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Introdução à Álgebra

2007/2008
Resolução do 1o exame
1. Diga, em cada caso, se a afirmação é verdadeira ou falsa, justificando
a sua resposta com uma demonstração, ou um contra-exemplo. Nesta
questão, (G, ∗) é um grupo com identidade 1, e x ∈ G.

a) Se f : G → G é um homomorfismo, então f (1) = 1.

resolução:verdadeiro.Como f (1) ∗ f (1) = f (1 ∗ 1) = f (1), temos


que f (1) é solução da equação x2 = x, e a lei do corte implica que
f (1) = 1.

b) Se y ∈ G, então a função f dada por f (x) = y ∗ x ∗ y −1 é um automor-


fismo de G.

resolução:verdadeiro.Temos a verificar 3 afirmações:

(i) f é um homomorfismo: porque

f (x1 ) ∗ f (x2 ) = (y ∗ x1 ∗ y −1 ) ∗ (y ∗ x2 ∗ y −1 ) =

= (y ∗ x1 ) ∗ (y −1 ∗ y) ∗ (x2 ∗ y −1 ) = y ∗ (x1 ∗ x2 ) ∗ y −1 = f (x1 ∗ x2 )


(ii) f é injectiva: pela lei do corte,

y ∗ x1 ∗ y −1 = y ∗ x2 ∗ y −1 ⇔ x1 = x2 .

(iii) f é sobrejectiva: porque

z = f (x) ⇔ z = y ∗ x ∗ y −1 ⇔ x = y −1 ∗ z ∗ y.

c) Existem homomorfismos injectivos φ : Z12 → Z16 .

resolução:falso.Seja H = f (Z12 ), e n o número de elementos de H.


Notamos que:

• Se f é uma função injectiva então n = 12.


• Se f é um homomorfismo então H é um subgrupo de Z16 , e por-
tanto a sua ordem n é um factor de 16.
Como 12 não é factor de 16, é evidente que f não pode ser um homo-
morfismo injectivo.

d) Se G tem um número par de elementos, a equação x2 = 1 tem pelo


menos uma solução x 6= 1.

resolução:verdadeiro.A equação x2 = 1 é equivalente a x = x−1 .


Dividimos os elementos de G em duas classes disjuntas, como se segue:

A = {x ∈ G : x 6= x−1 }, B = {x ∈ G : x = x−1 }.

A é uma colecção de pares de elementos {x, x−1 }, e portanto contém


um número par de elementos. G tem por hipótese um número par
de elementos, logo B tem necessariamente também um número par de
elementos.
Como B contém pelo menos o elemento x = 1, segue-se que B contém
pelo menos 2 elementos. Por outras palavras, existe pelo menos um
x 6= 1 tal que x = x−1 , i.e., tal que x2 = 1.

2. Diga, em cada caso, se a afirmação é verdadeira ou falsa, justificando


a sua resposta com uma demonstração, ou um contra-exemplo. Nesta
questão, (D, +, ×) é um domı́nio integral, com identidade 1, e a, b ∈ D,

a) Qualquer subanel de D é um ideal de D.

resolução:falso.Consideramos o anel Z como subanel do domı́nio


integral D = Z[i]. É evidente que Z não é um ideal de Z[i], porque se
n ∈ Z e n 6= 0, então ni 6∈ Z.

b) Existem apenas 2 homomorfismos de anel f : Z → D.

resolução:verdadeiro.Qualquer homomorfismo de grupo f : Z →


D é da forma f (n) = na, onde a = f (1). Se f é um homomorfismo
de anel então f (1)f (1) = f (1), i.e., a2 = a. Como a2 − a = a(a − 1),
e D não tem divisores de zero, só podemos ter a = 0 ou a = 1. No
primeiro caso f é o homomorfismo trivial nulo, e no segundo caso é o
homomorfismo caracterı́stico.

c) Se D tem caracterı́stica m então ma = 0.

resolução:verdadeiro.Se c, d são elementos de um anel e n ∈ Z


temos n(cd) = (nc)d = c(nd). Tomando nesta identidade n = m, c = 1
(a identidade de D) e d = a, e notando que ma = m(1a), obtemos
imediatamente ma = m(1a) = (m1)a = 0a = 0.

d) Se D é um domı́nio de ideais principais, mdc(a, b) mmc(a, b) ∼ ab.

resolução:verdadeiro.Em qualquer domı́nio de ideais principais


temos d ∼ mdc(a, b) se e só se < d >=< a, b >= {ax + by : x, y ∈ D}.
Em particular, existem x, y ∈ D tais que d = ax + by. O caso em que
ab = 0 é trivial, porque m = 0, e supomos portanto que ab 6= 0, donde
d 6= 0.
Escrevemos a = da0 e b = db0 , e definimos m = da0 b0 . É claro que dm =
dda0 b0 = (da0 )(db0 ) = ab. Resta-nos por isso provar que m ∼ mmc(a, b),
o que se reduz a provar as seguintes duas afirmações.

• m é múltiplo comum de a e de b: m = da0 b0 = ab0 = a0 b.


• Qualquer múltiplo comum de a e de b é múltiplo de m: Se a|k e
b|k então dk = (ax + by)k = (ak)x + (bk)y e k = au = bv.
Temos assim que dk = a(bv)x + b(au)y = ab(vx + uy). Dado que
ab = dm, concluı́mos que dk = dm(vx + uy), e pela lei do corte
k = m(vx + uy), ou seja, k é múltiplo de m.

3. Neste grupo, A = Z260 .

a) Determine o número de subanéis, e de geradores, do anel Z260 . Quais


são os subanéis de A que são corpos?

resolução:Como 260 = 22 ×5×13, sabemos que 260 tem (2+1)×2×


2 = 12 divisores naturais, e A tem 12 subanéis. O número de geradores
de A é ϕ(260) = 260(1 − 21 )(1 − 15 )(1 − 13
1
) = 96.
Os subanéis de A que são corpos são unitários, por razões evidentes.
Sabemos que A tem um subanel unitário com n elementos se e só se
m = 260 = nd, com mdc(nd) = 1. Como 260 tem 3 factores primos, é
claro que A tem 8 subanéis unitários, que têm 1, 4, 5, 13, 20, 52, 65, e
260 elementos.
Sabemos também que o subanel unitário de A com n elementos é iso-
morfo a Zn , e portanto é um corpo se e só se Zn é um corpo, i.e., se
e só se n é primo. Os subanéis que são corpos são por isso os de 5 e
de 13 elementos, respectivamente < 52 > (com 5 elementos) e < 20 >
(com 13 elementos).
b) Quantos homomorfismos f : A → A existem tais que f (A) tem 65
elementos? Quais deles são homomorfismos de anéis?

resolução:Temos f (x) = ax, e f (A) =< a >. O subgrupo com


65 elementos é < 4 >, e portanto a deve ser gerador de < 4 >, i.e.,
devemos ter, escrevendo a = 4x,

mdc(a, 260) = 4 ⇐⇒ mdc(4x, 4(65)) = 4 ⇐⇒ mdc(x, 65) = 1.

Existem por isso ϕ(65) = 48 valores possı́veis para x, e para a, i.e.,


existem 48 homomorfismos f : A → A tais que f (A) tem 65 elementos.
f é um homomorfismo de anéis se e só se a é a identidade de f (A), que
existe como observámos na alı́nea anterior.
A identidade de f (A) =< 4 > é a classe de qualquer solução de
 
a≡0 (mod 4) 1 + 65k ≡ 0 (mod 4)
⇔ ⇔
a≡1 (mod 65) a = 1 + 65k

k ≡ −1 ≡ 3 (mod 4)
⇔ a = 196 + 260t ⇔ a = 196
a = 1 + 65(3 + 4t)

Existe assim exactamente um homomorfismo de anel nas condições in-


dicadas, que é dado por f (x) = 196x.

c) Quais são os homomorfismos g : A → H8 ?(1 )

resolução:Qualquer homomorfismo g : A → H8 é da forma g(n) =


ψ(n), onde ψ : Z → H8 é um homomorfismo cujo núcleo contém 260,
i.e., tal que ψ(260) = 1. Sabemos que ψ(n) = αn , onde α ∈ H8 , e
notamos que g(A) =< α > é o subgrupo gerado por α, e ψ(260) =
α260 = 1. A condição α260 = 1 é neste caso satisfeita por todos os
elementos de H8 , porque para todos eles temos α4 = 1.
Existem assim 8 homomorfismos g : A → H8 , dados por g(n) = αn ,
onde α é um qualquer dos elementos de H8 . A tı́tulo de curiosidade,
o homomorfismo trivial corresponde à escolha α = 1, e g(A) tem 2
elementos quando α = −1. Em todos os outros casos, α é uma raı́z-4
de 1, e portanto g(A) tem 4 elementos.
1
Recorde que H8 é o grupo multiplicativo dos quaterniões ±1, ±i, ±j, ±k.
d) Quantos ideais existem no anel Z[i]/ < 260 >?

resolução:Se I é um ideal de um qualquer anel B, os ideais de B/I


são da forma J/I, onde J é um ideal de B e J ⊇ I. No caso presente,
a questão resume-se assim a contar os ideais J de B = Z[i] que contém
< 260 >. Como os ideais de Z[i] são principais, temos ainda que

J =< k >⊇< 260 >⇐⇒ k|260.

Passamos por isso a contar os divisores de 260 em Z[i]. Uma possı́vel


factorização de 260 em inteiros de Gauss irredutı́veis é

260 = 22 (5)(13) = (1 + i)2 (1 − i)2 (2 + i)(2 − i)(13).

260 tem assim (4)(3)(3)(2)(2)(2) = 288 divisores, todos da forma

z = u(1 + i)a (1 − i)b (2 + i)c (2 − i)d (13)e , u ∈ {±1, ±i}.

Cada divisor z pertence a um grupo de 4 divisores associados entre si (os


elementos ±z, e ±iz). Como os ideais gerados por elementos associados
são idênticos, i.e., < ±z >=< ±iz >, existem apenas 72 = 288/4 ideais
J ⊇< 260, e portanto 72 ideais J/ < 260 > de B/ < 260 >.

4. Neste grupo G é um grupo não abeliano com 12 elementos, e G contém


pelo menos um elemento ε com ordem 6.

a) Prove que H =< ε > é normal em G.

resolução:Como [G : H] = 2, existem apenas 2 classes laterais (es-


querdas ou direitas) de H em G. Portanto se x 6∈ H temos xH = Hx =
H c (o complementar de H em G), e H é normal.

b) Suponha que x 6∈ H, e prove que εx = xε5 , ou seja, x−1 εx = ε5 .


sugestão: x−1 εx ∈ H, e podemos calcular a sua ordem.

resolução:Começamos pelas seguintes observações:

• Como H é normal, ε ∈ H e x ∈ G, temos x−1 εx ∈ H.


• A função dada por f (t) = x−1 tx é um automorfismo de G, e
portanto a ordem de f (t) é a ordem de t. Como a ordem de ε é
6, concluı́mos que a ordem de f (ε) = x−1 εx ∈ H é 6.
• O subgrupo H é um grupo cı́clico com 6 elementos, e por isso os
seus únicos elementos com ordem 6 (os seus geradores), são ε e ε5 .
Temos assim x−1 εx = ε ou x−1 εx = ε5 , que podemos escrever na
forma εx = xε ou εx = xε5 .

Como x 6∈ H, os elementos de G pertencem a H =< ε > ou a xH, i.e.,


os elementos de G são da forma εn ou xεn , e na verdade
(1) G = {1, ε, · · · , ε5 , x, xε, · · · , xε5 }.
É portanto claro que se εx = xε então G seria abeliano, e só podemos
ter x−1 εx = ε5 , como querı́amos mostrar.
c) Os grupos D6 e Z2 ⊕S3 são isomorfos? sugestão: O que pode concluir
se existe x 6∈ H com ordem 2?

resolução:Sabemos que se x 6∈ H então e G é gerado por x e ε.


Sabemos também que ε6 = 1, e εx = xε5 . É evidente que a tabuada de
G fica determinada se soubermos qual dos elementos de H é igual a x2
(note que como x 6∈ H temos certamente x2 = εk ). Se x tem ordem 2
então temos x2 = 1, o que determina completamente a tabuada de G.
O grupo D6 satisfaz estas condições, para o que basta tomar para ε a
rotação de 60o , e para x uma qualquer reflexão. Resumindo, e sempre
supondo que G é um grupo não abeliano com 12 elementos que contém
um elemento ε de ordem 6,
• Se x 6∈< ε > então G = {1, ε, · · · , ε5 , x, xε, · · · , xε5 }.
• Se x 6∈< ε > então εx = xε5 ,
• Se existe x 6∈< ε > tal que x2 = 1 então G ' D6 .
Observamos que no grupo Z2 ⊕ S3 :

• O elemento ε0 = (1, δ) tem ordem 6 (H =< ε0 >= Z2 ⊕ A3 ).


• O elemento x = (1, α) tem ordem 2 e x 6∈ H.

Podemos assim concluir que Z2 ⊕ S3 ' D6 .


d) Existem grupos não abelianos com 12 elementos que não são isomorfos
a nenhum dos grupos D6 e Z2 ⊕ S3 ?

resolução:Considere-se o grupo A4 , que tem 12 elementos e não é


abeliano. A ordem de uma qualquer permutação em S4 pode ser cal-
culada facilmente a partir do comprimento das suas órbitas. Notamos
para isso que as órbitas não triviais (com mais de um elemento) de uma
permutação π ∈ A4 só podem distribuir-se como se segue:

• Uma órbita com 3 elementos: π tem ordem 3,


• Duas órbitas de 2 elementos cada: π = αβ, onde α, β são trans-
posições que comutam (as órbitas são disjuntas), e portanto π 2 =
α2 β 2 = 1, e π tem ordem 2.
• Nenhuma órbita não trivial: a identidade, com ordem 1.

O grupo A4 não tem por isso qualquer elemento de ordem 6, e portanto


não é isomorfo a D6 .

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