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CAPÍTULO 1: EMBRIOLOGIA DO SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO

FUNDAMENTOS DE ORTOPEDIA & TRAUMATOLOGIA (José Batista Volpon)

SEÇÃO 1: PRINCÍPIOS

CAPÍTULO 1: EMBRIOLOGIA DO SISTEMA MUSCULOESQUELÉTICO

José Batista Volpon/João Paulo Mardegan Issa

A embriologia do sistema musculoesquelético pode parecer complexa e distante do cotidiano do médico.


Entretanto, no aparelho locomotor ocorrem muitas deformidades congênitas, e a compreensão da evolução do
desenvolvimento do corpo humano é importante para esclarecimento diagnóstico, aconselhamento genético e
prognóstico.
Durante o período gestacional células proliferam, diferenciam-se, migram e desaparecem com o objetivo de
originar um indivíduo normal e saudável. Considera-se o período embrionário como o intervalo entre a fertilização e a
oitava semana, e o período fetal, entre a nona semana até o final da gestação. No primeiro período predomina a
diferenciação dos tecidos e formação de órgãos e sistemas. No segundo período há maturação e crescimento das
estruturas neoformadas.
A primeira célula embrionária humana é o zigoto que, ao migrar pela tuba uterina, sofre clivagens, origina
blastômeros e chega ao útero na fase de mórula. Durante a segunda semana surge o blastocisto que se implanta no
endométrio. Na terceira semana, o disco embrionário torna-se trilaminar, com o desenvolvimento de um mesoderma
intraembrionário. Existe um espessamento chamado nó primitivo (nódulo de Hensen) na porção caudal do disco
embrionário, onde se origina o processo notocordal, que migra cefalicamente para formar a notocorda, que será a
origem do esqueleto.
A placa neural primitiva surge na terceira semana, apresenta um sulco longitudinal e pregas neurais laterais
adjacentes, que se dobram dorsalmente até se encontrarem, de modo a formar o tubo neural. Os somitos surgem a
partir do mesoderma intraembrionário, na terceira semana, em pares simétricos. Na quarta semana, o disco
embrionário torna-se cilíndrico e sofre dobramentos. O embrião adquire a forma em "C".
As três camadas germinativas próprias do disco embrionário são as que realmente se diferenciam nos tecidos e
órgãos, nas oito primeiras semanas de vida intrauterina.
A aparência do embrião muda drasticamente entre a quarta e oitava semanas. Trata-se do período em que os
primórdios dos sistemas e órgãos se desenvolvem, sendo o mais crítico para o surgimento das más-formações. Defeitos
mais precoces geralmente são incompatíveis com a vida e causam abortamentos.

1. TECIDO CARTILAGINOSO
A partir da quinta semana embrionária, o tecido cartilaginoso surge por diferenciação das células mesenquimais,
que adquirem conformação arredondada, com deposição de fibras colágenas e elásticas na matriz intracelular e na
matriz extracelular. Essas células diferenciadas são os condroblastos e, de acordo com a matriz extracelular produzida,
podem originar fibrocartilagem, cartilagem elástica ou cartilagem hialina, que é a mais abundante.

1.a. OSSIFICAÇÃO INTRAMEMBRANOSA


A ossificação intramembranosa é a diferenciação direta do osteoblasto a partir do mesênquima, sem passar pelo
estágio cartilaginoso. O crescimento ósseo futuro ocorrerá por aposição. É o tipo de ossificação da clavícula e dos ossos
do crânio. Nas condensações mesenquimais bem vascularizadas, os osteoblastos primitivos produzem matriz
extracelular do tipo osteoide.
Inicialmente, o tecido ósseo é bastante desorganizado, mas, evolutivamente, as células depositam-se por
camadas, especialmente estimuladas pela irrigação sanguínea. Com o desenvolvimento do tecido ósseo, as células
periféricas continuam a crescer organizadamente em camadas de osso compacto (cortical). Na porção central, o osso
permanece esponjoso e sofre influência de outro tipo celular, o osteoclasto, que absorve matriz osteoide, forma o canal
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medular, e o mesênquima diferencia-se em medula óssea. Essa constante remodelação óssea permanece durante toda

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a vida, com a interação dos osteoblastos e osteoclastos que só será desequilibrada em processos mórbidos ou na
velhice.

1.b. OSSIFICAÇÃO ENDOCONDRAL


A ossificação endocondral ocorre em modelo cartilaginoso preexistente. As células condrais hipertrofiam-se e
excretam material inorgânico. Simultaneamente, o pericôndrio transforma-se em periósteo e surgem células ósseas. A
ossificação ocorre primeiramente sob o pericôndrio e, após, as células hipertrofiadas dentro da cartilagem degeneram-
se. Há invasão vascular periosteal, com fragmentação da cartilagem, infiltração de células hematopoiéticas e células
precursoras dos osteoblastos. Esse processo origina o centro primário de ossificação (diáfise dos ossos longos) ou
secundário (epífise) (Figura 1.1). Os núcleos de ossificação primários dos membros surgem no final do período
embrionário, por volta da oitava semana.
Entre a epífise e a metáfise permanece uma camada de células cartilaginosas (placa de crescimento), que
continuam a se dividir durante a toda a fase de crescimento longitudinal ósseo.
Ao nascimento a diáfise está ossificada, mas a metáfise e a epífise ainda são cartilaginosas. Os centros de
ossificação secundários surgem nas epífises nos primeiros anos de vida pós-natal. Ao atingir a maturidade esquelética, a
placa de crescimento desaparece, sendo substituída por osso esponjoso. O crescimento em diâmetro do osso é dado
pela atividade periosteal.

2. TECIDO CONJUNTIVO
A estruturação básica do tecido conjuntivo é formada principalmente por colágeno e proteoglicanos, O colágeno
é uma proteína com três cadeias peptídicas em tripla hélice e possui cinco subtipos mais comuns. Existem alterações
relacionadas com a síntese de colágeno que podem apresentar desde uma repercussão clínica mais branda, como a
frouxidão ligamentar, até doenças debilitantes como a osteogênese imperfeita.

Figura 1.1 Ilustração da formação do osso longo a partir do modelo cartilaginoso. C - cartilagem no centro da diáfise que
formará o núcleo primário de ossificação. Fases mais avançadas: P - periósteo, PC - pericôndrio, M - canal medular.

2.a. ARTICULAÇÕES
As articulações surgem a partir da sexta semana de vida embrionária como uma clivagem no tecido
mesenquimal, que origina uma cavidade revestida por cartilagem. O desenvolvimento articular normal depende de
movimentação, que induz o tipo de diferenciação celular. Nas articulações dos membros, por exemplo, a movimentação
pode ser o fator que estimula o desenvolvimento da cartilagem hialina articular e do surgimento da membrana sinovial,
que reveste a cápsula articular. Como consequência, desenvolvem-se articulações sinoviais que são bastante móveis
(quadril, cotovelo, joelho, etc.).
Condições intrauterinas que cursam com hipomobilidade ou alterações intrínsecas do sistema muscular podem
interferir no desenvolvimento articular e causar articulações rígidas, como acontece, por exemplo, nas síndromes
artrogripóticas.

3. TECIDO MUSCULAR
O sistema muscular é derivado do mesoderma intraembrionário, a partir das células progenitoras - os
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mioblastos. Os músculos do tronco originam-se a partir dos somitos (miótomos) e os músculos dos membros provêm do
mesênquima somático dos brotos dos membros.

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A organização do sistema muscular esquelético é complexa. Alguns músculos seguem a disposição inicial dos
somitos e são segmentados, como os intercostais e o serrátil. Entretanto, na maioria dos músculos, a migração dos
mioblastos faz com que não haja segmentação. Nos membros, os mioblastos originam-se pela diferenciação do
mesênquima do broto dos membros, que envolve o modelo osteocartilaginoso em formação. A má-formação ou
agenesia de um ou mais músculos é relativamente comum.
A agenesia ou hipoplasia de um músculo geralmente é assintomática e pode ser bilateral ou não. Os músculos
mais acometidos são o palmar longo, o plantar e o peitoral maior.

4. FORMAÇÃO DA COLUNA VERTEBRAL E MEDULA ESPINHAL


A coluna vertebral origina-se a partir da notocorda e dos somitos, e a medula espinhal a partir do tubo neural.
Na quarta semana de vida, células do esclerótomo do somito diferenciam-se para envolver o tubo neural e a notocorda
e, em tomo dela, originam-se o corpo e o disco intervertebrais. O tubo neural origina o arco vertebral. Forma-se uma
estrutura mesenquimal pré-cartilaginosa, com condensações celulares segmentares, que correspondem aos
esclerótomos.
Inicialmente, por volta da sétima semana, existem dois centros de ossificação primários no corpo vertebral
primitivo, o ventral e o dorsal, que se unem. Além disso, no final do período embrionário, surgem os centros de
ossificação primários do arco vertebral, um em cada lado. Assim, ao nascimento, a vértebra cartilaginosa contém três
regiões ossificadas distintas. No período pós-natal, os núcleos se fundem entre os três e cinco anos de vida. Na
puberdade surgem os centros de ossificação secundários ao redor do arco vertebral. A união final de todos os centros
ocorre por volta dos 25 anos de vida pós-natal.
A notocorda ficaria originalmente na porção central do corpo vertebral e do disco intervertebral. Entretanto,
dentro dos corpos vertebrais ela sofre regressão segmentar e desaparece. Já, dentro do disco intervertebral, ela sofre
expansão, diferenciação e origina o núcleo pulposo. As fibras circulares ao redor do núcleo pulposo formam o ânulo
fibroso do disco intervertebral.
Resquícios da notocorda podem persistir e originar cordomas.
A medula espinhal origina-se a partir do tubo neural que surge entre a terceira e quarta semanas e, a partir daí,
sofre espessamento da parede, de maneira que permanece um canal interno, que dará origem ao canal central da
medula espinhal. A medula espinhal, no início do período embrionário, ocupa toda a extensão longitudinal da coluna
vertebral.
Os forames intervertebrais localizam-se anatomicamente próximos às origens dos respectivos nervos espinhais.
No entanto, o crescimento da coluna vertebral é mais acelerado que o da medula e, assim, a extremidade
caudal da medula passa a ocupar níveis mais proximais no canal medular. Dessa forma, as raízes dos nervos espinhais
lombares e sacrais (cauda equina) percorrem um trajeto dentro do canal medular, antes de saírem pelo forame. O
mesênquima que circunda o tubo neural forma as meninges. O filum terminale é a extensão da piamater, que vai do
cone medular até o periósteo do cóccix.
O processo de neurulação é gradual e a última etapa é o fechamento dos neuroporos cranial e caudal, que ficam
nas respectivas extremidades do tubo neural. O defeito de fechamento do neuroporo cranial resulta em várias
condições clínicas como anencefalia e, do caudal, em espinha bífida.

5. FORMAÇÃO DOS MEMBROS


Na quarta semana da vida intrauterina surgem os brotos dos membros que, no membro superior, aparecem no
26º ou 27º dia, um ou dois dias antes do broto do membro inferior (28º dia).
Na extremidade de cada broto o ectoderma se espessa, diferencia-se, e dá origem à crista ectodérmica apical,
essencial para o estímulo do crescimento e desenvolvimento do futuro membro, vez que ela induzirá a proliferação das
células mesenquimais dos brotos. As camadas celulares mais próximas da crista diferenciam-se em células musculares e
células cartilaginosas, que formarão os músculos e os modelos cartilaginosos dos ossos.
Há várias anomalias congênitas dos membros, desde aplasia total até ausências segmentares que decorrem de
defeitos na formação do broto do membro. A extremidade dos membros logo assume aspecto achatado, em forma de
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nadadeira (Figura 1.2) e aí, no final da sexta semana, haverá diferenciação e condensação celular para formar os
primórdios dos dedos da mão. Uma semana após, o mesmo processo ocorre nos pés. Em cada condensação digital

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existe uma porção da crista ectodérmica apical que induz o crescimento e desenvolvimento dos dedos. O espaço entre
os raios digitais é ocupado inicialmente por tecido mesenquimal frouxo, semelhante a uma nadadeira, que depois
desaparece, permitindo a individualização dos dedos. Qualquer distúrbio que ocorra no processo de separação nesse
período pode resultar em sindactilias de grau variados.
Na sétima semana de vida do feto ocorre um fenômeno complexo de rotação nos membros para se posicionarem da
maneira como se apresentam no feto.

Figura 1.2 Estágio de desenvolvimento do membro inferior, que corresponde a um embrião de 14 mm, na fase de
condrificação. Os esboços dos principais ossos estão formados e os precursores dos dedos estão unidos por membranas.

SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR


Moore KL, Persaud T. The developing human: clinically oriented embryology. 5tht ed. Philadelphia, WB Saunders
Company, 1993.

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