identidade, tal como ele vem se configurando na pós-
modernidade, considerações acerca do livro didático de um ponto de vista
teórico, inclusive seu potencial como fonte de pesquisa histórica.

8
No terceiro capítulo, traçamos um panorama da imigração alemã no
Brasil, com foco na região Sul, até o ano de 1927 – data de publicação da
sexta edição do Lesebuch für Schule und Haus. Este capítulo tem por
objetivo apresentar o contexto maior no qual o livro aqui analisado foi, pela
primeira vez, colocado em funcionamento.

Por fim, no quarto capítulo, procedemos à análise dos dados. Esse


capítulo se encontra dividido em três seções. Na primeira delas, discutimos o
que se depreende, a partir da leitura dos textos que compõem o Lesebuch...,
do que significava “ser alemão” à época. Na segunda, tecemos
considerações acerca das representações do Brasil nele encontradas, tanto
em seus aspectos físicos quanto humanos. E, na terceira, analisamos a visão
proposta pelo Lesebuch... sobre como os teuto-brasileiros se encaixariam na
sociedade brasileira, assim como as respostas que ele fornece às acusações
que se costumava lançar contra a população de origem alemã naquele
período.

Esta monografia se encerra com algumas considerações finais, após


as quais listamos as referências bibliográficas consultadas.

9
CAPÍTULO 2 – ARCABOUÇO TEÓRICO

2.1 Considerações sobre o Livro Didático

Convém que teçamos algumas considerações sobre o livro didático,


visto que esta monografia trata de uma obra desse tipo. A leitura da
bibliografia a respeito com frequência apontará que um dos traços
característicos do livro didático é a dificuldade de sua definição. Segundo
Batista (2009), “a expressão ‘livro didático’ é usada – de modo pouco
adequado – para cobrir uma gama muito variada de objetos portadores de
texto e impressos que circulam na escola. (...) Os manuais didáticos podem
ser tanto aqueles textos ou impressos utilizados pela escola quanto aqueles a
ela propositadamente destinados” (p. 42, 46). Batista (2009) ainda dividirá em
três níveis os “impressos” – aspas colocadas pelo próprio autor para ressaltar
a pouca exatidão do termo para abarcar a variedade de textos didáticos
circulantes em sala de aula em diversos suportes – que circulam no espaço
escolar e que poderiam reclamar o título de livros didáticos:
1. Livros utilizados pela escola, mas não produzidos para essa
finalidade;
2. Livros que são impressos para o uso escolar em virtude de
decisões mercadológicas;
3. Livros produzidos e impressos para o mercado escolar.

Segundo Batista (2009, p. 50), o francês Alain Choppin dividirá em


quatro categorias as obras escolares mais comuns:
1. Manuais escolares;
2. Edições clássicas;
3. Obras de referência;
4. Livros paradidáticos.

No entanto, existe uma boa quantia de livros escolares que se situam


numa zona híbrida e difícil de delimitar. Aí se encontram muitos manuais
escolares, que conjugam em si diversos tipos de texto, que se encontrariam
naturalmente espalhados por obras de outros níveis ou categorias. Isso
porque a “categoria dos manuais didáticos (...) agrupa um conjunto bastante

10
heterogêneo de textos que se propõem a assumir diferentes funções no
trabalho cotidiano de sala de aula” (BATISTA 2009, p. 53). É nessa liga que
se encontra o Lesebuch..., com seu caráter antológico, misto de fábulas,
contos, meditações, poemas, aforismos, excertos sobre história, geografia,
etc. Como tantos outros livros didáticos, esse é “um produto cultural
composto, híbrido, que se encontrará no ‘cruzamento da cultura, da
pedagogia, da produção editorial e da sociedade’ (Stray, 1993, p. 77-8)”
(FREITAS & RODRIGUES, 2008, p. 2). É híbrido ainda no âmbito de sua
utilização: como o próprio título diz, é um livro “para a escola e para casa”.

Batista (2009, p. 58) alerta ainda que

Estudar livros didáticos pode ser (e deve ser, se se deseja


apreendê-los em sua complexidade) mais do que descrever
os conteúdos que expressam seus pressupostos ideológicos,
seus fundamentos teórico-metodológicos. Embora esses
livros de fato exprimam valores e modos de relação com o
conhecimento, não o fazem de per si; seus efeitos de
sentido, suas consequências pedagógicas e cognitivas são
produzidos e não se oferecem de modo transparente nem ao
pesquisador nem àqueles que os utilizam, mas se
manifestam num conjunto de tomadas de posição
diversificadas, tendo em vista condições de natureza
heterogênea.

O livro didático não é um objeto isento. Segundo Bomény, Guimarães


& Oliveira (1984, p. 15), “o livro didático, enquanto instrumento educacional,
permite a passagem da cultura oral à cultura escrita”, e ao atuar como portal
entre esses dois mundos, torna-se ideologicamente estratégico – valor
enxergado desde há muito tempo no Brasil. Começando pelo Instituto
Nacional do Livro em 1929 e prosseguindo até o atual Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), não foram poucos os esforços dispendidos pelo
governo brasileiro para regular, não somente a distribuição desses materiais,
mas também seu conteúdo.

O livro didático é ainda uma mercadoria, que deve se esforçar para


ganhar as graças de algum professor, coordenador pedagógico, burocrata,
etc. que esteja em posição de determinar qual será o título adotado para um
novo ano letivo. Na elaboração de seu conteúdo e apresentação há mais

11
fatores envolvidos que a simples vontade de transmitir conteúdos para alguns
pupilos (FREITAS & RODRIGUES, 2008, p. 6).

Ao contrário do que sucede atualmente, os livros didáticos da época


do Lesebuch... não eram intrinsicamente descartáveis; antes, sua vida útil
poderia se expandir por vários anos. Será, porém, justamente a obsolência à
qual todos os livros didáticos estarão sujeitos (seja rápida ou lenta) que fará
deles fontes privilegiadas para a pesquisa em história da educação:

Testemunhos de conteúdos de naturezas diversas no que


tange a valores morais, éticos, sociais, cívicos e patrióticos,
os livros escolares que serviram de guia para professores e
alunos têm muito a ser desvendado. Desvendá-los requer
que se tomem em consideração dois aspectos: primeiro,
tratar-se de um tipo de material de significativa contribuição
para a história do pensamento e das práticas educativas ao
lado de outras fontes escritas, orais e iconográficas e,
segundo, ser portador de conteúdos reveladores de
representação e valores predominantes num certo período de
uma sociedade que, simultaneamente à historiografia da
educação, permitem rediscutir intenções e projetos de
construção e de formação social (CORRÊA, 2000, p. 11-12).

Em estudos como este, onde se investigam questões como


nacionalidade, identidade e afins, o livro didático se apresenta como uma boa
porta de entrada, visto ser ele também um

portador de uma memória nacional - (...) formador de


identidades, evidenciando valores já consolidados, aceitos
socialmente como “versos autorizados da história da nação e
reconhecidos como representativos de uma origem comum”
(FONSECA, 1999 apud CORRÊA, 2000, p. 16-17.)

Mesmo fugindo desse recorte étnico-nacional, estes livros servem


como fonte para diversos aspectos da história social, pois “são os livros
escolares que, em grande medida, contribuíram e contribuem por meio de
textos elaborados quer em verso, quer em prosa, para o desenvolvimento
nas instituições escolares da noção de infância bem educada” (CORRÊA,
2000, p. 14).
A valorização do livro didático como objeto de pesquisa em história
da educação é um fenômeno relativamente recente. Fazendo um

12
levantamento dos trabalhos produzidos sobre o tema entre 1957 (data do
mais antigo localizado) e 2010, Moreira (2012) aponta que 62,7% dos
mesmos foram feitos entre 2001 e 2009. Não obstante esse aumento, os
números absolutos ainda são proporcionalmente baixos. Para esse quadro,
além do pouco valor atribuído aos livros didáticos como fonte de pesquisa,
contribui pelo menos um outro obstáculo no caminho dos pesquisadores que
queiram explorar esse veio: a simples dificuldade de ter acesso às fontes.

Pouquíssimos são os espaços dedicados à preservação da


memória nacional ou regional da educação. Daí a dificuldade
que temos de acesso a fontes nessa área. Na verdade, a
pesquisa histórica em educação requer que realizemos um
verdadeiro trabalho de “garimpagem” sobre fontes na área
educacional. (CORRÊA, 2000, p. 13)

Com essa monografia, esperamos também ajudar a inflar esses


índices e contribuir para o progresso do uso de livros didáticos como fontes
de pesquisa histórica no Brasil. Não é inconcebível esperar que, com um uso
crescente desses materiais em pesquisas acadêmicas, haja mais estímulo
para seu levantamento, preservação e disponibilização, de modo que futuros
pesquisadores tenham diante de si horizontes mais amplos e caminhos
pavimentados na exploração deste fascinante – ainda que de momento
pouco acessível – território.

2.2 Considerações sobre Cultura, Identidade e Representação

Na discussão sobre assuntos concernentes a cultura e identidade,


corre-se o risco de confundir as duas ou usar os termos de maneira
intercambiável. Aos pesquisadores incautos cai bem o alerta de Cuche
(2002):

Não se pode, pura e simplesmente, confundir as noções de


cultura e de identidade cultural, ainda que as duas tenham
uma grande ligação. Em última instância, a cultura pode
existir sem consciência de identidade, ao passo que as
estratégias de identidade podem manipular e até modificar
uma cultura que não terá então quase nada em comum com
o que ela era anteriormente. A cultura depende em grande

13
parte de processos inconscientes. A identidade remete a uma
norma de vinculações, necessariamente consciente, baseada
em oposições simbólicas (CUCHE, 2002, p. 176).

Mesmo que se contorne este problema, persistem outros como a


definição do que viria a ser “identidade cultural”, ou qual seria a sua natureza.
Sobre este assunto, Cuche relaciona, entre as páginas 179-182 da sua
mesma obra de 2002, alguns posicionamentos. Linhas objetivistas
enxergarão a identidade cultural como preexistente ao sujeito, diferindo entre
si na maneira como esta nele é incutida: alguns dirão que é inata, outros que
vem pela socialização dentro de um grupo determinado, etc. Em todos os
casos, sempre haverá alguma essência, alguns traços que caracterizam um
grupo e o distinguem dos demais: “Para os objetivistas, um grupo sem língua
própria, sem cultura própria, e mesmo, sem fenótipo próprio, não pode
pretender constituir um grupo etno-cultural. Não pode reivindicar uma
identidade cultural autêntica” (CUCHE, 2002, p. 180).

Outra concepção é a denominada subjetivista. Para os adeptos dessa


linha de pensamento,

a identidade etno-cultural não é nada além de um sentimento


de vinculação ou uma identificação a uma coletividade
imaginária em maior ou menor grau. Para estes analistas, o
importante são estas representações que os indivíduos
fazem da realidade social e de suas divisões (CUCHE, 2000,
p. 181).

A eles, Cuche (2002) reserva a crítica de tratarem as identidades


culturais como algo apenas levemente entranhado na personalidade dos
sujeitos, de que se pode livrar facilmente, caso se queira.

Uma terceira concepção por ele apresentada (e, aparentemente,


esposada), denominada relacional e situacional, vê as identidades culturais
como fenômenos sociais, surgidos a partir da convivência entre grupos e da
necessidade de marcar diferenças entre ele. Segundo o autor,

Uma cultura particular não produz por si só uma identidade


diferenciada: esta identidade resulta unicamente das
interações entre os grupos e os procedimentos de

14
diferenciação que eles utilizam em suas relações (CUCHE
2002, p. 182).

Dentro desta concepção é importante lembrar que as identidades não


são monolíticas e imutáveis. São ainda estabelecidas e reforçadas por meio
de processos permeados de intencionalidade: “A identidade conhece
variações, presta-se a reformulações e até a manipulações. (...) a identidade
é vista como um meio para atingir um objetivo” (CUCHE, 2002, p. 196).

De uma perspectiva semelhante, Silva (2000) apresenta a identidade


cultural como um fenômeno da linguagem, sujeita – portanto – às mesmas
vicissitudes que a afetam. Reportando-se à concepção saussuriana de
linguagem, Silva (2000) afirma que a identidade cultural se determina através
de uma longa cadeia de negações e oposições socialmente definidas. Tal
como o signo de Saussure, ela é uma representação arbitrária. Entre as
características notáveis da linguagem que essa representação compartilha,
estariam a indeterminação, a ambiguidade e a instabilidade: “Em suma, a
identidade e a diferença são tão indeterminadas e instáveis quanto a
linguagem da qual dependem” (SILVA, 2000, p. 80).

Para esta monografia interessa especialmente a afirmação de Silva


(2000) de que

(...) é no movimento literal, concreto, de grupos em


movimento, por obrigação ou por opção (...), que a teoria
cultural contemporânea vai buscar inspiração para teorizar
sobre os processos que tendem a desestabilizar e a
subverter a tendência da identidade à fixação” (SILVA, 2000,
p. 88).

Isso se daria em virtude dos contatos travados – forçosamente ou não


– entre diferentes culturas e as miscigenações que frequentemente
acompanham semelhantes interações. Identidades monolíticas
possivelmente cultivadas tanto entre as populações estabelecidas em um
determinado lugar quanto entre aquelas que aí chegam tendem a ser
desafiadas nessa interação.

Em tom semelhante ao de Silva (2000), lemos em Hall (2006) que

15
Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir
sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto
a concepção que temos de nós mesmos. (...) As culturas
nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com
os quais podemos nos identificar, constroem identidades.
Esses sentidos estão confundidos nas estórias que são
contadas sobre a nação, memórias que conectam seu
presente com seu passado e imagens que dela são
construídas (HALL, 2006, p. 50-1).

Hall (2006) vai um pouco mais longe e explica, em cinco pontos, o


funcionamento deste discurso. Tudo começa com a narrativa da nação, um
conjunto de eventos, imagens, símbolos, etc., que formam a experiência
partilhada de uma comunidade. Em seguida, temos a ideia da
intemporalidade, a noção de que o caráter nacional se tem mantido imutável
ao longo das eras. É preciso ainda inventar algumas tradições que reforcem
certas normas, assim como vínculos com um passado remoto – ainda que
esses símbolos e rituais possam ser surpreendentemente recentes. Um mito
fundacional mostra como o caráter da nação está presente desde tempos
que roçam no mitológico e permite montar uma narrativa coerente a partir da
história, muitas vezes atribulada, daquela comunidade. Por fim, reforça-se a
ideia de um povo puro e original. Isso tudo apesar do fato de que “as nações
modernas são, todas, híbridos culturais” (HALL, 2006, p. 62).

De maneira geral, todos estes autores concordarão que a identidade


cultural é uma criação da linguagem, uma representação. É algo que está
nos olhos do observador, que nomeia o que vê, e assim o constitui. Cuche
(2002, p. 186) ainda discorrerá sobre as diferenças no poder de nomear,
muito variáveis conforme o grupo que se considere. Porém, essa
“artificialidade” não deve nos convencer que a identidade cultural é uma
ilusão, alerta o mesmo Cuche (2002, p. 182), “(...) pois é dotada de eficácia
social, produzindo efeitos sociais reais”, de maneira análoga ao conceito de
raça, que tantas vezes já foi proclamado falido enquanto fenômeno biológico,
mas segue muito vivo como fenômeno social.

Para Silva (2000), afirmações sobre identidade cultural têm caráter


performativo. A esse respeito, afirma o autor:

16
Em seu sentido estrito, só podem ser consideradas
performativas aquelas proposições cuja enunciação é
absolutamente necessária para a consecução do resultado
que anunciam. Entretanto, muitas sentenças descritivas
acabam funcionando como performativas. (...) A eficácia
produtiva dos enunciados performativos ligados à identidade
depende de sua incessante repetição (SILVA, 2000, p. 93-4).

Tratando de diferentes tipos de sujeito propostos desde o Iluminismo,


Hall (2006) pinta a seguinte concepção pós-moderna do sujeito: sem
identidade fixa, sem um “eu-real” coerente, adotando diferentes identidades
em diferentes momentos, procurando se manter coeso por meio de uma
espécie de “narrativa do eu” ilusória. Não obstante, não questionamos nossa
própria existência. De uma maneira semelhante, não é prudente deixar que
percepções críticas acerca da formação e do funcionamento da identidade
cultural nos tentem a enxergá-la como uma simples miragem.

17
CAPÍTULO 3 – PANORAMA DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO BRASIL

3.1 Origem da imigração alemã para o Brasil

Embora se conheça a presença de imigrantes alemães no Brasil desde


a abertura dos portos às nações amigas, em 1808, que aboliu os rígidos
controles mantidos por Portugal sobre o movimento de pessoas que
entravam e saiam de sua vasta colônia americana, a primeira tentativa de
estabelecer uma colônia teutônica no Brasil se deu em 1818, com a
malfadada Colônia Leopoldina, na Bahia 4 . Por volta da mesma época, se
instalam suíços germanófonos no Rio de Janeiro, na que viria a ser chamada
Nova Friburgo. Mas o evento que se costuma considerar o marco zero da
imigração alemã só se dá após a independência, com a fundação de São
Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1824.

Embora o contingente de alemães tenha sido pequeno se comparado


ao de portugueses, espanhóis ou italianos, ele se mostraria especialmente
notável pelo papel exercido no povoamento do Sul do país, onde ainda hoje
cerca de um terço da população possui algum grau de ascendência alemã
(RAMBO, 2003, p. 57). Fora dos três estados de nosso extremo meridional,
núcleos notáveis seriam estabelecidos ainda em São Paulo (inclusive nesta
mesma cidade de Campinas), Rio de Janeiro (notavelmente, em Petrópolis),
Minas Gerais (Teófilo Otoni, Juiz de Fora) e Espírito Santo (que hoje
concentra a maior população de falantes de pomerano do mundo).

Costuma se considerar que o ciclo imigratório de alemães para o Brasil


se estende até os anos 1930, quando um conjunto de políticas anti-
imigratórias do governo Vargas passa a ter efeito. Não obstante, no período
imediatamente posterior à Segunda Guerra, quantidades mais modestas de

4
Situada no então município de Vila Viçosa, extremo sul da Bahia, a Colônia Leopoldina,
fundada por colonos alemães e suíços, alcançou relativa prosperidade nos seus primórdios
devido à exportação do café. A insatisfação dos colonos com o tipo de contrato que tinham
que manter com o governo brasileiro, bem como com “a falta de braços estrangeiros para
cultivar a terra, e a falta de uma administração após a morte de um de seus fundadores, em
1825, fizeram com que os colonos empregassem escravos e repartissem a terra em lotes
particulares”, o que fez com que ela se descaracterizasse enquanto colônia por volta de 1850
(CARMO, 2010, p. 15-6).

18
imigrantes ainda aportarão e fundarão colônias como a de Guarapuava, no
Paraná, composta por alemães étnicos expulsos da então Iugoslávia.
Quando é publicada a sexta edição do Lesebuch..., em 1927, as portas ainda
seguem abertas e as feridas mal cicatrizadas da Primeira Guerra Mundial e
do Tratado de Versalhes ainda incomodavam a Alemanha, garantindo que
ainda houvesse um contingente apreciável que sonhasse em reconstruir a
vida na América.

No primeiro meio século de imigração, os alemães que para cá se


mudavam eram principalmente agricultores, muitos deles despossuídos e
facilmente convencidos pelas imagens mirabolantes pintadas pelos
agenciadores de imigrantes que percorriam os Estados alemães, assim como
pelas promessas que o governo imperial se veria simplesmente incapaz de
cumprir. Como observa Rambo (2003) em seu artigo sobre o contraste entre
a propaganda e a realidade aqui encontrada,

No momento em que a vida se torna difícil ou insustentável,


as pessoas começam a sonhar com terras desconhecidas,
com paraísos impossíveis, com quimeras ilusórias. Utopias
fantasiosas e fantásticas começam a tomar conta das mentes
ao ponto de tornar impossível qualquer avaliação serena e
objetiva (RAMBO, 2003, p. 69-70).

A propaganda surtia efeito: entre as várias canções de imigrantes


citadas por Rambo (2005, p. 72), encontramos uma nascida entre os
imigrantes alemães do Volga, na qual se descreve o Brasil como “a terra
onde não há inverno”.

Segundo Alencastro & Renaux (2006, p. 318), “a partir de 1880, a


maioria dos emigrados passa a ser de procedência urbana”, mas é preciso
enfatizar que já havia quantidades consideráveis de profissionais urbanos de
origem teutônica chegando ao Brasil antes deste período.

3.2 Um grupo heterogêneo

É preciso lembrar que durante as primeiras décadas da imigração


alemã para o Brasil, a Alemanha era uma região, um agrupamento de

19
Estados independentes que tinham certas afinidades linguísticas e culturais –
mas também marcadas diferenças. “Tal heterogeneidade, às vezes, levava
os alemães a julgarem a si próprios estrangeiros” (ALENCASTRO &
RENAUX 2006, p. 317).

Souza Moraes (2010) levanta numerosos relatos – às vezes de


viajantes, às vezes de residentes – sobre as colônias no Sul, nos quais não
deixa de aparecer – ainda que normalmente como coadjuvante – algum nível
de ressentimento mútuo entre os diferentes grupos que lá se encontravam.
Em Salvador – onde um número não desprezível de profissionais urbanos
veio a se estabelecer – havia uma diferença clara, temperada por alguma
despeita, entre os cidadãos de países com representação diplomática na
cidade (como os prussianos) e os que não tinham cônsul para proteger seus
interesses (como os suábios). Nas colônias, um nível elevado de casamentos
entre os diferentes grupos viria a diluir as diferenças e acalmar os ânimos.

3.3 Os alemães no sul do país

Na decisão de chamar alemães para colonizar primariamente o Sul do


País havia muitos interesses envolvidos.

As terras destinadas aos imigrantes pelo governo imperial,


concentravam-se no sul do país, em áreas cobertas por
florestas subtropicais quase impenetráveis. Encobriam solos
de alta fertilidade, e o clima ameno permitia uma variedade
grande de culturas. Essas florestas haviam ficado, até então,
à margem dos interesses do Brasil Colônia (RAMBO, 2005,
p. 73).

O novo Império, porém, não podia se permitir o luxo de amplos


espaços virtualmente vazios no seu flanco sul. Espanha e Portugal haviam
deixado muitas pendências de fronteira ainda por resolver – querelas que
seriam herdadas pelos novos Estados surgidos do que foram suas colônias
sul-americanas. A bacia do Prata sempre fora uma região sensível, de modo
que

20
O Sul do Brasil na época era uma área de fronteiras em
disputa, povoado por luso-brasileiros, mestiços, castelhanos
e tribos dispersas de índios, cujas línguas e costumes nada
tinham a ver com as dos imigrantes. A região encontrava-se
mergulhada em permanentes escaramuças em guerras de
fronteira entre lusos e castelhanos (RAMBO, 2005, p. 75).

O princípio de uti possidetis fora muito proveitoso para o Brasil (e para


Portugal) na hora de rever os limites do Tratado de Tordesilhas, com o quê
não convinha correr riscos de que nossos vizinhos platinos pudessem se
valer do mesmo expediente5.

Ao atrair imigrantes alemães, esperava-se também contribuir para o


branqueamento da população brasileira, assim como para a construção de
uma classe média de pequenos proprietários rurais que se dedicassem à
produção de alimentos (GERTZ, 2010, p. 120). Piccolo (2005) registra
acusações de que os imigrantes também seriam apreciados como “bucha de
canhão” nas disputas de fronteira. E embora vários se vissem envolvidos já
na Guerra da Cisplatina, não parece ter sido esse o objetivo primário por trás
da vinda de agricultores. A rigor, soldados profissionais foram arrebanhados
nos Estados alemães para lutar nas guerras do Brasil imperial, tendo a
promessa de um lote de terra ao cabo de alguns anos de serviço. Poder-se-ia
alegar que a transição mais comum foi a de soldados para fazendeiros, e não
o inverso.

São Leopoldo, “sempre enfatizado na historiografia, de um projeto bem


sucedido de colonização” (PICCOLO, 2005, p. 88), também serviria como
ímã para colonos de núcleos fracassados, até mesmo de regiões distantes,
como Pernambuco. Foi aí que o Lesebuch... primeiramente veio à luz.

3.3.1 Autonomia

A grande autonomia de que grande parte das colônias alemãs do Sul


desfrutou foi um efeito colateral de seu relativo isolamento. Souza Moraes
(2010) nos traz o relato de Aleksandr Jonin, viajante russo que visita o Brasil
5
Sobre essas disputas, ver Rodrigues & Seitenfus (1995).

21
no fim do século XIX e publica a narrativa de suas andanças em 1895. Ele
observa que os alemães tomavam as rédeas da administração pública,
mantendo suas próprias escolas, fazendo o policiamento, entre outras
funções que normalmente estariam na alçada do Estado. O poder deste,
porém, pouco se fazia sentir nas periferias do país (certas coisas nunca
mudam...).

Se num primeiro momento a ausência do Estado brasileiro se traduziu


no não cumprimento das promessas feitas aos imigrantes e na
desassistência geral em relação aos mesmos na gênese de suas colônias,
este cenário viria a redundar numa liberdade de ação que os imigrantes
passaram a valorizar – e se ressentiram todas as vezes em que o Estado, já
mais fortalecido, procurou lhes impor suas vontades.

Não se creia, porém, que a ausência do Estado fosse total. O governo


imperial pode não ter cumprido todas as suas promessas, mas os imigrantes
receberiam diversos benefícios, tais como o financiamento das construções
de suas igrejas e o pagamento do soldo de seus pastores (ALENCASTRO &
RENAUX, 2006). Isso é especialmente notável por serem essas igrejas, em
sua maioria, protestantes, enquanto que o Catolicismo era a religião do
Estado.

A autonomia dos alemães ajudou a criar o chamado “mito da


indiferença política” entre os imigrantes (GERTZ, 2010, p. 123-4), assim
como a – mais perniciosa – narrativa do “enquistamento” e do “perigo
alemão”, que fariam sentir seus efeitos por muitos anos – fomentando
debates que estavam na ordem do dia quando saiu a sexta edição do
Lesebuch...

3.3.2 Clivagem ideológica

Conforme observamos anteriormente, os alemães aqui chegados eram


muito heterogêneos, mas não somente no que diz respeito a região ou
dialeto. Rambo (2003) reconhece três grandes correntes de pensamento
entre os teuto-brasileiros: os protestantes, os católicos e os liberais.

22
Os primeiros respondiam por cerca de dois terços dos imigrantes,
embora num primeiro momento houvesse resistência das autoridades
brasileiras a permitir a entrada de amplos contingentes que praticassem outra
religião que não a do Estado (ALENCASTRO & RENAUX, 2006, p. 292). Até
o reconhecimento legal do Protestantismo, em 1870, haveria muitas disputas
quanto aos limites de sua liberdade religiosa, como no concernente à
construção de igrejas, ou à validade legal de suas cerimônias de casamento.
Os católicos, apesar de em minoria na colônia, estavam alinhados com a
maioria da população do país, e não sofriam os constrangimentos legais que
seus compatriotas protestantes amargavam. Assim como as diferenças entre
os diferentes grupos regionais, as diferenças religiosas também apareciam
como causa de tensão no seio das colônias.

Os liberais ganham força com a vinda de muitos veteranos das


revoluções de 1848 – os Brummer – para o Brasil. Embora numericamente
inferiores aos dois grupos anteriores, ganhariam muita projeção na vida
pública, com um de seus membros mais notáveis, Karl von Koseritz, se
destacando tanto na imprensa de língua alemã quanto na política regional,
tendo sido até eleito para a assembleia provincial.

Nesse contexto, os protestantes, privados dos confortos de pertencer à


maioria de que desfrutavam na Alemanha, se sentiam constantemente
acuados e “na defensiva”. Foi para esse grupo, especificamente, que o
Lesebuch... foi composto.

3.3.3 Traços da vida quotidiana

Nos primeiros anos da colonização alemã no Sul, a vida era tão


precária quanto o cenário de agricultores exaustos após uma longa travessia
do Atlântico chegando a sua terra prometida só para descobrir que ela está
escondida embaixo de uma grossa camada de mata permite pensar. Porém,
passadas as decepções, agruras e fadigas daqueles dias, as colônias viriam
a se tornar lugares bastante aprazíveis.

Em carta de 1878, Hermann Hering (fundador da malharia que leva


seu nome até hoje, residente em Blumenau), conforme nos ensina Alencastro

23
& Renaux (2006, p. 321), escreve: “Todo imigrante, sem ser doente, nem
mendigo, três ou quatro anos após a sua chegada assume status social
médio da concepção alemã”. Em outra, ele celebra a ausência nas colônias
dos parasitas que perturbavam a vida no país de origem, a saber: condes,
barões, mendigos e vagabundos.

Visitantes se admiravam da segurança de que até mesmo mulheres


sozinhas desfrutavam para tomar uma estrada pelo meio da mata (SOUZA
MORAES, 2010). Uma vida associativa que outros brasileiros encarariam
como tipicamente alemã se desenvolveu, incluindo círculos de leitura
(Lesezirkel), uniões culturais (Kulturvereine), clubes de tiro e caça, além de
associações recreativas – a mais antiga das quais, a Germania Gesellschaft,
surgiu no Rio de Janeiro antes mesmo da independência, em 1821 (HUBER,
2010, p. 69). Além de tudo, havia a multidão de atividades em torno das
igrejas – embora as comunidades protestantes tivessem essa dimensão
pública menos desenvolvida que suas contrapartes católicas no tocante a
seus eventos (ALENCASTRO & RENAUX, 2006, p. 329).

Embora o isolamento favorecesse a manutenção da língua e da


cultura alemãs, as colônias não estiveram impermeáveis a mudanças.
Alencastro & Renaux (2006) citam como exemplo as transformações na
indumentária. Entre as camponesas alemãs, o número de saias usadas
sobrepostas costumava servir de índice de status social. No novo contexto,
com a perda de referências ancestrais, essas camadas extras de tecido se
revelaram vazias de sentido, além de quentes e pouco práticas – e logo as
mulheres das colônias adotaram roupas mais despojadas que as usadas na
velha pátria. Os colonos também abraçaram fervorosamente a equitação,
vulgar entre os gaúchos nativos, mas associada à aristocracia entre os
europeus.

Não é invulgar que a imagem que os próprios alemães nos leguem de


suas colônias seja muito entusiasmada6, cabendo muitas vezes a pessoas de
fora apontar seus pontos de tensão7.

6
A esse respeito, ver Huber (2010).
7
A esse respeito, ver Souza Mendes (2010).

24
3.3.4 Imprensa

Rambo (2003) provê um conciso, porém abrangente, panorama da


imprensa teuto-brasileira, que assumiu proporções nada desprezíveis entre a
segunda metade do século XIX e meados do XX – quando a proscrição da
língua alemã em virtude da Segunda Guerra Mundial lhe aplica um golpe do
qual jamais se recuperou totalmente.

Havia uma ampla variedade de jornais – ligados, normalmente, a


algum dos três grandes grupos ideológicos em que a colônia se dividia.
Publicavam-se também livros de diversos gêneros, mas o tipo de publicação
que mais circulou no meio da colônia foram os almanaques. Rambo (2003)
aponta o vigor da imprensa em língua alemã como um dos elementos
formadores da cultura letrada acima da média nacional que persistiria até
hoje entre os teuto-brasileiros.

Wilhelm Rotermund foi uma figura importante na imprensa de língua


alemã no Brasil, editando tanto o mais popular dos almanaques em
circulação na colônia, o Kalender für die Deutschen in Brasilien, quanto
diversos jornais e até mesmo o peculiar Das Schulbuch – segundo Kreutz
(2007), o único periódico dedicado unicamente à literatura didática a ser
editado em sua época. O próprio Rotermund foi autor de vários livros
didáticos, publicados por sua própria editora.

3.3.5 Escola

Devido, em parte, à parca capacidade do Estado de prover serviços


públicos nas áreas mais afastadas do país, em parte devido à autonomia que
daí advinha, e em parte devido ao desejo de dar uma educação nos moldes
da recebida em seus países de origem, os alemães organizaram suas
próprias escolas. O prédio da escola costumava ser um dos primeiros a ser
construído; Alencastro & Renaux (2006) observam mesmo que, na ausência
de uma igreja, a escola servia como espaço para as atividades religiosas,
indicando que construir uma escola era mais importante inclusive que a
edificação de uma igreja. A educação era, com efeito, uma prioridade.

25
Esperava-se de qualquer teuto-brasileiro que soubesse ler,
escrever, fazer contas, ter noções sólidas de religião,
conhecimento da história sagrada, conhecimento de
elementos de geografia, de história, estar informado sobre os
acontecimentos locais, regionais e o quanto possível
nacionais e internacionais (RAMBO, 2003, p. 57).

Entre os anos 1920 e 1930, a escola já se encontrava virtualmente


universalizada entre os teuto-brasileiros. Segundo Kreutz (2008, p. 25), nesse
período, “o Brasil chegou a ter em torno de duas mil e quinhentas escolas
étnicas, das quais 1579 eram de imigrantes alemães”, 1041 delas no Rio
Grande do Sul.

Uphoff (2011) aponta para uma distinção entre escolas alemãs de


orientação secular (mais comumente urbanas) e confessionais
(predominantes nas zonas rurais). Havia associações paralelas para as
escolas luteranas e as católicas – e as distinções entre elas iam além das
aulas de religião. Alencastro & Renaux (2006) afirmam que na escola católica
a primazia pertencia à formação religiosa, enquanto que a escola protestante
se ocupava sobretudo da preservação do germanismo – se bem que, dentro
das doutrinas circulantes dentro da comunidade luterana no Brasil à época,
germanismo e protestantismo eram difíceis de dissociar. Sendo Wilhelm
Rotermund pastor luterano, naturalmente seu Lesebuch... foi concebido para
atender às escolas protestantes.

Com a unificação da Alemanha e a elevação da Igreja Evangélica da


Alemanha a igreja estatal do Reich (além de um concomitante maior
interesse pelos alemães no exterior), as escolas luteranas no Brasil viriam a
8
ter privilégios como a aplicação do Abitur para “classes seletas”
(ALENCASTRO & RENAUX, 2006, p. 334).

3.3.6 Reforços à unidade: unificação e 1ª Guerra

8
Exame aplicado ao fim do Ensino Médio que dá acesso ao Ensino Superior na Alemanha.

26
Uma última questão que vale a pena comentar para montar o cenário
onde o Lesebuch... foi usado é a relação entre eventos como a unificação da
Alemanha e a então ainda recente Primeira Guerra Mundial9.
Até 1871 os alemães eram entendidos como tal basicamente por um
critério linguístico. Com a proclamação do novo império, capitaneado pela
Prússia (cujo rei se tornaria imperador, ou kaiser), a maioria dos alemães no
Brasil passou a ter um único país para identificar como velha pátria
(Urheimat). Austríacos e suíços – que, até então, eram tão alemães quanto
um prussiano, um saxão ou um suábio – ficaram de fora.

A identificação, porém, não seria automática, nem universalmente


aceita. O referido Klaus von Koseritz era um defensor apaixonado da
lealdade e responsabilidade dos teuto-brasileiros apenas para com o Brasil:
se interessar pelas questões da velha pátria e defender seus interesses no
país onde viviam não devia ser imperativo.

A Primeira Guerra Mundial serviria como catalizador da união da


maioria dos teuto-brasileiros em torno do Império – ou, pelo menos, de sua
ideia como pátria com a qual todos poderiam se identificar. Com certa acidez,
Valentin (1946) afirmou que a única coisa capaz de fazer os diferentes povos
alemães colocarem de lado suas diferenças e picuinhas é a necessidade de
enfrentar uma ameaça externa, real ou imaginada. Pelo menos nesse caso,
sua afirmação se mostrou verdadeira. Com a simpatia da opinião pública
brasileira pendendo para a Tríplice Entente, os alemães terminariam sendo
foco de hostilidade e desconfiança, passando inclusive por uma breve
proscrição da imprensa em língua alemã, assim como a nacionalização de
suas escolas entre 1916 e o armistício, dois anos depois. Essas
adversidades tiveram o efeito de unir distintos grupos étnicos e religiosos,
inspirando simpatia e assistência mútuas para atravessar esse período de
provações.

No entanto, a propaganda que circulava acerca das atrocidades


alemãs na Bélgica, assim como o trauma da derrota e da queda da
monarquia, causaria grande celeuma dentro da colônia. Houve prolongados

9
O grosso desta subseção se baseia em Souza Moraes (2010), cuja leitura recomendo para
quem se interessar pelas questões aqui tratadas.

27
debates quanto ao reconhecimento da República de Weimar como legítima
representante do povo alemão, ou ao uso da nova bandeira preta, vermelha e
dourada em lugar da preta, branca e vermelha do império caído. Pela década
de 1920 adentro, a bandeira velha seria preferida à nova entre os teuto-
brasileiros. O aniversário da proclamação do Reich, 18 de janeiro, também
seguiria sendo observado como feriado em comemoração à nacionalidade
alemã.

A República de Weimar também tentaria arregimentar tanto as


comunidades alemãs já estabelecidas no exterior como os novos imigrantes
para exercerem o papel de propagandistas do país e consumidores de
produtos alemães, numa política semelhante à praticada pelo Reich que a
antecedeu. Sintomático dessa preocupação é o fato de que o termo
Auslandsdeutschtum10 só surge após a Primeira Guerra. Embora houvesse
ainda grande rejeição ao novo governo, não se pode negar que a
comunidade teuto-brasileira tenha demonstrado grande interesse nas
questões prementes que afligiam a velha pátria.

Wilhelm Rotermund esteve entre os que mantiveram viva a chama da


nostalgia do Império. Em seu jornal direcionado aos professores alemães, o
Allgemeine Lehrerzeitung für Rio Grande do Sul (ALZ), o seguinte fragmento
escrito pelo kaiser deposto, Guilherme II, foi veiculado em 1923:

Se os alemães de todas as classes e posições tivessem sido


educados para a alegria e o orgulho perante a sua pátria,
uma tal auto-humilhação de um povo grandioso seria
inconcebível. Esta humilhação, que, por certo, nos foi
imposta sob condições específicas, extremamente difíceis, é
ainda menos compreensível quando pensamos que a
juventude alemã, apesar de excessivamente estudada e não
tão fortalecida pelo esporte como a juventude inglesa,
conseguiu feitos brilhantes, nunca antes alcançados[...]. Que
o povo alemão nunca perca da memória essa personificação
do seu melhor ser e que procure com todas as forças e
seguir-lhe o exemplo, assimilando, de forma perene, o
verdadeiro espírito alemão.11

10
Junção de Ausland (exterior, estrangeiro) com Deutschtum (povo alemão, nação alemã,
qualidade de ser alemão); denominação para o conjunto dos alemães no estrangeiro.
11
Trecho extraído de Arendt (2005, p. 114).

28
Semelhantes questões ainda eram assuntos relevantes quando a
sexta edição de Lesebuch... chegou às mãos dos pupilos teuto-brasileiros.
Não creio estar longe da verdade ao supor que os professores que
invocavam seu auxílio na sala de aula esperassem que os textos da
coletânea fornecessem aos alunos lastro para sustentar seu germanismo no
momento tempestuoso de redefinição e questionamento que a Alemanha e
seus filhos espalhados pelo mundo atravessavam durante os anos 1920.

29
CAPÍTULO 4 – DESTRINCHANDO O LESEBUCH...

4.1 Ser Alemão

Im Lesebuch spiegelt sich die Volksseele. Ein Blick in die


neuere deutsche Lesebuchliteratur zeigt uns die reichen
Schätze des deutschen Gemüts und Herzens. Wohl kein Volk
hat den Kindern und dem Volke solche Perlen der Literatur in
so großer Reichhaltigkeit darzubieten; die portugiesische
Sprache und Literatur z. B. kann sich nicht entfernt mit der
deutschen messen. Die neueren deutschen Lesebücher
vereinigen Schönheit der Sprache mit allem, was Herz und
Gemüt bildet und veredelt; sie halten dem Volke den Spiegel
vor, in welchem es sich in seinem hohen Gedanken, in
seinem warmen Empfinden und tiefen Gefühl schaut; sie
bieten ihm gesunde geistige Nahrung, damit Geist und Sinn
der deutschen Vorfahren sich vorplatze und kräftige. (p. III)12

Com essas palavras Wilhelm Rotermund abre seu livro. Não há


segredo de suas intenções: ele deseja fazer de seu livro uma referência a
que seus presumivelmente jovens leitores possam recorrer – seja na escola,
seja em casa, como o título explicita – no laborioso processo de construir
uma identidade. Ele escolhe empregar a metáfora do espelho, mas é possível
alegar que ela não seja tão adequada, uma vez que ao espelho cabe mostrar
como somos ou como nos encontramos em determinado momento; o ideal do
Lesebuch..., por outro lado, é mostrar como se deve ser.

O Lesebuch... é um típico livro didático alemão de sua época: uma


antologia de textos de diversos autores, gêneros e temas – muito diferente do
que hoje se costuma conceber como intrínseco a uma obra do gênero, sem

12
No livro de leitura se espelha a alma do povo. Uma olhada na produção alemã mais
recente de livros de leitura nos mostra os ricos tesouros das mentes e corações alemães.
Dificilmente outro povo poderá oferecer às crianças e ao povo tais pérolas da literatura em
tamanha profusão; a língua e a literatura portuguesas, por exemplo, não podem nem de
longe se comparar às alemãs. Os mais novos livros de leitura alemães combinam a beleza
da língua com tudo que educa e enobrece o coração e a mente. Eles erguem perante o povo
o espelho, no qual este se vê refletido em seus elevados pensamentos, suas calorosas
emoções e profundos sentimentos; eles lhe oferecem alimento espiritual saudável, de modo
que o espírito e a mentalidade dos alemães de outrora sejam fixados e fortalecidos. (Todas
as traduções do Lesebuch..., tanto de títulos, quanto de extratos, são de minha
responsabilidade. Sua versão final contou com a revisão de Norma Wucherpfennig).

30
exercícios, ilustrações ou outros recursos para tornar o livro mais atraente e
(supostamente) auxiliar o aprendizado. Não existem indicações no próprio
livro de como cumpria usá-lo em sala de aula, fosse pelos alunos, fosse pelo
professor.

Arendt (2006) define o Deutschtum (ou Volkstum) como uma


combinação de língua, sangue, canções e virtudes alemães com um apego a
13
sua Heimat – e os diferentes aspectos deste composto encontram
expressão na variedade dos textos reunidos na antologia, às vezes como
temas principais de algum texto, às vezes como nuances em fragmentos
sobre outros assuntos.

O Lesebuch... se encontra organizado em quatro seções: a primeira,


Aus dem Menschenleben [Da vida humana], trata principalmente de virtudes,
boas maneiras, religião e outros aspectos relativos à vida quotidiana. A
segunda, Aus dem Vater- und Mutterlande [Da terra-mãe e da terra-pai], traz
destaques da história, tanto alemã, quanto brasileira, assim como perfis
biográficos ou anedotas que lancem luz sobre figuras importantes na história
dos dois países, fragmentos sobre geografia e relatos de viagem pelas
diferentes regiões do Brasil, e ainda meditações (em prosa ou poesia) sobre
a essência da nação alemã, seu destino e seus traços marcantes. A terceira,
Aus der weiten Welt [Do mundo afora], consiste principalmente em textos
sobre a geografia geral e relatos de viagem. Por fim, a quarta, Aus der Natur
[Da natureza], trata do mundo natural, com textos de zoologia e botânica,
entre outros– às vezes misturando avaliações morais ao texto científico (por
exemplo, um texto sobre tamanduás diz que matar um deles é imoral, visto
tratar-se de um animal muito útil ao homem).

Para os efeitos desta monografia, nossas atenções se concentrarão,


sobretudo, nas duas primeiras partes. Embora as duas outras não
acrescentem muito à discussão (pouco foi encontrado que julgássemos
relevante), nos referiremos a seu conteúdo conforme seja oportuno.

Começaremos por explorar aquilo que parece ser mais caro a Wilhelm
Rotermund: o Deutschtum. No que consistiria ser alemão? Que
13
Termo difícil de traduzir precisamente; aproximadamente, o lugar de origem, o lugar onde
se sente em casa, local do qual se sente parte, etc.

31
características o fariam distinto dos demais povos (ou unificariam os muitos
povos reunidos sobre a ampla tenda do germanismo)? Certamente
determinado a evitar que o espírito alemão fenecesse no novo ambiente (que
certamente requereu algum grau de adaptação), como estrategista, Wilhelm
Rotermund terá traçado sua linha de defesa: quais seriam os marcos
inamovíveis que cumpriria defender a fim de garantir que o hífen de “teuto-
brasileiro” não se rompesse?

Na sequência comentaremos aqueles que encontramos em nossa


leitura.

4.1.1 Nobres e loiros guerreiros: mitos fundadores da nação


alemã

Glücklich ist der Mensch zu preisen, der auf seine Familie


stolz sein kann; es wird ihm in jeder Weise zur Förderung
gereichen, wenn er die guten Eigenschaften, die
Bestrebungen und die Erfolge seiner Eltern und Vorfahren
sich zum Ansporn dienen läßt. Er wird sich bestreben, ein
neues Blatt der Familiengeschichte beizufügen, über das
auch spätere Geschlechter sich freuen werden.
Ähnlich steht es mit der Zugehörigkeit eines Menschen zu
einem Volksstamme (p. 223).14

Comentou-se, no segundo capítulo deste trabalho, o papel que mitos


fundadores, situados em períodos onde a fronteira entre o mito e a história
não está claramente delineada, desempenham na edificação de um projeto
de nacionalidade. Também foi mencionada a heterogeneidade dos colonos
alemães, que espelhava a diversidade presente na própria Alemanha. Para
construir uma identidade nacional consistente a partir de componentes tão
díspares, seria necessária uma narrativa de origem muito sólida para servir
de alicerce a uma tão ousada empresa de engenharia política e social – fosse
no Reich, fosse nas colônias ultramarinas.

14
Bem-aventurado é o homem que pode se orgulhar de sua família: ser-lhe-á de grande
valia caso ele deixe que as qualidades, aspirações e sucessos de seus pais e ancestrais lhe
sirvam de incentivo. Ele se esforçará para acrescentar à história familiar uma nova página da
qual as futuras gerações possam se orgulhar. De maneira semelhante se dá com o
pertencimento de um homem a um povo.

32
Embora muitos povos europeus buscassem suas referências
ancestrais na antiguidade clássica (como os portugueses alegando
descendência de Ulisses, ou os britânicos apontando para o príncipe troiano
Brutus como fundador de sua nação), Rotermund procurou se reportar a uma
época ainda mais longínqua em seu texto sobre o tema. Na busca de seu
mito fundador, cavou fundo, chegando até o leito rochoso da história sagrada,
o próprio Gênesis. Partindo daí ele ergue uma narrativa que, à maneira da
casa da parábola de Jesus, poderia atravessar inabalável toda sorte de
calamidade que ameaçasse derrubá-la. O resultado se encontra no ensaio
histórico Die Herkunft der Deutschen [A origem dos alemães], um dos mais
longos do Lesebuch...

A história do povo alemão começa a ser contada pouco depois do


dilúvio, quando, segundo a Bíblia, Noé e sua família seriam os únicos seres
humanos sobreviventes sobre a Terra. Tinha o patriarca três filhos: Sem,
Cam (ou Cão) e Jafé. A descendência imediata destes teria começado a
construção da Torre de Babel, empresa cujo êxito Deus teria impedido
criando as diferentes línguas – causando discórdia entre os homens e
conduzindo a sua dispersão pela Terra. Embora o próprio texto bíblico dê
conta de alguns povos daí originados, intérpretes, teólogos e pesquisadores
posteriores se esforçariam para encaixar todas as nações conhecidas em
algum destes ramos, fosse o semita, fosse o camita, fosse o jafeíta.

Era corrente na época (e ainda presente na nossa, embora em menor


escala) a interpretação segundo a qual povos como os árabes, os judeus, os
assírios e os etíopes, entre outros, sejam semitas; os povos negros da África
subsaariana seriam camitas e os chamados indo-europeus ou arianos
corresponderiam aos jafeítas. Estes últimos se haveriam espalhado por um
amplo arco que iria desde a Índia até a Europa, passando pelo Irã.

Também era corrente entre os protestantes alemães a teoria da


Schöpfungsordnung [ordem da Criação], “em que o pertencimento a um
povo, (...) está condicionado à ordem de Deus (...)” (Arendt 2006, p. 112-3).
Raça, sangue, língua e etnia seriam coisas sagradas, não construtos
históricos. Sendo o próprio Deus responsável pelo surgimento dos distintos
povos, não é de estranhar que se encontrassem facilmente interpretações

33
essencialistas ou julgamentos morais sobre a natureza dos povos, como o
exemplo abaixo:

Die Geschichte lehrt uns, daß die Hamiten mehr als Zerstörer
denn als Förderer der Kultur aufgetreten sind, und daß die
Semiten sich fast darauf beschränkten, die Kultur zu
übernehmen, die sie vorfanden, daß dagegen die
indogermanischen Volksstäme oder die Arier sich als
Kulturschöpfer erwiesen haben. Daß unter diesen die
germanischen Völker eine bevorzugte Stellung einnehmen
und in Ackerbau, Gewerbe, Handel, Kunst und
Wissenschaften der ganzen Menschheit neue Wege des
Wohlstandes und der Ausbildung eröffnet haben, ist ebenfalls
aus der Geschichte bekannt (p. 225)15

Estabelecida esta origem remota e o pertencimento do povo alemão à


linhagem de Jafé, Rotermund passa a tratar de seus ancestrais mais
próximos: os antigos germanos. Em suas descrições, ele beberá
primariamente de duas grandes fontes: os relatos de Júlio César e a
Germania do historiador romano Tácito – esta última uma pedra de toque
comum do imaginário étnico-nacional alemão. Werner (2007) alega que o a
recepção desta obra

(...) parcourt, comme un fil rouge, la genèse et l’évolution de


la conscience nationale allemande, elle en a accompagné les
crises exacerbées comme les phases de réflexion. À vrai
dire, il apparaît que la vue d’eux-mêmes qui, pour les
Allemands, est liée à ce texte n’est pas dissociable d’une vue
‘depuis l’extérieur’, et que ces deux perspectives se sont
conditionées mutuellement (WERNER, 2007, p. 38)16

15
A História nos ensina que os camitas se destacaram mais como destruidores que como
patronos da cultura, e que os semitas quase sempre se limitaram a se apropriar das culturas
com que entravam em contato, enquanto que os povos indo-germânicos, ou arianos, se
apresentaram como criadores de cultura. Sabe-se, igualmente, que os povos germânicos
ocupam entre eles uma posição destacada, tendo aberto a toda a humanidade novos
caminhos para a prosperidade e a educação por meio da agricultura, da indústria, do
comércio, da arte e da ciência.
16
(...) percorre, como um fio vermelho, a gênese e a evolução da consciência nacional
alemã; ela a acompanha tanto durante as crises graves como durante as fases de reflexão.
Para dizer a verdade, parece que a visão deles a respeito de si mesmos, que – para os
alemães – está ligada a este texto, não pode ser dissociada de uma visão “de fora”, e que
estas duas perspectivas se condicionam mutuamente.

34
Die Herkunft der Deutschen não é o único texto do Lesebuch... a
respeito dos germanos: há também Die Kultur der alten Germanen [A cultura
dos antigos germanos], também de Wilhelm Rotermund, e Die alten
Deutschen [Os antigos alemães], de Jakob Karl Andrä, além de poemas e
fragmentos que tratam de batalhas importantes em que eles haviam
defendido sua liberdade frente aos conquistadores romanos.

É de se notar que, embora o próprio Rotermund escreva que o termo


Deutsche só passaria a ser usado a partir da época de Carlos Magno (século
IX), tanto ele como os outros autores presentes no Lesebuch... o empregam,
anacronicamente, como sinônimo de Germanen, como que implicando não
haver qualquer distinção essencial entre um e outro: os germanos não seriam
ancestrais do povo alemão, mas sim sua manifestação mais antiga, sem
alterações de vulto suficiente para representar uma quebra na linha que se
estende desde os dias antes de Cristo.

O fenótipo é o consagrado no imaginário coletivo: ”Die alten


Deutschen oder Germanen waren ein herrlicher Menschenschlag. Groß und
kraftvoll war ihr Körper, breit ihre Brust, ihre Augen blau, ihr Haar goldgelb
und lang herabfallend” (p. 161)17. Tácito teria classificado os germanos como
um povo que pouco se misturava com seus vizinhos – aspecto que não deixa
de ser mencionado em Die Herkunft der Deutschen. “Das große deutsche
Volk bestand aus einer Menge kleiner Völkerschaften oder Stämme, die
unabhängig von einander lebten, aber Sitten und Einrichtungen hatten“ (p.
161)18, descreve Andrä – descrição que, na época, ainda havia pouco caberia
bem aos alemães modernos. Essa unidade de instituições seria o elo que
uniria estes diversos povos, submetidos a diversos chefes, mas prontos a se
unir contra qualquer ameaça a sua terra, seus costumes e sua liberdade.

Embora em seus textos a respeito Rotermund se esforce por


apresentar evidências históricas e arqueológicas que desfaçam a imagem
frequentemente perpetuada dos germanos como bárbaros, a legenda áurea
dos antigos germanos enfatizará mais a nobreza de sua mentalidade e
17
Os antigos alemães, ou germanos, eram uma gente imponente. Grande e forte era seu
corpo, o peito largo, os olhos azuis, o cabelo loiro e comprido.
18
O grande povo alemão era composto de um punhado de comunidades e tribos menores,
que viviam independentemente uma da outra, mas possuíam modos e leis [em comum].

35
costumes – sobretudo no concernente à cultura guerreira, que está
entranhada nos ideais de justiça e liberdade que norteariam as supracitadas
instituições comuns que mantinham a coesão da pletora de povos agrupados
debaixo da denominação “germano”. Andrä escreve que seus homens
andavam sempre armados, pois as armas eram a marca dos homens livres.
Porém, estas não eram usadas só por sua força simbólica: “Wehrhaft und
kriegslustig waren die Deutschen wie kein anderes. (...) Mit unglaublicher
Tapferkeit wurde gekämpft” (p. 161)19, escreve Andrä.

O imaginário de guerreiro persistirá à medida que a história se aparta


dos velhos germanos para se aproximar dos dias de Wilhelm Rotermund e
dos pupilos que usavam seu livro. A maioria dos excertos sobre história
alemã tratará de guerras, batalhas e figuras que nelas se cobriram de glória.
Depois de Carlos Magno, figuras recorrentes incluem o imperador cruzado
Frederico Barbarossa, o rei Frederico, o Grande, da Prússia, e o imperador
Guilherme I, sob cuja égide se deu a unificação da Alemanha.

O Lesebuch... não traz informações sobre quando cada texto foi


acrescentado à coletânea, mas à luz das paixões afloradas que grassavam
entre os teuto-brasileiros após a derrota do Reich na Primeira Guerra, é de se
indagar se algumas dessas narrativas não teriam sido incluídas para
responder à demanda da época por um resgate do “valor alemão”, uma
compressa quente aplicada sobre um ferimento ainda não bem cicatrizado.

Nenhuma das cinco edições seguintes à inaugural, de 1891, se


preocupou em acrescentar nada acerca da Primeira Guerra: o último conflito
mencionado no Lesebuch... é a Guerra Franco-Prussiana (1870), com um
texto se dedicando somente a lembrar como a cidade de Estrasburgo foi
primeiramente perdida para a França e finalmente recuperada a partir do
referido conflito. Este fragmento termina com a proclamação de que
Estrasburgo voltara a ser uma cidade alemã, e o seria para todo o sempre.
Na época em que sai a sexta edição, Estrasburgo já havia sido devolvida à
França por força dos tratados pós-guerra.

19
Os alemães eram inexpugnáveis e belicosos como nenhum outro [povo]. Lutava-se com
inacreditável bravura.

36
Guilherme II, último kaiser da Alemanha, tem somente um texto
dedicado a si: Wilhelm II., deutscher Kaiser, que ou antecede a Primeira
Guerra ou escolhe ignorá-la. Notavelmente fascinado pelo militarismo, o
kaiser é retratado principalmente como um marido apaixonado, um pai de
família responsável e um líder que se considera o primeiro servo da nação, a
exemplo de seu notável ancestral, Frederico, o Grande. Até seu pai,
Frederico III, que só reinou 99 dias antes de ser ceifado por um câncer na
garganta, tem três textos dedicados a si. O relativo silêncio acerca de uma
figura tão dramática e determinante na história alemã recente intriga –
especialmente quando se tem em mente que Wilhelm Rotermund era,
conforme observado anteriormente, um simpatizante do trono perdido. Talvez
isso se dê porque Guilherme II, ao contrário das outras figuras marciais a que
o Lesebuch… recorre com frequência, não tenha tido um destino heroico: não
tombou em campanha como Barbarossa, nem foi um vencedor como
Frederico, o Grande. Antes, foi derrotado pelos seus inimigos, destronado por
seu povo e forçado ao exílio. Ao contar sua história, é difícil dar-lhe uma
guinada que faça parecer que ele, ainda que simbolicamente, conquistou
alguma coisa, mesmo que fosse glória e fama. A pouca ênfase dada no
kaiser também poderia ser uma estratégia de negociação da identidade. Com
a narrativa do “perigo alemão” sendo constante no Brasil ainda havia poucos
anos, não deixaria de ser prudente para um material teuto-brasileiro
economizar elogios àquele que, por força da propaganda em tempo de
guerra, fora transformado em epítome do mal por alguns anos. Guilherme II
não é totalmente omitido – e os alemães não renegam sua história; porém,
sua figura é minimizada – e se reduzem os riscos de causar atrito com um
conjunto mais amplo da sociedade brasileira que se identificava com os
inimigos do kaiser. É difícil honrar figuras da história recente...

4.1.2 Imaginários do deslocamento

Embora o Lesebuch... tenha aparecido numa época em que já havia


uma Alemanha unificada, ao longo da coletânea será várias vezes reforçado
que ser alemão ainda é algo que está acima de meras fronteiras e persiste
não importando que país emita os documentos do cidadão alemão. Não seria

37
por não ser Reichsdeutsch [alemão originário do Império Alemão] que alguém
seria menos Deutsch.

Embora seja dito explicitamente que a Alemanha é a Heimat de todos


os alemães, um tipo de “imaginário do deslocamento” perpassa os textos
reunidos o Lesebuch..., começando já pelos antigos germanos (ou pela Torre
de Babel, se quisermos recuar no tempo ainda mais), quando em Die
Herkunft der Deutschen se comenta que dificuldades climáticas no Norte
teriam levado os germanos daquela região a migrar para o Sul. No mesmo
texto, as invasões bárbaras do Império Romano são apresentadas como fruto
desse movimento natural dos alemães para outras terras, uma vez que boa
parte dos povos responsáveis pelo fim do poderio romano no Ocidente se
encontrava em algum lugar do espectro germânico.

As imagens de deslocamento acompanharão não somente textos


históricos, mas também servirão de pano de fundo para muitos contos
moralizantes encontrados na primeira seção. Veja-se o caso de Das
vierblättrige Kleeblatt [O trevo de quatro folhas]: nessa história, um camponês
que se dirige à cidade para pegar um navio avista um trevo de quatro folhas
no meio de um pasto. Ao se deter para recolhê-lo, esse camponês acaba
sendo detido e é obrigado a pagar uma multa por invasão de propriedade
alheia, imbróglio cuja resolução lhe toma tempo e faz com que ele perca o
navio; seu abatimento inicial será substituído por alívio e gratidão a Deus
quando ele toma conhecimento do naufrágio do navio e da morte de todos a
bordo. A lição principal é confiar na providência divina, pois mesmo as
adversidades contêm alguma bênção oculta. No entanto, a história nos
fornece outros tantos detalhes que não são estritamente necessários para a
boa compreensão do enredo: somos informados de que a ação se passa em
1833, no norte da Alemanha, e que o camponês está de passagem comprada
para vir para o Brasil, pois estava em situação difícil na Alemanha, etc. A
imagem do alemão em movimento é um tema recorrente.

Esse imaginário tem sua razão de ser: com efeito, os alemães na


época eram um povo muito espalhado mundo afora, e não somente nos
destinos tradicionais de imigração, a América. Judt (2005, p. 28) observa que
até 1945, pelo menos, havia uma ampla diáspora de alemães vivendo havia

38
gerações em outros países europeus, principalmente no Leste, “from the
Baltic to the Black Sea, from the Rhine to the Volga”, que não deixariam
essas regiões até as expulsões em massa que ocorreram após a Segunda
Guerra Mundial, inundando a Alemanha de refugiados.

Essas amplas populações de alemães no estrangeiro contribuíam para


que a ideia de um certo germanismo sem fronteiras continuasse firme mesmo
após a unificação da Alemanha. Ao fazer um balanço da população alemã no
Brasil em Deutsche in Brasilien, Wilhelm Rotermund observa que:

Die in Brasilien angesiedelten Deutschen gehören


verschiedenen Stämmen an und sind nicht bloß aus
Deutschland eingewandert, sondern auch aus der Schweiz,
aus Oesterreich und aus Rußland. (...) Von diesen sind nur
wenige ‚Reichsdeutsche‘; fast alle sind brasilische Bürger (p.
229)20.

Desvinculada de um país específico, a identidade alemã se provava


bastante flexível. Essa flexibilidade seria empregada pelos teuto-brasileiros
para forjar um sólido escudo com o fim de se defenderem de quem quisesse
investir contra eles brandindo acusações de enquistamento ou lealdade
dividida - ataques que eram tudo menos inesperados em 1927.

No Brasil foi muito empregada a fórmula da dupla filiação: haveria uma


terra-mãe (Mutterland) e uma terra-pai (Vaterland). A primeira seria a
Alemanha, e a segunda, o Brasil. Essa divisão também deixa transparecer
alguns conceitos então vigentes acerca do papel das duas figuras na
dinâmica familiar. O filho levaria o nome do pai, por ele seria sustentado e
dele receberia instrução nos negócios da vida adulta, assim como sua
formação de cidadão. A mãe, por sua vez, seria responsável pela educação
moral e pela formação emocional da criança. De forma análoga, o teuto-
brasileiro cumpriria suas responsabilidades para com o Brasil e o honraria
como se fosse seu pai; seu íntimo, porém estaria para sempre ligado à
cultura alemã (ainda que não necessariamente à própria Alemanha).

20
Os alemães estabelecidos no Brasil pertencem a diversas comunidades e não vieram
somente da Alemanha, mas também da Suíça, da Áustria e da Rússia. (...) Destes, poucos
são nascidos n Império Alemão; quase todos são cidadãos brasileiros.

39
Semelhantemente faria o teuto-americano para com os Estados Unidos, o
teuto-argentino para com a Argentina, e assim por diante.

A dupla filiação viria a se manifestar até juridicamente, com a Lei


Delbrück, promulgada no Império Alemão, que estendia a todos os imigrantes
alemães no estrangeiro e a seus descendentes o direito de pedir a cidadania
do Reich. Ao conjugar a cidadania brasileira, concedida com base no jus
solis, e a alemã, concedida por jus sanguinis, o teuto-brasileiro podia
demonstrar de maneira muito concreta como os dois aspectos de sua
identidade se encaixavam e se complementavam21.

4.1.3 Língua

A língua foi, por muito tempo, o elemento de ligação mais forte entre
os diversos povos alemães; e ainda assim, sua força era questionável, visto o
estranhamento mútuo entre os diversos dialetos que convivem com o alemão
padrão (Hochdeutsch). Problematizações à parte, no que concerne ao
pensamento nacionalista, “o ‘Deutschtum’ está em primeiro lugar a língua,
traço fundamental da identidade alemã, a raça, o sangue ou origem étnica"
(HUBER, 2010, p. 74).

Em vista disto, não deve causar estranhamento que, ainda na


introdução à 1ª edição do Lesebuch, Rotermund escreva:

Ohne alle Frage wäre es für uns ein großer Fehler, ja ein
Vergehen, wenn wir in der Schule und im Familienkreise die
Muttersprache nicht pflegen wollten. Und dazu soll das
Lesebuch helfen. Daß wir daneben auch diejenige lehren und
treiben müssen, welche, wenn auch nicht Landessprache im
eigentlichsten Sinne, so doch die Sprache der Behörden und
Gerichte des Landes ist, versteht sich von selbst. Es kann
aber keinem Zweifel unterliegen, daß diejenige Sprache, in
welcher ein deutsches Kind, wo auch immer seine Wiege
stehen mag, denken und seine Gedanken und Gefühle
äußern lernt, keine andere sein darf als die deutsche
Muttersprache. Und gerade so hoffen wir es zu einem
tüchtigen Bürger seines Vaterlades zu erziehen, wenn wir es

21
Para uma discussão mais aprofundada dessa questão, ver Alencastro & Renaux (2006) e
Huber (2010).

40
in der Armen der Mutter lassen. Möge das vorliegende
Lesebuch dazu dienen, die Liebe zur Mutter zu erwärmen
und Geisteshunger nach ihrer kräftigen Nahrung zu wecken!
(p. IV)22.

Repare-se o uso da dupla filiação na delimitação das áreas de atuação


do português e do alemão na vida do teuto-brasileiro.

Há que prestar atenção, também, à maneira como Rotermund


precariza a posição do português. No primeiro parágrafo de sua introdução,
citado no começo deste capítulo, compara desfavoravelmente a produção em
língua portuguesa àquela em língua alemã. Já no fragmento aqui
reproduzido, ele observa que o português também seria uma língua
estrangeira no Brasil, visto não ser o idioma original aqui falado. Em se
tratando de Brasil, o português seria tão importado quanto o alemão, seu
papel oficial não passando de convenção decorrente de contingências
históricas. Não haveria, porém, uma associação entranhada entre a língua
portuguesa e os brasileiros como havia entre a alemã e os alemães.

4.1.4 Religião

Saltará à vista dos leitores do Lesebuch... a força do componente


religioso nele contido, principalmente na primeira seção, e ainda mais nos
primeiros textos – mais simples e, presumivelmente, direcionados a leitores
em formação. Temos aí histórias como a do jovem marinheiro alemão (outro
alemão em movimento...) que encontra força para superar o medo e arriscar
a vida para salvar seu navio em meio a uma tempestade em alto-mar por
meio da oração, que sua pobre e piedosa mãe teve o zelo de lhe ensinar.

22
Sem dúvida, seria um grande erro, um verdadeiro crime, se não quiséssemos preservar
nossa língua materna na escola e no seio da família. E o livro de leitura ajudará neste
sentido. É óbvio que também devemos ensinar e cultivar aquela que é a língua das
autoridades e das cortes deste país, ainda que não seja verdadeiramente a língua local.
Porém não deve restar dúvida alguma de que a língua em que uma criança alemã aprenda a
pensar e a expressar seus pensamentos e sentimentos não deverá ser outra além da língua
materna alemã, não importa onde esteja seu berço. É justamente assim que esperamos criar
um cidadão responsável de sua Pátria, se o deixarmos nos braços da mãe. Possa o presente
livro servir para avivar o amor pela mãe e atiçar a fome do espírito por sua substanciosa
comida!

41
Poemas e canções de cunho religioso abundam. Um dos textos, intitulado Ein
gutes Lied in Herz und Mund, ein treuer Schatz zu jeder Stund [Uma boa
canção no coração e na boca, um verdadeiro tesouro para toda hora], tem
por único objetivo falar de alguns hinos considerados especialmente caros ao
coração alemão, normalmente acompanhando-lhe a letra com o relato de
alguma situação em que dito hino se achou associado a algum momento
dramático de algum povo alemão – normalmente alguma batalha.

Nascido na Alemanha, o protestantismo se tornaria fortemente


associado à germanidade nas regiões onde triunfou. Por um lado, rompia a
sujeição ao papado romano, dando mais autonomia aos governos locais; por
outro, havia também a tradução da Bíblia para o alemão e a celebração de
serviços religiosos na língua vulgar em lugar do latim eclesiástico em que se
rezaram as missas até o Concílio Vaticano II. Estas últimas iniciativas
elevariam o status do alemão, pois levando a cabo tal empresa Lutero
declarava que o alemão era tão digno e capaz de transmitir o texto sagrado
como o era o latim. A ênfase na necessidade de que cada um pudesse ter
acesso à leitura da Bíblia, para que cada um pudesse chegar à fé e ser salvo
daria impulso à alfabetização ampla e precoce da população nos territórios
predominantemente protestantes, o que resultaria numa cultura letrada
bastante enraizada que os imigrantes trariam consigo para os ermos do
interior do Brasil.

Os protestantes teuto-brasileiros se achavam numa posição mais difícil


que a de seus companheiros católicos, fosse por serem membros de uma
religião que, nas primeiras décadas da imigração, era rival histórica da igreja
estatal brasileira e demoraria a ser reconhecida legalmente, fosse por serem
especialmente dedicados à ideologia étnica e ao germanismo (ARENDT,
2006), favorecendo as acusações de enquistamento e de má vontade na
adaptação ao país que os recebia. Já observamos que correntes teológicas
então em voga, como a Schöpfungsordnung, justificavam teologicamente as
distinções entre os povos e sacralizavam o patrimônio cultural como dom
divino – o que transformaria todo esforço dispendido em preservá-lo num
exercício de piedade.

42
Até a imigração poderia se transformar num ato de piedade. Rambo
(2005, p. 71) reproduz a seguinte canção de imigrantes do Hunsrück:

Fomos chamados por Deus, pois de outra forma não


teríamos chegado à essa decisão. Por isso cremos e a seu
mando emigramos. Deus falou a Abraão: Sai da tua terra e
vai para a terra que te mostrarei, guiado por minha forte mão.
Também nós confiamos firmemente em Deus e na sua
palavra sagrada. Movidos por ela partimos para o Brasil.

Na primeira parte do Lesebuch..., encontramos um texto de grande


interesse para ponderar sobre o papel da religião entre os imigrantes.
Intitulado Ein Gesang über den Wassern [Um canto sobre as águas], narra a
história de alguns imigrantes saídos da Renânia que se encontram abatidos
durante a longa travessia para o Brasil, desolados pela imensidão do mar e
tomados pela saudade da terra que haviam deixado para trás. Conversando
no convés, trocam reminiscências sobre como eram bons os domingos em
suas aldeias, como todos compareceriam à igreja em seus melhores trajes,
cantando belos hinos acompanhados pelo órgão e regidos pelo pastor em
seu robe sacerdotal. Emocionado, um deles começa a cantar um desses
hinos; logo, os outros começam a acompanhá-lo e, dentro de pouco tempo,
todos os imigrantes do navio fazem um grande coral espontâneo, que faz
com que todos se sintam de volta ao aconchego do lar. A mensagem do
conto é esta: enquanto perseverassem a fé, as tradições (como no caso os
hinos e os cultos dominicais, eles mesmos tendo alguns textos dedicados a
sua beleza e importância) e (presumivelmente) a língua em que estes são
veiculados, até o lugar mais inóspito poderia se transformar em lar (ou em
Heimat, como se prefira).

4.1.5 Trabalho, modéstia e outras virtudes

O ensino de virtudes se acha frequentemente associado no


Lesebuch... ao ensino de religião. É de se notar que entre os textos religiosos
são poucos (se algum) os que se detém para enumerar os atributos de Deus
ou discutir sua natureza. O mais comum é que se diga como age quem teme

43
a Deus – esperando, talvez, a partir das ações extrair princípios que elucidem
o caráter do Criador.

Isso não quer dizer que todo ensino de virtudes esteja explicitamente
associado ao ensino religioso mesmo nacional. Tome-se o exemplo do
poema Frisch auf! [Vamos lá!]:

Frisch getan und nicht gesäumt!


Was im Weg liegt, weggeräumt!
Was dir fehlet, such geschwind!
Ordnung lerne früh, mein Kind!

Aus dem Bett und nicht gesäumt!


Nicht bei hellem Tag geträumt!
Erst die Arbeit, dann das Spiel!
Nach der Reise kommt das Ziel.

Was du willst, besinn dich recht!


Was du machst, mach niemals schlecht!
Was du siehst, darauf gib acht!
Alles tu mit Wohlbedacht.23

Nada nele é explicitamente religioso ou especificamente alemão.


Poder-se-ia, talvez, declarar como tipicamente (mas não exclusivamente)
alemão o ensino de virtudes como matéria escolar. Estudando o Collegio
Allemão de Pelotas (admitidamente um contexto um pouco diferente daquele
onde o Lesebuch... era usado), Fonseca & Tambara (2012) apontam a
existência de Virtudes como disciplina curricular – e uma que deveria ser
ministrada em alemão, por ser considerada estratégica na formação étnico-
cultural do alunado.

As virtudes enfatizadas no Lesebuch..., mesmo se descontarmos a


piedade como parte do ensino religioso, são diversas. Temos a necessidade
de honrar aos pais e aos mais velhos, a disciplina pessoal de que fala Frisch
auf!, o respeito pelos débeis (pois eles também tem um propósito para cuja
realização sua debilidade se transforma em força), etc.

23
Mãos à obra e sem demora!/ O que estiver no seu caminho, remova!/O que te faltar,
procure rápido!/Aprenda cedo a ser organizado, meu filho!/Fora da cama e sem
demora!/Nada de ficar sonhando em plena luz do dia!/Primeiro o trabalho, daí a
brincadeira!/Depois da viagem se chega ao destino!/Lembre-se bem do que você quer!/O
que fizer, nunca faça mal!/Preste atenção no que vê!/Tudo faça com consideração.

44
A dupla de virtudes mais enfatizada é, provavelmente, o trabalho e a
modéstia. O valor do trabalho é exaltado tanto nas narrativas moralizantes
quanto nas históricas, onde é dado como traço fundamental dos imigrantes,
especialmente dos primeiros, que enfrentaram por primeiro as condições
adversas dos primeiros anos, lançando as bases para a prosperidade de que
as colônias já desfrutavam nos dias de Rotermund e de seu Lesebuch...

O trabalho, porém, não deve ser manchado pela ganância. Entre os


muitos provérbios e aforismos (formas muito apreciadas de instrução entre os
teuto-brasileiros) recolhidos, aparecem muitos do gênero “Ein Sperling in der
Hand ist besser als eine Taube auf dem Dache” ou “Nicht wer wenig hat,
sondern wer viel wünscht, ist arm”24. A fábula esopiana do rato do campo e
do rato da cidade é resgatada (ainda que seja na versão recontada por
Lutero) para ajudar a reforçar a ideia de que os custos da vida opulenta são
muito elevados, sendo preferível uma vida modesta, tranquila e honesta.

4.2 O Brasil no Lesebuch

A introdução à terceira edição do Lesebuch... dedica algum espaço


para lamentar a falta de textos sobre o Brasil nas edições anteriores. De fato,
é preciso folhear mais de cem páginas antes de chegar a algum texto onde o
Brasil não seja mais que um alvo, um plano de fundo ou tenha sua presença
apenas vagamente sugerida. Surpreendentemente, até na quarta seção,
dedicada à natureza, os temas especificamente brasileiros são poucos, muito
embora a natureza brasileira fosse um elemento presumivelmente forte do
imaginário dos pupilos teuto-brasileiros do campo, além de uma presença
quotidiana que poderia se prestar à investigação da escola.

Não obstante, os poucos textos presentes já fornecem mais material


do que essa monografia é capaz de discutir a contento. A discussão sobre o
retrato do Brasil no Lesebuch... será dividido em duas partes: a terra e o
homem.

24
“Um pardal na mão é melhor que uma pomba no teto” e “não é pobre quem tem pouco,
mas sim quem muito deseja”.

45
4.2.1 A terra: natureza e lugares

Ao longo das páginas do Lesebuch..., a natureza aparece como único


aspecto do Brasil ao qual os diferentes autores dos diversos fragmentos
parecem devorar admiração incondicional. Claro, há espaço para louvar
algumas obras humanas: Johannes Wilda afirma entusiasmado que:

Rio de Janeiro ist die schönste Stadt der Erde, die zu


erblicken ich das Glück hatte, und ich habe deren ziemlich
viele gesehen. (...) Der Ausdruck „paradiesisch schön“ hier
trifft er zu. (...) Wenn ich an Rio zurückdenke, vergesse ich
leicht alles Störende, was ich dort fand, und es ist mir wie
eine Erinnerung an ein geträumtes Märchen voll Farben und
Schönheit. Wahrlich, Südamerika wäre schon beneidenswert,
wenn es nichts hätte als diese eine, einzige Stadt25 (p. 142-
3).

Apesar disso, até no resto de seu relato a paisagem espetacular da


baía de Guanabara ganha muito mais atenção que a cidade do Rio em si no
espaço de seu breve relato de viagem.

Estudos mais amplos sobre a literatura teuto-brasileira apontam que a


natureza brasileira causou uma impressão muito forte nos imigrantes recém-
chegados.

Na verdade, a floresta que encontraram era imensa,


impressionante, majestosa e fascinante de um lado. Do
outro, porém, essa mesma floresta inspirava temor, ocultava
incógnitas, despertava suspeitas de que em suas entranhas
escondiam-se as surpresas mais inesperadas (RAMBO,
2005, p. 74)

Ou, para citar as palavras do próprio Lesebuch, extraídas do texto


sobre Santa Catarina da autoria de W. Aldinger, no trecho em que ele
comenta sobre o impacto da costa montanhosa e coberta de densa selva

25
O Rio de Janeiro é a cidade mais bonita que eu já tive a felicidade de ver neste mundo, e
eu vi bastante destas. (...) O adjetivo paradisíaco lhe é bem aplicável. (...) Quando penso no
Rio, esqueço facilmente toda sorte de inconveniente que lá encontrei, e para mim é como a
lembrança de um conto de fadas dos sonhos, todo cores e beleza. A bem da verdade, a
América do Sul já seria invejável se não tivesse nada além desta única cidade.

46
sobre os imigrantes: “Es war gerade kein sehr freundliches Gesicht, das die
atlantische Seite des Landes dem neuen Ankömmling zeigte, der von der bald
lieblichen, bald wilden Schönheit der Landschaft nicht satt werden konnte”26
(p. 219).

Mesmo depois de estabelecida a colônia, com suas casas e lavouras,


a selva circundante continuaria como uma referência poderosa. Embora os
imigrantes alemães não fossem indiferentes à beleza da mata brasileira, era
preciso derrubá-la para ter a terra para plantar, a madeira para construir as
casas... Em suma, para viver. Era preciso domesticar a terra selvagem.

Apesar das duras batalhas contra a selva, os imigrantes e seus


imigrantes não guardariam ressentimento contra a natureza hostil. Entre os
homens e mulheres da colônia (entre os quais se contam autores presentes
no Lesebuch...) vigora o que Huber (2010) chamará de “narrativa do Éden”: o
Brasil é um paraíso terrestre – embora não tenha sido encontrado pronto:

A narrativa edênica do Brasil dos primeiros imigrantes tem,


pois, dupla face: a natural e a construída. Aqui surgem
conceitos conhecidos e populares nessa produção literária,
como Tatkraft (capacidade de ação, trabalho), Fleiss (sic!)
(dedicação ao trabalho), Streben (aspiração, ambição), Held
(herói), Pionier (pioneiro), entre outros (HUBER 2010, p. 80)

Podemos encontrar exemplares lapidares desta tradição edênica no


próprio Lesebuch..., como o poema Die Kolonie [A colônia], de Alfred Wäldler,
de onde extraímos o trecho abaixo:

Wie schön bist du zu allen Zeiten


In deines Urwald Herrlichkeiten,
in deiner Felder frischem Grün,
wo durch der Arbeit reichen Segen
in jedem Haus, an allen Wegen
des Wohlstands Freuden auferblühn!
O, wenn bei dieser äußern Schöne
Des Geistesfortschritts lichter Schein
im Herzen flammte deiner Söhne –

26
Não foi um rosto amigável que a face atlântica destas terras mostrou ao novo recém-
chegado, que não conseguia se cansar da ora amável, ora selvagem beleza da paisagem.

47
dann würdest du ein Eden sein! –27

Entre os colonos e seus paraísos [parcialmente] artificiais existiria um


forte sentimento de apego ao solo.

Embora haja outros textos na mesma veia, não só de retratos


bucólicos vive o Lesebuch... Nele se encontram relatos de viagem a zonas do
território brasileiro que ainda recusavam o jugo da civilização, onde o sublime
experimentado pelos pioneiros ao encarar pela primeira vez a mata que
viriam a chamar de casa.

Nessa veia temos textos como Der Sertão (descrito como “weite
Hochebenen, in welche die menschliche Kultur noch nicht vorgedrungen
ist“28) Am Amazonenstrom [No rio Amazonas], Die Überschwemmungen des
Rio S. Francisco [As Enchentes do Rio São Francisco] e Die Iguassú-Falle
[As Quedas do Iguaçu] (saudadas por seu autor, Max Josef von Vorano,
como “Wunder Südamerikas ”29 e “die gewaltige Sprache der Natur, wie ich
sie in all ihrer Allmacht nirgends voller und tiefer empfunden habe!” 30 ). Em
todos os casos, não é difícil notar uma fascinação com os extremos na
natureza indomável – como se a imaginação de pioneiros e herdeiros de
pioneiros se nutrisse do conceito com paisagens naturais que ainda
resistissem bravamente aos melhores esforços do homem para civilizá-las.

4.4.2 O homem: típicos tipos e manifestações culturais

A segunda seção do Lesebuch... é aberta com um curioso relato da


descoberta do Brasil – ou melhor dizendo, das descobertas do Brasil. O texto
de Heinrich Handelmann relaciona três navegadores ibéricos que teriam dado
com a costa brasileira mais ou menos ao mesmo tempo, sem conhecimento

27
Como és bela todo o tempo/na imponência de tua selva/no verde vicejante de teus
campos/onde pela abundante benção do trabalho/florescem as alegrias da prosperidade em
cada casa/em todos os caminhos/em cada casa, em todos os caminhos/floresce a alegria da
prosperidade!/ Oh! Quando por essa extrema beleza/O raio luminoso do progresso
espiritual/flameje no coração de seus filhos/então serás um Éden!
28
amplos planaltos onde a cultura humana ainda não penetrou.
29
Maravilha da América do Sul
30
A poderosa língua da natureza, tão forte e profunda em toda sua onipotência quanto eu
jamais senti!

48
do trabalho um do outro. O primeiro teria sido o espanhol Vicente Yanez
Pinzón, seguido por seu compatriota Diego de Lepe, e só então seria a vez
de Cabral, que reivindicou a terra para o rei de Portugal.

Embora a primazia de Cabral como primeiro europeu em terras


brasileiras seja amplamente questionada, é curioso que este texto escolha
passar o título a Pinzón com a mesma certeza com que a história oficial do
Brasil sacramenta Cabral. Parece haver um desejo de questionar a
associação tão naturalizada do Brasil com sua herança portuguesa, seja em
matéria de língua, religião ou o que seja, apontando que até mesmo a
alegação de Portugal de ter descoberto o Brasil seria falsa.

Os indígenas brasileiros são chamados por diversos nomes: Indianer


[índios], Rotenhäute [peles vermelhas], Wilde [selvagens], pelos nomes de
seus povos (como Tupinambá ou Bacahiry), ou ainda, no contexto específico
da história de Hans Staden, Menschenfresser [devoradores de gente]. Na
maioria das vezes aparecem em contexto de confronto: em Was mir der alte
Brockmann erzählte [O que o velho Brockmann me contou], que reconstitui o
começo da colônia de São Leopoldo por meio de um relato em primeira
pessoa de um dos colonos originais, é mencionado o confronto entre
imigrantes e indígenas; os atritos são atribuídos pelo narrador ao avanço dos
colonos sobre os territórios de caça dos nativos.

Numa nota diferente, Ein Besuch bei den Bacahirys, de Karl von den
Steinen, o autor relata em primeira pessoa sua viagem ao vale do Xingu no
ano de 1887 para entrar em contato com um povo isolado. A visita é pacífica,
marcada pela curiosidade dos índios em relação aos apetrechos e aos
conhecimentos científicos do alemão, e deste em relação à extraordinária
adaptação daqueles à vida na mata.

Em comparação com os relatos da história alemã presentes na mesma


seção, o Lesebuch... é pobre em referências a figuras históricas brasileiras.
Descontando-se Hans Staden, as únicas personagens que ganham seus
próprios textos são Tiradentes em Die Beschwörung von Tiradentes [A
Conjuração de Tiradentes] e Dom Pedro II em Ein Freund der Armen [Um
amigo dos pobres], escrito pelo próprio Wilhelm Rotermund. O primeiro

49
aparece quase como uma concessão à ainda jovem República, mostrando
como seu herói mais simbólico foi martirizado em nome da liberdade – valor
que a lenda nacional alemã tem em alta estima. Dom Pedro II é focalizado
mais sob as luzes de filantropo que de estadista. Rotermund deixa escapar
alguma simpatia pelo soberano destronado e exilado a despeito de seu bom
caráter.

O homem comum brasileiro tem textos dedicados a alguns de seus


tipos mais notáveis, como o tropeiro, e a suas tradições, como o rodeio e as
Festas do Divino, sobre as quais o autor, após detalhar as procissões,
folguedos e queima de fogos envolvidos na celebração, observa: “Das ist
alles recht hübsch und lustig, nur sehe ich nicht ein, was es mit Religion, und
dem Heiligen Geiste zu tun hat” (p. 158)31. Também faz participações como
elemento secundário em textos sobre temas “maiores”, como o que trata das
enchentes do rio S. Francisco, que separa algumas linhas para comentar
como o regime de cheias, embora necessário, afeta a população local –
especialmente os criadores de gado, que passariam a estação correndo atrás
de reses ilhadas pelas águas que sobem.

É possível identificar uma simpatia recorrente para com os homens


comuns do povo que têm adaptabilidade e resiliência para conviver com a
natureza e seus caprichos, sejam os criadores de gado do São Francisco
(chamado de Fazendeiros, em português mesmo), os tropeiros ou os índios
isolados. Tal como os alemães, estes grupos precisam constantemente
superar os desafios levantados pelo meio-ambiente, o que parece aproximá-
los no ideário dos autores do Lesebuch... Mas a simpatia tem nuances de
pena, pois, ao contrário dos alemães que tiveram brio para superar suas
dificuldades e prosperar, estas figuras parecem fadadas a, na melhor das
hipóteses, aguentar essa vida: melhorar, jamais.

Poucos são os quadros de interação entre teuto-brasileiros e a


sociedade brasileira mais ampla. Em Melonen se desenha uma singela cena
quotidiana: o agito da visita de uma carroça de um vendedor de melancias
brasileiro à colônia, incluindo barganha conduzida por gesto e poucas

31
Tudo isto é muito bonito e divertido, mas não entendo o que tem a ver com a religião, o dia
de Pentecostes ou o divino Espírito Santo.

50
palavras. Em Rodeio, um alemão chamado Franz aparecerá ao final para
visitar o dono da fazenda onde está acontecendo o rodeio do título e
terminará nele tomando parte. Existe um nível diferente de envolvimento e
afetividade entre os indivíduos, mas as relações são apresentadas em geral
como amistosas.

No retrato no brasileiro “comum”, é interessante notar que poucas


vezes ele será chamado de Brasilianer, simplesmente. Encontraram-se,
porém, termos como Lusobrasilianer [luso-brasileiro], ou ainda “unserer
lusithanischen Mitbürger” (p. 232) [nossos concidadãos lusitanos]. Seria
possível alegar que o objetivo aqui é conferir um ar de estrangeirismo às
diversas identidades brasileiras, conjunto dentro do qual os teuto-brasileiros
não pareceriam tão marcadamente estrangeiros.

4.3 Um lugar ao sol para os teuto-brasileiros

4.3.1 Presença e contribuições alemãs para o progresso do Brasil

Em Deutsche in Brasilien, Wilhelm Rotermund escreve – ecoando


novamente o imaginário do deslocamento – que à época das navegações, já
muitos alemães haviam se instalado em Portugal e não raro embarcavam nos
navios que deixavam o cais de Belém rumo aos novos mundos que o espírito
explorador português havia colocado no mapa da Europa, o Brasil entre eles.

Esse esforço para estender a presença alemã no Brasil até a gênese


da colonização e magnificar a contribuição destes primeiros pioneiros terá
resultados como a conversão de Hans Staden numa figura seminal nos
esforços de colonização do Brasil (pelo menos no que concerne às páginas
do Lesebuch...), não tanto num viajante que ficou aqui provavelmente mais
tempo do que desejava, em virtude de circunstâncias alheias a sua vontade,
que teve seu nome divulgado mais em virtude de sua habilidade como
contador de histórias que por seu engenho e valentia a serviço do Brasil
incipiente.

A reforma de imagem de Hans Staden harmoniza com a narrativa que


os teuto-brasileiros buscavam criar sobre si, em busca de legitimação de seu

51
espaço no quadro mais amplo da sociedade brasileira, como brasileiros
plenos, apesar de cultivarem tradições alheias à herança cultural da maioria
de seus compatriotas. As duas pedras de toque deste projeto eram os
começos difíceis e a prosperidade presente; em suma, a narrativa construída
era uma de progresso por meio do trabalho duro, ainda mais notável por
todos os obstáculos e embaraços que se apresentaram logo de início.

Retornemos a Was mir der alte Brockmann erzählte, talvez a peça


mais eloquente encontrada no Lesebuch... sobre os primórdios da
colonização alemã. A chegada dos imigrantes é um conflito de emoções, com
a admiração ante a mata densa e verdejante e a exasperação de saber que
quem quisesse ter um teto sobre a cabeça e um pedaço de chão para plantar
sua lavoura teria que arregaçar as mangas e começar a derrubar árvores
imediatamente. Os brasileiros que os conduziram até lá largam as bagagens
dos alemães às margens do rio dos Sinos e se vão, deixando os colonos à
própria sorte; só voltarão para entregar armas enviadas pelo governo para a
luta contra os índios – que até esse ponto nem havia sido mencionada, como
se não fosse um problema no início. O tom da narrativa trai certo
ressentimento, como se o velho Brockmann implicasse que as autoridades
brasileiras não se importavam muito com o bem-estar dos colonos e só
voltavam a se manifestar para pedir-lhes algum tipo de favor ou encarregá-
los de alguma missão.

E, apesar disso tudo, a colônia deu certo – e viriam muitas outras em


seu encalço, cada uma enfrentando seus próprios dramas até estar
solidamente estabelecida. Nesse ritmo, os alemães escavariam para si um
nicho no Brasil, se encarregando do trabalho de “civilizar” o Sul que os
portugueses vinham negligenciando ao longo de séculos de presença na
região. Assim – os diversos autores do Lesebuch... parecem afirmar, mesmo
que por vezes implicitamente – os teuto-brasileiros estariam em pé de
igualdade com os demais brasileiros, tendo derramado muito suor em prol do
país, e lhe prestado grandes serviços que atestavam sua lealdade e
patriotismo com muito mais assertividade do que uma eventual aculturação
ou abandono de sua língua e modos jamais poderiam fazer.

52
Nos textos que tratam da região Sul não faltam enumerações dos
efeitos benéficos da presença alemã sobre a paisagem. O exemplo abaixo foi
extraído de Der Staat Santa Catarina:

Der einst unwirtliche Waldgürtel zwischen Küste und


Hochland ist durch die Arbeit der Deutschen zu einem
Kulturgebiet umgeschaffen worden mit anmutigen Städtchen
(...), in der Art der Gartenstädte und oft anheimelndem
deutschen Stile erbaut. Schöne Kolonie-Anwesen, stattliche
Geschäftshäuser, ja selbst schon Fabriken und elektrische
Werke zeugen vom Gewerbefleiß der Bewohner, die in
selbstgegründeten Schulen, Kirchen und Vereinen das
geistige, religiöse und gesellige Leben pflegen in der Sprache
ihres Vaterlandes. Liegt darin nun eine Gefahr für Santa
Catarina oder gar Brasilien, wie oft gesagt wird? Ganz gewiß
nicht. (pp. 221-2)32

Em In Porto Alegre, relato de uma viagem à capital gaúcha, o autor


afirma: “Was Porto Alegre heute ist, das verdankt es seinem Handel. Was
wiederum dieser Handel zu seiner heutigen Bedeutung entwickelt hat, ist zum
besten Teil deutsche Arbeit“ (p. 127)33.

Não que os teuto-brasileiros não estivessem dispostos a derramar


mais do que seu suor pela pátria: nas palavras de Rotermund:

Die Deutschen Brasiliens haben ihren Patriotismus nicht bloß


durch ihren Fleiß und ihre Achtung vor den Behörden und
Gesetzen gezeigt, sondern auch dadurch bewiesen, daß sie
bereit waren, sich und ihre Söhne zu opfern, als es galt, die
Heimat gegen den Angriff von Feinden zu verteidigen (p.
231)34

32
O antes hostil cinturão de bosques entre a costa e o planalto foi convertido, por meio do
trabalho dos alemães, em um bolsão de civilização, com graciosas cidadezinhas (...),
construídas à maneira das cidades-jardim e frequentemente com aconchegante estilo
alemão. Belas propriedades coloniais, sóbrios edifícios comerciais, e até fábricas e
instalações elétricas ilustram a herança comercial de seus habitantes, que cultivam sua vida
espiritua,l religiosa e social em escolas, igrejas e associações que eles próprios fundaram,
usando a língua de sua pátria. Existe nisto algum perigo para Santa Catarina, ou até para o
Brasil, como se diz com frequência? Claramente não.
33
Porto Alegre deve sua presente condição a seu comércio. E o que conduziu este comércio
a sua significância atual é, na maior parte, trabalho alemão.
34
Os alemães do Brasil não demonstraram seu patriotismo somente por meio de sua
diligência e respeito para com as autoridades e para com as leis, mas também o

53
Nesse particular, talvez ele desconheça a resistência das primeiras
gerações de alemães aqui radicados em servir nas guerras brasileiras
(PICCOLO, 2005, p. 93-6), ou talvez dela convenientemente se esqueça – a
rigor, muitos alemães do Volga vieram ao Brasil para fugir ao serviço militar
obrigatório na Rússia, e não estavam exatamente entusiasmados com a
perspectiva de pegar em armas por um país no qual haviam acabado de
pisar (RAMBO, 2005). Porém não importa se ele tinha conhecimento desta
página da história alemã no Brasil: ele provavelmente não a mencionaria de
qualquer forma. O tom argumentativo que frequentemente aflora nestes
textos trai uma necessidade recorrente de se defender de ataques e
acusações vindos de fora da colônia – necessidade relevante o bastante para
que tenha se considerado adequado incluir em um livro de leitura escolar
argumentos para rebater essas alegações. Era importante criar a imagem de
perfeita harmonia entre as dimensões brasileira e alemã do cidadão teuto-
brasileiro: qualquer indicação de que o lado teutônico atrapalhasse o
desempenho do lado brasileiro tinha o potencial de virar munição nas mãos
do adversário.

Os teuto-brasileiros teriam mais chances de manter seu lugar ao sol


enquanto reforçassem sua narrativa do suor e do sangue derramados em
prol do progresso e do bem-estar do Brasil, assim como do amor que sentiam
pela terra, pela qual tanto haviam batalhado tanto com machados como com
espingardas. Quem estivesse disposto a sacrificar tanto por um país não
poderia ser considerado estrangeiro, ainda que suas feições, fé, costumes e
língua fossem distintos dos da maioria de seus compatriotas.

4.3.2 Quanto mais alemão, melhor brasileiro

Mesmo os setores mais desconfiados da sociedade brasileira não


poderiam simplesmente descartar o que os alemães haviam alcançado no
Sul do Brasil – tanto assim que a imigração se estenderia por muitos anos.
Os estados do Sul estavam mais cheios, mais brancos e mais desenvolvidos.

demonstraram na prontidão em sacrificar a si mesmos e a seus filhos quando foi necessário


defender a Heimat de ataques inimigos.

54
A grande dúvida seria se valia a pena deixar amplas terras brasileiras nas
mãos de gente que parecia determinada a reproduzir tão fielmente quanto
possível os usos e costumes de sua terra de origem por gerações a fio. Seria
esta gente realmente brasileira? Seria possível contar com sua lealdade
quando a Pátria precisasse deles? Se os interesses do Brasil se chocassem
com os da Alemanha, com quem essa massa de gente se alinharia?
Convinha permitir que tantos cidadãos brasileiros priorizassem o uso de
língua estrangeira em quase todos os negócios da vida?

Os teuto-brasileiros bem sabiam que esses questionamentos


circulavam tanto nas ruas quanto nos corredores de palácios
governamentais. E a elas o Lesebuch... responderia: sim, vale a pena.

Porque o sucesso dos alemães se deveria sobretudo a sua cultura, à


visão de mundo e às virtudes tipicamente germânicas. Logo, a continuação
do progresso dependeria da manutenção da cultura alemã. O Brasil lucraria
contando com miríades de herdeiros das tradições dos antigos germanos, da
resiliência dos soldados prussianos e do espírito de Goethe e Schiller.
“Glückliches Land, das so fleißige, friedliche und lebensfrohe Bürger hat!” (p.
230)35. Os alemães (que, na observação de Rotermund, têm a tendência de
se dirigir às regiões ermas e remotas dos países para onde se deslocam)
seriam ainda colonizadores natos:

Erstlich hat sich im Verlauf der Jahrhunderte und


Jahrtausende gezeigt, daß die Deutschen sowohl durch ihren
Fleiß, wie durch ihr verständnisvolles Vorwärtsstreben und
ihre Friedens- und Ordnungsliebe vor allen andern Völkern
geeignet sind zur Hebung eines Landes beizutragen. Auch
die neuerdings in Oesterreich, Rußland und Nordamerika von
ihnen angelegten Kolonien sprachen für sie. (p. 225)36

E a única maneira de preservar esse capital seria permitindo que se


preservasse a língua alemã, assim como as instâncias que a perpetuavam: a

35
Feliz terra esta que possui cidadãos tão diligentes, pacíficos e alegres!
36
Primeiramente, no correr de séculos e milênios se tem demonstrado que os alemães, tanto
por sua diligência quanto por sua compreensiva mentalidade progressista e seu amor pela
paz e pela ordem, são mais adequados que os demais povos para contribuir para o
desenvolvimento de um país. Também as colônias por eles recentemente estabelecidas na
Áustria, na Rússia e na América do Norte falavam por eles.

55
escola, a imprensa, a igreja, as associações, etc. Logo, seria interessante
que o Estado brasileiro deixasse sua população alemã em paz, pois esta não
lhe queria mal; muito pelo contrário: embora tivessem um vínculo imperecível
com a cultura alemã, não tinham outra Pátria que não o Brasil37, e com ele
estaria sua lealdade.

A lealdade exclusiva ao Brasil, sem prejuízo do pertencimento ao


grande povo alemão espalhado pelos quatro cantos do mundo, é um discurso
que seria repetido com mais força sempre que a situação ameaçava se
complicar – como ocorreria na década de 1930, nos poucos anos que
assistiram a implantação das cotas de imigração, a campanha de
nacionalização, a abolição das escolas de imigrantes e a entrada na Segunda
Guerra Mundial, com todas as implicações que isso teria para os chamados
“súditos do Eixo”. Na época do Lesebuch..., o cenário não era ainda tão
dramático, porém era possível sentir a aproximação de problemas. Já havia
quem dissesse que imigrantes não eram mais uma solução, mas sim que
haviam se tornado um problema. Era preciso fortalecer os pupilos para uma
nova rodada de ataques contra seu germanismo, à semelhança do que havia
ocorrido poucos anos antes, durante a Primeira Guerra Mundial. Eles não
suspeitavam que as novas ondas quebrariam com muito mais violência, e até
a casa erguida sobre a rocha, com suas fundações tão laboriosamente
escavadas, seria abalada, resultando – segundo Gertz (2010) – em pelo
menos três décadas de silenciamento da colônia alemã.

Mas Rotermund ainda não sabia disso. Para ele, a principal linha de
defesa da condição teuto-brasileira era insistir que eram as virtudes alemãs
que permitiam aos imigrantes e a seus descendentes serem tão honoráveis
cidadãos brasileiros: “Weil wir Brasilien als unser Vaterland lieben, so wollen
wir ihm wie bisher in deutscher Weise und mit deutscher Kraft dienen” (p.
233)38.

Em resumo, o melhor que os alemães podiam fazer pela pátria


brasileira era não se deixar assimilar. Jamais.

37
No Lesebuch..., tanto a palavra Heimat quanto Vaterland são usadas para se referir ao
Brasil.
38
Justamente porque amamos o Brasil como nossa pátria, queremos servi-lo de modo
alemão e com força alemã, como temos feito até agora.

56
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando decidi pesquisar o Lesebuch für Schule und Haus, sabia que
ele teria algum tipo de agenda: é simplesmente essa a maneira como os
livros didáticos funcionam. Perguntava-me o que era, para esse livro, ser
brasileiro – assim como o que era ser alemão. Tendo chegado até aqui, estou
convencido de que para os autores representados no Lesebuch... o Brasil é,
antes de mais nada, um lugar. É um país (Land) sem povo (Volk); pode ser
que tivesse uma população, mas ainda não teria um povo propriamente seu.
É uma entidade jurídica que administra um vasto, belo, impressionante e
selvagem território. Seus habitantes originais – pelo menos os que restaram –
vivem à margem da sociedade, muitas vezes sem sequer saber que o Brasil
existe ou que habitam seu território. A maior parte da população tem raízes
em Portugal, em Angola, na Itália, na Alemanha, etc. A língua oficial é
emprestada de seus antigos senhores coloniais. Poderia ser que uma
legitima brasilidade viesse a surgir um dia, mas por ora era mais um objetivo
a ser atingido que uma realidade já efetiva e atuante no mundo. Ser brasileiro
seria, portanto, ser habitante e cidadão do Brasil.

Ser alemão, por outro lado, pouco tem a ver com um lugar. A
Alemanha é a terra de origem do povo alemão, e por isso merece estima de
quantos pertençam à raça germânica. Friedrich Strothmann escreveu no
Allgemeine Lehrerzeitung que “o vínculo ao povo alemão permanece, ‘seja
sob carvalhos, seja sob palmeiras’” (Grützmann 2003a, apud Arendt 2006, p.
114). Se consideramos o carvalho como símbolo da Alemanha e a palmeira
como representação do Brasil, não é difícil entender sua mensagem: é
possível ser alemão qualquer ambiente, sob qualquer clima, em qualquer
continente. Há que se considerar que, enquanto país, a Alemanha é mais
nova que o Brasil – não obstante, o povo antecedia a existência do país.
Enquanto que para ser brasileiro bastava nascer no país ou nele se
estabelecer, para ser alemão era preciso nascer como tal, trazer no sangue a
história dos guerreiros que detiveram o avanço romano. Era preciso falar

58
alemão, expressar seu verdadeiro ser nessa língua, e por meio dela ter
acesso à fé, aos versos e às canções em que habitava o espírito do povo.

Em suma, o surgimento da Alemanha decorreria da existência de um


povo alemão, enquanto que o Brasil teria que forjar um povo para si depois
de alcançar sua autonomia como país.

No Lesebuch... há um esforço para desnaturalizar a associação


automática entre o Brasil e a herança portuguesa, apontando – com alguma
justiça – que todos que não sejam índios podem ser considerados, de alguma
maneira, estrangeiros no Brasil. Assim, a única diferença entre teuto-
brasileiros e luso-brasileiros no que tange à brasilidade seria o tempo
decorrido desde a chegada de seus respectivos antepassados a estas
bandas, o que não bastaria para declarar o brasileiro de sangue alemão
estrangeiro e considerar seu compatriota de herança portuguesa como
natural da terra.

Uma vez que o ser brasileiro ainda estaria em definição, qualquer um


poderia continuar vivendo à sua própria maneira e não ser considerado
menos brasileiro por isso; e, tendo em vista a ampla e respeitável herança do
povo alemão, ser brasileiro à maneira alemã não parecia uma má maneira de
sê-lo.

Campinas, dezembro de 2017.

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