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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Faculdade de Comunicação Social
Especialização em Jornalismo Cultural

José Daniel Salman

A representação da cidade do Rio de Janeiro


no olhar de dois escritores argentinos: Roberto Arlt e Manuel Puig

Rio de Janeiro

2017
José Daniel Salman

A representação da cidade do Rio de Janeiro


no olhar de dois escritores argentinos: Roberto Arlt e Manuel Puig

Monografia apresentada como requisito parcial para


conclusão do Curso de Especialização em Jornalismo
Cultural da Faculdade de Comunicação Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Sobral de Miranda

Rio de Janeiro
2017
José Daniel Salman

A representação da cidade do Rio de Janeiro


no olhar de dois escritores argentinos: Roberto Arlt e Manuel Puig

Monografia apresentada como requisito parcial para


conclusão do Curso de Especialização em
Jornalismo Cultural da Faculdade de Comunicação
Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Aprovada em:
Banca Examinadora:

__________________________________________
Profa. Dra. Patrícia Sobral de Miranda (Orientadora)
Faculdade de Comunicação Social – UERJ

_______________________________________
Prof. Dr. Geraldo Garcez Condé
Faculdade de Comunicação Social – UERJ

__________________________________________
Profa. Denise da Costa Oliveira Siqueira
Faculdade de Comunicação Social - UERJ

2017
Dedico este trabalho a todos os que ainda acreditam, defendem e
lutam pela educação pública no Brasil e na Argentina.

A Roberto Arlt e Manuel Puig, que até hoje me acompanham neste


casamento que tenho com o Rio de Janeiro.
AGRADECIMENTOS

Aos trabalhadores da UERJ, que num contexto de adversidade por que passa a
universidade, resistem até com seu próprio salário na defesa da educação pública. Em
especial a Patrícia Sobral de Miranda, pela motivação e por saber tirar de mim o melhor
que eu poderia dar para um trabalho desta natureza e por acreditar que ainda pode dar bons
e melhores frutos.

A minha família e amigos; sempre seguindo de perto meus movimentos. Em especial à


Confraria, almas gêmeas deste percurso e ao Bloco da Julio de Castilhos, peças
fundamentais da minha vida pelas ruas cariocas.

A Thaís, Zaida, Lucas, as Lauras e Lucero pela ajuda técnica e o apoio urgente.

A Ramon, pelos cuidados com o português e o amor e generosidade por meu trabalho.
SALMAN, José Daniel. A representação da cidade do Rio de Janeiro no olhar de dois
escritores argentinos: Roberto Arlt e Manuel Puig, 2017. 69 f. Monografia de Final
de Curso (Especialização) - Curso de Jornalismo Cultural, Faculdade de
Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2017.

RESUMO

Este trabalho visa a analisar a representação do Rio de Janeiro nas obras literárias Águas-
fortes cariocas, coletânea de crônicas publicadas por Roberto Arlt em 1930, e Cai a noite
tropical, romance de autoria de Manuel Puig escrito no início dos anos 1980. As obras têm
em comum o fato de terem sido escritas por dois célebres autores argentinos durante o
tempo em que moraram na cidade. Neste estudo, respeitando a diferença de gênero textual,
foi realizada uma análise de conteúdo dos dois textos amparada nos conceitos de
representação social, cidade, imaginário citadino, exílio, e jornalismo cultural. Ao expor
pela primeira vez juntas a experiência carioca narrada na literatura de Arlt e Puig, pretende-
se fazer mais um aporte teórico à já sólida ponte cultural entre o Brasil e a Argentina.

Palavras-chaves: Representação Social, Roberto Arlt, Manuel Puig, Cidade, Rio de


Janeiro, Brasil, Argentina.
SALMAN, José Daniel. A representação da cidade do Rio de Janeiro no olhar de dois
escritores argentinos: Roberto Arlt e Manuel Puig, 2017. 69 f. Monografia de Final
de Curso (Especialização) - Curso de Jornalismo Cultural, Faculdade de
Comunicação Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2017.

RESÚMEN

Este trabajo tiene por objetivo analizar la representación de la ciudad de Rio de Janeiro en
las obras literarias Aguafuertes cariocas, compilado de crónicas publicadas por Roberto
Arlt en 1930, y Cae la noche tropical, novela de Manuel Puig escrita a inicios de 1930.
Las obras tienen en común el hecho de haber sido escritas por dos célebres autores
argentinos durante el tiempo en el cual vivieron en la ciudad. En este estudio, respetando la
diferencia de género textual, fue realizado un análisis de contenido de los dos textos,
amparado en los conceptos de representación social, ciudad, imaginario citadino, exilio y
periodismo cultural. Al exponer por primera vez juntas la experiencia carioca narrada en la
literatura de Arlt y Puig, se pretende hacer un nuevo aporte teórico al ya sólido puente
cultural que une al Brasil con la Argentina.

Palabras-claves: Representación Social, Roberto Arlt, Manuel Puig, Ciudad, Río de


Janeiro, Brasil, Argentina.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 9
1. REPRESENTAÇÃO SOCIAL, CIDADE, JORNALISMO ............................................................ 13
1.1 Representação Social: uma construção discursiva ....................................................... 13
1.2 Cidade: para além da configuração socioespacial ........................................................ 16
1.2.1 Cidade versus Campo, no campo da literatura .................................................... 18
1.2.2 O imaginário citadino dos escritores estrangeiros a partir do exílio ................... 20
1.3 Jornalismo em geral e jornalismo cultural em particular em Cai a noite tropical e
Águas-fortes cariocas ................................................................................................... 24
2. A CRÔNICA E O ROMANCE: DOIS ESCRITORES ARGENTINOS, UMA CIDADE ................. 28
2.1 Aguafuertes cariocas, de Roberto Arlt ......................................................................... 28
2.1.1 Crônicas inéditas no Rio de Janeiro ............................................................... 30
2.1.2 Costumbrismo e Aguafuertes.......................................................................... 32
2.1.3 Sobre Roberto Arlt, referências biográficas e literárias ................................. 32
2.1.4 A obra de Arlt no Brasil ................................................................................. 34
2.2 Cai a noite tropical, de Manuel Puig............................................................................ 35
2.2.1 Sobre Manuel Puig, breves referências biográficas e literárias...................... 38
3. CARTOGRAFIAS MENTAIS E EMOCIONAIS ........................................................................... 41
3.1 Rio de Janeiro em Arlt .................................................................................................. 41
3.1.1 O perambular com ............................................ 41
3.1.2 O jornalismo visceral nas crônicas arltianas ................................................. 45
3.1.3 “S u :C p ?” ................................................................. 48
3.2 Rio de Janeiro em Puig ................................................................................................. 51
3.2.1 Tudo sobre suas mães: as tardes-noites cariocas de Manuel Puig ................. 51
3.2.2 O uso da fofoca e das cartas como estratagema narrativo .............................. 53
3.2.3 Os segundos cadernos do romance puigiano ................................................. 55
3.2.4 A primavera democrática com o ar abafado das ditaduras ............................. 57
3.2.5 Rio de Janeiro no olhar de duas velhinhas argentinas .................................... 58
CONCLUSÃO ....................................................................................................................................... 61
REFERÊNCIAS.................................................................................................................................66
INTRODUÇÃO

Ao longo do ano 2015 a cidade do Rio de Janeiro comemorava 450 da sua fundação. Em
meio a todos os eventos de celebração previstos para aquele ano, uma exposição no Centro
Cultural dos Correios chamou minha atenção. Batizada de A muito leal e heroica cidade de
São Sebastião do Rio de Janeiro, a mostra herdara o nome de um livro publicado em 1965,
quando aconteceram as comemorações do quarto centenário da fundação do Rio, reeditado
em 2015. Para além da mostra e do livro, o que mais me chamou a atenção enquanto
cidadão estrangeiro morando na cidade foi aquele título: A muito leal e heroica cidade de
São Sebastião do Rio de Janeiro. Mais que um nome, havia ali uma condecoração. O que
tinha o Rio de leal e heroico era algo a descobrir. Naquele março de 2015 eu estava há
menos de um ano na cidade, mas era tempo suficiente para saber que o slogan cidade
maravilhosa dos cartões postais, da praia, do Carnaval e das pessoas bonitas era uma
construção do marketing turístico. Um adjetivo a ser desconstruído. Além de maravilhosa
(no sentido mais amplo do termo), o Rio era leal e heroica. Só bastava descobrir por quê.

Ao invés de realizar uma investigação histórica, analisando o que têm a dizer os


pesquisadores brasileiros, escolhi fazer um percurso mais afinado com minhas raízes:
abordar a cidade do Rio de Janeiro por meio dos olhos de autores nascidos em meu país de
origem, a República Argentina. E aqui não me refiro a autores argentinos que tivessem
tomado a cidade como objeto de estudo acadêmico e, sim, a autores que a tivessem
cartografado a partir da literatura e que, como eu, tivessem vivido a experiência de ser
estrangeiro no Rio. Autores que tivessem percorrido suas ruas, se misturado com seus
habitantes, se interessado por entender uma realidade que não é a sua própria. Porque este
foi exatamente meu objetivo desde o dia que cheguei para morar nesta cidade.

Assim, foram escolhidos dois autores argentinos tradicionalmente destacados por seu
profundo olhar urbano – Roberto Arlt e Manuel Puig –, e que em suas respectivas obras –
Águas-fortes cariocas e Cai a noite tropical – colocam sua literatura a serviço de seu olhar
sobre a cidade do Rio de Janeiro. Apesar de serem autores tantas vezes estudados por seu
lugar na literatura Argentina, por sua contribuição e por suas matrizes literárias, esta é a

9
primeira vez em que os dois são reunidos sob o signo da presença do Rio de Janeiro em
suas obras. Devo dizer com algum orgulho que a originalidade deste tema coloca este
estudo s f p sm , sp sâ mp su s “v s s”
Rio, reunir Arlt e Puig em torno de uma mesa de botequim carioca para trocarem
experiências sobre a cidade.

As obras aqui analisadas correspondem a duas épocas totalmente diferenciadas, 1930 e


início dos anos 1980; dois estilos narrativos, crônica jornalística e romance literário; dois
ícones da literatura da América Latina cujos sobrenomes viraram adjetivos para múltiplas
disciplinas. Atualmente fala-se de um estilo arltiano e/ou um estilo puigiano de escrever
para teatro, jornalismo, literatura, cinema e até televisão. Porém, os dois autores têm um
berço que os une: terem nascido na República Argentina e terem tomado a mesma cidade
para morar e de lá escrever.

Roberto Arlt veio ao Rio em 1930 como colaborador enviado do jornal El Mundo, de
Buenos Aires, para fazer suas crônicas cariocas, as quais ele batizou com o nome de águas-
fortes. Sua estada, planejada para durar vários meses, foi interrompida pela notícia de que
Os sete loucos, um de seus grandes trabalhos literários, tinha recebido um prêmio num
concurso da Sociedade Argentina de Escritores.

Já Manuel Puig foi um nômade ao longo de sua vida, chegando a morar no Rio de 1980 a
1989. Nesta cidade ele manteve uma prolífica carreira e passou a maior quantidade de
tempo antes da sua morte em Cuernavaca, México, em 1990.

Os olhares de Arlt e de Puig são olhares de estrangeiro. Por mais que seja óbvio, é preciso
dizer que o olhar de um estrangeiro se expressa a partir de um lugar próprio, que não se
altera – seja nos anos 1930 ou 1980. O imaginário citadino de um autor que evoca uma
cidade que não é a sua parte sempre de um lugar comum, que lhe é externo.

Por suas belezas naturais, por sua história e por ser uma das maiores capitais turísticas do
mundo ou o centro de grandes eventos internacionais, o Rio de Janeiro é geralmente
abordado a partir de uma perspectiva de cidade-cenário. No entanto, para efeito desta
10
monografia, o Rio de Janeiro será tomado para além da cidade-cenário. Para além, também,
de sua condição de cidade-personagem. A representação de cidade que aqui se quer
alcançar se constrói de modo mais complexo, multifacetado. Para tanto, este estudo propõe
a análise dos livros selecionados, abordando as obras como representações da sociedade
contemporânea.

No Capítulo 1, qu v m “ p s çã s ial, cidade, jornalismo”, será necessário


compreender o que se entende por representação no âmbito das Ciências Sociais, para logo
analisar a representação que ambos os autores argentinos oferecem sobre a capital carioca.
Para tal propósito teórico, tomaremos como base o pensamento de Emile Durkheim (1978),
Serge Moscovici (1961), Mary Jane Spink (2013) e Stuart Hall (1997), entre outros.

Por outro lado, devido ao fato de os livros aqui analisados tratarem de um espaço urbano,
abordaremos a relação do homem citadino com seu contexto imediato a partir dos teóricos
Roland Barthes (1993), Néstor García Canclini (2008), e Muniz Sodré e Raquel Paiva
(2004).

Neste trabalho trataremos também a cidade do Rio de Janeiro, do ponto de vista literário e
jornalístico, como metrópole, que se constitui em contextos sociais e culturais possíveis,
pensando a memória, a identidade e as relações sociais como responsáveis pelo olhar
estrangeiro encontrado nos livros analisados. Para tal abordagem serviram de fundamento
os estudos de Daniel Piza (2003), Jorge B. Rivera (2006), Caroline De Bastiani (2014),
Maurício de Bragança (2008), Javier Montes (20016), Edgardo Cozarinsky (2005) e
Zigmund Bauman (2003-2005), entre outros.

No Capítulo 2, intitulado “ ô m : s s s s, um ”,
descreveremos o corpus deste estudo, apresentando os dois livros e seus contextos de
criação e publicação, bem como a breve biografia dos autores Roberto Arlt e Manuel Puig.
Para esta parte do trabalho, os seguintes autores serão imprescindíveis: J. Elenice Jorge
(2009), Beatriz Sarlo (2007), Fabiana Varela (2002), Daniel Link (2015) e Tomás Eloy
Matínez (1997).

11
Por último, no Capítulo 3, intitulado “O J m Pu : f sm s
m s”, faremos uma análise dos dois livros aqui abordados a partir da urbe carioca.
Para essa análise, tomaremos trechos textuais das duas peças literárias para configurar o
olhar de Arlt e o de Puig em relação às categorias “representação social”, “cidade” e
“jornalismo”.

Na conclusão, pretendemos que as questões aqui abordadas sirvam de um grande


disparador para futuras investigações desses célebres autores argentinos que pousaram seus
olhos e se dedicaram apaixonadamente a escrever do e sobre o Rio de Janeiro.

12
1 REPRESENTAÇÃO SOCIAL, CIDADE, JORNALISMO

1.1 Representação Social: uma construção discursiva

É notório que o percurso das representações sociais, tanto coletivas quanto individuais no
âmbito das Ciências Sociais não é uma tarefa fácil para abordar. Por isso, é preciso falar de
sua origem teórica nem que seja tratando das questões mais elementares.

Rompendo com a forma tradicional e hegemônica do pensamento que concebia o sujeito


separado do seu contexto social, Serge Moscovici, em 1961, assume uma postura crítica
sobre o estudo das representações sociais. Propõe uma articulação entre as dimensões
psicológica e social do indivíduo, considerando inseparáveis sujeito, objeto e sociedade.
N s s , su s p s çõ s s s “qu s vés p -se e [...]
busca o novo, lá mesmo onde o peso hegemônico do tradicional impõe as suas
çõ s” (GU ESCHI; JOVCHELOVITCH, 1995, p.17).

Para a construção de sua teoria, o psicólogo social romeno parte do pensamento de Emile
Durkheim, dando uma clara continuidade aos estudos das representações coletivas do
sociólogo francês que por muito tempo ficaram esquecidos do meio científico e acadêmico.
Porém, Moscovici toma distância da filosofia positivista e individualista da ciência. Para
Durkheim (1978),

As representações coletivas traduzem a maneira como o grupo pensa nas suas


relações com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade se
representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza
da sociedade e não dos indivíduos. Os símbolos com que ela pensa mudam de
acordo com sua natureza [...] É preciso saber atingir a realidade que eles figuram
e que lhe dá sua verdadeira significação. Constituem objeto de estudo tanto
quanto as estruturas e as instituições: são todas elas maneiras de agir, pensar e
sentir, exteriores ao indivíduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude do
qual se lhes impõe.

Teorizadas assim, as representações durkheimnianas levam os homens a pensar e a agir de


maneira homogênea e estável, o que possivelmente correspondia à firmeza dos fenômenos
para cuja explicação haviam sido propostas, ou seja, elas respondiam às necessidades
explicativas das sociedades primitivas.

13
Por sua vez, o paradigma de Moscovici é orientado em direção à explicação das mudanças
e inovações sociais, ao invés da coerção e manutenção de uma visão de mundo. Trata-se de
um pensamento dinâmico:

As representações em que estou interessado não são as de sociedades


primitivas, nem as reminiscências, no subsolo de nossa cultura, de épocas
remotas. São aquelas da nossa sociedade presente, de nosso solo político,
científico e humano, que nem sempre tiveram tempo suficiente para
permitir a sedimentação que as tornasse tradições imutáveis.
(MOSCOVICI apud SÁ, 2004, p.22)

D ss m ,s u mM s v , s p s çõ s “ mp m um ju
conceitos, afirmações e explicações pelas quais se procede à interpretação e mesmo à
s uçã s s” (MOSCOVICI pu SÁ, 1995). E s qu “ p pós
de todas as representações é o de transformar algo não familiar, ou a própria não
f m , mf m ” (MOSCOVICI pu SÁ, 1995, p. 35).

Já Mary Jane Spink p põ s “ p s çõ s s s m f m s


conhecimento prático, inseridas mais especificamente entre as correntes que estudam o
h m s s mum” (SPINK, 1995, p.96).

Martin Bauer se encarrega de seguir a linha do senso comum, definindo as representações


m “ um s sus p uém”. s u ,

é essencial identificar o grupo que as veicula, situar seu conteúdo


simbólico no espaço e no tempo e relacioná-lo funcionalmente a um
contexto grupal específico. Uma relação particular pode, contudo, mudar
de grupo hospedeiro e vagar por entre grupos sociais, assumindo vida
própria. (BAUER __apud GUARESCHI; JOVCHELOVITCH 1995, p.
188)

Como assinalamos no início, resulta difícil destacar uma definição comum a todos os
teóricos que utilizam a noção de representação. Autores das mais diversas disciplinas
utilizam o termo, polissêmico por si mesmo, para refletir sobre suas respectivas teorias. Por
isto é que, de acordo com a área em que a representação é tradada, ela tem uma
conceituação diferente.

14
Para Stuart Hall (1997), a representação é produzir significados por meio da linguagem.
Assinala que a linguagem é um sistema de representação pelo qual se providência sentido
às coisas e onde são produzidos os significados. Como explica,

a representação é uma parte essencial do processo pelo qual o significado


é produzido e intercambiado entre os membros de uma cultura. De fato,
envolve a utilização da linguagem, de sinais e imagens que significam ou
representam coisas, mas longe de ser um processo simples ou direto.
(HALL, 1997, p. 11)

Assim, tudo o que acontece na vida está imbuído de sentidos, que são atribuídos pela
representação, abrangendo o uso da linguagem, de imagens e sinais.

É através do uso que fazemos das coisas, e o que dizemos, pensamos e


sentimos acerca destes – como os representamos – que os damos
significado. Em parte damos significado aos objetos, pessoas e eventos
através da estrutura de interpretação que trazemos conosco. Em parte
damos significado às coisas através da forma como as utilizamos, ou às
integramos em nossas práticas do cotidiano. [...].como as representamos,
as palavras que usamos, as histórias que contamos acerca destas coisas, as
imagens que produzimos, as emoções que associamos às mesmas, as
maneiras como as classificamos e conceituamos, os valores que lhes
damos. (HALL, 1997, p. 3)

Como analisam Zubaran, Wortmann e Kirchof (2016) sobre a identidade segundo Hall,

Ele acredita que o sujeito é sempre capaz de estabelecer negociações com


as representações culturais e os discursos que o interpelam, a partir das
quais constrói suas identidades. Assim a identidade é um processo em
constante progressão e transformação e, por essa razão, o sujeito não está
preso a uma única identidade ao longo da vida, fixa e imutável; antes, ele
transita constantemente através de múltiplas identidades, as quais são
instáveis, processuais e frequentemente efêmeras. (p.18)

Nos próprios termos do autor,

U z m “ ”p s f p , ponto
de sutura, entre, por um lado, os discursos e as práticas que tentam nos
“ p ”, s f u s v p qu ssum m s ss s
lugares como sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado,
os processos que produzem subjetividades, que nos constroem como
sujeitos aos quais se pode falar. As identidades são, pois, pontos de apego
temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem

15
para nós. (HALL apud ZUBARAN, WORTMANN, e KIRCHOF, 2016,
p.18)

1.2 Cidade: para além da caracterização socioespacial

– O que é uma cidade? Se tal pergunta fosse feita a todos habitantes que transitam por
qualquer urbe, teríamos, para cada um, uma resposta igualmente válida para nossa dúvida.
Trata-se da representação de cada um sobre o conceito de cidade.

Néstor García Canclini inicia com uma explicação mais clássica para logo fazer uma
abordagem mais complexa e atual sobre a definição de cidade:

Até meados do Século XX o pensamento urbano respondia a essa


pergunta segundo a configuração física: cidade é o oposto de campo, ou
um tipo de agrupamento extenso e denso de indivíduos socialmente
heterogêneos. Nas últimas décadas, tenta-se caracterizar o urbano levando
em conta também os processos culturais e os imaginários dos que o
habitam [...] não atuamos na cidade só pela orientação que nos dão os
mapas ou o GPS, mas também pelas cartografias mentais e emocionais
que variam segundo os modos pessoais de experimentar as interações
sociais. (CANCLINI, 2008, p.15)

Nesta definição, Canclini fala de uma viragem para perceber e responder sobre o
pensamento urbano após meados do Século XX que vai além do binarismo cidade versus
campo. Ele propõe pensarmos a cidade como um objeto de análise bem mais complexo.

Canclini (I m, p. 17) ss qu , p um ,“ su s u s sã s s h s
para propiciar um desenvolvimento econômico baseado no conhecimento científico, nas
s v ç s f m çã um f u v ”. P u
lado, porém, ele vê que são muitos os que ficam de fora desse desenho urbano, dando foco
no que tange à oferta cultural que caracteriza uma cidade, o que faz com que ela se distinga
de um cenário rural, como poderia ser o campo.

Enquanto a expansão demográfica e territorial desanima muitos habitantes


da periferia a comparecer aos teatros e salões de baile concentrados no
centro da cidade, o rádio e a televisão levam a cultura a 97% dos lares.
Essa reorganização das práticas urbanas nos sugeriu uma conclusão
16
teórica: a caracterização socioespacial da megalópole deve ser completada
com uma redefinição sociocomunicacional que dê conta do papel
rearticulado dos meios no desenvolvimento da cidade. (CANCLINI, 2008,
p.20)

No entanto, nem sempre foi assim. Cada cidade tem sua própria história, em grande
medida, determinada por sua respectiva geografia. Como dizem Muniz Sodré e Raquel
P v (2004, p. 77), “ um , s çõ s sp sp m fu m
sua economia e de seus modos de vida. Território identidade entrelaçam-s ”. N qu
ao espaço carioca, vale a pena contar um pouco dessa história.

[...] espremido entre mar e montanha, com péssima circulação de ventos e


v u s upçõ s qu s s um v h m “m sm s”,
Janeiro cresceu, roubando espaço às águas e subindo morros [...]. Nasceu
com grandes pretensões – de metrópole portuguesa e de sítio estratégico
na defesa do Atlântico Sul, em particular contra os invasores franceses –,
mas com cara de favela: morro e casebres. Fundada pelo capitão-mor
Estácio de Sá em março de 1565, entre o morro que chamaram Cara de
Cão e o Pão de Açúcar, [...] não passava de um arraial precário, com
casebres cobertos de palha e alguns baluartes protegidos por telhas vindas
de São Vicente. (SODRÉ e PAIVA, 2004, p.76)

Mais de quatro séculos se passaram desde a fundação do Rio de Janeiro até chegar à
“ p sp á u ” qu s v u, s u z çã qu
dela faz Canclini. E ele não se limita somente à capital fluminense. Ele fala de várias
cidades da América Latina:

Buenos Aires, Caracas, Lima, México e Rio de Janeiro, antes destinos


desejados por turistas e investidores, agora são narrados pelos jornais e a
televisão com paisagens catastróficas, arruinadas por assaltantes,
narcotraficantes, catadores de papel e sem-teto. São urbes do temor e a
insegurança. Por isso as chamamos de cidades paranoicas. (CANCLINI,
2008, p.20)

Sobre a questão do olhar urbano e seguindo a linha de pensamento de Canclini, cabe


destacar o pensamento de Barthes em “ v u s m ó ”:

A cidade é um discurso, e esse discurso é verdadeiramente uma


linguagem: a cidade fala aos seus habitantes, nós falamos à nossa cidade,
a cidade na qual nos encontramos, somente em habitá-la, reconhecê-la,
olhá-la. Porém, o problema consiste em fazer surgir do estágio puramente
metafórico uma expressão como linguagem da cidade. É muito fácil falar
17
da linguagem das flores. O verdadeiro pulo científico se concretizará
quando possamos falar de linguagem da cidade sem metáforas.
(BARTHES, 1993, p. 260-261) [Tradução nossa]1

1.2.1 Cidade versus campo, no campo da literatura

No que tange à literatura da América Latina, que é o foco principal desta monografia, o que
ocorreu ao longo do Século XX para que o paradigma cidade versus campo mudasse?

Houve fatos ligados à realidade contextual de meados do século XX que fizeram com que
essa dicotomia clássica e bem diferenciada em aparência se rompesse. Caroline De Bastiani
toma as referências elaboradas por González Echeverría e Pupo-Walker:

Entre 1950 e 1975, fatores como o desenvolvimento das cidades, a


configuração da classe média, a melhora na comunicação entre os países
latino-americanos, a Revolução Cubana e o golpe de estado chileno,
contribuíram para a mudança na maneira de escrever narrativas e fazer
literatura. A partir da década de 50, o romance hispano-americano
apresentou mudanças não só na escrita e na forma, mas também na
representação de seus personagens. (GONZALEZ ECHEVERRÍA-PUPO
WALKER apud DE BASTIANI, 2014 p.19)

A corrente literária nascida em parte como resultado dessas mudanças sociais na região é
conhecida como boom latino-americano. O termo boom faz referência ao êxito editorial
que alcançou a narrativa hispano-americana (especialmente o romance) no âmbito literário
ocidental e mundial. Daquele movimento surgiram e se popularizaram muitos autores das
Américas Central e do Sul, dentre os quais cinco ganhadores do Prêmio Nobel de
Literatura: Miguel A. Astúrias (em 1967); Pablo Neruda (1971); Gabriel García Márquez
(1982); Octavio Paz (1984) e Mario Vargas Llosa (2010).

O boom foi, em primeiro lugar, uma notável reunião de grandes novelistas


a meados da década de sessenta e em resgate de outras não menos

1
La ciudad es un discurso, y este discurso es verdaderamente um lenguaje: la ciudad habla a sus habitantes,
nosotros hablamos a nuestra ciudad, la ciudad en la que nos encontramos sólo con habitarla, reconocerla,
mirarla. No obstante, el problema consiste en hacer surgir del estado puramente metafórico una expresión
como “lenguaje de la ciudad”. Es muy fácil hablar del lenguaje de las flores. El verdadero salto científico se
concretizará cuando podamos hablar de lenguaje de la ciudad sin metáforas.
18
importantes, que tinham sido ignoradas ou lidas em contexto diferente. O
boom funcionou como um imã que concentrou a atenção sobre um grupo
de novos autores e sobre seus mestres mais próximos, criando dessa
maneira um desenho ou mapa que redefiniu nossa literatura,
especialmente o romance. (OVIEDO apud DE BASTIANI, 2014 p. 18)

Em s u h “E m pós-boom: dilemas de uma historiografia literária


latino- m ”, M u í B ç (2008, p. 119) assinala que o boom latino-
m u m um m m “f á , m m mp ,
outros aspectos, com a expansão do mercado editorial no continente, que exigia, também,
uma nova inscrição do intelectual nas dem s á s s ”.

No contexto político, social e cultural em que se desenvolveu o boom, isto é, com ditaduras,
movimentos guerrilheiros e convulsão geral na maioria dos países da América do Sul, tal
protagonismo foi alvo de muitas críticas. O argentino Julio Cortázar, uma das vozes mais
reconhecidas e autor de obras cujas tiragens iniciais foram significativamente aumentadas
depois do advento do boom, com destaque para Rayuela, respondeu:

No fundo, todos os que, por ressentimento literário (que são muitos) ou


por uma visão com tapa-olhos da política de esquerda, qualificam o boom
de manobra editorial, esquecem que o boom (já estou começando a me
cansar de repeti-lo) não o fizeram os editores senão os leitores, mas quem
são os leitores, senão o povo da América Latina? (CORTÁZAR apud
RAMA, 1982, p. 234) [Tradução nossa]2

Além das discussões, dentre todas as heranças que pode ter deixado como legado o boom,
percebe-se como fator fundamental o fenômeno de expansão do público leitor latino-
americano e o fato de muitos escritores passarem a falar das cidades com forte processo de
crescimento e urbanização.

Quando a cidade da qual se fala é a própria, geralmente exaltam-se os valores positivos e


negativos do lugar de origem do autor. Servem como exemplo Fervor de Buenos Aires, o
primeiro livro de poesias publicado pelo argentino Jorge Luis Borges; Montevideanos, do

2
En el fondo, todos los que por resentimiento literario (que son muchos) o por una visión con anteojeras de la
política de izquierda, califican el boom de maniobra editorial, olvidan que el boom (ya me estoy empezando a
cansar de repetirlo) no lo hicieron los editores sino los lectores, ¿y quiénes son los lectores, sino el pueblo de
América Latina?
19
uruguaio Mario Benedetti; La ciudad y los perros, representando a Lima na visão de Mario
Vargas Llosa; ou Bahia de todos os Santos, de Jorge Amado.

Mesmo que Roberto Arlt não tenha vivido diretamente a fase do boom (ele morreu em
1942) e que sobre Manuel Puig ainda haja quem o associe mais ao chamado pós-boom3, na
obra de ambos o olhar urbano esteve presente: Buenos Aires, de maneira particular, e a
Argentina em geral. Para efeito deste estudo, porém, interessa especificamente o olhar
citadino de Arlt e Puig sobre uma cidade que não é a deles – no caso, o Rio de Janeiro.

D B s (2014, p. 23) ss qu “ ss h ”, ss s v s s,
h m m s “ h ” u “m á ”. É qu p s m
todas as obras que descrevem cidades reais porque, como explica o professor e psicólogo
J sé M u G ç v s F h , “[...] m f , s m ús u s j s s
grandes bairros, foi subjetivamente diferenciada: as experiências, os afetos imanizaram os
luga s, m ú s m s qu s vã v s m ç s”
(GONÇALVES FILHO apud De BASTIANI, 2014 p. 23).

1.2.2 O imaginário citadino dos escritores estrangeiros a partir do exílio

O que acontece quando, na cabeça de um escritor, o imaginário citadino se constrói para


falar de uma cidade que não é a sua? Um escritor que sai de sua casa e constrói longe dali
um v s p ssum s u “ xí ” mu sm s. N v , “ xí ” qu é
uma forma de referir-se a muitas situações. Inclui desterro político, mudança e até turismo.
Ou nas palavras de Manoel Barros, uma doença,

3
O pós-boom, movimento literário repleto de críticas ao contexto social das décadas de 1970 e 1980, possui
su s p óp s ís s. S u D B ç , “quando já plenamente instaurada e institucionalizada a
modernização da narrativa, nos anos 70 e 80, também se estará gestando uma outra forma de narrar, diferente
s m , um s u qu us á s m s qu “ u ” descarta como
impróprios seus referentes de trabalho. Uma para literatura que fará uso do universo do folhetim, do cinema,
s v s, v sã , p ó s s á s qu f á çã s “ víss m s” u,
para outros, a geração do pós-boom” (DE BRAGANÇA, 2008, p. 130).
20
Nu m m u p ís.
E p ço de lonjuras.
Desde crianç m h mã p v ss ça.
Ela que me transmitiu.
Depois meu pai foi trabalhar num lugar que dava essa doenç s p ss s.
Era um lugar sem nome nem vizinhos.
D z m qu u h ã pé f m mu .
A gente crescia sem ter outra casa ao lado.
N u só s v m páss s, á v s, o rio e os seus peixes.
Havia cavalos sem freios dentro dos matos cheios de borboletas nas
costas.
O s só s ância.
A distância seria uma coisa vazia que a gente portava no olho.
Em up h m v xí .
(BARROS, 2003. p.49)

O exílio m s s su s f m s s uçã hsó hum . Mu


qu h m s mu f f p suj ss m , su u u , su
çã , sua língua nativa. Nas palavras de Amanda Montañés,

[...] grandes çõ s, s s uçõ s: qu s s m s,


fu çã s, u s m çõ s, s m
s, xp çã m s, v p v s. T s ss s s
“m íf s” m su m f m f s ç s s
fu s, s s, p s s u , s v s, s ví m s
p ssã xpu sã . O p s m sé , m íf
m u u , m ém m-se alimentado de fontes
estrangeiras, pense-se em ta s p s s s s s su s
v s s u çõ s p s m m : M us , B ,
N v, J m s J , ,H h , B j m ,P u ,
E s , u s. D ss p vs , xpu sã xí
acab m s çõ s p év s p s v vm s
humano. (MONT ÉS, 2016, p.15)

Mu sv m m m sm u su p xí . P ém, qu m
p s ss s squ ús qu ss çã p ss qu p ss s
s . C m ss M és, “ ss çã ã xs s , m
mâ : xí é ss m çã , ss v çã xs ss u z ”.
(MONT ÉS, 2016, p.16)

Falar de exílio no caso de Roberto Arlt no Brasil só seria compreensível se falamos de um


“ xí u ís ”. h u h , v p j qu

21
p f z qu s f z : s v . P su v z, “ xí ” Pu m
variadas faces. Com a cruenta ditadura militar na Argentina, poder-se-ia dizer que foi um
exílio político. Por sua condição de escritor marginal e não reconhecido até então em seu
país, poderia ter sido um exílio intelectual e cultural. Por sua condição sexual, um exílio em
busca de maior liberdade e tranquilidade individual.

Segundo analisa De Bastiani,

o caso de Manuel Puig, um indivíduo transitório, que exilado de seu país


não criou raízes em nenhum outro, se faz necessário entender como a
questão da identidade interferiu também em suas obras. O escritor
s qu S u H (2003, p. 11) h m “suj pós-
m ”, qu ã p ssu um u f s áv , s m um
identidade móvel. (De BASTIANI, 2014, p. 27)

Por eleição própria ou forçada, Puig foi um sujeito nômade, sem lugar fixo, acostumado
com as constantes mudanças de cidade e de país. Morou na Argentina, na Itália, nos
Estados Unidos da América, no Brasil e no México. Esse sujeito nômade configuraria o que
Zygmunt Bauman chamaria de suj “ s ”, m f m
líquida da pós-modernidade:

Es u p m “ s ” m p , ã s
totalmente em lugar algum [...] pode ser uma experiência desconfortável,
por vezes perturbadora. [...] s “ s” f u u m , um s
nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em
nossa volta [...] Pode-se até começar a sentir-se chez-soi, “ m s ”, m
qualquer lugar – mas o preço a ser pago é a aceitação de que em lugar
algum se vai estar total ou plenamente em casa. (BAUMAN, 2005, pp.
19-20)

Se de deslocações se trata, chegou o momento de refletir sobre o porquê da escolha do rio


de Janeiro por parte de determinados escritores, artistas e intelectuais. O escritor espanhol
Javier Montes (2016) refere-se ao Rio de Janeiro como aquele lugar/ideia de lugar, como
uma ideia de paraíso terreno. Um spé “ mu ” m s ô m “ s
”, m ss B um qu s p u , “qu m ã s vv
pessoas amigáveis e bem intencionadas nas quais pudesse confiar e de cujas palavras e atos
pu ss s p ?” (B UM N, 2003, p. 8).
22
São muitas as pessoas que associam certas cidades ou lugares à ideia de paraíso. E isso é o
que acontece com o Rio de Janeiro, destino ao qual por ação ou omissão, sempre esteve na
escolha (consciente ou inconsciente) de variadas personalidades do amplo mundo da
cultura.

No livro Varados en Rio (2016), Montes segue os passos de quatro escritores estrangeiros
que moraram na cidade ou, como quer dizer a palavra varados em espanhol, escritores que
“f m s u h s” . D m um s p s f m
s ss p ís , “ m v h s , m z , s , s p s
voluptuosos e um v p pé u ” (MONTES, 2016, p. 12) [T uçã
nossa]4.

Os escritores cujos passos Montes segue pelo Rio de Janeiro, são o austríaco Stefan Zweig,
a norte-americana Elizabeth Bishop, a espanhola Rosa Chacel e o argentino Manuel Puig,
este último, objeto de análise deste trabalho. Sobre o Rio, o escritor espanhol assinala:

Admirar uma cidade é como admirar um animal da selva ou um grande


peixe no mar: não se deixa pegar nem acariciar [...] os exilados no Rio,
como eu agora, falaram das inconstâncias do seu amor, da admiração e o
desprezo, da ignorância e a cumplicidade ante uma cidade que promete
dar o que sempre nos foi negado e tira o que parece oferecer de mãos
cheias. Que materializa um sonho enquanto mostra seu reverso de
pesadelo. Que se faz de surda enquanto a enaltecemos e afina sua
suspeição enquanto a criticamos. Que ainda quando se oferece como uma
versão à escala daquele vasto mundo de Drummond de Andrade, nos faz
perguntar se deveríamos ficar ou voltar para casa, onde quer que isso seja.
(MONTES, 2016, p.19) [Tradução nossa]5

4
La ciudad maravillosa, donde reinan la belleza, el sol , los cuerpos voluptuosos y la alegría de un carnaval
perpetuo.
5
Admirar una ciudad es como admirar um animal de la selva o un gran pez em el mar: no se deja agarrar ni
acariciar [...] los exiliados en Rio, como yo ahora, hablaron de las inconstancias de su amor, de la admiración
y el desprecio, la ignorancia y la complicidad ante una ciudad que promete regalar lo que siempre nos fue
negado y retira lo que parece ofrecer a manos llenas. Que materializa su sueño mientras muestra su reverso de
pesadilla. Que se hace la sorda cuando la alabamos y afina la suspicacia cuando la criticamos, que incluso
cuando se ofrece como una versión a escala de aquel vasto mundo de Drummond de Andrade, hace
preguntarnos se deberíamos quedarnos o volver para casa, dondequiera que eso sea.

23
Após morar no Rio como escritor, Montes descobriu que valia a pena falar da cidade a
partir de outros ângulos, desconstruí-la, ter um olhar para além dos cartões postais.
D s v qu “m ém um ã v h m hum ” (MONTES,
2016, p. XX). “Um u m qu m mu s h p s uç m
.
. (...) , m p ís , m su m çã su s p ”, mp

Para concluir a ideia de paraíso, vale a pena retomar Bauman (2003), quando assinala que
seja um

paraíso perdido ou paraíso ainda esperado; de uma maneira ou de outra,


não se trata de um paraíso que habitamos nem de um paraíso que
conhecemos a partir de nossa própria experiência. Talvez seja um paraíso
precisamente por essa razão. A imaginação, diferente das duras realidades
da vida, é produto da liberdade desenfreada. (BAUMAN, 2003, p. 9)

Ao longo deste trabalho se pretende entender, a partir de nossa própria experiência, que
elementos desse paraíso aqui descrito encontraram Arlt e Puig no Rio de Janeiro.
Simbolizou para eles aquele paraíso do qual todo mundo fala e conceitua ao se referir à
cidade estudada?

1.3 Jornalismo em geral e jornalismo cultural em particular em Cai a noite tropical e


Águas-fortes cariocas

Em ambos os livros analisados, a presença do jornalismo encontra-se com marcas


explícitas. Tanto nas crônicas arltianas (não ficção) quanto no romance puigiano (ficção)
evidencia-se um interesse dos autores em falar da disciplina, com foco no jornalismo
cultural. Para o caso, será de grande importância refletir a respeito, tomando a definição de
Jorge B. Rivera:

Todo jornalismo é um fenômeno cultural, por suas origens, objetivos e


procedimentos, mas se consagrou historicamente com o nome de
jornalismo cultural uma área muito complexa e heterogênea de meios,
gêneros e produtos que abordam com propósitos criativos, críticos,
24
reprodutivos e de divulgação s s s “ s s”, “ s s
s”, s s p s m , s s s s hum s,
chamada cultura popular e muitos outros aspetos que têm a ver com a
produção, circulação e consumo de bens simbólicos, sem importar seu
origem e destino estamental. (RIVERA, 2006, p.19) [Tradução nossa]6

Para falar brevemente de um marco de início do jornalismo cultural, Daniel Piza (2003)
remonta ao ano 1711 na Inglaterra, com o nascimento da revista The Spectator, fundada
m f “ irar a filosofia dos gabinetes e bibliotecas, escolas e faculdades, e
levar para clubes e assembleias, casas de chá e cafés [...] em outras palavras, o jornalismo
u u s u m ” (PIZ , 2003, p. 11-12).

Por terem percursos históricos-culturais semelhantes, tanto no Brasil quanto na Argentina,


o jornalismo cultural só ganharia maior presença no final do Século XIX e inícios do
Sé u XX. “O í qu su f v s m s s í s sé u XX,
profusão de rev s s j s, é m s sv f m v ,m sm s m v ”
(PIZA, 2003, p. 20).

Nesse contexto, a crônica adquire um papel destacado no jornalismo cultural da região


(Brasil e Argentina pelo menos):

Como uma forma de atrair a literatura para o jornalismo, praticada por


jornalistas, escritores e, sobretudo por híbridos de jornalista e escritor [...]
a crônica sempre teve espaço fixo nas seções culturais de jornais e revistas
[...] Mas a crônica vicejou no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, por
uma combinação de fatores, como a mística da cidade, a própria
dificuldade de os escritores se estabelecerem sem a imprensa e a
cordialidade da cultura brasileira. (PIZA, 2003, p. 33-34)

Roberto Arlt, escritor que faz as vezes de jornalista, tem o perfil delineado acima e poderia
tranquilamente estar ao lado do conjunto de célebres cronistas brasileiros que Piza
um : “M h ss s, D umm , u B ,J ã ,

6
Todo periodismo es un fenómeno cultural, por sus orígenes, objetivos y procedimientos, pero se ha
consagrado históricamente con el nombre de periodismo cultural a una zona muy compleja y heterogénea de
medios, géneros y productos que abordan con propósitos creativos, críticos, reproductivos o divulgatórios los
s s “ s s”, “ s s s”, s s p s m ento, las ciencias sociales y
humanas, la llamada cultura popular y muchos otros aspectos que tienen que ver con la producción,
circulación y consumo de bienes simbólicos, sin importar su origen o destinación estamental.
25
u s” (PIZ , 2003, p. 33). O s p senta um verdadeiro fl neur. O que
Arlt faz com suas aguafuertes é, como diria João do Rio em A alma encantadora das ruas,
“p m u m ”.

É p s spí v u , h u s s m sãs s v s m um
p pé u s j mp sív , é p s s qu qu h m m sfâ u p
m s ss s sp s— f . [...] u s f f ?F és
v u f , és s qu m , ví us s v çã
v m. F é p í, m hã, , ,m -s s s p pu ç [...].
Év u m? T v z. F é s çã p m u m . (DO RIO,
1995, p. 2-3)Por sua vez, em Cai a noite tropical, Puig apresenta o que, nas palavras de
Mu z S é, s “ p x m çã v m s ( u s mp sm
folhetinesca) e os fait-divers B h s” (SOD É, 1996, p.134).

O tipo de texto designado como fait-divers, esse relato do


“ ss f áv ”, é p m x mp h s ó m z çã
acontecimento pela imprensa [...] O fait-divers contém um saber que se
basta (assim como um saber gerado por um romance), independente de
explicações complementares, tais como as encontradas no noticiário
político, econômico, etc. [...] O fait-divers espreita sempre a notícia, na
m m qu s é sus ív m mp m á ”. (MUNIZ
SODRÉ, 1996, p.134-35)

Edgardo Cozarinsky, no ensaio Museo del chisme, assinala que

o relato da fofoca é um relato colocado em cena. Destinador e destinatário


(em termos linguísticos), narrador e narratário (em termos da teoria literária)
celebram, por meio da fofoca, a cerimônia da transmissão do relato,
representam visivelmente essa relação que o texto impresso faz como
intermediário entre um autor e um leitor igualmente ausentes.
(COZARINKSY, p.26). [Tradução nossa]7

7
El relato del chisme es un relato puesto en escena, destinador y destinatario (en términos lingüísticos)
narrador y narratario ( en términos de teoría literaria), celebran mediante el chisme la ceremonia de la
transmisión del relato, representan visiblemente esa relación que el texto impreso mediatiza entre un autor y
un lector igualmente ausentes.
26
Como vemos (e veremos no capítulo seguinte do presente trabalho), é próprio da literatura
puigiana a utilização de elementos tais como o folhetim, a fofoca, a gíria e elementos
semelhantes. Ele se apropria de todos esses recursos e faz seu próprio estilo.

27
2 A CRÔNICA E O ROMANCE: DOIS ESCRITORES ARGENTINOS, UMA CIDADE

“L , p u s
idiotices; liberdade para atacar as injustiças,
liberdade para dizer, para dizer o que se é,
s m s çõ s, s m f m s”.
Roberto Arlt, 31/12/1928.

Como vimos até aqui, os livros que são foco da análise deste trabalho são de naturezas
narrativas bem distintas: Água-fortes cariocas não é ficção, é uma obra constituída de puras
crônicas jornalísticas; Cai a noite tropical é um romance de ficção. Roberto Arlt escreve
olhando para a capital de um país nas primeiras décadas de século XX; os olhos de Manuel
Puig veem a capital de um estado com o século já em retirada. Cada um com seu estilo,
ambos olhando a mesma cidade: o Rio de Janeiro. Além de terem nascido no mesmo país,
ambos possuem muitos pontos em comum.

2.1 Aguafuertes cariocas, de Roberto Arlt

No começo da década de 1930, quando chegou ao Rio de Janeiro, Roberto Arlt já era uma
figura literária e jornalística de renome na Argentina. Acabava de publicar Los siete locos,
um m qu s um í m su . N ép , s “Aguafuertes
porteñas”, um m m su m ém, m ô s pu s j El Mundo,
Bu s s. “Vá p s um p u . Vá s v ir, escreva algumas crônicas de
v m”: s u ( LT, 2013 p. 20), f s p qu h f z j
El Mundo, quando o enviou ao Rio. Feliz, como descobriremos em suas crônicas, Arlt
aceitou o desafio.

Antes de descrever os detalhes do livro analisado, é preciso apresentar a palavra-chave que


lhe serve de título: água-forte. Tal termo tem origem nas artes plásticas: trata-se de uma
técnica de gravura por meio da ação de um líquido corrosivo, o ácido nítrico, sobre uma
placa de metal. Arlt se apropria e se apodera da palavra para batizar como aguafuertes o
28
estilo textual dos relatos breves que publicou entre maio de 1928 e julho de 1942 até sua
prematura morte neste mesmo ano.

Não é por acaso que ele toma de uma palavra técnica, mas bem dura, para definir essa
forma de escrever. Seu olhar, expresso por meio desses escritos breves, era corrosivo e
ácido como a técnica artística. A água-forte simbolizaria, também, a origem social de Arlt
e os ofícios nos quais trabalhou. Como assinala o jornalista e escritor Marcelo Moutinho,
Arlt

Foi balconista, mecânico, aprendiz de relojoeiro. O contato com a palavra


se deu por intermédio de folhetins, manuais técnicos, romances traduzidos
em edições populares. E também da vivência em cortiços, bares e cafés
vagabundos, onde se concentravam punguistas e prostitutas.
(MOUTINHO, O Globo, 2013)

A forma de misturar palavras técnicas, gírias populares, lunfardos8 e até erros de ortografia
caracteriza toda a obra narrativa de Arlt, tanto ficcional quanto na não-ficcional. Ciente
ss , m sm s z s su f m s v : “Es v um
idioma que não é propriamente o castelhano, e sim o portenho [...] este léxico que eu chamo
de idioma, primará na nossa literatura apesar da indignação dos puristas, a quem ninguém
m á” ( LT, 2013, p 228).

Como analisa Janete Elenice Jorge (2009, p, 56): “Desprovidos dos conhecimentos da
educação intelectual da elite, as personagens de Arlt tentam compensar a distribuição
s u h m s ss s s s vés u z çã u ss s”.

Na mesma linha teórica, Sarlo (2007) procura esclarecer a ideia sobre o baseamento
teórico-educativo de Arlt:

Trata-se de um saber da prática que cumpre a dupla função do mito da


ascensão e compensação da pobreza do capital simbólico e insegurança
sobre o capital escolar. Para os setores populares (e notadamente para

8
Lunfardo é um tipo de gíria argentina, originada da variação dos dialetos dos imigrantes, principalmente
italianos, que se fixaram nas classes mais baixas de Buenos Aires; a gíria é usada com muita frequência nas
letras dos tangos argentinos, mas também na fala cotidiana dos argentinos até hoje.
29
Arlt) as inovações técnicas satisfazem a ausência de saber em outras
dimensões. Cumprem uma dupla função: modernização cultural, por um
lado; equilíbrio (sempre instável) de diferenças culturais, por outro.
(SARLO, 2007 p. 41) [Tradução nossa] 9

Jorge e Sarlo falam do apoio de Arlt sobre outros saberes para construir seus relatos
ficcionais, mas as aguafuertes cariocas (e também as demais aguafuertes10), como vimos
anteriormente, pertencem às obras não ficcionais, são crônicas jornalísticas cujos elementos
discursivos encaixam perfeitamente naqueles dos romances e contos ficcionais do autor
portenho. Sendo assim, não caberia fazer aqui uma distinção total, um corte cirúrgico para
falar do Arlt da ficção versus o Arlt da ficção. O estilo arltiano é um só.

Arlt era muito criticado pelo estilo rudimentar de sua escrita. Ele próprio, no entanto, se
encarregava de responder a seus detratores, por exemplo, no prólogo do livro Os lança-
chamas:

Dizem que escrevo mal. É possível. De qualquer maneira, não teria


dificuldade em citar muita gente que escreve bem e que só é lida por
educados membros de sua família. Para fazer estilo são necessárias
comodidades, rendas, vida folgada. Mas em geral as pessoas que
desfrutam de tais benefícios evitam sempre o incômodo da literatura.
(ARLT, 2013, p. 10)

2.1.1 Crônicas inéditas no Rio de Janeiro

Entre a quarta-feira, dia 2 de abril de 1930, e a quinta-feira, dia 29 de maio do mesmo ano,
Arlt publicou 40 aguafuertes que permaneceram sem ser reunidas em livro até o ano de
2013. Nelas (como veremos detalhadamente adiante), pode-se encontrar um encantamento

9
Se trata de un saber de lo práctico que cumple la doble función de mito de ascenso y compensación de la
pobreza de capital simbólico e inseguridad sobre el capital escolar. Para los sectores populares (y
notablemente para Arlt) las innovaciones técnicas colman la ausencia de saber en otras dimensiones.
Cumplen una doble función: modernización cultural, por un lado; equilibrio (siempre inestable) de
diferencias culturales por el otro.
10
Com o mesmo formato das cariocas e após um reconhecimento maior de sua obra, Arlt continuara
escrevendo suas aguafuertes uruguaias, madrilenas, asturianas, galegas, portenhas e do interior da Argentina.
As cidades sempre como eixo dos relatos.
30
inicial de Arlt pela cidade quando chega ao Rio de Janeiro, até um sentimento de um
profundo amor pela Argentina, por Buenos Aires em particular, em detrimento do afeto
inicial pelo Rio. O olhar otimista da Argentina era até então pouco frequente nele.

Gustavo Pacheco, escritor dos prólogos das duas edições do livro, editoras Adriana Hidalgo
(na Argentina) e Rocco (no Brasil), assinala:

É notável a mudança gradual das impressões de Arlt ao longo de seus dois


meses de permanência no Brasil. As primeiras notas que enaltecem Rio
dão lugar a textos cada vez mais críticos e cáusticos, em que Buenos Aires
e a sociedade argentina aparecem como o contraponto moderno e
civilizado ao atraso em que se encontravam Brasil e sua capital de então.
(PACHECO, 2013, p.11)

Para efeito desta monografia, será utilizada a edição brasileira do livro, publicada pela
editora Rocco na coleção Outra Língua (que publica autores de países hispânicos, tais como
Fabián Casas, Mario Levrero ou Guadalupe Nettel).

A edição da Rocco, de 254 páginas, conta com 39 textos apresentados em ordem


ó . ém ss , ém ô u “C m um pé s ”, 8
março de 1930, quando o escritor anuncia aos leitores que vai viajar, e outras três
aguafuertes: “ s Eu p ”, qu s ô s v m s sp
u s mp s x ; “ ô 231” “O m s s”, s qu s
o escritor reflete sobre seu próprio trabalho, responde às críticas sobre o uso do lunfardo e
da gíria em sua escrita. A edição brasileira inclui ainda uma entrevista com o autor.

Gustavo Pacheco foi quem se encarregou de compilar e transcrever da coleção do jornal El


Mundo, disponível na Hemeroteca da Biblioteca Nacional da Argentina, para a edição de
Adriana Hidalgo (editora de Buenos Aires). Pacheco foi também o tradutor do espanhol
para o português das Aguafuertes cariocas. Uma tarefa nada fácil a de traduzir Arlt,
segundo o explica no prefácio do livro:

É evidente que o estilo muito particular de Roberto Arlt apresenta desafios


para o tradutor. O texto é repleto não só de gírias e expressões de 80 anos
atrás, mas também de maneiras peculiares de usar a língua espanhola,
como o vesre (reves ao contrário), procedimento em que se inverte uma
31
u vá s sí s um p v (p x mp “f ” p “ fé”), u
atribuição de diversos sentidos de um mesmo termo, segundo o contexto
[...] muitas frases soam estranhas no original – compridas, enroladas, com
sintaxe incomum. [...] Se Arlt é um escritor que trata a língua com total
liberdade, sem nenhuma cerimônia, me pareceu descabido não tratar a
tradução do mesmo modo. (PACHECO, 2013, p.13-14)

2.1.2 Costumbrismo e Aguafuertes

Com formato de crônicas breves, as aguafuertes11 são parte de um gênero literário maior, o
costumbrismo12. Em seu trabalho intitulado Aguafuertes porteñas: tradición y traición de
un género, F V ss qu “ ssum s ís s
costumbrista, de ampla e sólida tradição no jornalismo arge ” qu , u ,
“ u m um v çã ”. D sm s s us ,
com Varela, destacam-se títulos expressivos que resumem o conteúdo do artigo, encerram
um enigma que o leitor deve elucidar; uma original maneira de iniciar e fechar as matérias;
personagens genéricos apresentados desde uma perspectiva desumanizante que deforma e
exagera certas características e lugares. (VARELA, 2002, p.150).

2.1.3 Sobre Roberto Arlt, referências biográficas e literárias

Para ser preciso, Roberto Arlt nasceu em Buenos Aires, em sete de abril de 1900, e morreu
em 26 de julho de 1942, na mesma cidade. Filho de pai alemão e mãe italiana, cresceu no

11
Por se tratar de uma palavra-chave neste trabalho e por ser um selo da obra do autor, optei por usar o termo
aguafuertes í u sp h vés “á u -f ” p óp p u u s.
12
Costumbrismo é a interpretação literária ou pictórica da vida cotidiana, maneirismos e costumes locais,
principalmente no cenário hispânico e, particularmente, no século XIX. O costumbrismo está relacionado
tanto com o realismo artístico quanto ao romantismo, partilhando o interesse romântico pela expressão contra
a simples representação e o foco romântico e realista na representação exata de determinados tempos e
lugares, ao invés da humanidade em abstrato. Muitas vezes, é satírico e até moralista, mas ao contrário do
realismo, não costuma oferecer ou até mesmo implicar qualquer análise específica da sociedade que retrata.
Quando não satírica, a sua abordagem ao pitoresco detalhe folclórico muitas vezes tem um aspecto romântico.
(José Escobar, Costumbrismo entre Romanticismo y Realismo, Biblioteca Virtual Miguel Cervantes.
Acessado em 28 de maio de 2014).
32
bairro de Flores, um dos assentamentos mais populares das classes trabalhadoras da capital
argentina. Ele mesmo assim se identificava:

Me chamo Roberto Christophersen Arlt, e nasci em uma noite de 1900,


sob a conjunção dos planetas Saturno e Mercúrio. Eu me fiz sozinho.
Meus valores intelectuais são relativos, porque não tive tempo para me
formar. [...] Acredito que a vida é linda. Só é preciso enfrentá-la com
sinceridade, desfazendo-se completamente de tudo o que não nos torna
melhores13. (ARLT, 2013, p 239)

Além das Aguafuertes em todas as suas versões anteriormente citadas neste trabalho, Arlt
escreveu os romances: El juguete rabioso (1926); Los siete locos (1929) – sua obra mais
traduzida para outras línguas – e Los lanzallamas (ambas de 1931); El Amor brujo (1932);
El jorobadito (1933) e El criador de gorilas (1941).

É uma tarefa difícil encaixar Arlt em um movimento político e literário concreto, pois sua
personalidade e, consequentemente, sua obra tinham vieses bem anárquicos. Suas
declarações e os escritores a quem admirava levam a pensar que ele sentia-se mais
identificado com o chamado grupo Boedo.

Em uma entrevista publicada na revista La literatura argentina, em 1929, Arlt reflete sobre
Boedo:

A característica deste grupo seria seu interesse pelo sofrimento humano,


seu desprezo pela arte fútil, a honradez com que realizou o que estava ao
alcance de sua mão e a inquietação que se encontra em algumas páginas
destes autores que os salvará do esquecimento. (ARLT, 2013, p 253)

Nem que seja brevemente, é preciso assinalar sobre a polêmica que marcou a história da
literatura argentina na primeira metade do Século XX: Boedo versus Florida. Ambas são
duas ruas em regiões bem diferentes de Buenos Aires. A Florida fica no centro da cidade. E
mesmo tendo perdido, na atualidade, um pouco do esplendor de outrora, virando um
passeio mais comercial do que artístico, a rua ainda representa o núcleo urbano e moderno
por contraposição à Boedo, atualmente uma avenida do bairro residencial que leva o

13
Autobiografia que faz parte do apêndice das Águas-fortes cariocas. Originalmente publicado em Crítica
Magazine, n° 28, Buenos Aires, 28 de fevereiro de 1927.
33
mesmo nome. Dentre os escritores que representavam a Florida, encontram-se Jorge Luis
Borges, Oliverio Girondo, Leopoldo Marechal, Victoria Ocampo, entre outros. Pelo lado de
Boedo, os nomes são: Elías Castelnuovo, Leónidas Barletta, Roberto Mariani etc.

Refletindo a distância geográfica entre as ruas, os movimentos literários Boedo e Florida


caracterizaram-se por singularidades ideológicas e estéticas. Segundo Barreto e Costa,

o grupo de Boedo defendia uma literatura social engajada politicamente e


o uso de uma linguagem mais próxima da língua falada, enquanto o grupo
de Florida privilegiava uma linguagem mais culta. Pode-se dizer que Arlt
aproximou-se mais do grupo de Boedo, tanto por suas relações de
amizade quanto pelas características de sua literatura; (...), entretanto,
também há críticos que afirmam que sua participação no grupo de Boedo
foi apenas tangencial e que não estava comprometido com uma literatura
militante (BARRETO, COSTA, 2007, p 34).

2.1.4 A obra de Arlt no Brasil

No Brasil, Roberto Arlt é cada vez mais conhecido e reconhecido. Tem aumentado o
número de traduções de sua obra, e sua presença é cada vez mais constante na imprensa e
nos estudos acadêmicos. Sobre a presença de Arlt em terra brasileira, Barreto e Costa
salientam:

Seu reconhecimento na Argentina, embora lento, ocorreu inicialmente


entre os escritores e em seguida no mundo universitário [...] sua chegada
ao Brasil foi um pouco tardia, mas atualmente ocupa, no cânone da
literatura argentina traduzida, uma posição superior à de outros autores
mais lidos e mais considerados anteriormente, como (Julio) Cortázar e
(Ernesto) Sabato. (BARRETO, COSTA, 2007, p 37)

Maria Paula G. Ribeiro é quem mais traduziu Roberto Arlt no Brasil, tendo realizado,
ainda, não só as primeiras traduções das Águas-fortes portenhas como também as Águas-
fortes cariocas.

Sobre a publicação da obra literária de Arlt no Brasil, Barreto e Costa assinalam:

34
No Brasil, a primeira tradução foi a do romance Los siete locos, em 1982,
por Janer Cristaldo (Os sete loucos. Rio de Janeiro: Francisco Alves). Em
2000, Maria Paula G. Ribeiro publicou uma nova tradução do mesmo
romance e de sua continuação, em um só volume (Os sete loucos & Os
lança-chamas. São Paulo: Iluminuras). Também foram traduzidos El
jorobadito (As feras. São Paulo: Iluminuras, 1996. Tradução de Sérgio
Molina), Viaje terrible (Viagem terrível. São Paulo: Iluminuras, 1999.
Tradução de Maria Paula G. Ribeiro) e foi publicada uma antologia de
contos organizada e traduzida por Sergio Faraco Armadilha mortal (Porto
Alegre, L&PM, 1997). (BARRETO, COSTA, 2007, p 35).

Na imprensa brasileira o nome de Arlt também tem crescido sistematicamente nos últimos
anos. Seguem alguns exemplos,

O artigo de Leandro Konder, publicado no Jornal do Brasil, em 2005, as


matérias reunidas na edição especial da revista Cult, de 20006 e os artigos
e resenhas aparecidos em suplementos culturais como o Prosa e Verso, de
O Globo e sites como o da Agulha – revista de Cultura
(http://www.revista.agulha.nom.br/) e Jornal de Poesia
(http://www.jornaldepoesia.jor.br/). O escritor aparece também em
referências feitas por escritores e críticos literários argentinos
reconhecidos no Brasil, como Ricardo Piglia e Luis Gusmán.
(BARRETO, COSTA, 2007, p 36).

Como vemos nos exemplos mencionados, o fato de que Arlt ganhe uma maior presença no
âmbito literário, acadêmico e jornalístico brasileiro ajuda a uma maior divulgação da
literatura argentina num terreno que, muitas vezes pelas próprias limitações da língua
portuguesa, impedem que escritores como ele sejam conhecidos e reconhecidos pelo
publico brasileiro.

2.2 Cai a noite tropical, de Manuel Puig

Cai a noite tropical (1988) foi último romance escrito e publicado por Manuel Puig em sua
prolífica carreira literária. A versão analisada neste trabalho corresponde à edição em
língua portuguesa da editora Rocco de 1989, traduzida do original Cae la noche tropical
por Sieni Maria Campos. A versão brasileira está dividida em doze capítulos e tem 156
páginas. Já na Argentina, a ficção de Puig, que se tornou um best seller, foi publicada em
diferentes edições e por diversas editoras até hoje.
35
A maior parte da literatura escrita por Manuel Puig é ficcional, e o romance aqui analisado
não é uma exceção. Como assinala a resenha publicada na orelha da edição de 1988 do
livro editado pela Rocco,

No Rio de janeiro, duas irmãs argentinas trocam confidências, evocam o


passado, criticam a vida moderna e fofocam sobre os amores de uma
vizinha bem mais jovem [...]. Através do diálogo, esses personagens
revelam o que é de mais profundamente humano na vida de qualquer um:
o medo da solidão.

O romance das irmãs foi publicado após seis anos de silêncio desde o último livro de Puig.
O romance Sangue de Amor Correspondido (1982), que antecedeu a obra que nos interessa
aqui, também foi escrito no Brasil, só que em português, idioma que ele pouco dominava,
para só depois o autor autotraduzi-lo para o espanhol, sua língua materna. A história de
Josemar, um pedreiro da roça que vai morar em Guarulhos e depois se desloca para o Rio
de Janeiro na busca de melhores oportunidades é o romance considerado o mais
“ s ” u .

Já Cai a noite tropical foi escrito em espanhol argentino e traduzido para o português sob a
supervisão estrita do próprio Puig. Sieni Maria Campos confirma isso em uma entrevista:

e aí ele ficava deliciado, porque faltava português a ele. Ele lia o capítulo
e fazia perguntas, por exemplo, isso das expressões, e me perguntava:
“S á qu ss qu v qu ?”, “S á qu m m sm mp ?”,
“S á qu v h ss qu ”? u p u v , u
qu p qu ã s u v s qu m sm ”.
(CAMPOS apud MARKS, 2003, p. 28)

O traço distintivo da obra de Manuel Puig na ficção foi o uso de recursos não estritamente
literários: fofocas, ditados, segredos, cartas, roteiros de cinema, entre outros. Um taço que
custou bem caro para sua carreira e que retardou seu reconhecimento definitivo na
Argentina. Por anos, sua obra foi considerada como literatura menor, literatura popular (no

36
sentido pejorativo do termo), por parte do cânone acadêmico de America Latina. O prêmio
Nobel da Paz, Mario Vargas Llosa, chamou- “ u light”14.

Alan Pauls, pesquisador da obra de Puig, em uma entrevista televisiva15 assinala que:

Manuel é o primeiro escritor argentino que pode escrever a partir uma


tradição que não é a estritamente literária. Ele impõe uma figura de
escritor completamente excêntrica, a qual se alimenta de tudo o que não é
literatura. Por isso ele fez uma literatura precursora. Em sua narrativa
obteve essa música que cresce como mata sonora entre os tijolos das
fofocas e vozes dessas mulheres e os segredos que trocam as pessoas na
intimidade de suas casas. Isso é uma experiência estética extraordinária.
Bem menor na aparência. Mas não. É como essa musiquinha que
cantamos sem saber de onde ela vem. Mas que fica na nossa cabeça16.
[Tradução nossa]

São muitos os teóricos que falam sobre a excentricidade de Puig, e não são menos os que o
relacionam, nesse sentido, com Roberto Arlt. Daniel Link é um deles:

Pu f um s x : um s mu h x mu .
D s p m m m qu s m s qu v h u p
qu m u çã . Nã p fé , m s x m um
cometa com uma órbita muito estranha, que atravessou as profundezas da
literatura argentina com o mesmo charme, por exemplo, que Roberto Arlt.
[...] É p váv qu xp sé Pu p ss s
m “p pu s ”, m s só m sm s m qu f m s
xp s K f (qu s v um mã mp sív p s

14
Existem inúmeros depoimentos de colegas escritores, muito famosos e reconhecidos, que foram críticos e
detratores da obra de Puig. Só para fazer menção a um deles, pode-se citar Mario Vargas Llosa, quem em uma
entrevista para o jornal La Nación, da Argentina, assinalou que “Manuel Puig era una persona que de
literatura sabía muy poco. Sabía de música, de películas, pero no era lector y tenía grandes vacíos en su
formación literaria(...) su obra, que me parece literatura light brillante, magníficamente bien elaborada, muy
bien construída, pero en función de imágenes, no de ideas, y yo creo que al final lo que prevalece, lo que
permite a una obra pasar la prueba del tiempo son las ideas, no las imágenes”.
15
Entrevista no programa de televisão Los Magos, Artecanal, 1995. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=CGSXOJbQA30. Acesso em 2 de Maio de 2017
16
Manuel es el primer escritor argentino que puede escribir desde una tradición que no es la estrictamente
literaria. El impone una figura de escritor completamente excéntrica, en la cual se alimenta de todo lo que no
es literatura. Por eso él hace una literatura precursora. En su narrativa logró esa música que crece como
yuyo sonoro entre los ladrillos de los chismes y voces de esas mujeres y los secretos que intercambian las
personas en la intimidad de sus casas. Eso es una experiencia estética extraordinaria. Bien menor al parecer,
pero no. Es tipo esa musiquita que cantamos sin saber de dónde ella viene. Pero que queda en nuestra
cabeza.
37
s) u B B h (qu s v um mã mp sív p
os obreiros). Puig escrevia num espanhol que as cabeleireiras pudessem
ler. (LINK, 2015, p.22)

No início, era o próprio Puig quem gostava de salientar que era um escritor atípico,
s h , f s : “Eu ã v h hum çã á . V h
cinema, de ouvir rádio, de v f h s, m m s M ” (SOSNO SKI, 1973,
p.73) [Tradução nossa]17

2.2.1 Sobre Manuel Puig, breves referências biográficas e literárias

Juan Manuel Puig Delledonne, mais conhecido como Manuel Puig, nasceu em 28 de
dezembro de 1932 na cidade de General Villegas, na região pampeana da província de
Buenos Aires, na Argentina. Amante do cinema, estudou arquitetura e filosofia. Em Roma,
fez cursos no Centro Experimental de Cinematografia. Quando retornou da Europa,
dedicou seus trabalhos à produção de literatura e não mais de roteiros, pois havia percebido
que a densidade de sua escrita seria melhor aproveitada em novelas e livros.

Passou por vários países, entre 1963 e 1965, quando trabalhou como telefonista, lavador de
pratos e professor de línguas. No mesmo período, escreveu seu primeiro romance: A
Traição de Rita Hayworth (1968). Em 1967 retornou a Buenos Aires e passou a viver em
constante luta contra a censura. Publicou Boquitas pintadas (1969) e The Buenos Aires
Affair (1973), ambos os livros se tornaram best-sellers, com muitas ofertas para serem
traduzidos e publicados em várias línguas.

Naquela época, na Argentina, começava a se viver o período mais difícil e sanguinário do


século XX. Foram os anos que antecederam ao pior golpe de Estado que o país teria: a
Ditadura Civil-Militar que massacrou o povo argentino entre os anos 1976 e 1983. No
total, com breves períodos democráticos, desde 1955 a 1983, foram décadas de ditadura

17
“Y v u ó .V ; í , v f s, m m s
M ”.
38
violenta, sendo esta última considerada uma das mais cruéis da América Latina, em que se
estima a morte de mais de 30 mil civis.

Inúmeros indivíduos tiveram que fugir do país e exilar-se devido às ameaças de morte
proferidas pela Triple A – Alianza Anticomunista Argentina. Entre eles, Manuel Puig, que
se transferiu para a Cidade do México, onde concluiu El beso de la mujer araña (1976),
editado também no Brasil.

Entre 1978 e 1980 viveu em Nova York, onde lecionou cursos de escrita criativa na
Universidade de Columbia. Em 1979 publicou Púbis Angelical, que foi um best-seller na
Espanha e foi transformado em filme pelo diretor de cinema argentino Raul de la Torre.

Em 1980, Puig transferiu-se para o Rio de Janeiro e adaptou El beso de la mujer araña para
o cinema. Foi principalmente graças a esse filme, dirigido pelo argentino-brasileiro Héctor
Babenco, que a obra do escritor ganhou notoriedade mundial. No filme, a atriz Sônia Braga
faz o papel da Mulher Aranha; Valentín é interpretado por Raul Julia, e William Hurt
interpreta Molina, personagem que lhe rendeu o Oscar de melhor ator, em 1985. O livro foi
igualmente adaptado para o teatro musical, e o próprio Puig adaptou-o também para o
teatro dramático. A peça continua sendo montada até hoje em muitos teatros do país e do
mundo.

No período brasileiro, escreveu em língua portuguesa, o musical Gardel, uma lembrança, e


os romances Maldição eterna a quem leia estas páginas (1980), Sangue de amor
correspondido (1982) e Cai a note tropical (1982).

Em 1989, m um qu já ã “ s mp ”, x u B s
para voltar ao México, estabelecendo-se com sua mãe em Cuernavaca. Ali começou a
escrever o romance Humedad relativa: 95%, que ficou inconcluso devido a sua morte, após
uma complicação causada por uma cirurgia de vesícula, em 1990.

Tomás Eloy Martínez, reconhecido escritor e amigo de Puig, escreveu no jornal La Nación
ô “L mu su ós”,

39
Manuel morreu no domingo 22 ao amanhecer. Foi se apagando em
silêncio, sem incomodar ninguém. Não o viram partir as enfermeiras nem
o médico. A campainha junto à cama não tocou a noite toda, e até a febre
dos últimos dias foi se evaporando. Acabava de fazer 58 anos.
(MARTÍNEZ, 1997). [Tradução nossa]18

Poderiam ser muitos os escolhidos, mas nenhum melhor do que Martínez para encerrar esta
breve biografia do grande Manuel Puig. Na mesma, além de despedir a seu amigo,
Martínez entrevista a Male Puig, mãe e musa do autor de Cai a noite tropical.

18
Manuel murió el domingo 22 al amanecer. Se fue apagando en silencio, sin molestar a nadie. No lo vieron
marcharse las enfermeras ni el médico. El timbre junto a la cama estuvo mudo toda la noche y hasta la fiebre
de los días últimos se le había evaporado. Acababa de cumplir 58 años.
40
3. CARTOGRAFIAS MENTAIS E EMOCIONAIS

Neste capítulo veremos como, por meio dos dois livros estudados, os autores, com suas
específicas formas narrativas, abordam, a partir do conhecimento do senso comum, a
cidade analisada. P qu m ss H , “é vés us qu f z m s s s s,
que dizemos, pensamos e sentimos acerca destes – como os representamos – que damos
s f ” (HALL, 1997, p. 3). Portanto, podemos dizer que estes dois argentinos se
apoderam da urbe carioca, utilizam seus recursos de identidade, marcas essenciais que os
levam a pensar que são sujeitos habitando a urbe sobre a qual produzem relatos em suas
obras literárias, conferindo a eles uma maior legitimidade.

3.1 Rio de Janeiro em Arlt

3.1.1

A saudade, tão carioca, a nostalgia, tão portenha,,


sobrevoam todas as páginas e conseguem,
seguramente contra a vontade do autor, que por
momentos as duas cidades pareçam somente obra da
sua invenção.19 (Birabent, 2017) [Tradução nossa]
.
Por uma questão de cronologia, começaremos por Arlt, que, como já mencionado, morou
no Rio de Janeiro em 1930. A então capital do Brasil, no mês de maio daquele ano, olhando
para o céu, deslumbrava-se com a chegada do primeiro Graf Zeppelin proveniente da
Alemanha. Até então, os cariocas não tinham grandes motivos para olhar para cima em
busca de construções feitas pelo homem: o Cristo Redentor estava em processo de
construção – foi inaugurado em 1931- e faltavam meses para a inauguração do primeiro
arranha-céus da cidade: o edifício A noite, na Praça Mauá. Politicamente não era um ano

19
L “"s u ”", ; s , p ,s vu s sp s ,s u m
en contra de la voluntad del autor, que por momentos las dos ciudades parezcan solamente una obra de su
v ó ”
.Antonio Birabent é um reconhecido músico e ator argentino. Ele que enviou um depoimento para este
trabalho a título de resenha sobre as Aguafuertes Cariocas.
41
fácil para o Brasil. Após a vitória do candidato governista Júlio Prestes nas eleições de
março de 1930, derrotando a candidatura de Getúlio Vargas, ocorreu uma nova
rearticulação de forças de oposição que culminou na Revolução de 1930. Derrubado o
governo de Washington Luís, Getúlio assumiu a chefia do Governo Provisório. Era o início
da chamada Era Vargas.

Foi nesse agitado ano de 1930 que Roberto Arlt, cronista do jornal El Mundo, de Buenos
Aires, foi enviado para narrar o que Rio de Janeiro tinha a oferecer frente aos seus olhos.

Mesmo as tendo batizado m m “ u fu s”, não passavam disso: crônicas


urbanas. O que Arlt fez no Rio de Janeiro, portanto, foi apropriar-se dela na tentativa de
entender seu discurso citadino, uma atitude que reconhece, como diz Barthes, a cidade
como um discurso: “ é um s us , ss s us é v m um
linguagem (...) a cidade na qual nos encontramos, somente em habitá-la, reconhecê-la, olhá-
” (BARTHES, 1993, p. 260-261).

“Só s v qu v j ” ( LT, 2013, p.131) é título de uma das crônicas, que interpela
tanto o leitor quanto seu próprio editor. Arlt esboça um olhar profundamente particular da
urbe analisada, que o levaria a polemizar com mais de um carioca até os limites que
poderiam chegar a um ringue de boxe (além da literatura, outra das paixões de Arlt era o
boxe). Para entender do que estamos falando basta citar algumas das aguafuertes nas quais
ele define diretamente o Rio de Janeiro, com um olhar não muito positivo:

Todas, quase todas as casas do Rio são de pedra. As portas estão


engastadas em pilares de granito maciço [...] a exceção são as casas feitas
m j s. Sã h m s “ s uçõ s m s” s p x m s
de Copacabana, os chamados “ s v s”. O s , s p ,
casa da maioria, são construídos dessa maneira ciclópica: pedra, pedra e
p ”. (I ., “ p ”, p. 51-52)

Faz um calor de andar em trajes sumários pela rua. E às 11 da noite, todos


já voltaram para suas tocas. Percebem? [...] Esta gente é como as galinhas:
jantar de seis às sete, depois três voltas castas em torno do quarteirão, e
p m , m . (I ., “E v u , s á?”, p. 69-71)

Não fiquem espantados com o que vou dizer: o Rio de Janeiro dá a


sensação de ser uma cidade triste, porque é uma cidade sem flores. O
42
leitor pode andar de bonde meia hora que não vai encontrar nem um só
j m. (I ., “C s mf s”, p. 81)

Nós, habitantes da mais linda cidade da América (me refiro a Buenos


Aires) acreditamos que os cariocas e, em geral os brasileiros são gente que
p ss p ç p s , s qu “F p ” é h
em que vai roncar. Estamos redondamente enganados. Aqui as pessoas
trabalham, sem brincadeira.[...] Trabalham, trabalham brutalmente e não
vã fé x p v s m u s. (I ., “C qu h
m é ”, p. ??)

No Rio me entretenho casta e recatadamente. Pareço aluno do Sacré


Coeur, se houvesse escolas do sagrado coração para homens. (Ibid.,
“C s s m s”, p. 103)

Mesmo que os extratos destas crônicas ofereçam uma conotação negativa da cidade, o livro
está longe de sê-lo. O autor observa a cidade como se fazia até meados do Século XX, isto
é, m ss C , “ sp p u s u f u çã fís : é
o oposto de campo” (CANCLINI, 2008, p.15). Como veremos no decorrer da análise, Arlt
se posiciona com base nesse binarismo antagônico, tendendo a encontrar categorias
absolutas, quase puras, que definem uma cidade como o oposto do espaço rural. É muito
comum ler em su s ô sf s s m : “E h m qu f , s s v v
a atividade da população” (ARLT, Op. cit., p.132).

Cronologicamente organizadas, as crônicas de Arlt abrem o livro revelando o encantamento


inicial do autor com a então capital brasileira; à medida que o tempo passa e a saudade de
Buenos Aires começa a bater, esse deslumbramento vai perdendo certa força. Porém, ele se
manifesta maravilhado e assombrado, sobretudo com os cariocas e as cariocas. Ele descreve
os homens e as mulheres – adultos e crianças – com mais dedicação do que descreve a
cidade. E explicita que o f z p p s m :“ u m m, p m u z h m
enfadam. E me enfadam porque falta o elemento humano em seu estado de evolução. A
p s m s m s h m s, m p h ” (Ibid., p.154). Por isso descreve a cidade por meio
de sua gente: “P f um v z p s J , u : um
gente decente. Uma cidade de gente bem- s .P s s” (Ibid., p. 29).

43
A primeira coisa que chama a sua atenção é a sensação de segurança das ruas cariocas e o
caráter de bonomia das pessoas. Ninguém rouba nada, ninguém tem malícia segundo a sua
percepção. Na crônica “Só s v qu v j ”, citada anteriormente, ele escreve:

Acordei cedo e saí pra rua (...) Em todas as portas, viam-se uma garrafa de
leite e um embrulho de pão. Passavam negros descalços a caminho do
trabalho; passava gente humilde...e eu olhava perplexo (...) ninguém
surrupiava a garrafa de leite nem o embrulho de pão. (Ibid., p. 29)

Certos atributos usados em suas descrições ou mesmo algumas associações de ideias


poderiam, aos olhos do leitor atual, ser qualificados como machistas, discriminatórios e
s s. É s , p x mp , u s h qu “ s s ç s” u “
humild ” ã su up ss pã x s p s s. Não se pode, no
entanto, na leitura contemporânea, desrespeitar ou ignorar o contexto histórico da produção
de tal texto. Se ainda se faz notar o preconceito, é possível ao menos compreendê-lo.

Da mesma maneira que chamaria a atenção de qualquer leitor contemporâneo o jeito que o
escritor tem de se referir às pessoas (chamando- s “ s”, p x mp ), p causar
estranhamento a maneira com que o argentino se refere à falta de delinquência nas ruas do
Centro carioca. Para surpresa dos que hoje vivem sitiados na cidade do Rio de Janeiro
graças à forte onda de violência, na aguafuerte “Na redação de O jornal”, ele explica que,
por ser a cidade muito pacata, praticamente não existe jornalismo policial na imprensa
carioca e também na brasileira: “Os j s s êm outros empregos para poder sobreviver.
Não há ladrões. Os poucos crimes que acontecem são passionais. As pessoas são mansas e
u s” (Ibid., p.13)

O assombramento pelos bons costumes não se resume à falta de roubos e assaltos. Outros
exemplos são oferecidos para transmitir a sua surpresa ao encontrar uma realidade tão
diferente, se comparada à su : “Es m s um mé Sul,
qu m ; 1600 qu ôm s Bu s s. p s ss ” (Ibid., p.30). Ele chama
o “C sp ”. S u m s x mp s:

44
Nos bondes, não se vendem passagens. Quando você sobe, o cobrador ou
você mesmo, puxa uma cordinha. [...] o cobrador não vem a cobrar a
passagem. É você quem o chama. (Ibid., p. 30)

Onze da noite. Mulheres sozinhas pela rua. Saem do cinema. Moças


sozinhas. Pegam o bonde. Bairros distantes. Mulheres sozinhas. Voltam
de algum lugar. Ninguém lhes dirige a palavra. (Ibid., p. 31)

[...]Mal posso acreditar. Penso em Buenos Aires. Penso em toda nossa


grosseria. Nossa enorme falta de respeito com as mulheres e as crianças.
[...]Circulo pelas ruas e não encontro mendigos; ando por bairros
aparentemente suspeitos e para onde quer que olhe só encontro isto:
respeito ao próximo. (Ibid., p. 32)

O percurso de Roberto Arlt pela urbe carioca é guiado, como diria Canclini, não por
“m p s u GPS”, m s s m “p s f sm s m s qu v ms u
os modos pesso s xp m s çõ s s s” (CANCLINI, 2008, p.15).

3.1.2 O jornalismo visceral nas crônicas arltianas

Além de escritor, Roberto Arlt foi jornalista. Não poderíamos asseverar que o que ele faz
ao longo das aguafuertes seja jornalismo cultural no sentido estrito (se é que há um sentido
estrito) do conceito. Pode ser que tenha sido jornalismo cultural para os leitores da
Argentina que, na época, leram as crônicas no editorial de Cultura do jornal El Mundo.
Embora, como ss Pz , j sm u u h s “ m
” (PIZ , 2003, p.12), o que faz o escritor argentino no Rio não se encaixa
estritamente nesse tipo de atuação profissional. E para citar alguns aspectos do jornalismo
cultural, Arlt não comenta sobre peças de teatro, concertos de música, literatura brasileira
ou filmes – mesmo que, nas crônicas, ele fale da quantidade de teatros que existem na
cidade; procure por algumas casas de shows de música; fale, por alto, de Castro Alves; e
compare as tiragens dos jornais brasileiros com a dos argentinos ou assista no cinema ao
filme Tempestade sobre Ásia. Ainda que seja um escritor exercendo o papel de jornalista,
ã s á, m ss v , vu s “m s, s p u os que
abordam com propósitos criativos, críticos, reprodutivos e de divulgação os terrenos das
‘belas artes’, ‘as belas letras’ s s p s m ” ( IVE , 2006, p.19).
45
Em Águas-fortes cariocas registram-s ç s j sm v m: “ u m
misturar e conviver com as pessoas dos bas-fonds que infestam as cidades do ultramar [...]
V j ...v j , qu ós, p z sp h s, ã m ss s h ?” ( LT, Op. cit., p.
21). Escreve sobre s m : “ qu , fé é u êntico, como o tabaco e a beleza natural
s mu h s” (Ibid., p. 86). Ao longo do livro, Arlt visitará teatros, cinemas, bibliotecas e
redações de jornais, mas não irá a museus nem a igrejas. Na crônica “Nã m f m
ant u s”, ele rejeita tudo o que tenha v m qu u p ss : “Es á u s.
Igrejas antigas e todas as tranqueiras do século passado me deixam absolutamente
indiferente [...]. As coisas antigas, entre gente antiga, estão em seu lugar; entre gente
m , sã í u ” (Ibid., p. 153-156) .

No que tange ao que poderíamos chamar de jornalismo político, o autor coleta dados e
estatísticas para comparar e entender a vida cultural e econômica da cidade. É preciso
esclarecer aqui que tais condutas têm sempre como única referência a cidade natal do autor,
Buenos Aires, já que a viagem ao Rio é a primeira em que ele sai da Argentina, salvo por
uma breve passagem por Montevidéu. Na aguafuerte “D s h s f s”,
autor faz uma comparação entre o trabalhador urbano (não o rural) de Buenos Aires e o
carioca. Esclarece que vai se limitar a essas duas cidades porque não conhece outras do
Brasil.

O trabalhador argentino, portenho, lê, procura se instruir ainda que


superficialmente, ingressa num sindicato, e quando sai do trabalho põe
terno, passando por funcionário. [...]Aqui no Rio, não se vê nada disso. O
trabalhador não lê, não se instrui, não faz nada para sair de sua paupérrima
situação social [...]. Aqui o operário nem sonha em ir ao teatro. Entendem
o que estou dizendo? Teatro, leitura são luxos reservados àqueles que têm
dinheiro... (Ibid., p. 115).

Como vimos na biografia do autor, Arlt era filho da classe trabalhadora e acreditava no
poder dos trabalhadores organizados como força de câmbio para progredir socialmente.
Embora tivesse uma clara afinidade com o Partido Socialista, também teve etapas de maior
radicalização política, aderindo às ideias anarquistas da época. No final da mesma crônica
ele conclui:

46
Interrompi a redação da crônica para mostrá-la ao senhor Nóbrega, de O
Jornal. Ele leu, e exclamou:
– Tem razão. Mas no dia em que esses 40 milhões de brasileiros souberem
ler, o Brasil será um perigo. Já sabem disso, na América do Norte...
E talvez o Nóbrega tenha razão. (Ibid., p. 116).

Sua crítica ao proletariado brasileiro, comparando-o com o argentino, também tem um


embasamento socialista. Por meio de entrevistas, Arlt pesquisa os motivos pelos quais os
trabalhadores não estão tão sindicalizados e formados culturalmente quanto os seus
conterrâneos.

Aqui havia uma associação gráfica e a política a dissolveu três vezes.


Na Associação Cristã de Moços, um estudante brasileiro me dizia:
– Não abrem escolas, porque os políticos não querem de jeito nenhum que
o proletariado se instrua. Sabem que no dia que o proletariado for
instruído, não votará neles. (Ibid., p. 158)

O escritor reflete sobre o próprio ofício de jornalista e para isso, no início da crônica
“ m p m ”, z í , um s sp h qu f z , m ,
naquele m m , ô s v m: “C qu v ,p p p ,
sem omissões, sem efeitos e sem lirismos, tudo quanto faço e quanto vej ” (Ibid., p.137).

Como assinala Piza, assim como a presença dos escritores nos jornais do início do Século
XX se devia à “p óp f u s s s em se estabelecerem (economicamente)
s m mp s ” (PIZA, 2003, p. 34), Arlt, vendo a realidade dos jornalistas cariocas, que
na época não era muito diferente da dos argentinos, afirma também que “ s j s s m
u s mp sp p s vv ”( LT, Op. cit., p.134). No entanto, ele aprofunda
sua crítica com os di s s h s mp s s : “ qu um j s
h 200 p s s ( s) m s s p h u m 10 u 12 h s.” (Ibid.,
p.132).

Em sua rotina de jornalista no Rio, Arlt se dirige todas as noites para a redação de O Jornal.
Na crônica “N çã Oj ”, do dia 13 de maio de 1930, o autor escreve sobre
como é trabalhar neste local. Inicia a crônica se sentindo um estranho, um estrangeiro.

47
Ouço conversas, mas como não entendo patavina, fico olhando; sorrio
para os que me sorriem e depois continuo na máquina. Meto pau na
Underwood. O que acontece é que às vezes a Underwood20 não consegue
p s m ss p s v ”. (I ., pp.175-176).

Com a ironia que o caracteriza, o autor reflete sobre a essência de uma redação:

Todas as redações de todos os jornais do mundo são iguais. Rapazes que


escrevem com uma incompetência maravilhosa e que dissertam, fumando
um charuto vagabundo, sobre o futuro do universo. Todas as redações do
mundo são iguais. (Ibid.,p.176)

No entanto, tal raciocínio o conduz a um lugar que finalmente lhe resulta familiar. Trata-se
de uma redação, e ali, mesmo estrangeiro, sente-se em casa.

3.1.3 “Seu Roberto Arlt: Cadê a praia?”

Como descrevemos até agora, as representações do Rio de Janeiro a partir do olhar citadino
de Roberto Arlt, como toda representação, é única, subjetiva e particular. Como assinala
H , “ m s s f s j s, p ss s v s vés s uu
interpretação que trazemos conosco [...] como as representamos, as palavras que usamos, as
hsó s qu m s s s s s” (HALL, 1997, p. 3). Assim, que estrutura o
escritor argentino traria na mente, em sua subjetividade, para escrever 40 crônicas sobre o
Rio de Janeiro quase sem falar do mar, sem falar da praia? Não que ele não fale da
atividade praieira como lazer ou interesse turístico. Diretamente o escritor não faz quase
nenhuma referência ao mar, muito embora até a capa de seu livro esteja ilustrada com
desenhos marítimos. Porém, a esse respeito é preciso reconhecer que ele morreu sem saber
que suas aguafuertes seriam reunidas em livro 80 anos depois de escritas. O que teria
opinado ele hoje se visse que tanto na edição aqui analisada (a brasileira) quanto na
argentina colocaram a natureza – morros, flora, fauna e mar – em destaque?

20
Nome de uma das mais reconhecidas maquinas de escrever da época.
48
Seria interessante assistir às discussões (ou brigas até) entre um designer gráfico e o próprio
Arlt sobre que imagem p .O s u : “M s , m p ss us
40 ô s ss m m u m ?” E sp :“ p s mm
aporrinha. Não olho pras montanhas nem de brincadeira. Vou fazer o quê com a montanha?
Descrevê-la? [...] Os p ís s ã v mp su s m h s” (ARLT, Op. cit., p.156).

Como antes assinalamos, o escritor quase que ignora a presença do Oceano Atlântico,
quase tão perto dele próprio como da Avenida Rio Branco, à qual ele faz tantas referências.
Arlt faz um primeiro comentário sobre o mar ao chegar ao Rio, mas, pelo que descreve,
trata-s B í Gu , sp xm s p : “N m um m s u
violáceo, cones de pedra de base rosa-lava [...] bandos de pombas do mar revoavam em
volta. [...] A água ondula oleosidades de cor verde-salgueiro, em outras junto aos penhascos
rosa, há reflexos de vinho aguado” (Ibid., p.25).

Teremos esperar até a aguafuerte N° 25, quando Arlt já cumpria mais de um mês dos dois
que esteve no Rio, para ler a primeira (e única) referência à praia e uma das duas vezes em
que é mencionada Copacabana. Ele está falando de métodos para combater o c . “N m
à sombra, nem ao sol encontrava alívio pro calor que derrete o juízo de todos os homens do
Sul que aqui chegam. [...]Tentei o método dos banhos. Fui a Copacabana. Não deu
su ” (Ibid., p.138).

Lendo as últimas frases, percebe-se um Arlt que se mostra indiferente a natureza ou as


belezas naturais. Essa rejeição, no entanto, tem um fundamento: para ele, que caso se deixe
embevecer pelas maravilhas naturais (e até as belezas feitas pelo homem, chame-se arte ou
arquitetura – como antes assinalamos), um escritor ou um jornalista perde de vista tudo o
que se tem a dizer sobre as problemáticas sociais que atingem, neste caso, o Rio de Janeiro.
V m s ss ô “ m ”:

Quando quer investigar seriamente algo sobre a vida do povo, você se


depara, aqui no Rio de Janeiro, com essa amabilidade brasileira que
cuidadosamente oculta as rachaduras de sua civilização popular. [...]Uns
dias atrás, tive a oportunidade, quando se inaugurou a nova linha aérea, de
conversar com uns jovens jornalistas, argentinos e amigos.
– E aí... Como estão?
49
– Encantados. Nos levaram para visitar o Pão de Açúcar, Copacabana, o
Jóquei Clube, o Hipódromo...
Sentamos para conversar em um café. Meia hora depois, os jovens
jornalistas me diziam:
– Claro. Você está aqui e não se deixa deslumbrar com as belezas
naturais... (Ibid., p.157)

Como assinalamos desde o início, Arlt tem um objetivo claro na hora de transmitir seu
h ( ã ã ): “ u m msu vv m s p ss s s bas-
fonds qu f s m s s u m ” (Ibid., p. 86). Ainda que não seja nosso
propósito de análise, em todas as suas aguafuertes (sobretudo quando percorre o interior da
Argentina), ele traz histórias das populações submetidas às piores pobrezas, de páramos
esquecidos e doenças negligenciadas, como poucos jornalistas argentinos fizeram até hoje.

Dito isso, e ainda que em 1930 o Rio de Janeiro já contasse com muitas favelas e estas
fossem chamadas por este nome, é preciso registrar que ã xs p v “f v ” s
crônicas arltianas, mas s m s s s m m “ s p á s”:

Uma nuvem de urubus paira o dia inteiro sobre os morros do Rio. Como
no alto dos morros vivem pessoas que não são duques nem barões, mas
sim negros e pobres, e há ali uma sujeira que merece um capítulo à parte,
desde a hora de acordar até a hora de dormir podem-se ver revoadas de
aves negras que traçam no ar círculos oblíquos. [...]Bairros operários que
são imensamente tristes e sujos. Bairros de onde se saí com a alma
encolhida de tristeza. Lá também nã há j s”. (I ., pp.82-83)

Para concluir, não podemos dizer que Arlt não apreciasse as maravilhas naturais da cidade
e da região (também tem aguafuertes falando das belezas de Petrópolis e Niterói), só que,
como visto antes, não era sua prioridade narrar o mundo da natureza. Aguafuertes tais como
“ u p ís!”, “ z J ” u “V f s ” ã ss .

Agora compreendo o que é o Rio de Janeiro. Uma cidade fabricada nos


vales que os morros deixam entre si. [...] Você olha e fecha os olhos. Quer
conservar uma lembrança do que vê. É impossível. Os quadros que você
vê se sobrepõem [...]. Você luta com essa confusão, quer definir
geom m , z “é um p í , um â u ”. É ú ...
(Ibid., p.144)

50
C m v m s, p um p ss m ,f m m“ s pá ” (SARLO, 2007
p. 41), era-lhe difícil olhar a cidade a partir de uma perspectiva geográfica, geométrica e até
natural.

3.2 RIO DE JANEIRO EM PUIG:

3.2.1 Tudo sobre suas mães: as tardes-noites cariocas de Manuel Puig

Melancólico e triste: assim é o início de Cai a noite tropical. Desde a primeira linha do
livro, o estratégico Puig já cria a atmosfera de sua história, e é nesse primeiro diálogo que o
autor justifica o nome do romance.

– Que tristeza dá à esta hora, por que será?


– É essa melancolia da tarde que vai escurecendo, Nídia. O melhor é
começar a fazer alguma coisa e ficar muito ocupada à esta hora. Depois, já
de noite, é diferente, essa sensação passa. (PUIG, 1988, p.5)

O pôr do sol, mesmo que seja aquele maravilhoso e único pôr do sol visto da pedra do
Arpoador do Rio de Janeiro, aquele que recebe salva de palmas de turistas e locais21,
sempre tem esse ar de melancolia, de algo que já não está. Como no Rio tudo é abrupto e
avassalador, essa sensação se aprofunda ainda mais. A tarde passa a ser noite tão
estrepitosamente como se passa de uma página de livro à outra. Às cinco horas no inverno e
as oito, no verão.

É nesse cenário que acontece o primeiro diálogo entre as duas idosas argentinas,
personagens centrais do romance de Puig. Luci está em uma prolongada visita ao Rio, na
casa de sua irmã mais nova, Nídia. As duas têm mais de 80 anos de idade. As mulheres
confidenciam medos, desejos, angústias. Falam de política, dos filhos, dos netos e da

21
“Stop here, apreciate life for a minute and smile”, diz um stencil no chão da orla de Ipanema. Está
assinado por #Oraculo Project, um coletivo anônimo de artistas de rua que convidam o passante a se render
aos pés do que a natureza tem para oferecer com sua simplicidade. Mesmo que escrita em inglês, pela
quantidade de visitantes estrangeiros que circulam pela região, sempre chama atenção o número de cariocas
que, ao passar por ali, se detém, em seu frenesi rotineiro, para apreciar aquele momento, tirar uma foto e bater
palmas junto a centenas de turistas.
51
velhice. São extensos diálogos onde fofocam do passado e do presente, próprio e alheio. O
medo da solidão é o sentimento que percorre todo o romance.

Puig instalou as duas irmãs no Leblon, mais precisamente na Rua Igarapava 120, esquina
da Rua Aperana, onde acontece a maior parte das conversas, dos fatos e das histórias do
livro. O autor também escolheu a Aperana, nessa região nobre da Zona Sul da cidade, para
morar, e na mesma rua comprou outro apartamento para sua mãe, Male Puig. Seguramente
seriam várias as categorias em que João do Rio poderia encaixar a Rua Aperana, no bairro
do Alto Leblon.

Oh! s m, s u s m m ! Há u s h s s, u s m í u s, u s
s s s, u s s, s, á s, p v s, pu s, f m s, u s
s m h s ó , u s ã v h s qu s mp v uçã um
cidade inteira, ruas guer s, v s s, m s s, sp é s, snobs,
ruas aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam sem pinga de
sangue. (DO RIO, 1995, p.4)

Javier Montes, em seu livro, Varados em Rio, reflete sobre a Rua Aperana: “ p m
tupi quer z ‘ m h ’. P qu su m, s h s u p us, s
nativos até o morro à procura de fruta, água de manancial e refúgio [...]. O Leblon começou
su u z çã í Sé u XX” (MONTES, 2016, pp. 86-87 [Tradução nossa]).
Bem sabiam os Tupis daquele “caminho errado”. A urbanização do bairro, ao longo dos
anos e como resultado da bolha capitalista da especulação imobiliária levou essa região a se
converter em uma das mais caras de América do Sul e a mais cara do Brasil. Para as Nídias
e Lucis da atualidade, seria impossível morar num imóvel como aquele da Rua Igarapava.

Sucede com a maioria da obra de Manuel Puig, e Cai a noite tropical não é a exceção da
regra: o romance tem muito de autobiográfico22. Carmen, uma tia do escritor se mudou para
o Rio com o intuito de passar longas temporadas com sua irmã, Male Puig. Uma filha de
Carmen havia morrido de câncer muito jovem e as duas mulheres se faziam companhia,
compartilhavam lembranças nas longas tardes-noites desse Rio dos primeiros anos da

22
Mais informações na biografia do autor, Capítulo 2 do presente trabalho.
52
década de 1980. Um Rio que ia perdendo aquele charme dos anos dourados para passar a
ser uma cidade mais violenta, contaminada e desigual.

Em uma entrevista com a escritora Rosa Montero, Puig confessa a inspiração para escrever
o romance:

Pela primeira vez tenho bem perto de mim umas pessoas que entraram na
época da velhice. Dei-me conta de que, a essa idade, todos os dias, você
tem uma conversa com a morte. Você não é dono de seu futuro próximo.
Tudo tem que ser consu m m : “M , p ss um
qu s m s s?”. Tu m qu s p j m mu h .
(MONTERO apud MONTES, 2016, p.175). [Tradução nossa]23

A teoria de Puig o surpreende: dois anos depois dessa entrevista, em julho de 1990, o
escritor morre. Sua mãe Dona Male, musa inspiradora e fonte estética de quase toda sua
obra, sobrevive por muitos anos ainda, morrendo aos 99 na Argentina.

3.2.2 O uso da fofoca e das cartas como estratagema narrativo

Nídia e Luci, as irmãs do romance analisado, matam suas horas vagas da longa noite
tropical olhando as janelas dos vizinhos; especulando sobre a vida dos outros, com especial
ênfase, como antes dissemos, sobre a vida de Silvia, uma psicóloga argentina de uns 45
anos cujos dramas amorosos e familiares satisfazem mais a estas estrangeiras no Rio do que
as novelas de horário nobre da TV brasileira, que, à época analisada, já esquentavam as
telas dos lares cariocas24.

23
Por primera vez tengo muy cerca de mí unas personas que han entrado en la épica de la vejez. Me he dado
cuenta de que a esa edad todos los días se tiene una conversación con la muerte. A esa edad ya no eres dueño
u fu u p óx m . T qu s su mu : “Mu , ¿pu h u s
m s s?” T qu p f s h …
24
Não é o objetivo deste trabalho analisar a relação do espectador brasileiro com a novela, mas vale a pena
assinalar que, junto às fofocas, cartas e o cinema, a novela faz parte dos recursos não estritamente literários do
processo narrativo da obra de Manuel Puig. Montes faz referência a um trecho de uma carta escrita pela
poetisa americana Elizabeth Bishop, residente no Rio de Janeiro na década de 1950 (trinta anos antes do Puig
residir na cidade) contando como todos os dias às ,“ s z s z h s s upé
53
Até o capítulo sete dos doze que compõem Cai a noite tropical, a comunicação se dá por
meio do diálogo entre as duas irmãs, baseando-se em suposições relatadas, no uso da
fofoca: em detalhes que Luci e Nídia imaginam da vida de Silvia, a quem elas chamam
s h s m “ v z h ”, “ s u ”, “ ss í”, “ s S v ”, f z h
paradoxo da proximidade e do desconhecimento que implica uma relação de vizinhança. As
irmãs acreditam no dito, não duvidam das próprias palavras porque foi Silvia quem contou
para Luci e Luci quem fofocou para Nídia.

– Você nunca a flagrou em alguma mentira? Não se contradiz?


– Não, contou-me tudo do começo ao fim não sei quantas vezes. É a única
coisa que a alivia. (PUIG, 1988, p. 21).

Ao longo dos diálogos, as vozes falantes acrescentam, exageram, inventam e é assim que o
relato se constrói. O romance tem um narrador onipresente, que foge do sentido estrito do
que seria um narrador clássico: tudo se resolve com diálogos, cartas, matérias jornalísticas,
relatórios policiais e até um relatório de voo das Aerolíneas Argentinas, que tem um papel
central para entender o desenlace do romance.

As cartas no romance analisado aparecem a partir do capítulo sete. A troca de


correspondência entre todos os personagens servirá para esclarecer o rumo da história até o
final. Como salienta De Bastiani, em sua análise do livro,

A carta terá a função de criar o acontecimento, ao mesmo tempo em que


se transforma em via de descoberta, pois traz confissões e declarações de
novos fatos que o leitor ainda não tinha conhecimento; e de debate dessa
descoberta. Ela apresenta os pontos de vista de cada personagem que
escreve, dando ao leitor a tarefa de compará-los e identificar as
divergências de um mesmo fato narrado por diversos remetentes. (DE
BASTIANI, 2014, p. 90)

se c mp j qu mu á p uv v ” (BISHOP pu MONTES, 2016,


p.172) [Tradução nossa]. O ritual da novela, atualmente televisiva, é algo que permanece institucionalizado
no consumo cultural brasileiro. Basta fazer como Nídia e Luci, e se juntar à janela para perceber que todas as
telas dos televisores de um prédio estão ligadas na mesma hora e no mesmo canal.
54
Em uma entrevista publicada no jornal argentino Página 12, Puig conta que jamais gostou
de narrar em terceira pessoa. Era essa uma das justificativas para o uso das cartas,
documentos e recursos semelhantes:

Fazer isso é julgar meus personagens. Me parece antipático e chocante.


Para mim, é melhor registrar as palavras e os pensamentos. Foi assim que
eu comecei a escrever, tomando notas das coisas que uma tia minha
falava. Ela falava sobre tarefas da casa, banalidades. A reunião de tudo
isso em mais de 30 folhas, para mim, já era literatura. (PUIG apud
GILLIO, s/d) [Tradução nossa]25

Portanto, o romance não tem narrador único. Existem muitas vozes e recursos linguísticos
que narram o que os personagens fazem, pensam e desejam. É Manuel Puig na citação
anterior quem nos confirma isto.

3.2.3 Os segundos cadernos do romance puigiano

Como antes foi assinalado, à exceção do quarto capítulo do livro de Puig, os primeiros sete
estão conformados pelos diálogos entre as duas irmãs, ao longo dos quais os leitores
saberão das aventuras e desventuras da vizinha Silvia. O capítulo quatro, no entanto,
merece especial atenção por abordar aspectos do jornalismo cultural. Ali o autor introduz
diretamente matérias dos cadernos culturais da época de modo que a leitura delas possa
ajudar Luci, uma das irmãs protagonistas do romance, a pegar mais rápido no sono:

– Já vai a apagar a luz?


– Vou, estou com sono.
– Ainda bem que você consegue dormir sem ler antes.
– A caminhada me cansou, que lindo dia foi. Até amanhã, Luci,
– Vou ler um pouco, enquanto o comprimido não faz efeito.
– Tchau.
– Até amanhã.
– Mas não era que você já havia lido o jornal todo?

25
Hacer eso es juzgar a mis personajes. Me resulta antipático y chocante. Para mí es mejor registrar las
palabras y los pensamientos. Fue así que comencé a escribir, tomando notas de las cosas que una tía mía
decía. Ella hablaba sobre tareas de la casa, banalidades. La acumulación de todo eso en mas de 30 hojas,
para mí ya era literatura.
55
– Estes daqui são suplementos velhos, devo tê-los guardado porque deixei
algumas coisas sem ler.
– Tchau, Luci. (PUIG, 1988, p. 41).

Após esse diálogo, o que segue são matérias completas de jornais, de aparência apócrifa,
sem nomes nem data, com as seguintes manchetes: “Quinta imperial: a arquitetura colonial
pode perder um de seus mais belos monumentos”, “Ameaças do carnaval: a coisa assusta a
todos, menos aos jovens”, “O escritor Leonardo Scascia denuncia carreirismo no combate à
máfia e divide a Itália”, “Punta del Este dita a moda”, “Angra dos Reis, a baía das 365
ilhas”, “Biquínis faça chuva ou faça sol”, “Um contraponto para as minitangas” (PUIG,
1988, pp. 41-47).

A lista volta a se repetir com as duas primeiras matérias, mas entrecortadas, com pontos
suspensivos no fim do parágrafo, dando a entender que Luci acabou seu material de leitura
e começou a reler até o sono chegar.

Embora para este trabalho tenha sido analisada a edição brasileira do livro, é curioso
comparar o mesmo capítulo quatro nas duas edições: a do Brasil (Rocco, 1988 p. 41-49) e a
da Argentina (BOOKET, 2010 p.59-70).

Para começar, enquanto o livro brasileiro fala do carnaval portenho e dos bailes e festas que
aconteceram naquele fevereiro nos “C u s River, Hu á B Ju s”, na versão
argentina isso é omitido. No que seria a mesma matéria, ao invés de falar do que se espera
de um estrangeiro que escreve sobre o Rio – o carnaval carioca –, o pós-moderno Puig vai
além e comenta do “ surgimento de las sombras del Circo Volador (sic)”, de um show dos
“Gu s Éx Es m L ” “s ó C pús u
Cubatão, que enterrará su darkismo, entretronizado por la mídia como templo de esse
movimiento para apostar a um cambio en su imá ” (PUIG, Op. cit., p.61).

Seguindo com a comparação dos capítulos, o autor, em ambas as versões, faz um


chamamento p qu m s “pu s s” ordem estabelecida em matéria de música
contemporânea. Na edição brasileira Puig escreve: “É hora de os puristas da música
argentina aceitarem que nossa juventude adotou a magia do rock e se prepararem para

56
ju mp m íss m ív qu ss s up s” (PUIG, 1988, p.43).
Na edição argentina:

Ahora que el rock es parte integrante y expresiva de la música popular


brasileña pueden llorar los puristas del populismo, puesto que ha llegado
h p qu s z mu s su v . (…) L s s -
jockeys ahora hacen que estalle el afrobeat, hip-hop, soul, funk y reggae.
(Ibid., p.61)

Vemos aqui que o autor f m sp h s“ v s” s B s e oferece ao


público de língua p u u s qu s “ v ” . Nesse
tipo de deslocamento geográfico e psicológico é que a questão da identidade interferiu
m ém s su s s, m p uD B s m “suj pós-
m ” Su H (2003) p p á-lo à Puig.

3.2.4 A primavera democrática com o ar abafado das ditaduras

A política percorre explicita e implicitamente grande parte de Cai a noite tropical. Ainda
que brevemente, é preciso narrar um pouco do contexto político em que o Brasil e a
Argentina se encontravam nos primeiros anos da década de 1980, respectivamente. Ambos
estavam saindo das ditaduras militares que por muitos anos estiveram no poder. Foram
anos bem conturbados. T mp s “D s Já” B s ,s í “Gu M v s”
na Argentina e posterior abertura democrática em ambos os países. Mesmo que no romance
não se mencionem datas específicas, é possível perceber (sobretudo com a leitura das
notícias dos suplementos dos jornais recém analisados) que ainda se respirava o ar pesado
dos sinistros e sangrentos anos de ditadura – sobretudo na Argentina onde, anos mais tarde,
organizações de Direitos Humanos confirmariam o desaparecimento de 30 mil pessoas,
além de outras tantas mortes e pessoas exiladas. Tal é o caso de Silvia, a personagem do
romance.

– Conte-me da vizinha, por que foi embora da Argentina?


– Já disse, por causa das ameaças das Três A, não lembra a Aliança
Anticomunista Argentina?

57
– Como não iria a lembrar, meia Argentina teve que ir embora... (PUIG,
Op. cit., p.10).

Em outro trecho, percebe-se que as irmãs protagonistas estão fofocando na calçada do


prédio onde moram, no Alto Leblon. É ali que aproveitam para comparar o teor sanguinário
das ditaduras dos dois países, com frases soltas que dizem muito:

– Está vendo, é nesse edifício que mora o militar de alta patente, o que a
empregada lhe disse.
– Mas nunca vi ninguém com farda militar nesta rua.
– Nídia, em rua alguma, eu moro aqui há anos e nunca vi nenhum.
– Deve ser que não gostam de ser vistos fardados.
– Assim as pessoas não se dão conta do que eles são.
– Mas aqui não são tão assassinos como na Argentina, ou são?
– Parece que muito menos. (Ibid., pp.52-53)

Por outro lado, um ar desoprimido também percorre as ruas cariocas tentando tirar o
abafamento dos anos escuros.

– Este bar está sempre cheio, devem ganhar uma fortuna.


– É um lugar muito conhecido no Rio, vêm de longe para tomar cerveja
aí, olhando o mar. [...]
– Que liberdade, essas moças sozinhas à noite.
– Que tempos diferentes.
– Luci, estas devem ser iguais às da Argentina, ou piores. Não se
conformam com uns beijinhos no portão. (Ibid, p.57)

A então recente conquistada liberdade de andar sem medo manifesta-se no espaço público,
sobretudo aquele ocupado pela juventude. Justamente é o que as irmãs estranham no
diálogo acima.

3.2.5 Rio de Janeiro no olhar de duas velhinhas argentinas

Ao se tratar de uma ficção – um romance, para ser específico –, a representação da cidade


do Rio de Janeiro em Manuel Puig, como abordamos anteriormente, se constrói por meio
do olhar das duas irmãs argentinas, protagonistas de Cai a noite Tropical e também, como
já vimos, por meio de recursos como as cartas, relatórios, telefonemas e matérias
jornalísticas que fazem parte da trama ficcional.
58
As comparações climáticas entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, mesmo que óbvias,
merecem um destaque. Sobretudo pela importância dada por elas ao assunto. Em uma
conversa, Nídia confessa a dor que sente pela ausência da filha recém-falecida. Luci tenta
oferecer-lhe um consolo, falando da energia do mar para ajudar a curar as mágoas: “–
Nídia, isto só te pode fazer bem. A praia, o frescor à noite para dormir bem, da outra vez
qu v v su p ssã x u s v z v s u , v v v ” (Ibid., p.9).
Passados alguns dias, Nídia, a irmã que esta de visita ao Rio, reconhece as vantagens que
tem para um idoso morar no Rio: “– Em nossa idade isso não tem preço, um lugar onde o
inverno nunca chega. Não sabe como sofro quando volto para a Argentina” (Ibid., p.50).

No capítulo sete, novamente se ratifica a perspectiva de que Rio de Janeiro é uma cidade
que faz bem, uma espécie de paraíso, para as pessoas idosas.

– Luci, se eu pagasse uns cruzados a esse pobre rapaz, o vigia, será que
me acompanharia para dar uma volta?
– Acho que sim.
– Sempre se vê algum velhinho na praia, ou alguma velhinha, caminhando
com um enfermeiro ou com um porteiro, que lhes dão o braço. Eu não
gosto de me apoiar em ninguém, mas não gosto de sair sozinha.
– Boa idéia. (Ibid., p.91)

Bauman definia o paraíso como uma construção, produto da imaginação: “ m çã ,


f s u s s v ,ép u s f ” (BAUMAN,
2003, p. 9). Nas palavras de Montes (2016, p. 12), o Rio era paraíso enquanto “Cidade
maravilhosa, onde reinam a beleza, o sol, os corpos voluptuosos e a alegria de um carnaval
p pé u ” . Na perspectiva de Luci e Nídia, ao que parece, um paraíso não exclui o outro. A
urbe carioca faz bem à saúde dos idosos. Estar perto da juventude enriquece a alma. Mesmo
que o sentimento da própria juventude seja um paraíso perdido, um estado que não
retornará jamais, as irmãs protagonistas preferem se apegar a esse idílio terrestre do que
pensar no paraíso prometido após a morte. Seguem dois exemplos dos muitos que há ao
longo do livro:
– O vigia da noite... Lindo moço, não é? [...]
– Não reparei.
– Luci, como você não reparou nos olhos que esse moço tem?
– Não sei, deve ser que no Rio há tanta gente linda que já me acostumei.
(PUIG, 1988, p.52)
59
– Olha essa, que carinha tão bonita.
– Um anjo, não é?
–O menino também é lindo.
– Que juventude há nessa cidade, Nídia, é de se ficar boquiabierta.
– Estão entrando no carro, olhe, Luci.
– Com esse fogo dentro, da juventude, e sem o freio da mãe, quem segura
nessa menina? (Ibid., p.58)

São muitos os temas abordados pelas mulheres em suas conversas, caminhadas,


telefonemas, lembranças e cartas. Olhares argentinos sobre o Rio de Janeiro. Inevitáveis
comparações com a terra onde nasceram. Os cafés de Buenos Aires e o mau humor dos
portenhos. A simpatia e a amabilidade carioca que fazem contrapeso à exploração dos
nordestinos e negros por parte dos ricos da Zona Sul, seus vizinhos. A perda do encanto
pelo mar, como consequência de viver ao lado da praia. A insegurança na cidade, mas a
proteção dos moradores do Leblon por terem segurança particular. A confusão que produz a
í u p u u s , qu “ m ” sp h s s s no Brasil. A beleza do
“ m ” u u Edifício Argentina na Praia de Botafogo, prédio que a
comunidade de argentinos residentes no Rio costuma frequentar. Enfim, são olhares de uma
cidade bem diferente da atual, mas também cheia de semelhanças com o presente. É
Manuel Puig falando-nos do Rio de Janeiro. É o Rio de Manuel Puig.

60
CONCLUSÃO

Difícil, porém prazerosa, a tarefa de colocar lado a lado Roberto Arlt e Manuel Puig para
comparar-lhes o discurso de uma cidade requer o exercício de atravessar culturas e gêneros
textuais. É muito extenso o legado que estes dois mestres deixaram para a literatura
argentina, em particular, mas também para a literatura da Américas. Por isso mesmo,
qualquer pesquisador que se debruce sobre suas obras reconhece delicado o desafio de
traçar o limite preciso de seu corpus, recortando-o com sensibilidade, de modo a manter a
riqueza e a complexidade do universo simbólico dos autores. Como vimos, mesmo que
reconhecidos tardiamente por serem autores que fogem do padrão arquetípico estabelecido
pelo cânone literário, ambos são objeto de muitos estudos, artigos e pesquisas. Separados
ou até mesmo juntos, eles são sempre estudados.

Neste estudo, foram reunidos por serem dois autores argentinos com os olhos postos sobre
uma mesma cidade: A muito leal e heroica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Trata-se do primeiro trabalho a confrontar os escritores em sua visão do Rio.

Como já foi assinalado no percurso da pesquisa, a análise comparativa de suas obras não
desconhece a distância que guardam entre si. Além da questão óbvia de que Arlt fala do
Rio de 1930 e Puig, da cidade dos anos 1980, seus livros são obras literárias completamente
distintas: Aguafuertes Cariocas é uma compilação de crônicas jornalísticas e Cai a noite
tropical, um romance de ficção. Os 50 anos que separam a publicação original das crônicas
arltianas26 no jornal El Mundo do lançamento do romance de Puig trazem à tona uma
escrita que parte de um mesmo lugar – o olhar do estrangeiro – para alcançar um mesmo e
distinto destino – o Rio, em duas versões.

Enquanto Arlt nos fala a partir do centro da cidade e seus bairros vizinhos, Puig nos traz um
romance cuja narrativa se dá por completo na Zona Sul do Rio. De fato, Arlt ignora a
presença do mar e da praia, e Puig incorpora esse dois elementos quase como dois

26
Lembremos que mesmo que Aguafuertes cariocas seja um livro publicado em 2013, as crônicas são de
1930 e foram publicadas nesse ano.
61
protagonistas paralelos ao protagonismo de Luci e Nídia. Arlt, em sua experiência da
cidade, fica exageradamente chocado com a ausência de delinquentes, roubos e assaltos.
Em Puig, porém, a criminalidade e todos seus elementos satélites (ladrões, policiais,
segurança particular, o medo a sair à noite etc.) constituem parte importante para o
desenrolar de sua obra. É interessante salientar que, dentre todos esses elementos ligados ao
crime no livro de Puig, não há sequer uma referência ao tráfico de drogas, ponto-chave da
segurança pública hoje no Rio de Janeiro.

A percepção do clima é outra grande diferença. Arlt sofre o calor carioca e chega a
comparar o Rio até com o inferno. Sofre para andar durante o dia e para dormir à noite. Na
perspectiva das idosas puigianas, o Rio é uma cidade acolhedora, climaticamente falando.
Do início até o desenlace do romance, o calor tropical será um grande parceiro das
mulheres. Como também o era para Puig.

A presença do urbano é o ponto central das duas obras analisadas. A cidade como eixo de
tudo. Mapa emocional que orienta o percurso dos autores. Mais do que de cidade, teríamos
que falar de cidades, no plural: é inegável que o Rio de Janeiro é visto a partir de Buenos
Aires, e Buenos Aires, desconstruída no Rio de Janeiro. Isto, em Arlt, resulta mais óbvio, já
que, como antes dissemos, era sua primeira viagem fora do país. Pessimista, niilista e
crítico visceral da realidade argentina em toda sua obra, Arlt teve que tomar distância do
seu lugar de origem para dar-lhe valor. Como ele mesmo fala em seus relatos cariocas, teve
que vir para B s p v “ óf ”. “É p s v j p s s
coisas. [...] F z s uh s ”( LT, 2013, p 118).

No que tange ao olhar de Arlt sobre o Rio, fica claro que, quando ele critica a cidade pela
falta de teatros, casas noturnas ou conservatórios de música, é mais uma escolha político-
ideológica (não saberíamos dizer se consciente ou inconsciente) do que uma realidade.
Sobram relatos jornalísticos e ficcionais brasileiros da época que apontam para a
quantidade de locais culturais e casas de entretenimento noturno no Rio dos anos 1930.
Porém, Arlt parece não estar interessado em se ocupar do lazer das elites de então. Ele
percorre a urbe carioca à procura de espaços populares: bibliotecas, associações gremiais,

62
cinemas e teatros nos bairros dos subúrbios. Confia no poder do trabalhador organizado
sindicalmente, formado em política e empoderado com as únicas ferramentas que fazem
progredir os povos: a educação e a cultura.

Para Arlt, o Rio de Janeiro é relatado por seus habitantes. São as pessoas que compõem a
maioria dos seus relatos cariocas. Se não há pessoas, não há cidade possível. Não há relato.

Por sua vez, a cidade que compõe a narrativa de Puig aqui abordada constitui-se como parte
dos sentimentos expressados pelos personagens, mas de uma forma não tão explícita. Para
as irmãs protagonistas do romance, a comparação com a Argentina é importante, mas não é
tudo. Isto não quer dizer que não sejam duas argentinas fofocando, misturando humor e
tristeza, sobre uma cidade e um país que não lhes é próprio. Aliás, caberá aos outros
personagens e elementos do texto a tarefa de complementar o olhar puiguiano sobre o Rio.

Como vimos na análise de Cai a noite tropical, no capítulo quatro, no qual aparecem os
segundos cadernos, Puig providencia uma visão sobre o que está acontecendo na cidade.
Uma efervescência cultural que recupera espaço logo depois de anos de ditadura. Nas
demais partes do livro, ao falar da juventude nas ruas, dos amantes da vizinha, e de certa
liberdade sexual que se respira no ar carioca, o autor saúda o retorno democrático no Brasil,
mas por extensão, a primavera democrática que também se respira na Argentina.

As irmãs estão frente a um novo país, e frente a esse país é que elas constatam sua
juventude perdida naquela terra argentina, agora distante, não só geograficamente falando.

No livro, a difícil realidade das vítimas das desigualdades também tem um grande espaço.
Ele se ocupa em dar voz a toda essa migração interna que vem do tão carente Nordeste
brasileiro à procura de oportunidades na cidade grande, o Rio de Janeiro. Dá também voz,
entretanto, aos seus vizinhos (os vizinhos de Luci e Nídia) que moram nas favelas cariocas
e que descem dos morros todos os dias para servir nas casas dos patrões dos bairros mais
abastados da cidade.

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Após a análise pontual da construção discursiva de Aguafuertes Cariocas e Cai a noite
tropical sobre a cidade do Rio de Janeiro, é preciso reforçar o fato de que este trabalho
espera estar preenchendo uma lacuna teórica ao se debruçar sobre o conjunto dessas duas
obras de Arlt e Puig pela via da experiência dos autores na capital do Estado do Rio. Desse
modo, a empreitada aqui realizada espera funcionar como um aporte inicial para os estudos
do Jornalismo Cultural, em particular, e para os estudos culturais, em geral, na certeza de
que permitirá estreitar os laços entre Brasil e Argentina. Resultado da aproximação entre
estes dois países que há muito celebram acordos bilaterais e que vêm não só comemorando
os bons efeitos das políticas de intercâmbio turístico como também experimentando a
intensificação dos fluxos migratórios, a cidade do Rio de Janeiro converteu-se num destino
para lazer e numa opção de residência para os cidadãos argentinos.

Como argentino residente no Rio, espero que este passeio pelo imaginário citadino de Arlt
e Puig possa oferecer, tanto para brasileiros quanto para argentinos, uma oportunidade de
reflexão a respeito do impacto do tempo sobre a sociedade carioca dos anos 1930 e 1980.
Uma reflexão que permita entender melhor o tempo presente, experimentar a sensação de
vizinhança ou, como propôs certa vez Puig, o final de sua temporada em Nova York,
celebrar a irmandade compartilhada na latinidade: “P m m, Eu p Es sU s
são, de qualquer jeito, lugares para voltar sempre, porém, para minha vida cotidiana,
preciso de uma realidade sul- m ”27 (PUIG apud MIGUEL, s/d) [Tradução nossa].

Roberto Arlt certamente também subscreveria a essa frase se a pudesse ler hoje. Os dois
nutriram-se das fontes inesgotáveis da América Latina. Por ela e a partir dela tornaram-se
inquestionáveis referências intelectuais e literárias ainda hoje, com um legado cultural que
se mantém vivo até os nossos dias. Ambos compartilharam da experiência de viver o Rio de
Janeiro. De forma diversa, a cidade ganhou corpo, alma, representação e linguagem latina

27
(…) P mí, Eu p Es sU ss , s f m s, u s p v v s mp , p p m v
cotidiana neces u su m ” (MIGUEL, s/d).
http://www.almamagazine.com/manuel-puig-la-celebracion-de-lo-mundano-8946.

64
nas páginas de Aguafuertes Cariocas e de Cai a noite tropical. O Rio de Janeiro teve a
sorte de abrigar Arlt e Puig e, assim, ser mais uma vez imortalizada na cartografia afetiva
desses escritores argentinos.

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