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Chove Como Um Convite

“Aqui chove. Chove como um convite para você...” Assim começava sua sétima
carta. Não tinha tido resposta de nenhuma das outras seis, mas desistir era uma idéia que
nem sequer passava por sua cabeça. Ele sabia que falaria – tinha que falar – com aquela
mulher.

Era incrível como uma pessoa que tinha conhecido tão rapidamente mexesse com
ele daquele jeito. Era incrível como não conseguia parar de pensar nela...

Quarta-feira passada. Esperava por Daniel. Na verdade, não o esperava, pois sabia
que só chegaria ali duas horas mais tarde. Apenas tomava uma Cuba e tentava por a
cabeça no lugar.

- Garçom, pode me ver outra, por favor?

Era a segunda. Mas não importava. Fazia semanas que não bebia e não iria tomar
um porre logo naquela noite. Se tomasse, também não faria diferença. Um casal
apaixonado, três amigos conversando animadamente sobre futebol ou a última festa que
foram, mais um casal, nada contente um com o outro. A vida além-balcão era
engraçada. Poderia estar no Barcelona, no Ibiza ou em qualquer outro lugar que seria a
mesma coisa. “Ou em toda Espanha”, pensou, rindo por haver quase um país inteiro de
bares na mesma rua.

De repente, alguém mais chegou ao país dos solitários. Ao lado, no balcão,


sentava-se uma mulher. Ficou tão absorto por aquela figura que nem conseguiu ouvir o
que ela havia pedido. Enquanto esperava, ela brincava inocente com o cardápio. Nem
sequer teve a curiosidade de observar o lugar em que estava. Simplesmente fazia com
que aquele estreito papel plastificado passasse por seus dedos.

- Por que está me olhando? – disse sem levantar a cabeça.


- Porque você é diferente, está aqui no balcão e parece não se importar com o que
a rodeia.
- E não me importo mesmo. É a vida deles. Eu tenho a minha.
- Então por que você se incomodou com o meu olhar?
- Ora, porque...
- Deixa pra lá. Como é o seu nome?
- Para que você quer saber?
- Porque agora você faz parte da minha vida.
- Milena.
- Milena... só?
- Só. E não pense que eu vou perguntar o seu.
- Sua bebida - interrompeu o garçom.
Tequila. Havia também um pouco de sal e ¼ de limão, que acompanhavam a
bebida amarelada. Sem cerimônias, pôs o sal na mão e depois na boca. Tomou o copo
de uma só vez e, para completar o ritual, chupou o limão. Foi a primeira vez que ele
sentiu atração por ela. Não pelo limão, mas pela expressão de seu rosto logo depois
disso. Os olhos ainda fechados, o rosto contraído numa expressão de prazer, mas
também de alívio.

- Vamos?

A pergunta o arrancou de seus pensamentos. Como assim “vamos"? Vamos para


onde? Não teve nem tempo de pagar a bebida. Ela já havia deixado dinheiro suficiente
para os dois e o puxava para fora pela mão. Lá fora, passaram pelo esboço de multidão
que se formava por conta do happy hour no calçadão, atravessaram a rua e, finalmente,
chegaram no passeio próximo à praia. Só então, ela falou de novo.

- Olha só, como é bonito! – mostrava o encontro, quase imperceptível do céu com
o mar – é como se elas sumissem ali. Ou então jorrassem, e se espalhassem pelo céu
inteiro.
- Talvez jorrem mesmo. Ou você acredita nessa besteira que dizem das estrelas
estarem sempre no mesmo lugar e o sol nos impedir de vê-las?
Ela sorriu. Nem tímida, nem espalhafatosamente. Apenas sorriu, feliz por uma
descoberta nova.
- Agora sim. Prefiro você assim, despreocupado.
- Mas você nem me conhece...
- Mas prefiro assim.
Estava atordoado com a segunda surpresa da noite.
- Ei, volte pra Terra. Quero ouvir mais segredos sobre as estrelas, não os
pensamentos de um mudo!
- Olha, eu...
- Olhe você.

Começou a chover. Novamente, o sorriso. Desta vez era uma risada alegre,
espalhada. A chuva nem era tão forte, algo mais que um chovisco, mas ela se divertia,
ria sem parar e levantava o rosto para chegar mais perto da chuva. Ele a observava sem
mexer um músculo. Até a respiração controlava temendo atrapalhar o espetáculo. O
júbilo durou menos que cinco minutos. Logo, a noite voltou a ser tão clara e estrelada
quanto antes.

- Tenho que ir agora.


- Agora? Nem a cinderela vai embora tão cedo! – brincou.
- Preciso ir, de verdade!
- Mas ainda são dez horas. Não vá.
Ela se aproximou dele até lhe tomar quase toda visão.
- O tempo me consome, mas lhe darei a eternidade.
E o beijou.

Mal tinham se separado e Milena correu para um taxi que parava no sinal de
trânsito. Ele tentou, em vão, alcançá-la.

Não conseguia interromper as lembranças, não conseguia parar de pensar nela.


Olhou então para o mar escondido na noite e soltou a folha de papel, exatamente como
fizera outras seis vezes.

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