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Máquina x voto

A primeira vista o título deste artigo pode sugerir que tratarei de problemas com
a urna eletrônica. Como se sabe muitas pessoas vêm questionando a autenticidade do
registro e apuração dos votos por meio deste instrumento. Não estou entre eles. A pauta
aqui é outra. É o conflito entre máquina política e o voto popular, que está sendo um
dos aspectos mais interessantes desta eleição.
As jornadas de junho de 2013 e a Operação Lava Jato combinadas com a crise
econômica e política que se seguiram geraram um quadro de desgaste sofrido pela elite
política como não se via há muito tempo. Grandes lideranças evaporaram, como Aécio
Neves, Dilma Roussef e Eduardo Cunha. O sistema partidário foi atingido de forma tão
direta que precisou se reinventar. Hoje apenas 4 dos dez maiores partidos já existiam
há 20 anos atrás, o que demonstra que a mudança acabou acontecendo.
Neste ambiente era esperado que o sentimento de renovação se manifestasse
nas candidaturas em todos os níveis. Não poderia ser diferente para a Presidência da
República. Temos hoje na liderança das pesquisas candidatos sem alianças partidárias
firmadas e sem vice até o presente momento, como Bolsonaro, Marina Silva e Ciro
Gomes. Se contarmos o ex-presidente Lula na lista, o critério se mantém. Alckmin que
está no maior partido e reuniu a coligação mais ampla por enquanto amarga um quarto
lugar e aproxima-se de uma votação pífia fora do Estado de São Paulo.
Por estes números é possível ver que a maioria dos eleitores vota em candidatos
com pouca máquina ou mesmo não vota em ninguém, haja vista que os percentuais de
voto ABN (abstenção, branco e nulo) passam de 40% nos cenários sem Lula. Então temos
um desencontro entre máquinas políticas tradicionais e o voto dado pelos eleitores.
Estamos correndo então o sério risco de eleger em outubro um novo Temer ou uma
nova Dilma. Se for Alckmin será um novo Temer, com maioria no Congresso mas refém
dela própria e com dificuldades de colocar sua agenda. Se forem os outros dificilmente
formará maioria e ficará isolado ou isolada, podendo até resultar num impeachment de
novo.
Portanto, o conflito máquina x voto deve permanecer. Vejo com isto de forma
alentadora, apesar do receio que gera em todos aqueles que querem estabilidade
política para que a economia volte a crescer. Vimos que o sistema política se defendeu
das mudanças vindas da sociedade civil se fechando mais ao invés de se abrir. Ficaram
preocupados com a própria reprodução e na manutenção do chamado foro privilegiado,
com medo das investigações que continuam em curso. Esta eleição será ainda um
grande campo de testes ou laboratório de novas formas de fazer política, mas as taxas
de reeleição dos atuais detentores de mandato ainda serão elevadas.
Jogaremos, então, para um momento posterior este encontro de contas entre a
população e o sistema político. A questão é como e quando isto acontecerá. Talvez
venha na forma de grandes manifestações de rua como no ciclo 2013-2016 ou mesmo
numa ruptura institucional mais traumática. O cenário que considero mais consistente
é de um pacto entre as elites, conforme a nossa tradição. Eles vão perceber a
necessidade de uma repactuação de regras em várias áreas e definirão uma agenda
mínima de reformas. Isto pode até adquirir a forma de uma revisão constitucional
focada em alguns capítulos apenas, de modo a acelerar a tramitação.
Se algo do gênero não for feito o fosso que hoje afasta boa parte da sociedade
civil do sistema político se aprofundará e sim, poderemos ficar presos nesta situação de
hoje por anos ou até décadas.

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