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O “senhor Bíblia”

Especialista nas Escrituras, Russell Shedd defende o estudo da Palavra de Deus


como condição para o crescimento saudável da Igreja

MARCELO DUTRA

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ENTREVISTA: RUSSELL SHEDD

Muitos o consideram o maior teólogo em atividade no Brasil. Outros fazem questão de


afirmar que pode até existir alguém que entenda tanto das Escrituras Sagradas quanto ele;
superá-lo, entretanto, é difícil. Exagero ou não, o fato é que o pastor Russell Philip Shedd,
69 anos, faz questão de se manter alheio às discussões sobre sua bagagem intelectual. Para
ele, só o estudo e o crescimento espiritual importam. Por isso, desde que descobriu o
fascínio que a Bíblia exercia sobre ele, resolveu se dedicar de corpo e alma ao estudo das
Escrituras. Sua decisão foi um passo natural. Filho de missionários americanos, Shedd
nasceu na cidade de Aiquile, Bolívia. Aos dez anos de idade, já falava espanhol, inglês e,
como acompanhava os pais nas caminhadas evangelísticas pelas aldeias, aprendeu até o
dialeto local. Seguindo o curso natural da família missionária - além dos pais e dos outros
três irmãos, vários dos seus ancestrais dedicaram a vida à pregação do Evangelho -, aos 20
anos
formou-se no curso de bacharel em Teologia no Wheaton College, em Illinois (EUA), com
especialização em Bíblia e grego. Na Faith Seminary, já no estado de Filadélfia, Shedd
adquiriu o título de mestre em Teologia. Corria o ano de 1953. Dois anos depois, atingia o
posto de doutor em Filosofia (Ph.D.) pela Universidade de Edimburgo, na Escócia. De lá
para cá, o pastor tem atuado na área de educação teológica nos EUA, Portugal e,
finalmente, no Brasil, para onde veio com a esposa Patricia Dunn em 1964. Russell Shedd
também é autor de 15 livros. Entre os mais famosos estão O mundo, a carne e o diabo e
Nos passos de Jesus: uma exposição de I Pedro, da editora Vida Nova, que agora está
lançando uma reedição de sua Bíblia de estudos, com o título de Bíblia Shedd: “Ela tem
várias anotações que fiz através dos anos, para facilitar a compreensão dos leitores”, revela
o pastor. Doutor Shedd é freqüentemente requisitado para palestras e viagens pelo mundo.
Entretanto, quem o conhece de perto tem uma opinião bem-definida a seu respeito: sua
postura cristã é ainda mais impressionante que seu currículo. Ainda hoje, Shedd dedica
muitas horas diárias à Palavra de Deus e é membro da Igreja Batista Calvary International,
em São Paulo, onde vive. VINDE o entrevistou numa tarde chuvosa de janeiro e, durante
1h15, Shedd falou sobre o que mais gosta - a Bíblia - e analisou a situação atual da Igreja
brasileira.

Como o senhor analisa o conhecimento bíblico da liderança evangélica e dos crentes


brasileiros?
A maioria dos nossos crentes não está interessada em conhecer a fundo a Palavra de Deus.
Nas próprias igrejas, não há muita pressão para forçar os pastores a procurar mais
conhecimentos. Ninguém se importa muito se o pastor é mais ou menos intelectual. Ficam
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impressionados se ele pode emocionar os auditórios. Há uma escassez muito grande de


estudiosos da Bíblia no Brasil.

Como o senhor avalia o ensino teológico no Brasil?


Está aquém daquilo que gostaríamos que ele fosse. Esse problema ocorre justamente
porque nosso ensino tem dependido demais de estrangeiros, e não de pessoas com uma
chamada brasileira. Mesmo essas pessoas, quando surgem, acabam indo para o exterior e
não voltam mais.

O que o senhor acha da atual geração de pastores brasileiros?


Em parte, eu estou animado. Gostaria que tivéssemos um número maior de pessoas como
aquelas que têm se destacado. Podemos dar graças a Deus, no entanto, por muitos homens
de Deus que estão aí. Seminários e escolas bíblicas não faltam neste pais. Mas essa crise de
mestres me preocupa. Em todo caso, ainda acho que as coisas estão melhorando. Há
pastores que questionam, que lutam para melhorar esse quadro, recomendam bons livros
para suas ovelhas lerem, discutirem e crescerem.

O seminário é fundamental para a formação de um pastor?


Naturalmente, é necessário conhecimento para o líder poder interpretar as Escrituras. Por
outro lado, os líderes que se destacam nas comunidades mais numerosas, como por
exemplo a Assembléia de Deus ou a Congregação Cristã, não têm dado muita atenção à
necessidade de escolas bíblicas, ou de um preparo teológico mais formal.

Logo, a crise começa na Escola Dominical?


Infelizmente, sim. É uma tristeza muito grande. Não sei qual vai ser a solução. A
diminuição de alunos nas escolas bíblicas dominicais já aconteceu nos Estados Unidos e
acontece também aqui. As pessoas querem uma religião já pronta, na qual não seja preciso
gastar tempo, nem estudar. Crescer no conhecimento das coisas de Deus é menos
interessante do que ganhar dinheiro, prosperar, ter uma vida melhor. As coisas ficam muito
superficiais.

Temos assistido a inúmeras dissidências entre pastores e suas igrejas. Muitos saem
para fundar seus próprios ministérios. Por que isso acontece com tanta freqüência?
Uma das principais motivações é a financeira. Percebe-se que, quando o pastor que sua
própria igreja e capacidade de juntar pessoas que vão contribuir, sua vida vai melhorar. Em
segundo lugar: discordância com o líder. Ele acha que está mais certo do que seu superior,
então surge o conflito e ele sai. Às vezes, pastores rompem com seus ministérios de origem
porque desejam evangelizar determinada região onde não há igrejas de sua denominação.
Também há a questão da experiência pessoal. O pastor dissidente alega que tem uma
experiência com Deus maior ou melhor que seus colegas de ministério. Enfim, há muitos
motivos. Há dois dias, recebi um telefonema de uma pessoa que disse: “Eu estou sentindo
que Deus quer que eu seja pastor. Que faço agora?”. Às vezes a coisa acontece assim. São
as chamadas “novas revelações”. Aquela coisa de “Deus está me chamando”, ou “Deus me
revelou”, ou “Deus tem uma nova obra para mim”. Aí, ele sai e cria uma nova igreja.

O que falta para as igrejas evangélicas se unirem?


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Falta os líderes denominacionais começarem a perceber que a desunião é uma desgraça aos
olhos de Deus. Essa competitividade, essa briga um com o outro, esse desprezo pelo irmão,
toda essa vaidade. Pensar que eu sou melhor do que os outros, ou que minha teologia é
mais certa. Essa não é a base de todas as denominações? Afinal, ninguém vai saber quem é
que está certo. Eu também tenho a minha própria maneira de ver as coisas. Eu não sou tão
dogmático, mas vejo os problemas. É verdade que a pessoa que estuda mais tem capacidade
de ver melhor porque as outras pessoas interpretam a Bíblia diferente. Quem não tem
conhecimento dos outros não vai saber porque eles pensam daquele jeito. Por exemplo, a
maneira como a Assembléia de Deus interpreta a questão do vestuário. Para eles, a coisa é
óbvia, porque “a Bíblia diz isso”, sem mais nem menos. Eles não consideram o problema
de interpretação cultural, não entram nesse valor. Falta estudo, falta entrar na história da
igreja e perceber como e por que determinadas coisas aconteceram no passado. Muitas
dessas idéias vêm de fora e não têm cabimento serem praticadas aqui, mas continuam por
causa da tradição que o missionário que fundou a igreja muito tempo atrás trouxe.

Existe mais de uma maneira correta de interpretar a Bíblia?


Evidentemente. Pelo menos, Deus nos dá liberdade de pensar, em certos pontos,
diferentemente do nosso irmão. Nunca devemos condenar ninguém pelo que pensa, porque
há possibilidades ambíguas.

Têm sido freqüentes, na Igreja contemporânea, as manifestações fora do comum,


como unção do riso, sopro do Espírito, dentes de ouro etc. Como o senhor vê este tipo
de manifestação?
Existe a possibilidade de tais manifestações serem apenas emocionais, ou seja, humanas. Se
for legítimo, e não apenas emocional - e eu tenho visto dentes de ouro que me
impressionam como fato -, eu as atribuo a manifestações angelicais, e não atos vindos
diretamente das mãos de Deus. Há coisas que os homens fazem, há coisas que os anjos
fazem, e há coisas que Deus faz diretamente. Para mim, tais manifestações estão
relacionadas com este mundo. Eu não as atribuo ao Espírito Santo divino, e sim a algum
espírito santo, até porque os espíritos angelicais também são santos. A própria Bíblia diz
que eles são enviados para servir aos santos. Eu estou muito interessado nesta área,
simplesmente porque tenho visto suficientes manifestações para ficar convencido de que
não há outra explicação. Há a passagem de Hebreus 1.14, que fala dos espíritos
ministradores, que explica particularmente estes fenômenos. Os anjos estão servindo os
santos, enquanto os demônios servem Satanás e os mundanos.

O que leva as pessoas a buscarem essas manifestações?


Tais manifestações confirmam que existe uma realidade não-científica, ou seja, que a
ciência não pode encontrar. Os cientistas podem fazer quantas pesquisas quiserem, que
nunca vão encontrar um anjo, ou Deus, ou nada deste tipo.

Qual a diferença entre as manifestações consideradas sobrenaturais e o misticismo?


Misticismo pode ser uma coisa imaginária, mas sobrenatural é este mundo que a ciência
não pode alcançar, por nenhuma experiência. É o caso das pessoas caindo - não é nada
científico, não dá para explicar o que está acontecendo. Se for meramente emocional, há
explicação, mas caso contrário ultrapassa qualquer alcance da ciência.
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E o que dizer dos pregadores que pautam seus ministérios nestes fenômenos? Isso
realmente deve ser uma prioridade?
De forma alguma. Tais acontecimentos não podem ser prioridade. Eu acho muito perigoso,
porque o mundo demoníaco está pronto para entrar por qualquer brecha. É este o grande
problema. A gente sempre tem que testar os espíritos, conforme está na palavra de Deus,
porque dentro do ministério de alguém, ou da própria igreja, pode entrar um demônio. Aí
perturba tudo porque podemos pensar que é um anjo santo e, na verdade, é um anjo
imundo, que está servindo ao diabo. A Bíblia manda que tudo seja testado.

De que forma pode ser testado?


Diante do estudo da Palavra e do efeito que tais manifestações provocam. Tudo o que os
anjos fazem - e glórias a Deus por isto - é para o benefício dos santos e para Deus, e não
para benefício humano, nem para nenhuma outra finalidade.

Há exemplos bíblicos deste tipo de manifestação sobrenatural?


Eu não me lembro de ter lido nenhuma referência acerca de dentes de ouro [risos]. Em I
João 4, encontramos o texto mais importante quanto a testar espíritos. É preciso testar a
motivação daquele determinado espírito em relação à sua submissão a Cristo, seus frutos,
suas evidências, sempre relacionando-os com a glória de Deus.

Todas as respostas quanto ao discernimento espiritual estão na Bíblia?


As respostas necessárias estão na Bíblia. Há muitas coisas cujas respostas a gente não vai
encontrar na Palavra. Mas aquilo que é necessário para vivermos uma vida santa e
agradável diante de Deus está na Palavra.

Então, para discernir espíritos é preciso conhecer as Escrituras. E como o senhor vê o


nível de instrução espiritual e conhecimento da Palavra dos evangélicos, hoje, no
Brasil?
A Igreja está mais interessada na euforia e na bênção. As pessoas, de um modo geral, estão
querendo sentir alívio, alegria, enfim, em sentir-se bem. É o que chamam de “estar na
bênção”. Não querem aprender mais da Palavra. Querem ser abençoadas e procuram livrar-
se do que chamam de maldição. É interessante, por exemplo, como a irmã Neuza Itioka
[teóloga e missionária ligada ao Serviço de Evangelização para a América Latina,
conhecida por seus estudos e seminários na área de batalha espiritual e autora do livro Os
deuses da umbanda, editado pela Aliança Bíblica Universitária] oferece uma resposta para
as tais maldições, e não para o problema da ignorância. Ou seja, instruir, conforme diz a
Palavra de Deus, fazendo discípulos e ensinando-os todas as coisas. É preciso conhecer a
Bíblia profundamente para poder praticar o que ela manda. Eu não sou contra esse tipo de
ministério, só quero dizer que a atração que ele exerce no Brasil é muito maior do que o
ministério de resolver o problema da ignorância.

O problema passa por uma questão cultural, então?


Em parte. É um problema cultural e também educacional, já que a maioria dos crentes não é
de pessoas intelectuais, e sim de gente que vive nas periferias das grandes cidades, em
regiões pobres, sem acesso à educação. É bem diferente, por exemplo, dos crentes de outras
partes do mundo, como em Cingapura. Lá, ocorre o contrário: os crentes são pessoas de alto
nível. O povo de nível mais baixo segue o budismo ou o hinduísmo. Para se ter uma idéia,
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ouvi dizer que 20% dos donos de indústrias e de comerciantes de lá são crentes. A coisa é
diferente.

A pobreza pode abrir as portas para a pregação maciça da teologia da prosperidade?


Claro. Em parte, ela é fruto deste despreparo intelectual. Todos nós queremos prosperidade,
queremos bênção, mas nem sempre queremos as responsabilidades oriundas dessa
prosperidade. Se uma pessoa orasse da seguinte forma: “Deus, me dá um emprego melhor,
e eu darei metade do que eu ganhar para abençoar os outros”, sem dúvida, essa teologia
seria uma bênção. Mas o problema é que as pessoas querem as bênçãos só para si,
tornando-se egoístas, o que é contrário à vontade de Deus.

Logo, Deus é contra a mera acumulação de recursos?


A Bíblia é contra prosperidade desse tipo.

E o que o senhor pensa da crença na predestinação?


Eu entendo predestinação como um termo para descrever o controle de Deus sobre a vida
de cada um de nós. Sua vinda aqui hoje não foi predestinada, porque você planejou vir aqui
me entrevistar. Mas Deus poderia ter predestinado que o irmão não chegasse. Afinal, ele
tem controle sobre sua vida. Deus está por trás de tudo, e às vezes permite que
determinadas coisas aconteçam; outras vezes, não.

Mas e a predestinação com respeito à salvação?


Creio que Deus planejou que os eventos necessários à minha salvação ocorressem, porque,
se não tivessem ocorrido, eu não o teria conhecido. Há pessoas que nascem e morrem sem
ter tido conhecimento para ser salvas. Mas Deus concedeu esse privilégio para mim, para
você e para tantos que estão por aí. O Senhor tem suas razões para isso. Muitas vezes, nós
olhamos para isso e achamos que Deus não tem razão, que Ele é arbitrário, mas a Bíblia diz
que Deus não é arbitrário.

A Bíblia tem resposta para explicar o porquê de eu ser escolhido, ou o senhor ser
escolhido, e outros não?
Certa vez, perguntaram isso a São Francisco e a resposta dele foi muito boa: “Eu fui
escolhido porque Deus não achou ninguém pior do que eu” [risos]. Essa resposta é ótima, é
bem bíblica. É isso o que Deus faz: pega o pior dos pecadores e transforma num santo.

Como impedir o surgimento de novas teologias extremistas?


Na minha opinião, isso passa novamente pela questão da educação. Pessoas mais
necessitadas, com nível de instrução precário, estão interessadas em respostas imediatas aos
seu problemas. Querem que suas orações sejam respondidas. O surgimento da Igreja
Universal do Reino de Deus não se explica de outra forma. Eles contam que Deus tem que
intervir na vida das pessoas de uma forma bem específica, e é isso que elas querem ouvir.
Afinal, se Deus interviu na vida de fulano, também pode fazer o mesmo na minha. As
necessidades como cura divina ou emprego falam muito alto. As igrejas que estão
proliferando são justamente aquelas que respondem diretamente aos anseios do povo, que
muitas vezes são chamadas de seitas.

E isso é positivo?
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Apenas parcialmente. Eu dou graças a Deus pelas pessoas que têm se convertido em igrejas
que atuam de uma maneira bem distante de meu modo de pensar. Em muitos casos, elas
depois saem dali e vão para igrejas onde a Bíblia é ensinada e elas podem crescer no
conhecimento.

As igrejas tradicionais esqueceram das questões do cotidiano das pessoas?


Em grande parte. Muitas pregações elaboradas não alcançam o que a pessoa de fato está
querendo. São coisas que ela já ouviu, já sabe, mas que não respondem às perguntas e aos
problemas mais sérios que ela tem. Essa separação deixa a realidade da igreja com se fosse
uma coisa para ser usada depois da morte. Isso não empolga ninguém, especialmente o
povo mais humilde. Por isso, as igrejas tradicionais são freqüentadas basicamente por
pessoas de um nível mais elevado, de classe média. Estes não estão em busca de algo
imediato.

Mas os problemas espirituais não são os mesmos para os dois grupos?


Sim, claro. Mas, para o povo em geral, o espiritual tem que estar muito casado com o
material.

Então, qual é a diferença entre uma efetiva vida cristã e a mera formalidade?
A formalidade é cumprir uma responsabilidade que a gente sente relativa a religião. Temos
que cumprir certas coisas. Temos de ir aos cultos, orar, ler a Bíblia, pagar alguma coisa à
igreja etc. A partir daí, podemos nos sentir mais ou menos em paz, pois são atos necessários
à nossa vida cristã. Mas isso não é o que Deus quer. Ele está à procura de verdadeiros
adoradores, e isto inclui a paixão da pessoa por Deus, a comunhão com Ele.

Alguns arqueólogos procuram apontar contradições cronológicas ou geográficas na


Bíblia. Como o senhor responde a este tipo de questionamento?
Nós não temos uma resposta cabal a este tipo de questionamento, porque toda evidência
que se levanta é sujeita a interpretação. Por exemplo, se formos à cidade de Jericó, cujos
muros caíram, segundo a Palavra de Deus, não vamos encontrar as pedras daqueles muros.
Claro, porque mesmo que elas tenham caído, como nós cremos, as pessoas ao longo do
tempo usaram aquelas pedras para fazer outras coisas - casas, cidades, até mesmo novos
muros. Este é apenas um exemplo de acontecimento que não pode ser provado nem contra,
nem a favor da narrativa bíblica. O que temos é somente o depoimento de arqueólogos que
conhecem bem o caso, e dizem ser possível que tal fato tenha acontecido. Isso acontece
com todas as descobertas arqueológicas. Assim como são encontradas evidências que
apontam na direção contrária, há descobertas que confirmam uma série de acontecimentos
bíblicos. Por outro lado, não há nada na Bíblia que tenha sido comprovadamente
desmentido por algum arqueólogo.

Até mesmo a época do nascimento de Jesus Cristo é alvo de controvérsias, não?


Este é outro fato do qual não temos dados suficientes para responder com exatidão. São
coisas como essas que acabam gerando questionamentos acerca de nossa fé. Os estudiosos
pegam certos dados e tentam argumentar contra fatos que nós cremos ter acontecido
exatamente da forma narrada na Bíblia.
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O senhor acha que a Bíblia sofreu modificações ao longo dos anos - como as inúmeras
traduções que já foram feitas - a ponto de merecer uma revisão histórica?
A única coisa que nós podemos dizer é que alguns textos foram incluídos erradamente. São
trechos que vêm entre colchetes em algumas versões, como a Atualizada. São textos que
algum comentarista incluiu ao copiar, provavelmente na margem. Essas passagens não
estão nos antigos manuscritos.

Pode citar algum exemplo?


Bem, um texto muito conhecido fica no livro de João, capítulo 5, onde se fala sobre o anjo
que descia e mexia na água. Todos os versículos que estão entre colchetes não constam dos
melhores manuscritos. Quando se examina os originais, percebe-se que não existe boa base.
Passagens como esta foram incluídas na nossa Bíblia apenas por uma tradição que já vem
da época de Lutero.

Mas isso não representa o risco de se desvirtuar a Palavra de Deus?


Só se a pessoa não reconhecer isso. No caso das traduções que incluem esses textos, há uma
explicação, dando conta de que o material entre colchetes foi acrescentado após o
Evangelho de João estar completo. Tais trechos podem ter surgido a partir das anotações de
um copista, que, ao serem recopiadas por outro, acabaram sendo incluídas no original.

O que o senhor acha da qualidade das traduções disponíveis na língua portuguesa?


São fidedignas ao original?
Ah, sim. Especialmente aquelas que têm o aval de uma comissão de várias denominações,
que trabalha muito para chegar a um consenso. Essas comissões são compostas por
tradutores que, obrigatoriamente, são evangélicos. Está para ser lançada pela Sociedade
Bíblica Internacional, ainda este ano, a nova versão da Bíblia inteira. Essa Bíblia estará
disponível aqui na linguagem brasileira comum, e além de incluir todos os melhores
manuscritos, será agradável de ler. Qual é o problema da versão Atualizada e,
principalmente, da Corrigida? São as palavras que as pessoas não conhecem. Um irmão
conhecido meu catalogou 1.200 palavras incluídas na Bíblia que ninguém conhecia, nem
mesmo os professores da Escola Dominical. A linguagem vai mudando ao longo do tempo.
Os tradutores têm de estar atentos a esse dinamismo.

Como deve ser a relação entre a Igreja e o poder?


Eu tento, na minha pobre maneira de entender, promover a idéia de que a Igreja, isto é, o
povo de Deus, é forasteira aqui. E como um cidadão de outra terra não vai buscar poder no
país onde ele está, eu não tenho nada a ver com a busca pelo poder deste mundo secular. É
claro que a gente tem que buscar poder do Espírito, poder de persuadir, de mudar a
sociedade, mas não do jeito que o mundo secular tem para transformar as coisas, isto é, por
imposição.

De que modo então o senhor vê a atuação de evangélicos na política?


Sempre será problemática. Muito problemática. Numa democracia, a política só pode ser
exercida negociando alguns pontos, mesmo que contrários à nossa consciência. Por
exemplo, veja a questão da divisão do orçamento do país. Que parte deve ir para ajudar a
religião, ou para dar terrenos para as igrejas? E que igrejas devem ser contempladas? Toda
essa área é problemática. Afinal, eu gostaria muito que as igrejas evangélicas que
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concordam com a minha maneira de pensar recebessem um terreno que pertence à União.
Mas seria preciso dar também aos outros, inclusive testemunhas de Jeová, mórmons e
outros que pensam de modo contrário ao meu. Então essa luta pelo poder e pelas vantagens
vai me comprometer com aquilo com que eu não quero ficar comprometido. Então, eu devo
ficar fora - afinal, sou um forasteiro.

O que o senhor diria, se pudesse, a cada crente do Brasil?


Daria um alerta: busquem em primeiro lugar o Reino de Deus pelo conhecimento da
Palavra e a sua justiça, e todas as coisas, todas mesmo, lhes serão acrescentadas. Mesmo
que muito mal praticada por mim, essa é a minha filosofia de vida.

O que o senhor deixou de fazer na vida e gostaria de fazer, se pudesse voltar no


tempo?
Eu buscaria mais ao Senhor e dedicaria mais tempo ao estudo de sua Palavra.

© Revista Vinde – Abril/1998

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