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CUSTO DE OPORTUNIDADE E

PREÇOS DE ENERGIA NO BRASIL


Flávio R. Versiani

A importância do conceito de “custo de oportunidade” pode não ficar muito clara, à


primeira vista. Na apresentação gráfica usual do custo de oportunidade em produção, por
exemplo, em que se consideram dois bens apenas, é óbvio que a produção de uma unidade a mais
do bem “A” só pode ser feita à custa de uma redução na produção do bem “B”; nesse contexto
ultra-simplificado, a noção de custo de oportunidade poderia parecer óbvia, ou mesmo trivial. A
ideia de que o custo da unidade adicional de A é medido pelo montante da redução necessária na
produção de B poderia ser vista, assim, como algo sem maior relevância prática, uma mera
definição. No entanto, o oposto é verdadeiro: não só o conceito de custo de oportunidade é de
importância fundamental em Economia, como, numa situação mais complexa, está longe de ser
óbvio. Mais ainda: pode ter profunda relevância prática em nosso dia-a-dia — especialmente
quando ignorado.
Um bom exemplo disso está na discussão da política de preços para o setor elétrico, ora
em consideração pelo Governo, no artigo de Rogério Werneck, do Departamento de Economia da
PUC-Rio, publicado no jornal O Estado de S. Paulo1. O ponto em discussão, parte de uma proposta
de reformulação do setor elétrico em estudo no Ministério de Minas e Energia, é o seguinte: qual
devem ser os critérios para fixação do preço da energia elétrica para o consumidor final? É
evidente a importância disso: um aumento no preço desse insumo produtivo básico ira onerar
quase todos os setores de atividade produtiva, e terá impacto significativo no índice de preços ao
consumidor. Por outro lado, um preço muito baixo pode desencorajar o investimento na expansão
da oferta de energia elétrica, e estimular um consumo excessivo dessa forma de energia, em
comparação com outras. Em particular, se o preço da energia elétrica for fixado num nível
substancialmente abaixo do custo marginal de produção (ou seja, do custo de tornar disponível
uma unidade a mais de energia), é fácil ver que nenhum investidor privado se disporá a aplicar
recursos na expansão da oferta, nesse setor. As bases que serão adotadas para a fixação do preço
da energia elétrica são, assim, um componente fundamental da nova política energética que se
propõe estabelecer.
Grande parte da energia elétrica ora consumida no Brasil provém de usinas hidroelétricas
construídas antes de 1980. O custo de operação dessas usinas é relativamente baixo, em

1
Werneck, R. “Energia Velha”. O Estado de S. Paulo, 29/8/2003, pág. B2. Disponível em: www.estadao.com.br.

1
contraste, por exemplo, com o custo de produção de energia em usinas termoelétricas, que usam
carvão ou gás de petróleo como insumo.
A proposta de política de preços ora em estudo pretende se valer desse fato para chegar a
um nível de preços que não onere muito o consumidor. Fixar-se-ia algo como um preço médio, e
essa média seria puxada para baixo pelo custo de geração da “energia velha”, produzida nas
hidroelétricas instaladas há tempos. A ideia subjacente é que, dado que o custo de construção de
tais usinas já foi, praticamente, amortizado, só o custo de operação seria relevante; sendo este
baixo, não haveria por que encarecer desnecessariamente o preço final da energia elétrica para o
consumidor.
Ora, como assinala Werneck,. essa ideia deixa de lado um princípio econômico elementar.
Do ponto de vista contábil, é certo que o custo de construção de boa parte de nossas usinas
hidroelétricas não representa mais um ônus financeiro significativo, ou mesmo ônus algum, para
seus proprietários (na maioria dos casos, o Governo, isto é, todos nós). Os empréstimos
levantados para financiar essas obras já foram pagos, ou quase isso; no essencial, os custos já
foram amortizados. Mas isso não significa, em absoluto, que o valor econômico desse capital
investido no passado seja insignificante. Pois esse capital tem um custo de oportunidade: o
Governo poderia, por exemplo, vender suas hidroelétricas, e com os recursos obtidos amortizar
parte de sua dívida, pela qual paga juros notoriamente altos. Por quanto poderiam ser vendidas as
usinas hidroelétricas “velhas”? Um valor de referência básico (usado, por exemplo, nos leilões de
privatização) é o fluxo de rendimentos líquidos que se pode esperar obter desses ativos, até o final
de sua vida útil. Como usinas hidroelétricas têm, em geral, uma longa vida útil, trata-se de muito
dinheiro. Vários bilhões de reais — que, sob a forma de dívida pública, acarretam uma despesa
substancial em juros, todos os anos.
Ou seja, considerar que a “energia velha” tem um preço baixo equivale, de fato,
implicitamente, a conceder o Governo um subsídio aos consumidores de energia elétrica. Ou
melhor, concedermos todos esse subsídio, nós, os contribuintes, que somos de fato os donos das
hidroelétricas velhas. Faz sentido, isso? Em princípio, pode fazer sentido subsidiar alguns
consumidores de eletricidade, como os domicílios de baixa renda (o que costuma ser feito, por
meio de tarifas diferenciadas). Mas, no caso, trata-se de um subsídio generalizado, que atinge
também o ar-condicionado central dos edifícios de luxo, ou a feérica iluminação de um shopping
center. Se esse subsídio indiscriminado fosse explicitado, e fosse deixado claro também qual é o
seu custo de oportunidade, é provável que a maioria dos contribuintes se recusasse a custeá-lo.

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O erro de raciocínio econômico pode ser posto em relevo por uma analogia proposta por
Werneck. Suponhamos que um avô indulgente ceda uma loja, que comprou há anos, num ponto
privilegiado, para que o neto preferido explore uma atividade comercial. Para o neto, o custo do
aluguel desse imóvel “já amortizado” é zero, o que certamente fará subir o lucro contábil do
empreendimento comercial. Mas é claro que não fará sentido tomar esse lucro como um
indicador da viabilidade econômica do empreendimento, pois há um custo não contabilizado: o
custo de oportunidade, para o avô, da loja cedida. Pode ser que, incluído esse custo, o lucro do
neto fosse de fato negativo.
Vê-se, portanto, que a noção de custo de oportunidade parece estar sendo
desconsiderada, na desenho da política de preços de energia elétrica atualmente em estudo. É
fácil ver que isso não envolve apenas uma questão acadêmica. Se efetivamente adotada, tal
política poderá ter efeitos indesejáveis para toda a população, pelo menos de duas formas. De um
lado, um preço artificialmente baixo induzirá um maior consumo de energia elétrica, em
detrimento de outras formas de energia: estas parecerão comparativamente caras para o
consumidor, em decorrência do subsídio implícito contido no preço da eletricidade. Ou seja: os
preços relativos das várias formas de energia, por indicarem incorretamente seus custos de
oportunidade, levarão a uma estrutura inadequada de consumo (mais de eletricidade e menos das
outras formas de energia), o que representa um desperdício de recursos.
De outra parte, dado que o preço da energia elétrica tenda a se fixar, em decorrência do
subsídio implícito, abaixo do custo marginal de produção, isso certamente terá o efeito de afastar
investidores privados dessa área. Esse é o efeito potencialmente mais danoso, no longo prazo, na
medida em que se pretenda atrair a iniciativa privada para o investimento em geração de
eletricidade no País. Quando se consideram as restrições orçamentárias do Governo, é muito
possível que o investimento privado venha a ser necessário, nessa área; se os incentivos não
forem adequados, poderemos voltar a ter problemas com uma oferta insuficiente de energia
elétrica, no futuro.

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