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Resumo
Neste trabalho procura-se apresentar breve histórico do idioma hebraico e sua utilização pelo Rito
Escocês Antigo e Aceito (REAA), demonstrando, ainda, uso e tradução equivocada de algumas pala-
vras, sinalizando para a necessidade de se interpretar de maneira escorreita o idioma na liturgia ma-
çônica, a fim de dar mais significado ao simbolismo e sentido quanto à devida utilização do idioma
nos graus que compõe o REAA.
Abstract
This article try to present a brief history of the Hebrew language and its use by the Ancient and
Accepted Scottish Rite (AASR), demonstrating its usage and mistranslation of some words, sig-
naling the need to interpret the language in a slimmer way in Masonic liturgy, in order to give
more meaning to the symbolism and sense regarding the proper use of language in grades of
the AASR.
Keywords: Hebrew; Ancient and Accepted Scottish Rite; Masonic symbolism; liturgy.
¹ Especialista em Ciências Políticas pela UnB (Universidade de Brasilia, 2006), Bacharel em Relações Internacionais pelo
UniCEUB (Centro Universitário de Brasília, 2004), Coordenador de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA). Mestre Instalado da ‘Loja Atlântida nº 06’ – Grande Loja Maçônica do Distrito Federal
e membro ativo da Loja ‘Holy Land nº 50’, jurisdicionada pela Grande Loja do Estado de Israel.
E-mail: ruisamarcos@gmail.com
Introdução
tros já preferem utilizar o significado do nome,
Neste ensaio é apresentada a utilização isto é, “aquele que atravessa”, fazendo referência
do idioma hebraico pelo Rito Escocês Antigo e à raiz e possível tradução do nome, isto é,
Aceito (REAA), sua aplicação e transliteração “aquele que passa”, “atravessa para o outro la-
equivocada quanto algumas palavras e a cabal do”, característica marcante daquele povo duran-
necessidade de utilizá-lo de forma correta, a fim te a época migratória na região2.
de dar sentido às palavras e significado no uso,
fortalecendo o simbolismo e a essência do grau Ainda utilizando das fontes e relatos bíbli-
e do rito. No primeiro momento, é demonstrado cos, podemos afirmar que o hebraico é um idio-
um breve histórico do hebraico, destacando sua ma oriental pertencente ao tronco/família semíti-
ascensão e queda como idioma no Oriente Mé- ca de línguas. Sobre este tronco, devemos dizer
dio até seu esplendor com a formação do Estado que a palavra “semita” também tem sua origem
de Israel. Posteriormente, faz-se uma compara- atribuída a um personagem bíblico, neste caso,
ção com o aramaico e, subseqüentemente, com Sem, isto é, como já visto, um dos filhos de Noé,
o surgimento dos sinais massoréticos. Por fim, ancestral dos assírios e de muitos outros povos
apresenta-se breve resumo sobre o surgimento falantes de idiomas semelhantes provenientes da
do hebraico no rito e atual uso de algumas pala- região do Crescente Fértil. Por esta razão e mui-
vras, bem como seus significados, demonstrando tas outras, o hebraico é considerado Língua Sa-
a necessidade de se empregar a forma escorreita grada pelo povo judeu, ou, em hebraico transli-
de utilização dos termos hebraicos do REAA. terado, Lashon HaKodesh, já que os próprios ju-
deus acreditam ter sido a língua escolhida para
transmitir a mensagem de Deus à humanidade.
Hebraico: um breve histórico Dito isto, cabe destacar que, passado os
Acredita-se que a palavra “hebraico” tenha milhares de anos desde o estabelecimento do
sua origem remota no ancestral israelita Éber, hebraico, pode-se afirmar que o mesmo continua
descendente dos patriarcas bíblicos Noé e Sem vivo e presente não só como idioma oficial do
(GOROVITS; FRIDLIN, 2006). Na tradição judaica, Estado de Israel, mas, também, como língua litúr-
Éber se recusou a ajudar seu povo na construção gica para toda a comunidade judaica no mundo
da Torre de Babel, então sua língua/idioma não e, especialmente neste estudo, presente no Rito
foi confundida como a de todos os outros povos. Escocês Antigo e Aceito. Por esta razão, conside-
Ele e sua família mantiveram o idioma original da ra-se essencial estudar sua inserção nos rituais
época e por esta razão o idioma levou o nome maçônicos do referido Rito, bem como seu cor-
de hebraico, uma alusão ao seu nome, Éber reto emprego, face a conexão direta do idioma
(Heber). De toda forma, há outras posições religi- com a moral filosófica apresentada em cada grau
osas diferentes quanto a esta questão, mas para que permeia o rito mais utilizado pela Maçonaria
o estudo ora em apreço, manteremos essa ver- brasileira.
são dos fatos, uma vez que o Rito não só coadu- Assim, autores renomados dentro da Ma-
na como está embasado na tradição judaico- çonaria têm escrito a respeito do idioma e sua
cristã. presença na Ordem, como é o caso de José Cas-
Ademais da palavra “hebraico”, cabe citar tellani (1993):
outra palavra derivada do mesmo nome que é
“hebreu”, referência ao povo que tem o hebraico
(...) a esmagadora maioria das
como idioma. Alguns acadêmicos afirmam que
palavras utilizadas na ritualísti-
os hebreus também receberam este nome por ca maçônica é hebraica, no to-
conta de seu ancestral remoto, ou seja, Éber. Ou- cante às palavras Sagradas e de
2
GOROVITS, D.; FRIDLIN, J. Bíblia Hebraica. São Paulo: Editora Sefer, 2006. Genesis (Bereshit) 12:4-5.
Passe, que servem de reconhe- laridades e diferenças entre os dois idiomas se-
cimento entre os maçons e pa- míticos da região em apreço.
ra quilatar a perfeição da Loja
composta. (A Maçonaria e sua Do ponto de vista maçônico, este estudo e
Herança Hebraica, CASTELANI, pesquisa também se tornam necessários, a fim
1993.) de demonstrar que a herança hebraica, como já
citado anteriormente, está indelevelmente pre-
sente no Rito Escocês Antigo e Aceito, influenci-
Portanto, nas linhas subsequentes deste ando mormente o simbolismo e a ritualística de
artigo, serão abordados alguns pontos chaves cada grau. Portanto, não é possível compreender
para que se possa não só entender o uso do idi- plenamente o significado e alegoria de cada
oma no Rito Escocês Antigo e Aceito, mas, tam- “estágio” dentro da Maçonaria sem uma mínima
bém, para que seja demonstrado como é impor- noção do idioma, do contexto e até mesmo do
tante que se use o idioma de forma correta, face significado de cada palavra empregada. Por ou-
aos equívocos correntes que muito tem se per- tro lado, compreender não só a tradução das pa-
petuado ao longo dos anos. É exatamente pela lavras hebraicas utilizadas no rito, mas, também,
falta de pesquisa e estudo a respeito do idioma e entender o enredo e a forma com que são em-
de sua utilização no seio da Maçonaria que o en- pregadas, dão ao simbolismo e ao aprendizado
tendimento e significado do rito têm sido preju- do maçom uma visão completa do ensinamento
dicados e, até mesmo, alterados, sobremaneira, a filosófico dos trinta e três graus do Rito Escocês
verdadeira pronúncia das palavras. O uso correto Antigo e Aceito.
do idioma e a correta transliteração das palavras
empregadas pelo ritual podem abrilhantar e con- Passando para uma análise mais histórica
ferir ao rito o verdadeiro objetivo almejado pelos a respeito da diferença entre hebraico e aramai-
seus criadores, tornando-o solene, alinhado com co e deixando o relato bíblico neste momento,
os princípios maçônicos e devidamente formula- acadêmicos têm discutido até que ponto o he-
do para a construção do edifício social de cada braico era uma língua vernácula falada nos tem-
maçom. pos antigos, após o exílio dos judeus na Babilô-
nia, quando a língua internacional predominante
na região era o aramaico antigo. Sabe-se que por
Hebraico e Aramaico volta do século VI a.C., o Império Neo-Babilônico
Quando se fala a respeito do idioma he- conquistou o antigo Reino de Judá, destruindo
braico, logo vem à mente das pessoas também o boa parte de Jerusalém e exilando sua popula-
aramaico. Isso tem gerado muita confusão a res- ção. Durante a captura babilônica muitos israeli-
peito dos dois idiomas. Muitos confundem o he- tas foram escravizados pelo Império Babilônico e
braico com o aramaico e vice-versa. Ademais, tiveram que apreender o idioma de seus capto-
poucos realmente se dedicam a conhecer a ori- res: o aramaico (OSTLER, 2006).
gem de cada idioma ou saber qual dos dois sur- Depois que Ciro, o Grande, Rei da Pérsia,
giu primeiro. Por esta razão, antes de se abordar conquistou a Babilônia, ele libertou os israelitas
especificamente o uso das palavras no rito, é im- do cativeiro. Com o regresso do povo para sua
portante esclarecer alguns aspectos referentes às terra, uma versão local do aramaico passou a ser
duas línguas, bem como sua utilização e em que falada na região juntamente com o hebraico. Este
contexto histórico um substituiu o outro. De idioma passou a ser utilizado como língua co-
igual forma, para entender a diferença e a histó- mercial e aos poucos foi se misturando a outros
ria dos mencionados idiomas, necessário abordar idiomas da região. Assim, aos poucos, o hebraico
aspectos históricos e, quiçá, geográficos relacio- foi perdendo espaço para o aramaico. Por volta
nados ao Oriente Médio. Só assim será possível do século III d.C., a sociedade utilizava o aramai-
extrair a essência de cada um e pontuar as simi- co como língua oficial e o hebraico ficou restrito
ao uso em cerimonias religiosas, liturgia judaica serviu como língua para diversos impérios e ad-
e canções (SPOLSKY; SHOHAMY, 1999). ministrações ao longo dos tempos na referida
De toda forma, há muita discussão entre região. Também foi idioma utilizado para reli-
os teóricos, linguistas e arqueólogos com relação gião, como foi o caso dos primórdios da religião
ao uso dos idiomas na região, especialmente cristã, naquela época ainda considerada uma es-
com relação à substituição de um pelo outro e a pécie de judaísmo reformado pregado por Jesus
adoção de outros idiomas. Aliás, não é pretensão durante suas andanças na Galileia. Com este uso
deste artigo colocar um “ponto final” nas teorias do aramaico, percebe-se que vários dialetos fo-
ou discussões sobre a origem e formação dos ram formados a partir do idioma e, como eram
dois idiomas. Entretanto, importante notar que distintos entre si, alguns passaram até a ser con-
pesquisas recentes demonstram que ambas as siderado um novo idioma (SMART, 2013). A fim
línguas coexistiram, simultaneamente, logo após de distinguir de maneira mais clara o uso do idi-
o exílio dos israelitas na Babilônia, levando-nos a oma, pode-se dizer, ainda, que, no caso do ara-
acreditar que o hebraico deixou de ser falado por maico, o mesmo serviu como língua comercial
vota de 200 d.C (BORRÁS, 1999). durante a época da escritura do Novo Testamen-
to.
Com este cenário, passamos a observar
um “país” com três idiomas, a saber: o hebraico; Atualmente é um idioma muito pouco fa-
então ligado à liturgia, à religião, às origens e lado, correndo risco de ser considerado idioma
história da época de ouro; o aramaico, que funci- morto. Não obstante, ainda podem ser encontra-
onava como a língua internacional que possibili- dos falantes do idioma no interior da Síria, nos
tava o contato com o restante do Oriente Médio; vilarejos cristãos de Maalula e Yabrud. Isso talvez
e, eventualmente, o grego, que era uma segunda esteja associado a relatos de que Jesus tenha se
língua internacional para comunicação com o hospedado por três dias em Yabrud e, também,
Império Romano juntamente com o latim. Em em outras aldeias da Mesopotâmia, como, por
resumo, temos: o grego como língua do gover- exemplo, Tur'Abdin no sul da Turquia, por isso a
no, o hebraico como língua religiosa, e o aramai- influência do idioma até hoje é notada nessas
co como sendo língua comercial (SPOLKY, 1985). comunidades (OKA, 2007).
Com o passar dos anos, especialmente Com o passar dos anos, o aramaico foi
durante a época do Novo Testamento, o hebrai- substituído, nos países muçulmanos, pelo árabe,
co foi praticamente extinto como língua falada com exceção de Israel que viu o hebraico renas-
na região, mas continuou a ser usado como lín- cer no final do século XIX e começo do século
gua litúrgica e cerimonial para o povo judeu até XX. O hebraico é hoje o idioma oficial do Estado
o seu renascimento no século XIX3. Cabe dizer, de Israel e falado por mais de dez milhões de
ainda, que o hebraico foi utilizado para escrever pessoas no mundo inteiro. Com o ressurgimento
o Pentateuco, a Torá, que os judeus religiosos do hebraico foram adotados alguns elementos
consideram ter sido escrita na época de Moisés, dos idiomas árabe, ladino, iídiche, e outras lín-
cerca de 3.300 anos atrás. guas que acompanharam a Diáspora Judaica co-
mo língua falada pela maioria dos habitantes do
Com relação ao aramaico, cabe mencionar Estado de Israel.
que este foi o idioma falado por Jesus, o Cristo,
Yeshua, em hebraico, e ainda hoje é a língua ma-
terna de algumas pequenas comunidades no A solução massoreta e o problema maçônico
Oriente Médio, especialmente no interior da Síria. Sobre o uso errôneo do hebraico, possí-
Importante mencionar que o aramaico também
3
Eliezer Ben-Yehuda (Lujki, 7/1/1858 - 21/12/1922) nascido Eliezer Yitzhak Perlman, foi o linguista que reconstruiu a
língua hebraica no século XIX, criando o que conhecemos como o hebraico moderno.
veis dificuldades de interpretação e mau empre- ências com o uso de sinais vocálicos foram apli-
go das palavras, traduções e transliterações do cadas, exatamente, no texto do Talmud.
idioma no REAA, importante conhecer o surgi- A comunidade judaica exilada, no século
mento dos sinais massoréticos no hebraico, uma V, desenvolveu pontos que ficavam acima das
vez que, sem o prévio conhecimento deles, difi- consoantes e estes pontos passaram a ser
cilmente seria possível ler o hebraico de maneira “vogais”, ao menos davam o som e facilitavam a
correta. É por esta razão que muitas palavras do leitura do idioma. Com o passar do tempo estes
REAA podem ter mais de uma pronuncia, geran- pontos foram alterados e passaram a vigorar de-
do confusão quanto ao emprego. Assim, na me- baixo das consoantes. Ademais, uma série de co-
dida em que os referidos sinais foram a solução mentários e anotações passou-se a ser feitas, a
para a perpetuidade do hebraico, hoje sem o seu fim de que fosse possível preservar não só o idi-
estudo e conhecimento pode vir a ser um pro- oma, mas, também sua pronúncia correta. Essas
blema para o entendimento das palavras na Ma- notas eram chamadas de Massorá e os responsá-
çonaria. veis pelas notas passaram a ser chamados de
Antes de discutir as dificuldades encontra- Massoretas. Com isso, os sinais e acentos ficaram
das pela Maçonaria com relação ao emprego conhecidos como sinais massoréticos.5 A padro-
correto do hebraico, é mister esclarecer que a nização dos sinais e pontuação criados pelos
escrita hebraica antiga não possuía vogais. A vo- massoretas se deu por volta do século X com o
calização das palavras era transmitida pela tradi- trabalho das famílias ben Asher e ben Naphtali. A
ção, isto é, de pai para filho, de geração em gera- título de esclarecimento, interessante notar que
ção, como os costumes e tradições do povo ju- o texto do Antigo Testamento que consta atual-
deu. Dessa forma, quando uma palavra era escri- mente em nossas Bíblias é baseado nos textos
ta ou dita, ela era feita somente com o uso de massoréticos.
consoantes, mas por conta da tradição que era Para a Maçonaria, a importância em se es-
passada, sabia-se a verdadeira pronúncia da pa- tudar este tópico reside no fato de muitas pala-
lavra, sem a necessidade do emprego de vogais vras hebraicas usadas pelo REAA causarem ques-
e assim funcionou por muitas gerações. tionamentos, dúvidas e formas diferentes de uso
Com o passar do tempo e com a migração e aplicação, variando conforme região, país e, até
do povo judeu para outras regiões, inclusive com mesmo, Lojas. Uma das hipóteses que justifica o
alteração do idioma, surgiu o receio de que o idi- mau uso das palavras ou pronúncias equivocadas
oma desaparecesse, assim como a pronúncia de cada uma delas pode estar intimamente asso-
correta das palavras fosse perdida, especialmente ciada à falta da utilização dos sinais massoréti-
pela mudança do uso do hebraico para o aramai- cos, causando duplicidade de interpretação nas
co na região. Isso aconteceu não só com o idio- palavras com relação ao uso de vogais, mesmo
ma, como também ocorreu com a própria tradi- sabendo ser possível ler as palavras sem os si-
ção oral, ou seja, com receio de que toda a tradi- nais. Um exemplo muito comum de divergências
ção oral um dia fosse perdida, resolveu-se escre- de pronúncia é com relação à palavra Boaz. Em
ver a tradução oral, o que foi reunido em vários algumas Lojas a palavra em apreço é utilizada
volumes chamados de Talmud4, a fim de que os como Booz. Isto pode acontecer por ausência
comentários e detalhes bíblicos não fossem per- dos sinais massoréticos, causando uma versão
didos e esquecidos pelo povo judeu. No que diz paralela, confusão ou uma transliteração errônea
respeito ao idioma hebraico, as primeiras experi- da palavra do hebraico para outro idioma, che-
4
Talmud é um livro Sagrado dos judeus, um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, ética, costumes e
história do judaísmo. É um texto central para o judaísmo rabínico.
5
Texto massorético. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Texto_massor%C3%A9tico. Acesso em: 27 de Junho de
2014.
Isto é, o REAA teria sido criado a partir de não possuía qualquer controle
análises e estudo das escrituras sagradas, especi- sobre seus membros e os servi-
almente influenciado pelo Velho Testamento. De ços de benemerência inexisti-
fato, há uma profunda relação com o contexto am.
bíblico, principalmente no que diz respeito à Pike, nesta tarefa hercúlea a
construção do Templo de Salomão, como já dito, que se propôs, fortaleceu os
e, também, pela influência e esoterismo presente ensinamentos do Rito Escocês
na Kabalá. Assim, coube aos doutrinadores e ela- Antigo e Aceito, expurgando
boradores do rito dar sentido e aderir diversos todo o sectarismo e adversida-
de política do conteúdo dos
elementos e significados. Por sua vez, o hebraico
Rituais, estabelecendo uma ro-
não poderia ser deixado de lado e a utilização de ta de desenvolvimento intelec-
“palavras-chaves” no ritual foi uma forma de tual, o que colocou o Supremo
aproximar o ritual com o contexto original do Conselho da Jurisdição Meridi-
Livro da Lei. Dessa forma, adotou-se palavras e onal na posição de mais influ-
símbolos alusivos à tradição judaica e preencheu ente e atuante de todo o mun-
-se o ritual com este significado que tanto diz do. Ele engrandeceu o conteú-
respeito ao judaísmo. do das Instruções aos diversos
Graus com um amplo conheci-
Ainda sobre o tema, cabe dizer que Pike mento das culturas antigas –
era fluente em dezesseis idiomas, inclusive o he- conhecia fluentemente sânscri-
braico, o que pode ter, de alguma forma, contri- to, hebraico, grego e latim –
buído para a utilização de várias palavras. Ele fundamentando e comprovan-
também foi o responsável por consolidar e unifi- do o que antes era apenas per-
car o REAA, conforme consta em sua biografia, a ceptível em nossos Rituais.8
saber:
Assim como Pike, outro ilustre membro da
Mesmo antes de ser eleito So- Ordem, Albert Mackey, grande escritor e maçom
berano Grande Comendador, de origem alemã, foi um grande estudioso e lin-
Pike assumiu uma das lideran- guista, também Oficial do Supremo Conselho e
ças intelectuais do Rito Escocês profundo estudioso do simbolismo e tradições
Antigo e Aceito, ao lado de ou-
do oriente, como a filosofia judaica, por exemplo,
tro eminente estudioso, Albert
e, especialmente leitor de obras como o Talmud
G. Mackey, sendo que este últi-
mo dedicou uma de suas maio- e relacionadas à Kabalá, o que só reforça a ideia
res obras, o Léxico da Franco- de que esta influência poderia ter contribuído de
Maçonaria, de 1869, a Albert forma crucial para a inserção e delineamento da
Pike, em seu prefácio. indelével presença do hebraico no REAA9.
Ao unir-se ao Supremo Conse- Importante notar que muita especulação e
lho da Jurisdição Meridional, confusão existem na criação e concepção dos
Albert Pike encontrou uma si- ritos, especialmente com relação à influência ca-
tuação caótica: os Rituais en- balista, como foi citado. De acordo com Cortez
contravam-se tão desorganiza- (2009), muitas dessas citações podem ter surgido
dos que muitas Lojas adotaram
por meio de aproveitadores e charlatões que ti-
procedimentos ritualísticos
nham interesses particulares, causando contro-
próprios; a estrutura adminis-
trativa do Supremo Conselho vérsias no que diz respeito à origem e, até mes-
8
http://www.editoralandmark.com.br/autor.asp?k=1. Acesso em 23 de junho de 2014.
9
http://freemasonry.bcy.ca/biography/mackey_a/mackey_a.html. Acesso em 23 de junho de 2014.
mo, às influências que o Rito Escocês sofreu ao Dificilmente será possível precisar a forma
longo dos anos. Uma das figuras que muito se com a qual o hebraico foi introduzido no rito,
fala a respeito dessas influências é o controverso mas há pontos e tendências que nos ajudam a
Conde Cagliostro, dando margem a informações interpretar e desenvolver leituras e pesquisas que
e versões dos fatos que atrapalham uma pesqui- apresentam traços mais claros a respeito dessa
sa mais séria e voltada para o real uso das pala- influência. Seja por maçons que tinham origem
vras hebraicas, comprometendo assim, a inter- judaica, sejam por maçons que vislumbravam em
pretação das alegorias e simbolismos, principal- estudos como a Kabalá e a história contida no
mente no que diz respeito ao uso do idioma he- Antigo Testamento, o importante neste momen-
braico no rito. to é dar o devido reconhecimento a marcante
Há, ainda, alguns estudiosos que afirmam presença do hebraico no REAA, assim como se-
que o rito teria sido criado por judeus e, por esta guir com seu estudo e significado para cada eta-
razão, existem tantos elementos judaicos ao rito, pa do ritual, assegurando o objetivo daqueles
mormente o idioma hebraico em suas diversas que instituíram o que seria o manual de procedi-
palavras de passe, sagrada e de reconhecimento mentos para a conduta e o ensino dos princípios
da Ordem. Sobre este aspecto, esta vertente está e moral maçônicos dentro da Ordem.
alinhada com o pensamento de que o judeu
Stephen Morin, um dos fundadores do REAA na “O hebraico maçônico”
América, teria incorporado elementos judaicos
ao rito durante sua criação. Entretanto, não há Neste ponto, a fim de preservar e não
evidência comprovada a este respeito, mas é quebrar o sigilo maçônico do ritual, a exemplo
provável que outros judeus maçons da época, do que José Castellani fez em seus livros, a saber:
como M. M. Hays e Isaac da Costa, por exemplo, “A Maçonaria e sua Herança Hebraica” e “Shemá
tenham, também, inserido elementos hebraicos Israel”, será citada neste item as palavras sem
ao rito (CORTEZ, 2009). mencionar o grau e a ocasião em que se usam,
apenas a título de esclarecimento. Assim, inicial-
A respeito dessas tendências e especula- mente, pode-se mencionar como o que talvez
ções, uma das possíveis hipóteses no que tange seja uma das palavras hebraica que mais se
a influência judaica no rito consiste no fato de “visita” no REAA, isto é, o tetragrama sagrado
que a Maçonaria, ao ser introduzida na Carolina Yud-Hei-Vav-Hei. A palavra em apreço, impro-
do Sul, teria sido levada por um seleto grupo de nunciável tanto no hebraico – pelo fato de nem
judeus e isso pode ter gerado parte dos boatos e sempre ser escrita com os sinais massoréticos –
teorias que justificam a influência do hebraico no como na Maçonaria, faz parte dos estudos e de
REAA. Ainda assim, há controvérsias sobre a ve- muita discussão no seio do REAA. A este respei-
racidade dessa informação (MACKEY, 1879). Isto to, devemos, ainda, lembrar que alguns rituais
porque a Maçonaria teria sido introduzida na Ca- escrevem de maneira errada a transliteração do
rolina do Sul por volta do ano de 1736 (DE SAU- referido nome, além de traduzir a letra “yud” co-
SSURE, 1878). Já o REAA, com seu sistema de trinta mo “yod”, perpetuando o erro em diversos rituais
e três graus, parece ter sido instituído somente brasileiros.
em 1786, em Charleston, alguns anos depois. De
toda forma, a atual organização do Supremo Uma das hipóteses aventadas para o em-
Conselho do REAA não estava concluída até prego ou uso incorreto do hebraico e sua transli-
1801, isto é, mais de cinquenta anos depois. Sen- teração e, por sua vez, pronúncia das palavras
do assim, os judeus que receberam seus graus hebraicas, é o fato de os rituais não terem sido
diretamente ou indiretamente de Morin nunca originalmente traduzidos diretamente para o
atingiram qualquer grau maior do que o 25º do português ou, ainda, ter passado por diversas
Rito de Perfeição (STEVENS, 1899). versões até chegar à forma que conhecemos ho-
je. Dessa forma, as palavras hebraicas não sofre- língua árabe não há o som de “p”. Isto nos leva a
ram alteração de transliteração para o idioma. refletir se a lenda atribuída à palavra sibólet tam-
Como bem sabemos, o hebraico se utiliza de ou- bém não está relacionada a esse fenômeno lin-
tro alfabeto e para aqueles que não dominam a guístico.
leitura é utilizada uma transliteração no idioma Estes são alguns dos inúmeros exemplos
pátrio de como se deveria ler a palavra. Assim, de palavras hebraicas que encontramos no REAA.
por exemplo, a letra yud, hoje utilizada como Fora o emprego filosófico e moral delas, pode-
yod, poderia ter sido trazida de ritual americano se, ainda, atribuir estudos numerológicos por
onde a pronuncia hebraica correta da letra seria meio da guemátria, arte milenar de decodificar
grafada como yod e lida em inglês, pronunciada letras em números, entretanto, este seria tema
como yud. para outro artigo, tendo em vista que envolveria
Outro exemplo curioso e que gera discus- questões esotéricas e numerológicas a respeito
sões longas e até mesmo de cunho filosófico é a do simbolismo e decodificação de palavras asso-
palavra Boaz, como já mencionado. Muitos acre- ciando à moral e detalhamento dos graus.
ditam ser grafada como Booz, entretanto, talvez
por razões e emprego dos sinais massoréticos,
dúvidas possam ter sido criadas quanto à correta Conclusão
pronúncia da palavra que, buscando na versão A presença do idioma hebraico no Rito
original em hebraico, percebemos que a forma Escocês Antigo e Aceito é uma realidade. A in-
correta é Boaz. fluência de judeus, estudiosos esotéricos, religio-
Ao continuar com a análise, pode-se citar sos, herméticos, dentre muitos outros atores ma-
a curiosa palavra shibolet que por erro de acen- çons contribuíram sobremaneira para que o idio-
tuação muitos a pronunciam como shibolé quan- ma fosse inserido em cada grau e lenda do rito,
do, na verdade, o acento é no “o”, isto é, shibó- atribuindo significado, conteúdo e alegoria cabal
let, lembrando que há um “t” no final pronuncia- para interpretação e entendimento do sistema de
do. Esta palavra, que nos concita estudar um graus criado.
pouco um “fenômeno linguístico” muito interes- Desafortunadamente, não será possível
sante, demonstra a peculiaridade da letra hebrai- atribuir uma única história ou um único autor e
ca shin, isto é, acrescida de um simples “ponto”, motivo para o uso do hebraico no rito. Como vis-
ou seja, um sinal massorético similar ao “pingo to neste artigo, especulações, teorias mal expli-
do i”, assume a pronúncia sin. Daí temos duas cadas e até mesmo charlatões tentaram ao longo
pronúncias no ritual: shibólet ou sibólet, sendo dos anos explicar a utilização e dar certa autoria
explicada a diferença por meio de uma lenda para a criação e significado ao uso do idioma.
atribuída ao grau em que ela é utilizada. Pode-se afirmar, ainda, que será muito difícil
Esta peculiaridade da língua também po- comprovar como e onde surgiu a influência do
de ser percebida no uso da palavra “Palestina”, idioma hebraico, de onde surgiram e como sur-
por exemplo. Sem entrar no mérito político ou giram as palavras hebraicas dos trinta e três
religioso, apenas levantando questões relaciona- graus no REAA. Entretanto, a influência do relato
das à curiosidade da língua, sabe-se que a pala- bíblico do Antigo Testamento, em especial no
vra “Palestina” foi empregada pelos romanos pa- que diz respeito à construção do Templo de Sa-
ra determinar o local onde os filisteus habitavam. lomão, é fonte primária para qualquer pesquisa a
Em 638 d.C, um califa árabe muçulmano tomou a respeito do tema.
Palestina das mãos dos bizantinos e a anexou ao Não obstante, a importância deste artigo
império árabe-muçulmano. Os árabes adotaram é a de chamar a atenção para a necessidade de
o nome dado pelos romanos, pronunciando-o se estudar e procurar a forma correta, bem como
como “Falastina”, ao invés de “Palestina”, pois na
C&M | Brasília, Vol. 2, n.1, p. 37-46, jan/jun, 2014.
45
LORA, R. S. A INDELÉVEL PRESENÇA DO HEBRAICO NO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO
a tradução de cada palavra apresentada pelo OSTLER, N. Empires of the Word: A Language History
nosso rito. A palavra hebraica de cada grau é of the World. London e New York: Harper Perennial,
parte essencial para o entendimento completo 2006.
do estudo a ser ministrado em cada etapa do PACHECO, M. G. Maçonaria. A indelével presença da
REAA. Não só as palavras, mas, também o simbo- cabala no REAA. Porto Alegre: Editora Imprensa Livre,
lismo e alegoria de cada elemento influenciado 2011.
pela cultura hebraica. Com o passar do tempo e PIKE, A. Moral and Dogma of the Ancient and Accep-
com a forma “automática” com que muitas Lojas ted Scottish Rite of Freemasonry. Washington, DC:
têm “atropelado” o ritual, esses pontos podem Supreme Council, 33º, S.J., 2011.
passar a cair no esquecimento, deixando de lado RIBEIRO, J. G. C. Os Fios da Meada. Rio de Janeiro:
uma das partes mais repletas de significado para Editora Zit, 2007.
a Ordem. Por esta razão, estudar o idioma, seu
RODRIGUES, R. Cartilha do Rito Escocês. Londrina:
uso e sua influência, é elemento fundamental pa- Editora A Trolha, 2010.
ra se entender o REAA e, por sua vez, a Maçona-
ria de uma forma concatenada. SMART, J. R. Tradition and Modernity in Arabic Lan-
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