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TEORIA DA LEI PENAL

LINHA DE SEBENTAS
Teoria da Lei Penal

Índice
Conceito material de crime .......................................................................................................................... 4
Existem diferentes vias para se chegar ao conceito material de crime: .................................................. 4
Via do conceito Liberal de Direito ............................................................................................................ 5
Princípios jurídico-constitucionais (constituição penal): ......................................................................... 5
Para que necessitamos de um conceito material de crime? ................................................................... 6
Qualificação de crimes ................................................................................................................................. 8
Elementos objetivos: ................................................................................................................................ 8
Agente: ................................................................................................................................................ 8
Conduta típica ...................................................................................................................................... 8
Objeto da conduta: .............................................................................................................................. 8
Elementos subjetivos ............................................................................................................................... 8
Dolo ou Negligência: ............................................................................................................................ 8
Classificação de crimes quanto à relação entre a conduta típica e o objeto da conduta ........................ 9
Classificação dos crimes quanto à relação entre a conduta típica e o bem jurídico tutelado ................. 9
Conceito material de crime ........................................................................................................................ 10
Crime como fenómeno social ................................................................................................................ 10
Elementos do conceito analítico de crime: ................................................................................................ 12
Condições mínimas de um conceito operativo de bem jurídico ................................................................ 14
Definição de Figueiredo Dias.................................................................................................................. 15
Inevitabilidade da ideologia e da discussão ética na definição de bem juridíco penalmente tutelável 15
Impossibilidade de uma definição naturalística ou universal ............................................................ 16
Funcionalismo e auto-referencialidade dos sistemas sociais (Luhmann) .............................................. 16
O princípio da necessidade da pena, as duas exigências do nº2 do artigo 18º da CRP e os limites
negativos constitucionalmente impostos do ilícito penal: ......................................................................... 21
Síntese quanto ao conceito material de crime ........................................................................................... 22
Síntese quanto a dignidade punitiva de conduta (artigo 18/2 1º parte) ................................................... 25
Síntese quanto à necessidade ou carência de pena (artigo 18/2, 2ª parte, da CRP) ................................. 26
Criminalizações explícitas/implícitas na constituição................................................................................. 27
A opção de não punibilidade da interrupção voluntaria da gravidez nas primeiras 10 semanas de
gestação ................................................................................................................................................. 30
Direito penal como ramo do direito ........................................................................................................... 33
Direito de mera ordenação social .............................................................................................................. 36
Qual o conceito que o legislador dá de contraordenação? ................................................................... 38
Critério material de distinção entre crimes e contra ordenações ......................................................... 41
Critério tão só qualitativo ou também quantitativo de distinção entre crime e contra ordenação? .... 42
Críticas ............................................................................................................................................... 44
A essência e as finalidades da coima ..................................................................................................... 44
Fins das penas ............................................................................................................................................ 48
Pressuposto, fundamento, finalidade e limite da pena ......................................................................... 49

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Finalidades ideais vs. finalidades reais da pena ..................................................................................... 51


Teorias absolutas ou retributivas ........................................................................................................... 52
Teorias relativas ..................................................................................................................................... 53
Teorias ecléticas ..................................................................................................................................... 53
Teoria Pura da retribuição ..................................................................................................................... 53
Teoria da prevenção geral...................................................................................................................... 57
Teorias da prevenção especial: exposição ............................................................................................. 61
O que está em causa na discussão dos fins das penas? Parâmetros constitucionais de uma solução do
problema dos fins das penas .................................................................................................................. 63
Rejeição de uma teoria eclética de pendor meramente aditivo e de uma teoria eclética estratificada
dos fins das penas .................................................................................................................................. 66
O modelo preventivo geral positivo de escolha e determinação da pena proposto por Jorge
Figueiredo Dias....................................................................................................................................... 68
Posição de Sousa Brito e Fernanda Palma ......................................................................................... 71
Princípio da legalidade ............................................................................................................................... 76
Características ........................................................................................................................................ 76
Fundamentos ......................................................................................................................................... 77
Medidas de segurança e princípio da legalidade ................................................................................... 80
Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta ........................................................................................ 82
Âmbito da reserva de lei ........................................................................................................................ 84
É possível a aplicação analógica de causas de exclusão da ilicitude? .................................................... 87
Exigência de determinação da normal penal e o problema do uso pelos tipos legais de elementos
normativos, conceitos indeterminados, clausulas gerais e formas gerais de valor ............................... 89
Reserva de lei, exigência de determinação das normas penais e normais penais em branco .............. 93
Problemas de constitucionalidade suscitadas ................................................................................... 97
Aplicação da Lei Penal no tempo................................................................................................................ 98
Questões centrais .................................................................................................................................. 99
Artigo 3º: significado de atuação ......................................................................................................... 100
Concurso de crimes na ótica de Figueiredo Dias ...................................................................................... 102
Concurso efetivo- artigos 30/1 e 77 CP ................................................................................................ 103
Aplicação do direito penal no espaço....................................................................................................... 103
Prescrição de crimes ................................................................................................................................. 107

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Conceito material de crime


 Norma penal: determina uma pena para determinado comportamento. Caracteriza-
se/define-se pela sanção (pena de prisão ou multa convertível em prisão) que
estabelece.
 Conceito formal de crime: todo o comportamento ativo ou omissivo para o qual a lei
culmina (prevê) uma pena.
 O que releva verdadeiramente é o conceito material de crime, ou seja, aquele que
nos permite aferir da legitimidade das decisões legais de punir. Porque o ilícito penal
é o mais grave do ordenamento jurídico, as suas sanções são também as mais graves.

Existem diferentes vias para se chegar ao conceito material de crime:

 Via dos fins da pena: crime é todo o comportamento que por razões de prevenção
(geral ou especial) necessitem de uma pena. O objectivo é evitar a prática futura de
crimes. Mesmo quem defende que a sanção penal deve ser retributiva, ninguém
defende que deva ser exclusivamente retributiva.
 Prevenção geral: foca-se na sociedade como um todo. A pena visa evitar que a
generalidade das pessoas cometa um crime.
o Prevenção geral positiva/ de integração/ tutela de bens jurídicos: a
culminação e aplicação de penas visam proteger bens jurídicos e afirmar a
validade e eficácia desses bens e das normas que os tutelam – Artigo 40/1
CP.
o Prevenção geral negativa ou de intimidação: a culminação das penas
criminais visam impedir a prática de crimes, desincentivando futuras
decisões criminosas. Trata-se de verdadeira coação moral – coagir a
generalidade das pessoas a não praticar crimes.
 Prevenção especial: Centra-se na pessoa do delinquente. Penas visam evitar a
prática futura de crimes atuando sobre o delinquente que praticou esses atos
criminosos.
o Prevenção especial positiva: reintegração do delinquente na sociedade/
reinserção social – Atrigo 40/1/segunda parte.

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o Prevenção especial negativa: visa sobretudo a defesa da sociedade contra o


delinquente. A sociedade defende-se do delinquente intimidando-o,
tornando-o inofensivo, afastando-o da sociedade.

Crítica

 Esta via é de rejeitar, pois nada diz quanto ao sentido jurídico último de uma pena e
do crime. Coloca a definição do crime na dependência da culminação de uma pena
e na definição dos fins dessa pena, e não a partir da essência do próprio crime e da
pena.
 Renuncia à procura de um sentido jurídico último do crime e da pena, que é um dos
grandes objetivos/problemas da teoria da lei penal.
 Ao pretender-se definir materialmente o crime a partir das finalidades preventivas
da pena abre-se uma porta para o desrespeito da dignidade da pessoa humana do
delinquente, na medida em que este será sujeito a uma pena apenas para satisfação
dos fins sociais de prevenção geral ou especial – instrumentalização da pessoa do
delinquente, ele próprio é um fim em si, não podendo ser instrumentalizado.
 Não nos dá verdadeiramente o conceito material de crime, diz-nos apenas para que
serve a incriminação e a sanção e não o que é o crime.

Via do conceito Liberal de Direito


 O direito surge como um instrumento de proteção e promoção da igual dignidade e
liberdade de todos e cada um dos cidadãos.
 Através deste conceito, os valores da ordem jurídica vão ligar-se à dignidade da
pessoa humana e à legitimidade democrática, sendo que a decisão de punir é
histórica, geográfica e democraticamente determinada, o que nos leva à exclusão do
jusnaturalismo clássico.
 Esta via explica a variação histórica, geográfica e cultural daquilo que é o crime.
 O conceito material de crime vai, por esta via, ser conectado com os princípios e
funções do Estado de direito Democrático.

Princípios jurídico-constitucionais (constituição penal):


 Conjunto de princípios fundamentais do direito penal.
o Princípio da necessidade da pena – Artigo 18º CRP;

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o Princípio da culpa criminal – não tem assento constitucional expresso, mas


resulta da dignidade da pessoa humana, inviolabilidade da sua integridade
moral e do seu direito à liberdade – artigos 1º e 25º CRP.
 Relevam também (porque o direito não cria o seu próprio objeto – realidade social
concreta a regular) as conceções sociais dominantes sobre o que é a conduta
criminosa/ o que pode e deve ser crime.
 A aceitação das decisões legais de punir depende da sua compatibilidade com as
representações sociais dominantes sobre o que é o crime e sobre o que pode ser o
crime.
 Conceções são factos sociopsicológicos prévios à própria conformação jurídica de
um crime. São pontos de referência na definição jurídica de um crime.

Para que necessitamos de um conceito material de crime?


 Pela estrita necessidade de intervenção penal;
 Princípio da culpa penal, que é diferente da culpa disciplinar ou civil. Quando uma
pessoa é acusada de um ato criminoso dá-se um juízo de censura ético-jurídica
pessoalmente dirigido à pessoa do delinquente por ter realizado um
comportamento de uma danosidade social insuportável.
o Este juízo está ligado a um juízo de desvalor pessoal do agente – censura
social.
o Um juízo de culpa com esta conotação (que irá afetar a vida social, pessoal e
profissional do acusado) só pode referir-se a uma prática insuportavelmente
grave – só nestes casos talo juízo faz sentido.
 Eficácia da incriminação: o direito penal será tanto mais eficaz quanto menos for
usado. Mas hoje em dia há uma tendência dos governos para uma híper-
criminalização que dá origem a um direito penal simbólico.
o Frequentemente as decisões legais de punir são tomadas à flor da pele, sem
uma reflexão prévia sobre a verdadeira necessidade e eficácia da
incriminação. Estas decisões são tomadas ao sabor de casos mediáticos, dos
sentimentos de insegurança da comunidade, da pressão dos lobys.

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o Aos governos é mais fácil recorrer precipitadamente ao direito penal do que


encontrar outros meios de política social, que têm resultados mais lentos e
incertos. O direito penal rende mais votos. Governa-se a pensar na reeleição
e quando assim é não se pensa no bem comum.

 Pode haver casos em que um comportamento é considerado crime, mas, em termos


materiais, estarmos perante um ilícito disciplinar. Exemplo: Crime de Deserção da
Marinha Mercante era sujeito a uma pena de prisão. O Tribunal constitucional várias
vezes se pronunciou pela inconstitucionalidade, uma vez que se tratava de um
comportamento sem gravidade ético-social que justificasse a sua qualificação como
crime e a consequente aplicação de uma sanção penal.
 Pode também acontecer exatamente o contrário, ou seja, uma sanção pode ser
rotulada de disciplinar quando, pelo seu grau de intromissão nos direitos
fundamentais, representa uma verdadeira pena criminal. Exemplo: prisão militar
disciplinar.
 Conclusão: Daí a necessidade de haver um conceito material de pena criminal, que
se carateriza materialmente pelo grau de intromissão nos direitos fundamentais do
cidadão. Pois este é um caso caracterizado por várias inconstitucionalidades.
 Inconstitucionalidade material:
o Desrespeito do princípio da necessidade da pena, pois aplica-se uma sanção
substancialmente criminal a um comportamento que nada tinha de
criminoso.
o Violação do princípio da proporcionalidade do ilícito (disciplinar) e gravidade
da pena.
o Desrespeito do princípio da culpa criminal, pois faz-se cair sobre o agente
uma sanção sem correspondência na gravidade do facto praticado.
 Inconstitucionalidade orgânica:
o Artigo 165/1/c) CRP matéria de competência legislativa exclusiva da
Assembleia da República, ao contrário do que acontece com as normas
disciplinares.

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NOTA: Problema actual – coimas (sanções relativas a contra-ordenações, não convertíveis em pena de
prisão) atingem em alguns campos montantes exorbitantes, superiores até a certas multas, que, por
definição, são convertíveis em pena de prisão.

Qualificação de crimes
Elementos objetivos:

Agente:
Quanto ao agente, os crimes podem ser:

 Comuns: podem ser cometidos por toda e qualquer pessoa que realize a conduta
descrita na norma – normalmente “quem”.
 Específicos: não podem ser realizados por toda e qualquer pessoa, mas apenas pelos
titulares de um determinado dever ou por aqueles que estiverem investidos numa
determinada posição ou relação jurídica.

Conduta típica
 Resultado (apenas nos crimes materiais/de resultado): evento que está espácio-
temporalmente separado da ação, que pode ser de lesão ou de perigo concreto, e a
ela contraposto. Exemplo claro é do artigo 131º, crime de homicídio.
 Crimes formais/de mera atividade: a sua consumação depende apenas da realização
da conduta descrita na norma (não depende do evento lesivo ou de perigo
concreto).

Objeto da conduta:
 Pessoa ou coisa sobre a qual é realizada a conduta descrita na norma.
 No crime de homicídio, o objeto da conduta é a pessoa que sofre a ação de matar
 Bem jurídico protegido: para descobrir qual o bem jurídico protegido pela norma
devemos ver em que parte do código esta se integra. Por exemplo, no artigo 190º o
bem jurídico protegido é a reserva da vida privada.

Elementos subjetivos
Relativos à relação entre o agente e o facto que pratica.

Dolo ou Negligência:
 Dolo: Aceita a realização do facto/ dos elementos objetivos do tipo de crime.
 Negligência: não aceita mas pratica o facto porque não foi suficientemente zeloso.

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 Regra: quando uma norma nada diz, o comportamento é doloso. Só os factos


praticados com dolo são punidos + os crimes previstos que são praticados com
negligência – quando a norma quer punir a negligência assim diz expressamente.

Artigo 13.º
Dolo e negligência

Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei,
com negligência

Classificação de crimes quanto à relação entre a conduta típica e o objeto da conduta


 Crimes formais – art. 190º
 Crimes materiais – art. 131º

Classificação dos crimes quanto à relação entre a conduta típica e o bem jurídico
tutelado
 Crimes de perigo: consumação do crime depende apenas de pôr em perigo o bem
jurídico protegido.

Perigo abstrato: o perigo é fundamento da incriminação. Legislador incrimina conduta


porque presume que esta é geralmente perigosa. Esta presunção é ilidível, podendo
haver contra prova do perigo. É possível demonstrar que no caso concreto a conduta
não seria genericamente perigosa para o bem jurídico. EXEMPLO: 292º

Normalmente estes são crimes de mera atividade.

O perigo está fora do tipo, é apenas o fundamento, não caracterizando a ação nem o
resultado.

Perigo concreto: norma descreve conduta e descreve resultado. “Criar perigo…”. Tem
de se provar que o agente não só realizou a conduta como também causou perigo.
EXEMPLO: 291º

A sua consumação depende da verificação de um evento de perigo, não só quanto ao


bem jurídico como quanto ao objeto da conduta.

Nestes casos, o perigo é elemento do tipo.


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São sempre crimes materiais.

Perigo Abstracto-concreto: conduta é, de acordo com as regras de experiência comum,


perigosa para determinado bem jurídico. A ação é perigosa.

Conceito material de crime


Crime como fenómeno social
 O crime é um fenómeno social que como tal cumpre funções sociais; interessa-nos
portanto saber porque razões certos comportamentos são considerados como
crime.

 Durkheim veio explicar que o crime é um fenómeno social e cumpre funções sociais:
os crimes são parte integrante da sociedade, são determinados pela estrutura social
e em função dela (variação historia e geográfica das condutas criminosas)  não há
um conceito material de crime que seja estático e universal, há apenas um processo
social dependente de fatores históricos e culturais de seleção das condutas
criminosas. O crime estriba-se na eticidade produzida pela estrutura social.

 Criminologia é o estudo do crime enquanto fenómeno social (fenómeno pré


jurídico): na perspetiva desta ciência a noção de crime comporta dois elementos

o Comportamento humano desviado- SUTHERLAND;

o Comportamento socialmente danoso por afetar bens necessários à


preservação e desenvolvimento da sociedade e ao livre desenvolvimento da
personalidade de todos os cidadãos- MANNHEIM.

 Dois tipos de bens jurídicos

 Individuais

 Supra individuais

o Estas duas ideias são cumulativas e não alternativas, porque se se considerar


o crime apenas como comportamento desviado, estamos a alargar o
conceito de crime apenas aos comportamentos morais, que apenas lesam as
normas éticas. O desvio de comportamento tem de ser ligado sempre à

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danosidade social pois só são crimes comportamentos que de uma forma


insuportável atentem contra bens fundamentais.

o As normas éticas relevantes não são apenas da moral social  as que


interessam ao direito penal são as que interessam a afetação de formas
insuportáveis de bens jurídicos fundamentais à subsistência e
desenvolvimento da sociedade e ao desenvolvimento da personalidade de
qualquer cidadão. Ex.: mentir é um comportamento que viola regras éticas,
mas não é por isso que isso passa a ser crime passível de incriminação.

 A maior divergência remonta ao século XIX, quando se começou a discutir se o


conceito material devia ancorar-se na violação de direitos subjetivos (Feuerbach),
ou se devia ancorar-se na violação de dados bens jurídicos (Birnbaum)

o Primeira tese: legitimidade do direito penal a uma estrutura que é liberal


contratualista, à luz da qual só se justifica a intervenção penal na violação de
direitos humanos básicos. Esta perspetiva vai limitar o direito penal a
proteger a liberdade individual, somente.

o Segunda tese: a legitimidade penal é referida à comunidade e aos seus


valores. A esta luz o crime é visto como lesão objetiva dos valores da
comunidade cuja proteção jurídica se fundamenta nos fins do estado.

 À luz do mais puro positivismo legalista pode ser mantida esta ideia de que crime é
violação de um bem jurídica. Binding definia bem jurídico como valor ou condição
da vida em sociedade tal como definido como o legislador. Assim, o conceito de
bem jurídico é imanente ao sistema e deixa de poder desempenhar a função critica
das opções legais e deixa de funcionar como critério de legitimação do processo de
criminalização. Se chegamos a um conceito de bem jurídico resultante das opções
legais deixamos de ter um conceito crítico.

 Coube a Von Liszt tentar recuperar a visão crítica do conceito de bem jurídico.
Definiu bem jurídico como interesse humano vital, expressão das condições básicas
da vida em sociedade. Na sua opinião o conceito de bem jurídico só seria um
conceito legitimador da intervenção penal se fosse prévio à norma penal e

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descomprometido dessa mesma norma. Todavia, continuou a ter uma visão liberal
contratualista de bem jurídico, ou seja, a entender que os bens jurídicos penalmente
tuteláveis, são bens do individuo, bens individuais de liberdade. Ou seja, limita o
bem jurídico, ao chamado bem jurídico individual.

 A esta visão contrapõe-se uma outra que diz que os bens jurídicos são também supra
individuais, ou seja, coletivos ou sociais. Atualmente quer os bens individuais (vida,
integridade física, liberdade, propriedade) e supra individuais são tutelados
(ambiente, ordem económica do estado, fiscalidade).

 O conceito de bem jurídico é flexível e adaptável a diversas conceções de estado e


de direito. Um bem jurídico é o que deve ser protegido por um estado num
determinado momento. Não basta remeter para as conceções sociais dominantes,
pois é determinante o plano da ideologia e da discussão ética e também das opções
que o legislador faça quanto a prevenção da criminalidade. Essas opções
correspondem à política criminal do estado. Ou seja, temos um estado, e o legislador
olha para a realidade social, e fá-lo através da sua própria ótica em termos de
ideologia, e fazendo determinadas opções.

o A discussão ética/sociológica/ideológica é fundamental mas não resolve o


problema, pois quando o legislador recorre ao direito penal, fá-lo a luz da
política criminal. “Será melhor reprimir o crime ou prevenir?”.  por ex.:
opção pela descriminalização do aborto.

o O caso da despenalização do mero consumo de estupefacientes mas o tráfico


ser crime é um claro exemplo de política criminal. Pois o legislador
considerou que seria mais eficaz outras formas de prevenção quanto ao
consumo.

o Outro exemplo é a permissão da interrupção voluntária da gravidez até as


dez semanas de gestação. O legislador achou que a melhor maneira de
prevenir o aborto é por outras vias.

Elementos do conceito analítico de crime:


 É um comportamento humano por ação ou por omissão

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 É um comportamento humano típico, pois corresponde à previsão de uma norma


incriminatória

 É um comportamento ilícito, pois é contrário à ordem jurídica.

 Culposo, dado que o agente do crime não beneficia de uma causa de exclusão da
culpa. Ver o exemplo do artigo 35º. Ver também o artigo 24.

 Punível: exemplo, agente dispara sobre outra pessoa mas depois arrepende-se e
pede socorro. Arrependeu-se e conseguiu preservar o bem jurídico, pelo que a
ordem jurídica entende que não o deve punir – desistência da tentativa do crime,
art.24º.

 Necessidade de um referente pessoal de todos os bens jurídicos

o Um bem jurídico não deve ser um bem ou valor da comunidade em geral, ou


das pessoas em geral. Os bens jurídico penais/criminais, têm sempre de
consistir em interesses ou valores de pessoas concretas, porque ate os bens
jurídicos coletivos/supraindividuais necessitam de ter um referente pessoal.

o É necessário que todos os bens jurídicos sejam tutelados na medida do seu


referente pessoal, ou seja, da sua importância para a pessoa humana. No
entanto há duas aceções distintas de pessoa humana:

 Pessoa humana como ser individual: surge como portadora de


direitos e de liberdades individuais fundamentais.

 Pessoa humana como ser social: encaramo-la enquanto membro de


determinados grupos (ex.: grupo dos consumidores, dos
contribuintes, populações de usufruem de determinado curso de
água). Olhamo-la enquanto membro de um grupo mas também
enquanto titular de direitos económicos, sociais e culturais

o Esta dupla aceção esta na base da distinção de:

 Bens jurídicos penais individuais: tutelam interesses jurídicos da


pessoa enquanto ser individuais, enquanto portador de liberdades
individuais
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 Bens jurídico penais coletivos: respeitam aos interesses das pessoas


enquanto ser social.

o Esta dicotomia está na base de uma outra distinção entre:

 Direito penal clássico ou de justiça:

 Direito penal secundário em sentido material

o Esta distinção pode ser traçada em termos formais ou em termos materiais.

 Em termos formais vai dizer-se que pertencem ao direito penal


clássico todas as incriminações vertidas no código penal, e que o
direito penal secundário é o direito penal extravagante, contido em
leis avulsas.

 Em termos substanciais o direito penal clássico é constituído por


todas as incriminações que tutelam bens jurídicos do indivíduo, os
bens jurídico-penais individuais, sendo que as incriminações
paradigmáticas são: crimes contra a vida, integridade física,
liberdade, honra, propriedade. No direito penal secundário, chamado
direito económico grosso modo, é constituído pelo direito penal
económico, do ambiente, fiscal. Tutela os bens jurídicos coletivos ou
supra individuais  são valores ou interesses referidos à ordenação
social, política e económica. Reportam-se fundamentalmente aos
direitos económicos, sociais e culturais.

Condições mínimas de um conceito operativo de bem jurídico


 O professor Figueiredo Dias exige três características para que o bem jurídico possa
ser operativo:

o Materialidade ou congretude: significa que o bem jurídico deve traduzir um


conteúdo material, que deve ter um certo corpo, ser substantivável, para
poder ser usado na construção do direito material. O bem jurídico não pode
ser apenas um mero fim abstrato do estado, mas também não pode consistir
numa simples fórmula interpretativa dos tipos legais de crime,

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correspondente ao elemento teleológico da interpretação. Não vamos


identificar o bem jurídico com a finalidade ou a rácio da incriminação que são
os objetivos que o legislador pretende alcançar com aquela incriminação. 
isso não deve acontecer porque se assim fosse para o bem jurídico tornava-
se imprestável na categoria da construção material de crime; assim
estávamos a fazer do bem jurídico de algo inerente ao sistema positivo.

o Transcendência ao sistema jurídico-penal: o conceito de bem jurídico não


pode ser extraído dos crimes já existentes, ou seja, tem de ser transcendente,
para poder funcionar como padrão crítico das normas constituídas e a
constituir e como legitimador dos processos de criminalização e
descriminalização.

o Intra-sistematicidade ao sistema social e ao sistema jurídico-


constitucional: um bem jurídico penalmente tutelável depende do sistema
social e sistema constitucional. É o sistema social e constitucional que nos
vão dizer quais são os bens jurídicos penalmente tutelados.

Definição de Figueiredo Dias


“Expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou
integridade de certo estado, coisa ou bem socialmente relevante e por isso juridicamente
reconhecido como valioso”.

Inevitabilidade da ideologia e da discussão ética na definição de bem juridíco


penalmente tutelável
 A definição de tutela penal de bens jurídicos contra determinada forma de afetação
não deve reportar-se apenas à sobrevivência ou a manutenção de certa estrutura
social.

 A definição da necessidade de tutela penal não pode nunca ser totalmente alheia à
ideologia e à discussão ética.

 Quando falamos de ideologia pensamos numa dada conceção de estado e dos seus
fins.

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 Isto assim é porque a ética e uma necessidade humana e social e uma condição de
aceitabilidade do sistema jurídico.

 Se o bem jurídico é apenas definido pela sua funcionalidade, ou seja, pela missão
que cumpre quanto a preservação de uma dada comunidade, nós não estamos a
dizer o que é o bem jurídico-penal, estamos a dizer para que serve. Para evitar que
haja a funcionalização total do conceito de bem jurídico, nos temos de introduzir na
definição do bem jurídico, a ideologia e a discussão ética.

Impossibilidade de uma definição naturalística ou universal


 A inevitabilidade da discussão ética não nos empurra para uma definição
naturalística ou universal das necessidades individuais ou sociais. A investigação
sociológica de crime evidenciou a impossibilidade de uma definição naturalística e
universal das necessidades sociais e humanas.

Funcionalismo e auto-referencialidade dos sistemas sociais (Luhmann)


 Funcionalismo veio demonstrar que os sistemas sociais e jurídicos são auto
referenciais, ou seja, a sociedade e o direito são sistemas que constroem a sua
legitimidade a partir das suas próprias características, dos seus traços identificativos.
Isto vai implicar que os sistemas políticos e sociais se autoreferem, se auto
reproduzem, se auto perpetuam

 Esta conceção arranca da visão de Luhmann da sociedade como sistema social. A


sociedade não seria apenas um fenómeno político tal como a concebeu a tradição
aristotélica e a filosofia europeia ocidental através da teoria do contrato social. A
sociedade é um sistema por causa das funções que desempenha, designadamente a
de assegurar a interação social através da definição de condutas que podem ser
geralmente aceites. À luz de uma conceção funcionalista da sociedade a missão do
direito é a de selecionar entre as espectativas de ação geralmente aceites aquelas
que devem ser juridicamente asseguradas. Com Luhmann uma diferente visão da
sociedade dá uma diferente visão do direito. Para os funcionalistas o direito deixa
de ter uma função moral, ou imperativo político, mas sim a institucionalização de
espectativas ação na resolução dos conflitos gerados pela conduta desviante.

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 O problema da legitimidade do direito passa a limitar-se ao da sua funcionalidade,


isto é o de saber tão só quais são as funções que cumpre a criminalização de certas
condutas em termos criminais. A principal função positiva do comportamento
desviante é o transformar-se num fator de reafirmação da ordem do direito.

 Não se podem aceitar integralmente todas as consequências do funcionalismo,


substituindo o problema da legitimidade pelo da funcionalidade. O crime é o
comportamento funcionalmente desviado e portanto quando é praticado gera-se na
sociedade a expetativa de que venha a ser aplicada uma pena, para que a eficácia
da norma violada seja reafirmada.

 Funcionalidade ao sistema social do conceito de bem jurídico-penal é compatível


com a manutenção da sua função crítica: Os sistemas sociais e jurídicos
autorreproduzem-se e auto perpetuam-se, ou seja, definem a sua legitimidade a
partir dos seus traços identificativos. Assim os sistemas sociais definem os seus
comportamentos desviantes com base no seu modo de organização e nos fins que
se propõem atingir. O que é crime em cada sociedade em cada momento histórico
depende do modo em como a sociedade se organiza. O conceito material de crime
liga o comportamento humano a um comportamento socialmente desvalioso, sendo
que aponta para o conceito de bem jurídico, o conceito de interesse ou valor
socialmente relevante. O que seja um valor ou interesse socialmente relevante é
definido em função dos fins concretos da sociedade. Podemos pensar que a
descoberta da autorreferencialidade irá acabar com a possibilidade de uma visão
crítica do conceito de bem jurídico e conceito material de crime. Isso não acontece
porque mesmo num contexto de autorreferencialidade é sempre possível discutir as
decisões legais de punir na ótica dos fins sociais. Acontece que esses fins sociais não
são definidos arbitraria e unilateralmente pelo legislador ordinário, sendo que essa
definição é feita através da ação dos indivíduos, indivíduos esses que enquanto
cidadãos iguais e livres, empenhados na sua própria autorrealização,
necessariamente asseguram a autorrealização dos outros, sendo que consiste na
ideia de que eu não posso reivindicar para mim aquilo que não posso deixar de
assegurar aos outros. Não há nenhuma contradição em reconhecer a

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Teoria da Lei Penal

autorreferencialidade dos sistemas e simultaneamente a visão crítica do conceito


material de crime.

 Legitimidade democrática da decisão legal de punir e limites à verdade e à vontade


da maioria: Há legitimidade democrática na decisão de punir, mas também há
limites. À luz do conceito liberal de direito vemos que o direito deve ser um
instrumento de promoção e de proteção da igual dignidade e da igual liberdade de
todos e cada um dos cidadãos. Dentro desta perspetiva não basta que a decisão de
punir seja democraticamente tomada e conforme ao modo de organização da
comunidade e aos seus fins. Ora, não é legitimamente crime tudo aquilo que uma
certa maioria no quadro de um dado equilíbrio político determina como tal. Ou seja
o procedimento democrático de definição dos fins sociais e das condutas puníveis
não legitima todo e qualquer conteúdo da incriminação. Há limites à verdade e à
vontade da maioria.

o A democracia autêntica só é possível num estado de direito e sobre a base


de uma reta conceção da pessoa, isto é, uma conceção da pessoa como fim
em si mesma, e portanto impede a realização da pessoa humana a quaisquer
fins sociais. Esta democracia autêntica exige a aceitação convicta dos
próprios valores que inspiram os princípios democráticos, e esses valores
são:

 Dignidade da pessoa humana

 O respeito pelos seus direitos

 Bem comum como fim e critério regulador de toda a ação política,


sendo certo que o bem comum é o bem de todos mas também é o
bem de cada um. E se assim é podemos dizer que ninguém deve ser
deixado para trás na busca do bem comum.

o A história revela que uma democracia sem valores se converte facilmente


num totalitarismo. A democracia é um determinado procedimento de
tomada de decisões, e sendo essencialmente um procedimento, a
democracia é um mero instrumento que está ao serviço da realização plena

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Teoria da Lei Penal

e integral de toda e qualquer pessoa. Daqui resulta que o caráter moral da


democracia depende do respeito absoluto da dignidade da pessoa humana,
da moralidade dos fins que persegue e dos meios que usa. Com isso a
democracia não é um fim em si mesma, é apenas um meio

o A conclusão é que deverá ter-se por ilegítima toda a decisão legal de punir
adotada na sequência de um procedimento democrático, mas cujo conteúdo
implique a instrumentalização do individuo à realização de fins sociais, a
negação, diminuição ou rebaixamento da sua dignidade.

o Ideia de um direito penal do inimigo está na base de Guantánamo, que tem


por base a incriminação com base na mera suspeita. É este direito que
suporta o uso da tortura para que obtenha confissões de crimes. Este direito
está em contra ponto com o direito penal do indivíduo, que de acordo com
Gunther Jakobs seria o direito penal do homem cumpridor e fiel ao direito, e
respeitaria integralmente todos os princípios constitucionais e democráticos,
de um direito penal próprio do estado de direito, que asseguraria todas as
garantias do processo penal. O tal direito penal do inimigo seria definido não
em função de comportamentos ofensivos de bens jurídico penais, mas sim
seria um direito penal do agente, ou seja, não seria em função do que a
pessoa faz mas sim do próprio agente; neste caso já não haveria respeito dos
princípios democráticos e das garantias. No estado de direito democrático
só se pode submeter alguém a uma pena quando há uma lesão intolerável
de dado bem jurídico, sendo que isso não depende do agente em si (não
interessa ser vadio, mendigo ou drogado). Ora o direito penal do inimigo é
o direito penal do agente, da suspeita, da antecipação desmesurada da tutela
penal para a fase dos atos preparatórios de supostos crimes, e de não
asseguramento das garantias do processo penal (direito de audiência,
presunção da inocência do individuo).  Jakobs acha que num estado de
direito democrático podem consistir estes dois direitos, no entanto é difícil
que o direito penal do cidadão não seja contaminado pelo direito penal do
inimigo, e portanto há um largo setor da doutrina que se insurge contra este
direito penal do inimigo
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Teoria da Lei Penal

 Necessidade de incluir uma racionalidade comunicativa/argumentativa ao nível do


conceito material de crime, da decisão legal de punir e da aplicação do direito
penal: Com isto pretende-se dizer que o conceito material de crime não pode
desempenhar uma função crítica das decisões legais de punir se esse conceito
permanecer agarrado a uma racionalidade puramente jurídica imanente ao sistema
penal positivo aos seus valores e fins. O conceito material de crime exige uma
racionalidade comunicativa ou argumentativa. Essa racionalidade comunicativa/
argumentativa tem várias características:

o Assenta no diálogo em busca de consenso entre cidadãos livres e iguais,


empenhados na sua auto realização. Exige o efetivo respeito pela igual
liberdade de todos e cada um.

o Constante imbricação/ interferência da realidade social com o direito, na


medida em que a realidade social é instrumento de interpretação do direito
existente e é também instrumento da sua reconstrução valorativa das suas
soluções e dos seus valores.

o A racionalidade argumentativa trás para o âmbito do sistema jurídico


positivo racionalidades sociais extrajurídicas. Por exemplo, a racionalidade
da própria linguagem social, da ética social, da valoração social dos modos
de comportamento voluntários e das suas motivações. Tendo em conta as
características de dado agente e as circunstâncias concretas da sua atuação,
os conhecimentos que tinha e as suas motivações, é a luz de tudo isto que eu
consigo definir à luz do direito se o comportamento é doloso ou negligente,
dado que o julgador não tem acesso à cabeça do agente.

o A racionalidade comunicativa vai assentar na reconstrução das soluções do


sistema penal positivo através das regras socialmente aceites e através de
conhecimentos científicos sobre o comportamento e a mente humana, sobre
o crime e as suas causas, sobre os processos de decisão e de formação de
vontade, ou seja, precisamos de conhecimentos da antropologia, da
sociologia, da criminologia, da psicologia, da psiquiatria, e das neurociências.

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Teoria da Lei Penal

o A racionalidade comunicativa é incompatível com o conceito estático,


universal e imutável do crime, pois assenta num diálogo democrático,
histórica e culturalmente situado acerca das soluções e dos valores do
sistema penal positivo.

o A racionalidade comunicativa aponta para uma validação material e


discursiva do direito, tanto ao nível da decisão legal de punir como no plano
da atribuição de responsabilidade criminal a um agente em concreto.

O princípio da necessidade da pena, as duas exigências do nº2 do artigo


18º da CRP e os limites negativos constitucionalmente impostos do ilícito
penal:
 Este artigo na sua primeira parte quando aplicado ao direito penal e ao conceito
material de crime vem dizer que a lei só pode restinguir os direitos, liberdades e
garantias nos casos expressamente previstos na constituição  ideia de dignidade
punitiva ou merecimento de pena. Na segunda parte refere-se à ideia de carência
ou necessidade de pena.

o Quanto à interpretação da primeira parte resulta que os bens jurídico penais


têm que ser de algum modo bens jurídico constitucionais. Ou seja, os bens
jurídicos tuteláveis são aqueles que têm um referente expresso ou implícito
nos direitos e deveres fundamentais das pessoas. Quanto a esta questão,
Figueiredo Dias crê na eficácia da constituição na delimitação dos bens
jurídico penais tuteláveis e vai dizer que entre a ordem legal do bens jurídico
penais e a ordem constitucional de valores tem de haver uma relação de
mútua implicação. Ou seja, a partir do elenco dos direitos, liberdade e
deveres fundamentais e a partir dos princípios que regem a ordem politica,
social e económica é possível extrair os bens jurídico penalmente tuteláveis.
Esses bens não devem ser protegidos contra toda e qualquer forma de
afetação. É preciso que se tratem de bens jurídicos com referente
constitucional, mas também que as condutas que contra eles atendem seja
revestida de uma gravidade ético-social capaz de legitimar a intervenção do
direito penal.

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Teoria da Lei Penal

o Intervenção penal justifica-se quando não existem outros meios adequados


por parte do estado de prevenção ou controlo para por fim aquelas condutas
 necessidade ou carência de pena. O direito penal não deve intervir para
por fim a condutas que possam ser evitadas através do direito de mera
ordenação social, ou se possam ser adequadamente prevenidas pelo direito
civil. Foi essa lógica que levou por exemplo à descriminalização de cheque
sem provisão fora do crime de burla. O problema é que o juízo da carência
de pena é iminentemente político e iminentemente prático, sendo que é o
legislador com uma larga margem de discricionariedade que vai decidir
quando é que a intervenção penal é mesmo necessária. Daí ser
necessariamente importante o princípio da proporcionalidade.

Síntese quanto ao conceito material de crime


O conceito material de crime é expressão dos princípios constitucionais do direito penal
por isso, esse conceito exprime as características que à luz desses princípios
constitucionais as condutas devem possuir para poderem ser classificadas como crime.
Assim do conceito material de crime resultam as seguintes exigências quanto às
condutas que possam ser classificadas como crimes:

 A incriminação dessa conduta deve ser indispensável para a tutela de bens jurídicos
essenciais.  Princípio da necessidade da pena;

 A conduta incriminada deve possuir uma ressonância ética negativa que lhe permita
ser o suporte de um juízo de culpa ético-jurídica.  Princípio da culpa;

 A criminalização resultante sempre de uma lei em sentido formal deve reunir o


consenso da comunidade. Neste ponto o conceito material de crime liga-se ao
princípio da legalidade que tem por um lado uma vertente formal e por outro uma
vertente material.  princípio da legalidade

o O princípio da legalidade penal exprime-se numa reserva de lei em sentido


formal. Artigo 165 nº1 c) CRP estabelece uma reserva relativa de
competência legislativa da Assembleia da República no que respeita à

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Teoria da Lei Penal

definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respetivos


pressupostos.

o O princípio da legalidade tem também uma vertente material pois só a


Assembleia da República ou o Governo podem democraticamente definir as
condutas que podem ser crimes, apelando a ideia de consenso da
comunidade.

 O conceito material de crime é o chamado topos argumentativo, sendo que a sua


função é a de evitar a excessiva politização do direito penal. Isto porque o conceito
material de crime aponta para a necessidade de um processo argumentativo que
demonstre a pertinência de toda e qualquer nova incriminação.

 O conceito material de crime tem desde logo duas vertentes:

o Exige a dignidade do bem jurídico penalmente tutelado, ou seja, a dignidade


penal do bem a tutelar pelo direito penal.

o E também a dignidade punitiva da própria conduta incriminada por lesar ou


colocar em perigo esse bem jurídico.

 Implica também a exigência de necessidade ou carência de tutela penal.

 Para a professora Fernanda Palma o conceito material de crime admite outra


exigência quanto à estrutura dos comportamentos que podem servir de base à
incriminação. No que respeita a estrutura dos comportamentos que estão na base
da imputação, isso tem de obedecer a uma série de características:

o Têm de tratar-se de ações claramente identificadas/delineadas. Não pode


nunca tratar-se de meros estados de coisas ou um mero estilo de vida. A
questão de o objeto de incriminação ser um mero estado de coisas é uma
coisa muito nítida quando se discute a criminalização do enriquecimento
ilícito, ou seja, a posse injustificada de riqueza. Na base na incriminação não
pode estar também um mero estilo de vida, como o ser vagabundo, mendigo,
rufia.

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Teoria da Lei Penal

o Tem de tratar-se de condutas com apetência causal para lesar ou colocar


em perigo os bens jurídicos em causa. Só relativamente a condutas com
potencialidade lesiva ou apetência causal para colocar em perigo bens
jurídicos, só essas condutas podem ser evitadas pelos destinatários das
normas. Ora as pessoas controlam os efeitos do seu comportamento e
portanto eu só posso proibir as pessoas a realização de algo que elas podem
controlar e por consequente escolher não realizar. Só quando a norma penal
proíbe uma conduta que cai na esfera de domínio do seu destinatário é que
a norma penal pode cumprir a sua função preventiva de realização de
condutas.  a norma do artigo 131º desempenha duas grandes funções

 E uma norma de valoração, pressupõe um juízo prévio quanto a


relevância criminal da vida, a sua dignidade punitiva.

 Ora este artigo é uma norma de valoração quanto a relevância


imprescindível do bem jurídico e quanto a danosidade social
insuportável dos comportamentos lesivos da vida humana.

 Ora, mas a parte da norma que diz a sanção, orienta os destinatários


no sentido de não cometerem homicídios

 As normas orientadoras são valorativas ou de orientação de condutas.

 Deste modo a norma incriminadora só pode orientar os destinatários para a não


realização das condutas se caírem na esfera de domínio dos seus destinatários.
 ex.: A e B estão numa piscina e o A empurra B para piscina sendo que este
ultimo cai para cima de C sendo que lhe provoca ofensas à integridade física.
Então é B que é responsabilizado? Não porque não tinha nenhuma possibilidade
de controlo pela sua conduta. Quem é responsabilizado é o A.  ou seja, ideia
de que não há possibilidade de responsabilização quando não há controlo no
comportamento.

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Teoria da Lei Penal

o CONCLUSÃO: tem de ser ações claramente delimitadas e com a apetência


causal de violação do bem jurídico.

 É sempre que acusa que tem o ónus de provar os elementos constitutivos do crime.

Síntese quanto a dignidade punitiva de conduta (artigo 18/2 1º parte)


É uma categoria essencialmente valorativa e traduz-se na análise da coerência de uma
dada decisão punitiva com um determinado sistema de valores, sendo que o sistema de
valores que nos interessa desde logo é a ordem dos valores jurídico-constitucionais, ou
seja a ordem axiológica jurídica constitucional de um estado de direito democrático. A
dignidade punitiva implica a dignidade penal do bem jurídico a tutelar pela sua
referência expressa ou implícita à ordem de valores jurídico-constitucional. Mas a
dignidade punitiva implica também é a dignidade penal da própria conduta que atenta
contra esse bem jurídico, ou seja, tem de tratar-se de uma conduta dotada de uma
elevada e insuportável danosidade ética e social para esse bem jurídico. A dignidade
punitiva tem também uma dimensão negativa e uma dimensão positiva:

o Na dimensão negativa, a dignidade punitiva significa que a incriminação não


pode constituir ela própria um modo de limitar um direito fundamental. 
deparamo-nos com este problema quando vimos a dignidade constitucional
dos atos homossexuais com adolescentes. Verificamos que essa incriminação
nos termos em que estava descrita implicava a violação de uma liberdade da
própria vitima, ou seja, a liberdade de escolha da sua orientação sexual. 
ou seja, esta incriminação limitava desde logo uma liberdade da própria
vítima. Isso resulta do artigo 18 nº3 (ultima parte) da CRP.

o Na sua dimensão positiva, a dignidade punitiva exige que a incriminação se


dirija à proteção de bens jurídicos essenciais que são constitutivos da razão
de ser do próprio estado, ou seja, têm de estar em causa condições essenciais
da liberdade da pessoa ou condições essenciais do funcionamento do estado
de direito democrático.

 Para a professora Fernanda Palma, a dignidade punitiva da conduta implica a


demonstração empírica através do funcionamento da sociedade, da necessidade da

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Teoria da Lei Penal

incriminação para fazer face a um problema de desproteção de bens ou direitos


essenciais.

Síntese quanto à necessidade ou carência de pena (artigo 18/2, 2ª parte,


da CRP)

Enquanto a dignidade punitiva é uma categoria essencialmente valorativa que permite


avaliar a coerência de uma decisão de punir com um sistema de valores. A necessidade
ou carência de pena corresponde a uma categoria final ou funcional, ou seja, orientar
para os próprios resultados, os chamados out puts, os resultados da própria intervenção
penal em termos de adequação aos fins que a intervenção penal pretende realizar.

 Ao nível deste juízo de carência ou necessidade de tutela penal, há os tais dados


empírico- criminológicos que tem de ser levados em conta pelo legislador, pois é
deles que resulta a escolha entre alternativas penais ou não penais da tutela de
certos bens jurídicos.

 Não esquecer que estamos a falar de carência de tutela penal que já está dotada de
merecimento penal. O que vamos ver é se há necessidade de intervenção do direito
penal, que é um problema posterior à definição da dignidade punitiva da conduta
 manifestação do principio de subsidiariedade e de ultima ratio do direito penal.
A exigência de tutela de direito penal decorre do princípio da proporcionalidade que
é inerente ao estado de direito democrático  isto significa que as sanções penais
são as mais gravosas de que um estado dispõe, então elas só podem ser utilizadas
quando sejam proporcionais, isto é, quando a restrição da liberdade que implicam
seja proporcional à gravidade da conduta e quando não existam outros meios de
politica social que de uma forma eficaz e adequada previnam aquelas condutas.

 A carência da tutela penal:

o Implica um juízo de necessidade de tutela penal por ausência de alternativa


idónea e eficaz de tutela não penal.

o Implica um juízo de elevada adequação da intervenção penal aos fins de


proteção que pretende alcançar

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Teoria da Lei Penal

o Implica um juízo de proporcionalidade estrita ou de proibição do excesso,


ou seja, a intervenção penal deve limitar-se ao necessário e ao adequado à
finalidade de proteção sem implicar custo desmesurados em termos de
sacrifícios de outros bens jurídicos, nomeadamente do direito a liberdade

o A intervenção penal deve ser eficaz na repressão e na prevenção das


condutas em causa evitando efeitos colaterais que anulem ou contrariem as
vantagens da incriminação. sua eficácia e produzindo ainda mais danos
(aumenta a criminalidade)

 A dignidade e carência de tutela penal também são tipos gerais de interpretação e


de possível redução teleológica dos tipos de crime. Ou seja, o tipo legal de crime
descreve o ilícito que é digno e carente de tutela penal. Mas se assim é, a dignidade
punitiva e carência de tutela penal, transformam-se ou são momentos essenciais na
determinação do sentido do tipo legal de crime, o que faz delas então critérios de
interpretação dos tipos legais de crime, podendo conduzir à redução teleológica dos
tipos legais já existentes (crime de lenocínio é um claro exemplo).

 Há autores que além desta ideia da dignidade punitiva e da carência da tutela penal
como redução teleológica, avançam o princípio vitimológico (Schunemann)  é um
critério geral de interpretação dos tipos e redução teleológica, sendo que os
instrumentos do direito penal não devem intervir quando não se verifica uma
situação de carência de tutela penal da vitima, portanto, que o direito penal não
deve intervir quando a própria vitima não assumiu a auto tutela possível e exigível
dos seus próprios bens jurídicos, uma auto tutela que lhe era possível ou até exigível.

Criminalizações explícitas/implícitas na constituição


 Há algumas soluções raras em que a Constituição impõe ao legislador ordinário a
proteção penal de determinados bens jurídicos. Nestes casos o legislador ordinário
está obrigado a cumprir essas determinações sob pena de inconstitucionalidade por
omissão. Apesar disto, o legislador constitucional concede uma ampla margem de
discricionariedade no que respeita ao âmbito exato da incriminação, quanto a
espécie das sanções aplicadas e quanto à sua medida. Um exemplo claro de uma

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Teoria da Lei Penal

imposição constitucional implícita de uma criminalização é do artigo 117 nº 1 e 3,


que tem por base a criminalização de titulares de cargos políticos.

 A questão mais complicada é de saber se há criminalizações constitucionais


implícitas: entendimento de que fora dos casos das imposições explícitas, não
existem imposições implícitas, pois não pode pensar-se que da consagração de um
dado valor que integre um direito ou dever fundamental, não decorre sem mais a
exigência de criminalização dos comportamentos que atentem contra este valor,
porque a essa criminalização automática impõe-se o princípio da necessidade de
intervenção penal ou carência de tutela penal.  o principio da necessidade ou da
carência de pena é gerido pelo legislador ordinário e só em casos gritantes é que
este principio pode ser constitucionalmente sindicado ou fiscalizado. Só em caso
de violação evidente da dignidade punitiva, ou do princípio da igualdade e também
da violação inequívoca do princípio da proporcionalidade em sentido estrito
(quando há uma desproporção evidente entre a muita ou pouca gravidade da
conduta proibida e a sanção para ela aplicada).

 A professora Fernanda Palma diz que não há direito à segurança de bens, valores ou
direitos constitucionais que deva ser realizado pelo direito penal. A carência da
tutela penal aponta para uma dimensão empírica do princípio da dignidade da pena
e não uma dimensão valorativa como está em causa na dignidade punitiva, está em
causa um juízo político e prático de escolha entre alternativas penais e não penais
de bens jurídicos criminalmente tuteláveis.

 Multiculturalismo e função de consenso e de integração de diferentes


mundividências da Constituição de um Estado de Direito Democrático: Além do
princípio da necessidade da intervenção penal, a inexistência de imposições
criminais implícitas na CRP depende de diferentes mundividências da constituição
de um estado de direito democrático. A constituição de um estado de direito
democrático tem de abrir-se a um multiculturalismo. A decisão de criminalizar não
pode corresponder a uma dominação cultural nem à imposição de uma
mundividência, ou seja de uma visão do mundo, à custa do esmagamento de
outras visões do mundo. No próprio plano constitucional, a tutela de um bem

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Teoria da Lei Penal

jurídico não pode fazer-se através de uma escolha entre valores absolutos
dicotómicos, por exemplo, na questão da interrupção voluntaria da gravidez, a tutela
constitucional não pode decidir-se num plano entre direito a vida, direito de dispor
do próprio corpo, liberdade de maternidade, direito a privacidade da mulher.

o Nesta matéria há uma questão que tem de ser resolvida, relativamente a


questão do aborto na fase inicial da gestão: nesta matéria como é que o
direito penal pode intervir sem ceder a uma lógica de dominação cultural?
Numa sociedade que integra diferentes perspetivas culturais e religiosas, a
conformação desta não pode ser pretexto para uma dominação cultural.

o Uma última razão para não existirem criminalizações implícitas é: dizer que
essas implicações existem é aderir a uma conceção puramente retributiva
da cominação e aplicação de sanções criminais. À luz desta conceção, a pena
criminal é um mal que se tem de forçosamente de impor como consequência
de um mal praticado. Ora, a cominação e aplicação de sanções criminais não
perseguem quaisquer finalidade de prevenção geral ou especial. A luz de
uma conceção retributiva da pena a intervenção penal não tem de reger-se
por:

 Necessidade

 Adequação

 Proporcionalidade

 Eficácia

 Máxima restrição do Direito Penal, movimentos de descriminalização e processos


de neocriminalização: Quando se considera que a função do direito penal é a de
tutela subsidiária, de última rácio, de bens jurídicos essenciais, então desta ideia
central decorre um princípio fundamental de política criminal  é o princípio de
que o estado e o seu aparelho formalizado de controlo do crime devem intervir o
mínimo possível e na medida estritamente necessária ao asseguramento das tais
condições essenciais de liberdade da pessoa e de funcionamento do estado de
direito democrático. Este princípio de política criminal vai causar por um lado a
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Teoria da Lei Penal

movimentos de descriminalização de condutas e por outro lado processos de


neocriminalização

o À luz do movimento de descriminalização devem ser banidos do Direito


Penal todos os comportamentos que não acarretem lesão ou perigo de
lesão para um bem jurídico claramente definido/ delimitado. À luz desse
movimento também devem ser banidos do direito penal todos os
comportamentos que apesar de atentarem contra um bem jurídico
claramente delimitado, todavia podem ser contidos e controlados por meios
não penais de política jurídica (intervenção de outros ramos do direito sem
ser o Direito Penal) ou de política social (educação social, campanhas de
promoção de comportamento). É o movimento de descriminalização que
está na origem do direito de mera ordenação social.

o Como é evidente se a função do Direito Penal é a de tutela subsidiária de


bens jurídicos fundamentais, por um lado pode abrir-se a movimentos de
descriminalização mas por outro lado a processos de neocriminalização,
que surgem quando fenómenos sociais até então inexistentes, muito raros,
ou socialmente pouco significativos revelam um surgimento de novos bens
jurídicos ou de novas manifestações de direitos já anteriormente
reconhecidos. Exemplo muito claro destes fenómenos sociais pouco
significativos mas que foram trazidos para primeiro plano é a violência
doméstica, maus tratos de pessoas dependentes e pornografia infantil, são
fenómenos que existem desde que há sociedade humana, no entanto a
evolução social trouxe-os para primeiro plano, dando-lhes relevância.

A opção de não punibilidade da interrupção voluntaria da gravidez nas primeiras 10


semanas de gestação
 Em matéria de interrupção voluntária da gravidez pode haver:

o Método de prazos: no nosso CP no artigo 142º nº1 e) temos um sistema de


prazos, pois a interrupção voluntaria tem só como base o período de
gestação do feto.

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Teoria da Lei Penal

o Método de indicações: depende a interrupção voluntaria da gravidez da


prova de várias circunstancias que justificam no plano racional valorativo, a
realização da interrupção voluntaria gravidez. As situações típicas são as
descritas no artigo 142 nº1 a) CP.

o Método misto de indicações e de prazos: o artigo 142 nº1 b) que combina


as indicações com os prazos. Tal também está presente no mesmo artigo na
alínea c), primeira parte; alínea d) também consagra um sistema misto

 A pronúncia pela inconstitucionalidade de um puro método de prazo do pelo


Tribunal Constitucional alemão: O Tribunal Constitucional alemão pronunciou-se
apenas sobre o sistema de prazos que no seu ver seria inconstitucional. Entendeu
que o legislador ordinário não está autorizado a renunciar completamente à tutela
penal da vida intra uterina ainda que numa fase inicial da gestação. O legislador
ordinário está obrigado a usar o Direito Penal para a tutela da vida intrauterina
quando proteção dessa vida imposta pela constituição não possa ser alcançada de
outra forma  ou seja, há uma imposição constitucional de criminalização e punição
da interrupção voluntaria da gravidez e que essa punição deve ser realizada a todo
o custo mesmo que na prática tal punição se venha a revelar ineficaz ou até
desproporcional.

 Esta tese foi refutada por Figueiredo Dias, Fernanda Palma e também não foi
sufragada pelo TC português.  o que está em causa no nosso sistema atual não é
uma descriminalização mas sim uma despenalização. A interrupção voluntaria da
gravidez nas primeiras 10 semanas de gestação realiza o tipo legal de crime previsto
no artigo 140 nº3 CP, portanto não há uma descriminalização do aborto nestas
situações. Continua a ser crime porque é um facto típico, sendo que o artigo 142º
resulta apenas de uma opção de não punir um facto que à partida é um crime.

 Que argumentos foram usados por Figueiredo Dias?

o Está sempre na competência do legislador ordinário dentro dos limites do


princípio da proporcionalidade em sentido estrito decidir se a tutela de vida

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Teoria da Lei Penal

intra uterina será melhor realizada através da restrição da punibilidade e da


compensação dessa restrição por meios não penais de politica social.

o Há aqui uma primazia política do legislador ordinário que prepondera sobre


um qualquer direito geral à segurança dos valores constitucionais, e sobre
um qualquer dever de tutela penal desses valores constitucionais. Artigo 24º:
a vida humana, incluindo a vida intra uterina parece ser um valor
constitucional.

o Há quem entenda que como o artigo 24º esta integrado no titulo DLG, este
só dá o direito a vida à pessoa formada e não ainda a pessoa em formação.
 nunca foi esta a interpretação do TC português, pois este refere vida
humana como referente a pessoas já nascida ou ainda não nascidas.

o Figueiredo Dias acha que esta no âmbito da discricionariedade do legislador,


este pode optar por restringir o âmbito da punição do aborto se essa
restrição for compensada por meios não penais de tutela da vida
intrauterina. Esta linha de argumentação foi adotada pelo TC português.

o Fernanda Palma defendeu a despenalização da interrupção voluntaria da


gravidez com uma fundamentação diversa  Considera que a punição
obrigatória e absoluta do aborto colide com a função de consenso e
integração de diferentes mundividências que deve ser desempenhada pela
Constituição de um estado de direito democrático. Portanto admite que a
despenalização relativa da interrupção voluntaria da gravidez se justifica
perante um modo alternativo de tutela intrauterina. Em seu entender a
despenalização do aborto só será constitucional se cumprir determinadas
condições, desde logo se existirem comissões de ética bem estruturadas
nesta matéria, comissões que definam os procedimentos a adotar pelos
profissionais de saúde que realizam a interrupção voluntária da gravidez, que
assegurem o seu direito a objeção de consciência dos profissionais de saúde,
e comissões de ética que não deixem de ponderar a necessária tutela da vida
intrauterina. A segunda condição de despenalização é a existência de
políticas sérias de apoio material e moral às mulheres em risco de abortar.
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Teoria da Lei Penal

Além disso ela invoca um outro argumento, que é o argumento da


legitimidade ética ou da dificuldade ética de condenar em concreto as
mulheres que recorrem ao aborto porque nessa condenação absoluta vai
alguma hipocrisia na medida em que nessa condenação se esquece que a
nossa sociedade não é uma sociedade solidária e portanto não é uma
sociedade que proporcione condições sociais, económicas e morais para
acolher uma vida nova. A não condenação em concreto das mulheres que
abortam não implica nem deve implicar renúncia à tutela estatal da vida intra
uterina. Ideia de que a condenação da vida intra uterina não resulta da
punição do aborto mas das condições económicas, sociais e culturais que
levam as mulheres a recorrer ao aborto.

Direito penal como ramo do direito


 Delimitação do direito penal relativamente aos outros ramos do direito: o direito
penal carateriza-se por uma legitimação constitucional quer no que respeita as
normas penais, ou seja quer ao aspeto processual ou substancial. No que respeita à
sua criação há desde logo um controlo constitucional do sistema de fontes da
interpretação das normas penais e da integração de lacunas das normas penais.
Além do controlo do sistema de fontes da integração e da integração, o próprio
conteúdo das normas penais, os fins da sua aplicação e as finalidades da cominação
e aplicação de sanções penais sujeitam-se a observância de um conjunto de
princípios constitucionais do direito penal. Ao lado dos princípios constitucionais são
argumentos legitimadores da incriminação as exigências de relevo ético prévio das
condutas, a exigência de consenso e de proteção de bens jurídicos. Por isso quando
qualificamos uma determinada norma legal como sendo penal isso imediatamente
trás a colação um conjunto de princípios constitucionais de direito penal-
paralelamente quando procuramos saber se uma dada regra legal é uma norma
penal e se o ilícito tem uma natureza penal a resposta a estas questões implica
considerar os princípios constitucionais do direito penal. Também quando
preguntamos se uma norma é penal ou não, eu só posso responder se a avaliar face
aos princípios constitucionais do direito penal.

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Teoria da Lei Penal

 O direito penal como um ramo do direito público: é evidente que o direito penal é
expressão do ius puniende do estado e cabe-lhe delimitar os fundamentos e as
condições de uma intervenção estatal na esfera dos particulares, intervenção essa
que corresponde a um exercício do poder punitivo. Portanto o objeto do direito
penal é a relação jurídica punitiva pela qual os indivíduos que praticam certos factos
ficam sujeitos à aplicação de uma pena pelo estado. Como qualquer outro ramo do
direito público, o direito penal carateriza-se pelo princípio da subordinação e não da
igualdade entre os sujeitos da relação jurídica. A violação dos particulares dos
deveres jurídico penais, fá-los incorrer em responsabilidade perante a sociedade e
essa violação lesa também interesses do estado. As normas penais aplicam-se
exclusivamente através do processo penal. Ora, o processo penal assenta numa
relação jurídica de direito público que se estabelece entre o estado representado
pelo ministério público e os particulares, particulares esses que são tanto o agente
do crime como o ofendido ou lesado pelo crime. Todos estes aspetos reforçam a
caraterização do direito penal como parte do direito público. Apesar do direito penal
ser um direito público os seus princípios distinguem-se dos princípios que valem para
outros ramos do direito público. Distinguem-se desde logo dos princípios que valem
para o direito administrativo, onde vigora o princípio da prevalência do direito
público e a atribuição de uma posição de sensível superioridade do estado
relativamente aos particulares, que se demonstra na presunção de legalidade dos
atos administrativos. Diferentemente a especificidade da função punitiva impõe a
atribuição de especiais garantias aos destinatários da norma penal tanto no plano
substantivo como no plano processual. As garantias do processo penal estão vertidas
no artigo 32º do Código Penal que contem diversas regras quanto a estrutura do
processo penal: direito de defesa e de audiência do arguido e presunção de
inocência (até ao transito em julgado da sentença condenatória vigora a presunção
de inocência do arguido), o que está nos antípodas do princípio da legalidade dos
atos administrativos. CONCLUSÃO: direito público sim, mas com especificidades.

 Direito penal e o direito disciplinar da função pública: o direito público


sancionatório é constituído pelo direito penal, pelo direito de mera ordenação social
e pelo direito disciplinar da função pública. O direito disciplinar da função pública,
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Teoria da Lei Penal

distingue-se do direito disciplinar dos trabalhadores em regime de contrato


individual de trabalho, porque este direito disciplinar dos trabalhadores em contrato
individual de trabalho rege-se por normas de direito privado. O direito disciplinar da
função pública visa a boa execução pelos funcionários e agentes do estado das suas
tarefas, e traduz-se na sanção da violação dos seus deveres funcionais. O ilícito
disciplinar da função pública consiste na violação da confiança interna da
administração no funcionário, mas ao lado dos ilícitos disciplinares da função pública
há crimes de funcionários públicos  quando um funcionário público no exercício
das suas funções pratica um crime, além da violação da confiança interna da
administração no próprio funcionário, há sempre uma perturbação externa da
autoridade do estado, ou seja, existe um ilícito disciplinar e um ilícito criminal. Estes
casos são complicados porque os mesmos factos vão suscitar responsabilidade penal
e responsabilidade disciplinar. Há na constituição, o artigo 29 nº5 CRP que consagra
o princípio do non bis in idem, ou seja, que não se pode ser julgado duas vezes pela
prática do mesmo ato. Então aqui há um problema a resolver, pois temos que provar
que não há violação do non bis in idem, pois os mesmos factos vão suscitar
responsabilidade penal e disciplinar  temos de provar que há violação de deveres
distintos e por consequente os factos também são distintos, ou factos jurídicos
distintos. Por um lado temos o dever de não lesar bens jurídico penais que subjaz à
norma incriminadora e por outro temos o dever de respeitar as obrigações
funcionais que é próprio das normas do direito disciplinar. Portanto temos de
demonstrar que o ilícito disciplinar é algo qualitativamente diferente do ilícito
criminal, porque se pensarmos apenas que o ilícito criminal é um ilícito mais grave
mas da mesma espécie, então violamos o non bis in idem. É claro que cada vez que
um funcionário comete um crime há responsabilidade penal além da disciplinar,
dada a quebra de confiança interna, mas temos de ter em ter em atenção o artigo
30 nº4 da CRP que diz que nenhuma pena tem por efeito automático a privação de
direitos civis, políticos  a sanção disciplinar não pode ser efeito automático da
aplicação de uma sanção criminal ao funcionário público. Para que não haja essa
automaticidade, é preciso que a aplicação de sanções disciplinares seja decidida
num processo distinto da competência da administração no qual se vai averiguar

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Teoria da Lei Penal

qual a sanção disciplinar concretamente aplicada, sendo que dessa decisão cabe
recurso contencioso para os tribunais administrativos. O que pode ser aplicado no
processo criminal ao funcionário que cometeu um crime no exercício de funções
públicas é ao lado da pena principal, uma pena acessória de perda de exercício de
função, que nunca será automática como efeito de uma pena principal.

Direito de mera ordenação social


 Até 2006 havia três tipos de infrações: crimes, contraordenações, contravenções ou
transgressões da ordem. O DL nº 400/82 colocou em vigor o código penal, sendo que
esse DL tinha dois artigos relevantes neste âmbito: o artigo 6º revogava o anterior
CP à exceção as normas relativas a contravenções, o artigo 7º vinha dizer que se
mantinham em vigor normas do direito substantivo e processual relativas as
contravenções.
 Esta situação é estranha porque já tínhamos em Portugal o ilícito de mera ordenação
social, sendo que este surgiu no âmbito de um movimento de descriminalização.
Assim desde 1979 tínhamos, crimes, contraordenações e contravenções.
 Quando o legislador criou o ilícito de mera ordenação social assumiu implicitamente
o compromisso de não criar mais nenhuma contravenção, sendo que as infrações
futuras deveriam ser reconduzidas ao direito penal ou ao direito de mera ordenação
social. Quanto às contravenções existentes havia o compromisso implícito de as
analisar uma a uma e perceber quais eram aquelas que deviam ser reconduzidas ao
Direito Penal e quais aquelas que deviam ser reconduzidas ao direito de mera
ordenação social.
 O Código Penal de 1982 revoga tudo menos as contravenções (estranha situação!) e
só em 2006 é que finalmente terminaram as contravenções em Portugal, sendo que
as que restavam foram reconduzidas ou ao Direito Penal ou ao Direito de Mera
Ordenação Social.

 Numa primeira abordagem sabemos que os crimes têm de ser dotados de uma
prévio relevo ético que tem que ver com a sua danosidade ético-social e com o
facto de atentarem contra bens jurídicos fundamentais. Por oposição aos crimes
surgem as contra ordenações que são ilícitos administrativos e em princípio

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Teoria da Lei Penal

reportam-se a condutas ético socialmente neutras, consistindo num ilícito de


simples violação da ordem, ilícito esse que é criado pela própria proibição legal 
portanto distinguem-se dos crimes segundo três critérios:

o Natureza do ilícito: a contraordenação é um ilícito administrativo, uma


simples violação da ordem.

o Quanto às sanções: as sanções do direito penal são privativas da liberdade


porque o Direito Penal cumina penas de prisão, ou mesmo quando prevê
penas alternativas nós já sabemos que se a multa não é paga
voluntariamente o agente vai cumprir prisão subsidiária. No ilícito de mera
ordenação a sanção caraterística é a coima que é uma sanção pecuniária que
em caso de incumprimento não é convertível em prisão, pois quando não é
paga é executado o património do devedor, sendo que não há prisão
subsidiária  artigo 89º DL 433/82.

o Especificidades processuais: o direito penal é aplicado através do processo


criminal que se sujeita a especiais garantias assegurando os direitos do
arguido e a sua presunção de inocência, artigo 32º CRP. No direito de mera
ordenação social, o processamento das contraordenações e aplicação das
coimas é da competência das autoridades administrativas com poder de
supervisão/fiscalização das atividades em cujo exercício são cometidas as
contraordenações, sendo que isto resulta dos artigos 33º, 55º, 59º DL
433/82. Ou seja no processo contraordenacional há uma primeira fase
administrativa em que a investigação e aplicação da coima é realizada pela
autoridade administrativa, sendo que as decisões proferidas são suscetíveis
de impugnação judicial, e assim sendo passa-se a um processo judicial em
que o CPP é legislação subsidiária  artigo 41

 Portanto, o que são então contravenções? São materialmente ilícitos de mera


ordenação social. Através das contravenções assegura-se uma proteção antecipada
e contra perigos indeterminados de bens jurídicos. Todavia, a grande surpresa é que
as contravenções eram sancionadas com sanções criminais que podiam ser a prisão
ou a multa convertida em prisão. Eram processadas e julgadas numa forma de
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Teoria da Lei Penal

processo penal que era o processo das contravenções. O que se passava com as
contravenções é que elas são próprias de uma altura em que o estado recorria a
híper criminalização em que o estado colocava o direito penal ao serviço dos mais
variados fins de política social.

o A este movimento de híper criminalização, contrapõe-se o de


descriminalização. Ao surgimento do direito de mera ordenação social está
ligado o nome de Eberhardt Schmidt que foi um dos grandes teorizadores
deste direito. Passados tantos anos estamos outra vez a assistir um
fenómeno de híper criminalização, como o professor Costa Andrade chama
legiferação à flor da pele, ou seja, legislar a pensar em casos mediáticos sem
pensar na necessidade de intervenção penal.

Qual o conceito que o legislador dá de contraordenação?


 Resulta do artigo 1º do DL 433/82 o seu conceito formal. O legislador preferiu uma
definição formal em que se distingue esta por o facto de para um comportamento o
legislador determinar a aplicação de uma coima.

 O prof figueiredo dias aplaude este critério pois considera que é um critério possível
e correto porque:

o Há uma grande dissenso doutrinário quanto aos critérios materiais de


distinção entre ilícito criminal e de mera ordenação social;

o Há uma grande dificuldade na aplicação desses critérios materiais na


aplicação ao caso concreto. Ou seja, no caso concreto a decisão do legislador
de classificar um comportamento como crime ou contraordenação cabe no
seu âmbito de liberdade para decidir essa classificação. Mas embora tenha
essa grande liberdade de conformação legislativa ele tem sempre que tomar
essa opção baseado em dadas razoes materiais, razões essas que permitam
controlar a própria decisão do legislador. Ora, na opinião de Figueiredo Dias,
o legislador ordinário ao definir a contraordenação só podia usar um critério
formal.

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Teoria da Lei Penal

 Vamos agora aproximar-nos de uma critério material entre crimes e


contraordenações. Wolf, Goldschmidt e Schmidt acharam que o direito de mera
ordenação social e o direito penal correspondem a diferentes funções do estado.

o No direito penal o que estava em causa era apenas uma função passiva do
estado de mera proteção de bens jurídicos fundamentais/ evidentes de
atividades que atentassem contra esses mesmos bens jurídicos.

o O direito de mera ordenação social surge associado a uma função mais


proactiva do estado de promoção do bem estar e de outros objetivos
públicos, intervindo ativamente na vida social muitas vezes com intuitos
educativos de formação de consciências sem esperar pela formação de
consensos sociais.

o O problema é que esta visão histórica veio a ser completamente posta em


causa pelo amplo desenvolvimento de um direito penal secundário/
económico lato sensu com um forte pendor intervencionista e de promoção
do bem estar e dos objetivos públicos  desenvolvimento do direito fiscal,
ambiental, etc.

o A partir deste momento quanto à distinção entre ilícito penal e


contraordenacional já não podemos afirmar que no primeiro o estado
apenas intervém de forma passiva pois isso não acontece no direito
económico que não tutela bens jurídicos do indivíduo mas sim a ordenação
política, económica e social do estado e portanto por detrás dele estão os
direitos sociais, económicos e políticos da CRP, ou seja, bens jurídicos supra
individuais e coletivos.  então quando pensamos em ilícito criminal
estamos a falar do direito penal clássico e do secundário e então a fronteira
com o direito contra ordenacional deixa de ser mais clara. No entanto apesar
desta grande dificuldade continua a haver uma tentativa na doutrina na
distinção das duas coisas, sendo que essa distinção é importante porque os
princípios que caraterizam as duas coisas são diferentes. Nessa senda pode
haver o risco de existir uma burla de etiquetas que é qualificar um ilícito
criminal como contraordenação porque assim vai exonerar-se do
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Teoria da Lei Penal

cumprimento dos princípios jurídico-constitucionais que regem o direito


penal. Aqui há distinção muito clara ao nível das fontes das duas coisas sendo
que é necessário ter em atenção o artigo 165º alíneas c) d) da CRP.

 Direito penal sujeita-se a uma reserva de lei em sentido formal- artigo


165 nº 1 c)

 Ao nível do direito de mera ordenação social rege a alínea d) do artigo


165 sendo que só o regime geral do ilícito de ordenação social e o
respetivo processo cabem a governo no exercício da sua competência
legislativa exclusiva, nos termos do artigo 198º da CRP.

o A incidência do princípio da legalidade e da tipicidade ao nível do direito de


mera ordenação não é tão intensa como é ao nível do direito penal. Os
ilícitos de mera ordenação social são fundamentalmente ilícitos de violação
de dever e a descrição da conduta típica não é nem precisa de ser tão limitada
como é relativamente aos crimes, pois estes não são apenas violação de
deveres.

o O princípio da culpa tem uma função completamente diferente nas duas


coisas.

o Outra diferença: garantias do processo penal e contra ordenacional. O


artigo 32º CRP refere as garantias do processo penal, mas de todas elas só há
uma que se aplica ao processo contraordenacional- artigo 32º/10 CRP- que é
a garantia de audiência de defesa.

 Figueiredo Dias considera:

o Que crimes correspondem sempre a condutas que antes e


independentemente da proibição legal são ético socialmente relevantes.

o Pelo contrário na base das contraordenações estão condutas que em si


mesmas e independentemente da proibição legal carecem de relevância
ético-social. Se bem que essas condutas uma vez proibidas legalmente

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Teoria da Lei Penal

tornam-se substrato de um juízo de ilicitude, sendo a ilicitude uma


consequência e não uma causa da proibição legal.

Critério material de distinção entre crimes e contra ordenações


 Quanto à distinção ente direito penal e de mera ordenação é dito erradamente
que só o primeiro protege bens jurídocos, mas isso não é verdade porque todo e
qualquer ilícito ofende um bem juridicamente protegido, ou seja, qualquer
contraordenação desde a condução com excesso velocidade ofende bens jurídicos
como a vida, propriedade, e até bens coletivos. Mas no caso das contraordenações
estes bens jurídicos são protegidos de forma antecipada contra perigos
indeterminados.

o Num certo sentido pode dizer-se que no caso dos crimes, o bem jurídico
existe independentemente da proibição legal.
o Diferentemente nas contra ordenações pode acontecer que o bem jurídico
só surja da conjugação da conduta com a regra legal que a proíbe.

 Pode afirmar-se que na contraordenação o bem jurídico é apenas o motivo e não o


conteúdo do tipo e que a ilicitude é uma consequência e não uma causa de
proibição legal. Ou seja, no primeiro caso, a relevância ética da conduta, a sua
ilicitude é a causa da proibição legal, sendo que no segundo caso acontece o
contrário, pois a ilicitude dos comportamentos reside na proibição.

o Nas contra ordenações o bem jurídico é o tipo e não o conteúdo do tipo.


Esta tutela bens jurídicos é uma forma muito antecipada relativamente a
perigos indeterminados, e portanto isto significa que o ilícito
contraordenacional não tem de ser dotado de uma ofensividade para o bem
jurídico que tem de existir sempre no crime.

o Isto vai dar uma diferença estruturas entre o ilícito criminal e de mera
ordenação social. O primeiro é uma conduta ofensiva de um bem jurídico
claramente delimitado, enquanto que o ilícito de mera ordenação social é
estruturalmente um ilícito de simples violação de dever.

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Teoria da Lei Penal

o O direito de mera ordenação social é expressão do intervencionismo


estatal nos mais variados setores da atividade económica
(telecomunicações, ambiente, etc), ou seja, o estado intervem impondo
proibições ou impondo condutas. E a contraordenação consiste
precisamente na violação das proibições e imposições legais que
condicionam o exercício de certas atividades económicas.  ou seja, é
estruturalmente um ilícito de violação de dever legal, um ilícito de
ordenação administrativa da sociedade.

Critério tão só qualitativo ou também quantitativo de distinção entre crime e contra


ordenação?
 O professor Figueiredo Dias considera muito redutora esta forma de colocar a
questão  quando eu apelo ao critério qualitativo estou a ver que o ilícito criminal
e contraordenacional são diferentes quantos à sua natureza e funções. Quando faço
apelo a um critério quantitativo digo que ambos os ilícitos são iguais mas com
gravidades diferentes. Ora o professor Figueiredo Dias diz que isto é redutor face à
complexidade que hoje tem o direito de mera ordenação social.

 Hoje continua a ser verdade que a distinção começa por ser qualitativa ou material
e não apenas quantitativa. Nesta altura é de compreender que só são crimes
condutas dotadas de prévio relevo ético e portanto o critério tem de começar por
ser qualitativo porque o ilícito criminal tem de ser dotado de prévia relevância ética,
mas isto não significa que tenha de ser necessariamente conduzido ao direito penal,
porque podemos ter contraordenações que tenham na sua base uma prévia
relevância ética (ex.: consumo de estupefacientes). No entanto, o contrário já não é
verdadeiro, porque jamais posso ter crimes sem uma relevância ética prévia, pois
segundo a professora Fernanda Palma se não adotarmos um critério qualitativo
como base e se acharmos que a distinção se faz com base quantitativa temos de
considerar inconstitucional o direito de mera ordenação social porque este não
assegura as garantias consagradas no artigo 32º da CRP, pois apenas o seu número
10 se refere ao processo contraordenacional.

 Portanto a conclusão que podemos tirar é que o critério de partida terá de ser
qualitativo mas isto não nos obriga a dizer que só são contra ordenações as bagatelas
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Teoria da Lei Penal

penais, ou seja, nada nos impede que não sejam contraordenações condutas
dotadas de relevo ético penal. Aqui intervém o princípio da necessidade, ou seja, o
direito penal não intervem porque há outros meios mais eficazes. Um exemplo é o
consumo de estupefacientes, ou seja, não está só em causa uma auto lesão do
titular, mas também consequências sociais e económicas que estão muito para lá da
relação do consumidor consigo mesmo. E portanto o consumo de estupefacientes
tem danosidade externa que é caraterística de intervenção do direito penal.

 No caso do consumo de estupefacientes, a lei nº 30/2000 veio descriminalizar o seu


consumo e converter o seu consumo numa simples contra ordenação (embora
sujeita a um regime muito particular, que coloca em crise algumas características
estruturais do direito de mera ordenação social). Então e porque é que
relativamente à interrupção voluntária da gravidez, que tem dignidade punitiva e
atenta contra um bem jurídico com relevância penal, o legislador não fez a mesma
coisa?

o A vida intrauterina é um dos valores essenciais da ordem jurídica portuguesa.

o Também há um problema de eficácia pois no consumo de estupefacientes há


uma contraordenação pois considera-se que assim se consegue levar o
consumidor a abandonar esse consumo. Na IVG esta numa seria a forma de
proteger o bem jurídico. Há que ter em conta o critério da proporcionalidade,
pois a vida intrauterina ocupa um dos valores cimeiros da ordem
constitucional, pertence a um núcleo de bens jurídicos essenciais à dignidade
humana. Perante uma conduta que de forma tão lesiva atenta contra um
valor fundamental da ordem jurídica, seria difícil pensar que o legislador
interviesse com contraordenação. Havia uma enorme desproporção entre a
gravidade do ilícito e a sanção. Essa sanção também não ia ser eficaz nem
adequada à proteção dos bens jurídicos em causa.

 O critério material ou qualitativo é o critério de partida, mas isso não significa que o
legislador não deva recorrer a critérios adicionais e até a puros critérios
quantitativos para distinguir a contraordenação do crime, desde que essa alteração
da quantidade do ilícito implique a entrada num patamar de danosidade ético-social.
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Teoria da Lei Penal

Ou seja, o comportamento quando atinge esse patamar torna-se ético-socialmente


relevante com uma perigosidade inequívoca.

o Ex.: alcoolemia, que é condução sobre influencia do álcool  quando se


atinge um dado patamar, 1.2 ou mais existe um crime considerado no artigo
292º CP. Isto porque se atingiu um patamar de perigosidade tão grande que
fez dessa conduta dotar-se uma perigosidade e gravidade ético social. Assim,
quando se atinge este patamar a qualidade converte-se numa questão que
quantidade.

Críticas
 Os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade não valem só para o
Direito Penal como para o direito de mera ordenação .

 Há uma grande tentação de expandir o DMOS e tirar do Direito Penal aquilo que
lá deveria estar porque assim consegue agilizar todo o processo legislativo. Faz isto
porque todo o processo parlamentar de aprovação de lei penal é muito moroso e
assim deste modo não se terá de sujeitar a isso. Por isso assiste-se a coimas tão
elevadas que podem ser muito mais gravosas que a sanção penal e que podem levar
a uma asfixia económica.

 Deixou de ser clara a distinção entre DMOS e Direito Penal desde que passou a
existir burla de etiquetas, passou a chamar-se contraordenações a normas que
deviam estar no Direito Penal. É o próprio legislador que está a baralhar a clareza
desta distinção e assim afeta os direitos fundamentais pois para o DMOS não valem
todos os princípios que valem para o Direito Penal.

A essência e as finalidades da coima


 Extraem-se de alguma forma dos critérios legais da determinação da medida da
coima que constam do artigo 18º do DL nº 433/82 que vamos confrontar com o
artigo 40ºCP.

o Na pena criminal a culpa do agente é fundamento e limite absoluto da


medida da pena. Esta prossegue carateristicamente finalidades de prevenção
positivas. Essas finalidades positivas são a prevenção geral positiva, também
chamada prevenção geral de integração ou de tutela de bens jurídicos,
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Teoria da Lei Penal

referida na primeira parte do artigo 40 nº1; e a chamada prevenção especial


positiva de socialização ou de não desocialização do agente  a prevenção
geral centra-se nos efeitos da pena quanto à comunidade; a prevenção
especial centra-se no delinquente em concreto.

o No que respeita a coima vamos por confronto ver o artigo 18º do DL nº


433/82. Calcula-se que o agente com a prática da infração teve um benefício
económico superior ao limite máximo da coima, então a lei permite que o
limite máximo da coima se eleve para se aproximar do benefício económico
que o individuo teve (até um terço do limite máximo). Há aqui uma
desconsideração total pela culpa que o agente teve na prática da
contraordenação, não havendo preocupação de proporcionalidade, pois a
coima pode ir muito para lá do equilíbrio que a lei inicialmente estabeleceu
entre a gravidade da contraordenação e da culpa  há de certa forma um
abandono do princípio da proporcionalidade em sentido estrito. O benefício
económico alcançado pelo agente é o “índice” da contraordenação. Isto não
podemos encontrar de forma nenhuma no direito penal porque
normalmente a pena vai acima do limite máximo da pena fixada na lei, sendo
que isso só não acontece numa situação excecional de “pena relativamente
indeterminada”:

 Artigo 83º CP e seguintes, prevista para delinquentes por tendência e


alcoólicos e equiparados que cometam crimes pelos quais são
condenados.

 Aplica-se a agentes que tenham inclinação para o crime. Esta pena


constrói-se da seguinte forma: o juiz dentro do limite legal da pena
fixa a pena concreta de entre o limite mínimo e o limite máximo –
pena legal - (artigo 71º); fixada a pena em concreto- pena judicial -
apura-se o limite mínimo da pena relativamente indeterminada
(artigo 83º/2), sendo que esse limite mínimo são dois terços da pena
concreta e o limite máximo é igual à pena concreta mais seis anos.
Isto pode implicar a ultrapassagem do limite máximo legal da pena.

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 ex.: no caso de homicídio simples há 12 anos de pena concreta, o


limite máximo da pena relativamente indeterminada vai ser 19 sendo
que o limite máximo do crime de homicídio simples é 16.

 Quanto à sua natureza, a contraordenação é uma sanção administrativa que tem


critérios e finalidades de reordenação social (se um agente infringiu a ordem, temos
que o sancionar na medida do benefício alcançado). Isto é possível porque a coima
não tem que ser como uma censura ético-jurídica dirigida ao agente. Relativamente
à coima a culpa contraordenacional não tem a mesma função e natureza da culpa
criminal porque esta última liga-se a uma censura ético-jurídica dirigida ao agente
pela atitude que ele revelou na prática de um facto: culpa dolosa (inimizade por
valores jurídico penais); culpa negligente (leviandade por valores jurídico-penais). A
culpa penal liga-se a esta censura ético jurídica sendo que a medida da pena não
pode ultrapassar a medida da culpa sob pena de violação de dignidade pessoal do
agente  a culpa criminal está ligada à dignidade da pessoa humana, inviolabilidade
da sua integridade moral. Isto vai significar que como a pena criminal está
estruturalmente ligada a uma censura ético-jurídica, então tem de prosseguir
finalidades positivas de prevenção (geral e especial). A pena criminal por pressupor
esta censura tem por limite a culpa e está obrigada a prosseguir finalidade
positivas de prevenção  só é racional impor o mal da pena se através desse mal
se conseguir algum bem.

 Ao nível da coima a sua essência e finalidades são distintas. A coima tem uma
essência de violação de dever de ordenação social. As suas finalidades devem ser
negativas de prevenção. Negativas porque no plano de ameaça da coima o objetivo
prosseguido é de prevenção geral negativa de prevenção: a ameaça da coima
funciona como advertência para a necessidade de cumprir certas imposições ou
proibições legais sob pena de lhe ser aplicada uma coima. No momento de
aplicação da coima, ou seja, a culpa contraordenacional é uma mera reprimenda
dirigida ao agente por não ter cumprido certas proibições ou imposições legais. O
professor Figueiredo Dias diz que há uma imputação de responsabilidade social ao
agente, com base na ideia que o agente infringiu o papel que devia cumprir, violando
o papel social e económico que devia cumprir. Aqui não há uma censura ético
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Teoria da Lei Penal

pessoal. Isto significa que quando é aplicada uma coima a finalidade é de


prevenção especial negativa de pura intimidação do agente ao qual foi aplicada a
coima, com vista combater a reincidência.

 Algumas burlas de etiquetas:

o Há situações em que é possível que a requerimento do acoimado haja uma


substituição da coima por prestação de trabalho a favor da comunidade,
que está previsto no artigo 89º-A do DL 433/82. Esta prestação de trabalho
é especialmente fundada na prevenção especial positiva, e assim vemos a
limpidez a ser turvada.

o Os artigos 21º a 26º do DL nº 433/82 preveem sanções acessórias que


correspondem às penas acessórias aplicadas às pessoas coletivas nos
termos dos artigos 90º-G a 90º-L do CP. O professor Figueiredo Dias vê nisto
um problema de inconstitucionalidade por violação do principio da
proporcionalidade, porque se os ilícitos são distintos não se deve aplicar ao
ilícito contraordenacional sanções acessórias que têm a mesma gravidade
quanto as penas criminais acessórias.

o Ao nível do regime do consumo de estupefacientes encontramos outra


perturbação. Nos artigos 15º a 17º da lei 30/2000, é previsto a título
principal sanções diferentes da coima, outro tipo de medidas a título
principal: tratamento, frequência de cursos de prevenção, sendo que essas
medidas são de prevenção especial positiva. A partir do momento que são
contraordenações condutas com prévio relevo ético a pureza do regime
original pode ser posta em causa.

 Há no DMOS comportamentos sem relevância ética porque o legislador não


espera por consensos sociais e de forma proactiva promove certos
comportamentos  só se pode falar de relevo ético quando há consenso
social. O estado não espera por consensos, porque não se trata de os
proteger, mas de os promover.

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Teoria da Lei Penal

 O DMOS partilha com o direito penal uma série de princípios: princípio do


estado de direito democrático- subordinação à dignidade da pessoa humana;
princípio da segurança jurídica; princípio da culpa; proibição da transmissão
da responsabilidade contraordancional; princípio da legalidade; princípio da
tipicidade. No entanto o princípio da legalidade não tem a mesma
configuração, pois os crimes estão sujeitos a reserva da Assembleia da
República e quanto ás contraordenações só o regime geral do ilícito de mera
ordenação social bem como o processo contraordenacional são da
competência da Assembleia da República. No que respeita a definição em
concreto das contra ordenações é da competência concorrente do governo,
desde que respeite o regime geral. O princípio da tipicidade decorre do DL nº
433/82 que diz no artigo 1º que só corresponde a contra ordenação o facto
que corresponda a tipo legal. Também vigora a proibição da aplicação
retroativa da lei desfavorável e como contraponto a imposição de
retroatividade da lei favorável  artigo 3 nº 1 e 2 do DL 433/82.

Fins das penas


 Artigos 71º + 40º CP:
o Prevenção geral positiva de bens jurídicos, tutela especial positiva de
reinserção social.
o Artigo 40º: culpa é apontada somente como limite da medida da pena.
Poderá isto ser assim?
 Todas as teorias de prevenção geral centram-se nos efeitos da pena relativamente à
generalidade das pessoas.
o Prevenção geral negativa/de intimidação: as penas servem para dissuadir a
generalidade das pessoas de praticar crimes, pela verificação de que a prática
de um crime dá lugar a aplicação de uma pena e à execução da mesma. Na
lógica da prevenção geral negativa está a ideia de quanto mais graves forem
as penas potencialmente será maior o seu efeito dissuasor.

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Teoria da Lei Penal

o Prevenção geral positiva/de integração: penas visam reafirmar a validade e


eficácia das normas incriminadoras, reestabelecendo a paz jurídica e a
confiança da comunidade no ordenamento jurídico-penal. Está ligada à ideia
de proteção de bens jurídicos e implementação de modelos de
comportamento penalmente adequados.
 A prevenção especial vai centrar-se nos efeitos da pena relativamente à pessoa do
delinquente.
o Prevenção especial negativa de inoculação: pretende-se proteger a
sociedade do delinquente tornando-o inofensivo, através da privação da
liberdade, e se necessário eliminando o delinquente, através da pena de
morte.
o Prevenção especial positiva/ d integração/ não dessocialização: a melhor
forma de prevenir a reincidência seria através da socialização do
delinquente. Através da imposição de penas privativas da liberdade,
sobretudo penas de prisão de curta duração.
 A criminalidade grave faz disparar as exigências de prevenção geral
positiva, e então a essa criminalidade vem ser aplicada prisão de
longa duração, pois há muitas exigências de prevenção geral positiva,
exigências essas que não são compatíveis com a permanência do
delinquente em liberdade.
 A prevenção especial positiva, num estado de direito democrático,
tem de consistir apenas num oferecimento de condições ao
delinquente para conduzir a sua vida no futuro, não pode traduzir-se
na sua expiação moral (numa imposição de novas visões, de lavagem
ao cérebro).

Pressuposto, fundamento, finalidade e limite da pena


 O pressuposto da pena é para Figueiredo Dias uma condição
extrínseca/exterior ao próprio sentido e às finalidades da penal. A culpa é
apenas um pressuposto de aplicação de uma pena. O fundamento da pena é
a razão/motivo pelo qual se pune. A finalidade da pena é o objetivo
socialmente útil que se pretende alcançar com a imposição de uma pena.

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Teoria da Lei Penal

 Figueiredo Dias vai distinguir pressuposto e limite da pena, por um lado, e


por outro, fundamento e finalidade da pena.
o A culpa é apenas um pressuposto da aplicação da pena e um limite
externo na sua medida. Assim, para o professor, a culpa é um
elemento exterior ao sentido, ao fundamento e às finalidades. Não
pode haver pena sem culpa, logo a culpa é o pressuposto da aplicação
de uma pena, todavia não é a culpa que fundamenta a aplicação da
pena, nem a retribuição da culpa é o objetivo da punição. Isto é assim,
porque nem toda a culpa exige uma pena. Apenas se pode punir a
culpa quando seja preventivamente necessária, quando há uma
carência/necessidade de pena à luz de considerações preventivas.

 Instituto da dispensa de pena artigo 74º CP: o agente praticou um facto típico, ilícito
e culposo, mas apesar da culpa o agente não é punido, sendo dispensado da pena.
Considerações que se podem opor à dispensa de pena – prevenção geral positiva
de proteção de bens jurídicos.
 Este instituto revela que não é função do estado punir a culpa sem mais, mas só
pode fazê-lo se essa punição for exigida por considerações de prevenção e na
medida exata das exigências de intervenção.
 As finalidades da pena são sempre necessariamente/e e exclusivamente finalidades
preventivas, por exigência do principio da necessidade da pena – CRP.
 Conselheiro sousa brito:
o A culpa não pode limitar a medida da pena de fora, ou a partir do exterior.
o A culpa não é o único fundamento da pena, nem é fundamento suficiente
–apesar de ser o principal fundamento. A culpa tem sempre de se conjugar
com a prevenção – a prevenção geral e a prevenção especial.
o A pena visa também retribuir a culpa, sendo, neste sentido, uma pena em
função da culpa (71º). Todavia, a culpa do agente só é retribuída através
da pena na medida necessária à proteção de bens jurídicos (na medida
necessária da prevenção geral positiva).

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Teoria da Lei Penal

Finalidades ideais vs. finalidades reais da pena


 Às finalidades ideais da pena numa perspetiva ética, filosófica, política,
contrapõe-se a amarga necessidade de punir. Assim, o ponto de partida em
matéria de fins das penas devem ser as finalidades reais e não as ideias.

 As finalidades reais das penas emergem das razões da organização social, isto é,
das ideias culturais em que se baseia a comunidade social, e dos fins que essa
comunidade se propõe alcançar. Daqui decorre que os fins das penas estão
umbilicalmente ligados à problemática da legitimidade do Estado e dos
princípios constitucionais do direito penal, só é legítima a pena necessária à luz
das finalidades do Estado e das razões culturais da organização social.

 Qualquer teoria defensável dos fins das penas tem de se articular com os fins do
estado, e por isso tem de incorporar as outras finalidades e os próprios princípios
do estado de direito. Não pode sustentar-se uma única finalidade da pena. É
sempre necessário articular os diversos fins das penas e considerar ainda os
princípios de estado de direito democrático. Os princípios de direito democrático
com especial relevância em matéria dos fins das penas são: dignidade da pessoa
humana; culpa, que decorre da dignidade da pessoa humana, da sua
inviolabilidade da integridade moral e liberdade; necessidade da pena.

 Ou seja, não nos interessam as finalidades ideais, mas sim as finalidades reais da
pena, ou seja, quais as suas funções sociais. Segundo a professora Fernanda
Palma não adianta muito dizer que a pena não é retributiva, pois a primeira
necessidade que a pena cumpre é de substituição psicológica da vingança
privada. Coloca-se então o problema de saber se a pena poderá ser retributiva
de uma forma racional e eticamente sustentável, e apesar de ser retributiva
prossegue fins socialmente uteis.

o De acordo com a professora Fernanda Palma é possível justificar


racionalmente a pena retributiva por via do princípio da culpa, que se liga
à dignidade da pessoa humana, à inviolabilidade da sua integridade moral
(artigo 26º da CRP), e à liberdade da pessoa.

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Teoria da Lei Penal

o É possível também justificar racionalmente através do princípio da


necessidade preventiva da pena (artigo 18 nº2 da CRP).

 Então e como é que a pena retributiva se liga a culpa?

o A retribuição justifica-se racionalmente por basear a pena na culpa do


agente e na dimensão ética do facto praticado. Mas a retribuição já
excede a legitimidade da punição estatal quando visar a expiação moral
do delinquente.

o Por outro lado à pena retributiva liga-se a necessidade preventiva da


pena, ou seja, a pena retributiva só é legitima se for preventivamente
necessária, para proteger bens jurídicos com referente constitucional. E
em segundo lugar para reinserir socialmente o agente, ou pelo menos
proteger a sociedade dele. Por outro lado a prevenção geral e a
prevenção especial só surgem como finalidades legítimas da pena através
da pena da culpa, que significa que só dentro da culpa e da pena da culpa
é que se pode legitimamente prosseguir quaisquer finalidades
preventivas  deve partir-se da ideia de culpa, sendo a pena de culpa
que é limitada pelas finalidades preventivas. Isto é assim porque se a
pessoa é um fim em si mesma, ou seja, não pode ser usada como
instrumento, então as próprias necessidades preventivas só podem ser
exercidas legitmamente através da culpa; porque há culpa é que é
legitimo haver necessidades preventivas sob pena de estar a
instrumentalizar o ser humano.

o Quer a retribuição quer a prevenção articulam-se forçosamente com os


fins do estado e com os princípios constitucionais do direito penal,
designadamente os princípios da culpa, da dignidade humana e da
necessidade de pena.

Teorias absolutas ou retributivas


Essas teorias dizem-se absolutas porque desligam a pena de quaisquer finalidades
sociais. Via a pena como a expiação ou a compensação do mal ocorrido.

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Teoria da Lei Penal

Teorias relativas
São as teorias da prevenção. São relativas pois associam a pena a prossecução de certas
finalidades sociais positivas. São portanto teorias da prevenção geral e da prevenção
especial.

Teorias ecléticas
São aquelas que combinam de uma ou de outra forma diversas finalidades da pena.

Teoria Pura da retribuição


 Esta teoria vê a pena como a expiação do mal ocorrido, e assim a pena não tem
finalidade socialmente útil, sendo que será apenas a resposta adequada ao mal do
crime e não prossegue quaisquer finalidades sociais positivas.

 Esta teoria na sua formulação clássica vai centrar-se no facto passado e concebe a
pena como uma exigência de justiça. Aqui a pena surge como a justa paga do mal ou
o justo equivalente ao dano do facto e à culpa do agente.

 A teoria retributiva pura entendia que a pena não devia prosseguir quaisquer
finalidades sociais. Porquê?

o Dessa forma o facto criminoso era apenas um mero pretexto para punir o
agente. Não era verdadeiramente a razão pela qual se punia, sendo que o
facto deixava de ser a razão da própria punição

o Se a pena prosseguisse finalidades socialmente úteis, utilizava-se a pessoa do


agente para prosseguir fins sociais e assim estaria a desrespeitar-se a sua
dignidade.

 Então a pena retributiva era a única forma de realizar a justiça e de respeitar a


dignidade e a liberdade do criminoso.

 A pena retributiva teve a sua primeira formulação na lei do talião “olho por olho,
dente por dente”. Nesta altura pretendia-se chegar a uma igualação fática entre o
mal do crime e o mal da pena.  se se matava alguém, matava-se o agente; se o
agente furtou, cortava-se a mão. Só mais tarde se entendeu que seja igualação não
podia ser fática mas apenas normativa e deveria ser feita em função da ilicitude do
facto e da culpa do agente.

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Teoria da Lei Penal

 Na idade moderna e contemporânea a teoria retributiva teve defensores como Kant


e Hegel.

o Kant concebia a pena retributiva como um imperativo categórico de justiça.


Portanto a pena deveria ser estranha a qualquer finalidade social. Este autor
dizia que ainda que a sociedade e o estado se viessem a dissolver, o último
assassino na prisão devia ser executado para que cada um sinta o mal que
praticou e para que o sangue derramado não recaia sobre o povo que não
aplicou a punição adequada. Kant dá a retribuição um fundamento ético-
religioso, sendo que em seu entender a pena deve aplicar-se pelo que a
responsabilidade pelo crime não recaia sobre a sociedade e o próprio estado
 há uma ideia típica do antigo testamento, de que se não se efetivar a
responsabilidade individual, haverá responsabilidade coletiva, sendo que
essa responsabilidade coletiva envolve necessariamente o sacrifício de
inocentes. Para evitar o sacrifício de inocentes, deve exigir-se a cada um que
espie através da pena, do mal que praticou.

o Hegel vai defender a retribuição já não numa perspetiva religiosa, mas de


lógica das ideias. Para este, o crime era a negação do direito, e a pena deveria
negar o crime, e portanto serviria para a reafirmação dialética do direito.
Portanto, este vai defender a retribuição a partir da lógica das ideias, e vai
criticar Beccaria que vem defender as penas necessárias. Hegal critica esta
ideia porque a pena necessária implicava que se tratasse o criminoso como
uma coisa, sendo que para este a pena era um direito do criminoso que
livremente optou por violar o direito. Contudo em Hegel, apesar de defender
a retribuição, no seu pensamento está já implícita uma certa ideia de
prevenção geral, porque para Hegel a pena é função da existência do estado
(só porque há esta pode aplicar-se pena), e por outro lado a reafirmação do
direito através da pena serve para reafirmar a liberdade geral.  portanto
para este, afinal a pena serve o estado e a liberdade de todos. O mérito desta
teoria foi ter dirigido a culpa como máxima do direito penal, e fez também
da ideia da culpa, um princípio absoluto da aplicação da pena  “não há
pena sem culpa”, “a medida da pena não pode exceder a medida da culpa”.
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Teoria da Lei Penal

Só quando se respeitam estas duas exigências se trata o homem de acordo


com a sua dignidade e liberdade

 O pensamento retributivo trouxe a baila a ideia de culpa, teve também o mérito de


exclusão de todas as penas atentatórias da dignidade humana.

 Críticas principais:

o A pena retributiva tem por pressuposto a culpa ética e surge como


consequência necessária dessa culpa ética. Ora a intervenção penal do
estado não pode servir para sancionar a culpa ética, porque não cabe ao
estado de direito democrático, promover a ética e a moral em si mesmas,
mas somente na medida necessária à preservação de bens essenciais à
preservação e desenvolvimento da sociedade. Portanto o estado só pode
retribuir a culpa na medida preventivamente necessária.

o A pena retributiva esgota o seu sentido no mal que faz sofrer ao delinquente,
como compensação ou expiação do mal praticado. Portanto o pensamento
retributivo puro é completamente adverso a qualquer ideia de socialização
do delinquente e por isso completamente alheio de qualquer ideia de
socialização do delinquente e de restauração da paz jurídica. A pena
retributiva pura vai banir toda a atuação preventiva e em última análise
renuncia à pretensão de controlar a criminalidade. Já com Platão se afirmava
que só é racional o mal que produz um bem, o que não é o caso da pena
retributiva, pois não se repara um mal com um outro mal. A pena retributiva
serve apenas para satisfazer sentimentos de vingança e por consequente não
é racional

o Esta teoria apenas responde ao “porquê?” da pena. A resposta que dá é


“pune-se porque o agente praticou um crime, e este exige uma pena”. A
teoria retributiva pura não deixa qualquer espaço para a finalidade da pena,
do “para quê” da pena. Portanto a finalidade da pena deixa de caraterizar a
própria essência da pena estatal.

 Atual permanência do pensamento retributivo

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Teoria da Lei Penal

o Nos quadros da prevenção geral positiva (Fernanda Palma): a professora


Fernanda Palma começa por notar que a ideia de culpa é compatível com a
ideia de retribuição mas não são a mesma coisa, ou seja, é possível defender
a ideia da culpa sem aderir à retribuição do mal do crime como finalidade da
pena, e sem limitar a pena a uma resposta adequada à culpa do agente, e ao
mal ético do crime. No entanto apesar de serem ideias diferentes é possível
justificar a retribuição através do pensamento da culpa, por um facto dotado
de gravidade ética, e ainda através da ideia de eficácia geral preventiva do
direito penal. A esta luz a retribuição da culpa do agente seria o único modo
legítimo de demonstrar a validade e eficácia do direito penal, e de satisfazer
as exigências comunitárias de punição dos criminosos. No fundo é através da
ideia da culpa é legitimo prosseguir finalidades de prevenção geral positiva.

o Nos quadros da prevenção especial positiva, limitada pela prevenção geral


positiva (José de Sousa Brito): defende a pena retributiva, mas não
exclusivamente. Entende que a pena retributiva é a que melhor serve as
exigências de prevenção especial. Em seu entender, é a prevenção especial
que dá conteúdo material à reparação da culpa através da pena. Ou seja, só
a pena preventiva especial pode reparar a culpa. O que isso que dizer é que
o crime é um mal, a pena é um mal, e sendo um mal só é racional se produzir
um bem, e o bem que a pena se deve destinar a realizar em primeiro lugar é
o bem para o próprio delinquente. Ou seja, eu só posso exigir ao agente que
repare a sua culpa, se essa pena for orientada para o bem do próprio
delinquente.  importa preencher a pena devida pela culpa com todo o
conteúdo possível de prevenção especial, nos limites da prevenção geral, isto
porque por vezes a prevenção especial positiva vai colidir com a prevenção
geral positiva.

 Ex.: guarda da GNR saiu de uma festa com uma taxa de alcoolemia
muito elevada, sendo que ao conduzir, colheu na passadeira dois
peões, matando um imediatamente e outro vem a morrer por
complicações hospitalares. Ora este guarda praticou um facto de uma
enorme gravidade apesar de ser um indivíduo perfeitamente
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Teoria da Lei Penal

integrado na sociedade. As exigências de prevenção especial geral


positiva são muito elevadas, pois há uma grave violação dos deveres
que incumbem a um guarda da GNR, há uma grave violação de
deveres de cuidado (negligência: dever de não conduzir em estado de
embriaguez, conduzir o veiculo a uma velocidade adequada). Aqui, as
exigências de prevenção especial não existem, pois o polícia foi
condenado, e interpõe recurso para suspensão da pena que é
negada, pois entende-se que as exigências de prevenção geral e de
culpa são incompatíveis, não obstante entender-se que a pena de
prisão terá efeitos dessocializadores. A certa altura o STJ para
justificar a não suspensão, invoca: importa combater a elevada
sinistralidade rodoviária; são invocados alguns fatores: falta de
formação e civismo dos condutores, estado do parque automóvel em
Portugal, estado das vias rodoviárias.  isto é prevenção geral
negativa, em que há a instrumentalização deste agente em concreto
para combater a sinistralidade rodoviária. Aqui o tribunal não se
limitou a invocar considerações de prevenção geral positiva, mas
também de prevenção negativa, o que leva a instrumentalização do
agente. Também foi invocado pelo tribunal o elevado grau de culpa
do agente.

o Figueiredo Dias apenas tem visão preventiva

Teoria da prevenção geral


 As teorias dizem-se de prevenção geral porque consideram os efeitos futuros da
aplicação da pena a um determinado agente relativamente à generalidade das
pessoas.

 O primeiro autor a formular uma teoria de prevenção geral foi Feuerbach, sob a
forma da doutrina da coação psicológica. De acordo com esta doutrina a pena
deveria criar no espírito dos potenciais criminosos um contra motivo especialmente
forte para os afastar da prática do crime. No fundo: aplicava-se a pena a uma agente
em concreto para coagir os potenciais criminoso a não cometer crimes. O essencial

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Teoria da Lei Penal

desta teoria veio a ser confirmado do quadrante da psicologia e das doutrinas psico
analíticas, nesse âmbito verificou-se que muitas pessoas só são capazes de dominar
as suas tendências criminosas através da comprovação de que a via do crime lhes
pode trazes mais danos que vantagens pessoais. Por esta via, salientou-se que a
função primordial da pena consiste na legitimação da ordem vigente e na
manutenção da estabilidade e da paz jurídica.

 O professor Figueiredo Dias é o maior adepto da prevenção geral. Este considera que
isto é ponto de partida correto da pena e dos seus fins, na medida em que a ideia de
prevenção geral pode ser diretamente ligada à função do direito penal de tutela
subsidiária de bens jurídicos.

o NOTA: a prevenção geral positiva pode ser vista numa aceção funcionalista
em que a função da pena é a estabilização contra fáctica das espectativas
comunitárias quanto à vigência da norma jurídica violada, que é uma visão
perigosa porque não liga a presença positiva ao conceito material de crime e
ao conceito de pena  a pena não pode ser posta ao serviço da estabilização
das espectativas sociais contra quaisquer formas de comportamento, sendo
que temos de ligar o pensamento da prevenção geral positiva ao conceito
material de crime e ao princípio da necessidade. Quando o professor
Figueiredo Dias liga isto ao conceito material de crime dissocia-se da visão
funcionalista.

 Críticas (pela professora Fernanda Palma):

o O mero interesse público não pode justificar que se inflija ao indivíduo


qualquer pena, pois a pessoa humana não é em caso nenhum, um meio ao
serviço de fins sociais. A isso se opõe o artigo 1º da CRP.

o A prevenção geral não consegue justificar a atribuição da pena ao criminoso


por algo que ele tenha feito, com base na gravidade do seu facto e na sua
culpa pessoal. A pena deixa de poder ser vista como consequência do crime.
Por outras palavras: a prevenção geral, centrando-se nos efeitos futuros da
aplicação da pena relativamente à generalidade das pessoas, deixa de ter

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Teoria da Lei Penal

como ponto de referência o agente e o seu facto passado. Basta o


prognóstico de criminalidade futura para justificar a imposição de uma pena.

 Resposta de Jorge Figueiredo Dias:

o A preservação da dignidade da pessoa respeita, não só à pena e às suas


finalidades, mas somente às condições da aplicação da pena e aos seus
limites. Por outras palavras: a culpa é apenas condição e limite da pena
preventiva. A questão do respeito pela dignidade humana do criminoso
respeita antes à função e materialidade do conceito de culpa jurídico-penal
no plano da teoria geral do crime.  a culpa está ao serviço da dignidade da
pessoa humana, mas em matéria de fundamento da pena bane a ideia de
culpa, pois considera que é uma condição sem a qual não pode ser aplicada
a pena. Ao considerar a culpa como limite da pena já está a ser acautelada a
dignidade da pessoa humana. Ele retira o conceito de culpa jurídico-penal de
toda a teoria da pena e remete o conceito material de culpa para a teoria do
crime. Ao nível da pena, a culpa é uma condição extrínseca, que é apenas um
limite da pena preventiva. A ação material de culpa e a ligação que tem a
dignidade da pessoa humana é entregue à teoria do crime, e banido da teoria
da pena. Ou seja, é atribuída à culpa na teoria da pena, uma função muito
limitada.

o Contudo, Figueiredo Dias reconhece que a crítica do respeito pela dignidade


da pessoa humana aponta para algumas fragilidades teóricas e práticas
indiscutíveis da prevenção geral negativa. Por um lado, esta teoria não
oferece um critério que permita determinar o quantum da pena necessário
para produzir o efeito intimidatório e dissuasivo da generalidade dos
cidadãos. Por outro lado, a persistência do crime leva as doutrinas da
prevenção geral negativa a usar penas cada vez mais severas e desumanas,
ao ponto de se resvalar para um Direito Penal do terror.

o No que concerne à prevenção geral positiva ou de integração entende


Figueiredo Dias que a questão de desrespeito da dignidade humana já não
procede. Na sua opinião o critério preventivo geral permite chegar a uma
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Teoria da Lei Penal

moldura punitiva que em princípio, se revelará também uma pena justa e


adequada à culpa do delinquente. Portanto para Figueiredo Dias chega-se à
pena da culpa por via da prevenção geral positiva e não por via da
consideração (isolada de considerações preventivas) do grau de ilicitude e de
culpa do facto do agente  Figueiredo Dias diz que acha que a dignidade
humana está suficiente acautelada quando se coloca a culpa como condição
externa. Além disso, assegura a medida concreta da pena, apesar de fundada
em considerações de prevenção geral positiva, tem como limite
inultrapassável a medida da culpa, de modo que se salvaguarda a dignidade
humana.  a culpa só releva para determinar a medida concreta da pena.
Quando ela é chamada a determinar a medida concreta da pena é
determinada numa moldura determinada pela prevenção geral positiva.

o O professor Figueiredo Dias não admite que a pena desça abaixo do limite
mínimo da prevenção geral positiva por considerações de culpa ou de
prevenção especial positiva  isto leva a aplicação de penas mais graves
nos casos concretos.

o Moldura prevenção geral positiva por Figueiredo Dias:

o Partindo da pena legal o juiz deve construir uma moldura punitiva de


prevenção geral positiva

 Limite máximo da pena preventiva geral corresponde ao ponto ótimo


de tutela de bens jurídicos compatível com a pena da culpa.

 Prevenção especial determina a pena concreta dentro das exigências


mínimas da prevenção geral positiva.

 Limite mínimo = exigências irrenunciáveis de defesa da ordem


jurídica.

 Limite mínimo: Não admite que a pena concreta desça abaixo da


pena mínima de prevenção geral por razoes de culpa e/ou prevenção
geral positiva.

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Teoria da Lei Penal

Teorias da prevenção especial: exposição


 A prevenção especial não procura o bem da sociedade, mas preocupa-se com os
efeitos da pena sobre o criminoso, procurando evitar que no futuro ele cometa
crimes. Discute-se de que forma a prevenção especial deve prevenir a reincidência
do delinquente, e a esse propósito fala-se de três funções preventivas especiais:

o Correção

o Intimidação

o Neutralização

 Também podemos distinguir uma prevenção especial positiva de socialização, e


negativa, de neutralização.

 A única prevenção especial positiva é aquela que se traduz na prevenção da


reincidência, através do oferecimento de condições ao delinquente para que ele no
futuro possa conduzir a sua vida sem cometer crimes. É incompatível com o estado
de direito democrático, uma conceção de prevenção especial positiva que passe pela
correção moral interna do delinquente, levando-o a aderir aos valores da ordem
jurídica, uma “lavagem ao cérebro”.  assim é por causa da dignidade da pessoa
humana, que implica respeitar as diferentes conceções da vida, sendo que o estado
apenas oferece condições, mas não impõe.  Só no caso das medidas de segurança,
que já não têm por pressuposto a culpa do agente mas a sua perigosidade, pode ser
imposto um tratamento.

 A prevenção especial negativa, porque considera que não possível a correção do


delinquente, defende que a pena só pode visar a intimidação individual do
criminoso, ou então a defesa da sociedade perante ele, através da
separação/segregação do criminoso de modo a neutralizar a sua perigosidade.

 Não há dúvida que a prevenção especial é uma finalidade incontornável das penas
criminais. Esta prevenção diz-se que serve a tutela subsidiária de bens jurídicos ao
atuar sobre o delinquente, procurando prevenir a reincidência. No entanto, sendo a
pena um mal, sempre tido como tal pelo delinquente, ela só será racional e legítima
se lhe poder atribuir um caráter social positivo, no sentido da socialização ou da
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Teoria da Lei Penal

defesa social. A ideia de defesa social, é uma ideia de última rácio, pois só se deve
apelar a esta ideia quando não é possível ou não é necessária no caso concreto a
socialização do delinquente, mas é necessário assegurar ou garantir a segurança das
pessoas.

 Críticas à prevenção especial:

o Não pode ser a única finalidade da pena, sob pena de crimes muitos graves
ficarem impunes, quando no caso concreto não exista perigo de reincidência,
e de crimes de pouca gravidade levarem à aplicação de penas de duração
incertas ou até perpétua.

 Isso acontece nos criminosos ocasionais, sendo que quanto a esses


delinquentes pode não haver perigo de reincidência mas há
exigências elevadas de prevenção geral.

o A prevenção especial sozinha não se coaduna com o princípio da


necessidade da pena- esta prevenção centra-se na ideia de socialização,
intimidação, defesa social e perde de vista a tutela de bens jurídicos. Sendo
a intimidação e a recuperação do delinquente resultados tão incertos, não
intentam só por si justificar a cominação, aplicação e execução da pena
criminal

o Dificuldades de prevenção especial positiva nos casos em que a socialização


não é necessária (delinquentes ocasionais, situacionais ou passionais).
Referência à necessidade de socialização dos criminosos de “colarinho
branco”.

 O criminoso de colarinho branco está integrado socialmente, exerce


uma profissão socialmente respeitada, tem elevado estatuto
socioeconómico. No entanto não é verdade que não haja necessidade
de prevenção especial positiva. Pois a socialização não respeita à
estabilidade da vida do delinquente nem ao estatuto socio
económico  a socialização diz respeito diretamente ao crime

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Teoria da Lei Penal

cometido, e então esses criminosos necessitam de socialização


quanto ao tipo de crimes que praticam.

O que está em causa na discussão dos fins das penas? Parâmetros constitucionais de
uma solução do problema dos fins das penas
 As questões de fundamento e finalidades das penas interferem com o conceito
material de crime. Interferem deste logo diretamente com o conceito material
de crime pois o fundamento da pena é a prática culposa de um crime/ ilícito
típico. Logo na definição do que pode ser crime, interferem os princípios
constitucionais do direito penal e o conceito material de crime.

 A questão dos fins das penas também interfere com o conceito material de
crime- ligam-se pelo grau de intromissão da pena dos direitos fundamentais do
delinquente. O que acontece neste plano é que já sabemos que as sanções
criminais são as mais graves que o ordenamento jurídico dispõe, pela grave
intromissão que implicam nos direitos e liberdades fundamentais. Ora, esta
verificação volta a colocar-nos perante os princípios constitucionais que regem a
comunicação e aplicação de penas criminais: dignidade da pessoa humana,
culpa, legalidade, proporcionalidade, necessidade da pena.  então quer-se
dizer que a questão dos fins de pena não pode ser colocada num plano abstrato
de puro confronto de ideologias, pois há que ter em conta o contexto histórico
do qual depende o sentido e a função da pena. Este contexto histórico é a tal
realidade da pena, pois terá de ser considerar esta na realidade e não na sua
idealidade.

o A nós interessa-nos pensar nos fins das penas à luz e no contexto de um


estado de direito democrático alicerçado na dignidade da pessoa
humana  temos de ligar os fins das penas aos fins do estado. Assim
estamos a dizer que quanto à questão dos fins das penas, articularmos os
diversos fins das penas entre si e com os princípios do estado de direito
democrático. Não podemos discutir os fins das penas à luz de uma teoria,
temos de analisar cada uma delas em concreto, pois estão em colisão
com os princípios do estado.

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Teoria da Lei Penal

 Temos então de pensar os fins das penas aos fins do estado de direito
democrático. Assim só podemos resolver os fins das penas, articuladamente.
Pois cada uma das teorias dos fins das penas está em colisão com o estado de
direito.

o Nenhuma destas teorias isoladamente considerada consegue satisfazer


exigências do estado de direito

 A teoria retributiva pura aponta para um fundamento puramente


ético ou ético religioso da pena que atenta contra a dignidade da
pessoa humana na medida em que fecha a própria pena a outras
mundividências – outras visões do mundo e do homem-
diferentes da do estado.

 A teoria da prevenção geral instrumentaliza a pessoa do


delinquente à realização de fins sociais, em última analise, a lógica
da prevenção geral leva a prescindir da prática de um facto
criminoso como condição prévia da pena. Isto porque a
prevenção geral centrando-se nos efeitos futuros da pena poderia
apenas basear-se em prognósticos de perigosidade futura, e com
base nisso submeter o delinquente a uma pena.

 Em rigor esta mesma lógica pode ser da prevenção especial, que


se centra nos efeitos da pena sobre o criminoso. A prevenção
especial sozinha viola a dignidade humana, pois para corrigir o
delinquente poderia bastar um prognóstico. Assim também a
prevenção especial sozinha viola a dignidade humana, pois falta a
ideia de culpa pelo ilícito típico.

 Acabamos de ver que as várias teorias isoladamente são incompatíveis com o


estado de direito democrático. Estas teorias não resolvem de modo satisfatória
os problemas da necessidade e proporcionalidade das penas face às restrições
em implicam para os direitos fundamentais do criminoso em ordem a
salvaguardar outros interesses constitucionais. Isto porque elas oscilam entre o

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Teoria da Lei Penal

retributivo inútil e o preventivo incapacitante.  é necessário articular os


diversos fins das penas entre si à luz dos fins e dos princípios do estado de direito
democrático.

 Não há uma única conceção correta sobre os fins das penas, ou um único modelo
de política criminal.  são possíveis varias conceções sobre os fins das penas
umas de pendor mais retributivo, outras de pendor mais retributivo, mas seja
qual for a conceção que se dependa essa conceção tem sempre de respeitar
determinados parâmetros constitucionais. E quais são eles?

o Dignidade da pessoa humana- que constitui um fim em si mesma e não


é instrumentalizável para a realização de quaisquer fins sociais.

o Culpa- qualquer pena estatal que não seja uma pena da culpa é uma
limitação inadmissível da liberdade e é totalmente imprevisível.

o Necessidade da pena/ estrita necessidade de intervenção penal.

 A culpa é um juízo de censura porque o agente agiu de dada forma, mas poderia
ter agido de outra, portanto, eu só posso censurar alguém por alguma coisa
relativamente à qual a pessoa tem algum domínio e por isso pode evitar. Ora, se
a pena criminal não se basear na culpa, na censura dada ao agente por praticar
um crime que podia não ter praticado, então, se eu imponho uma pena sem
culpa mais do que violar a sua dignidade, estou a violar a sua liberdade.

 Três elementos da culpa:

o Imputabilidade penal (artigos 19º e 20º CP)  pressuposto do juízo de


culpa

o Consciência da ilicitude (artigos 17º CP)  elemento/condições positivas


do juízo de culpa.

o Exigibilidade de comportamento conforme à norma penal 


elementos/condições positivas do juízo de culpa

 Então num estado de direito democrático, a culpa sozinha pode obstar a


suspensão da pena ditada por considerações de prevenção especial positiva?
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Teoria da Lei Penal

o No acórdão do supremo sobre o GNR alcoolizado, este diz que o arguido


deve ser punido de forma a evitar a sinistralidade em Portugal, mas o
GNR não tem nada a ver com isso.

o As exigências de socialização aconselham a suspensão da pena de prisão,


nos termos do artigo 50º. Não há obstáculos ao nível da prevenção geral
positiva de tutela de bens jurídicos. O tribunal recusa a suspensão porque
diz que a culpa é muito grave, e por causa dessa culpa grave, o agente
deve ser submetido a pena de prisão efetiva.  essa decisão é correta,
não por considerações de prevenção geral nem especial, mas de culpa?
 aqui há uma função retributiva da pena, pois aqui só se estava a
sancionar a culpa ética do agente, e o estado de direito democrático não
o pode fazer, só na medida preventiva.

o A suspensão da pena é sempre ditada por razões de prevenção geral


positiva. Assim a culpa e a prevenção geral negativa não obstam a
suspensão da pena.

 O internamento só se aplica a inimputáveis por anomalia psíquica, de acordo


com o artigo 20º CP. Também há medidas tutelares educativas, relativamente a
menores, mesmo que tenham anomalias psíquicas, sendo que não podem ser
sujeitos a culpa.

Rejeição de uma teoria eclética de pendor meramente aditivo e de uma teoria eclética
estratificada dos fins das penas
 Interessa-nos uma teoria eclética dos fins das penas, mas de pendor dialético que
articule as conceções dos fins das penas. Não nos interessa uma teoria puramente
aditiva, pois essa só vai multiplicar os defeitos de cada teoria. Também não nos
interessa uma teoria estratificada tal como defendida pelo professor Roxin, que
considera as diversas fases do sistema pena e atribui a cada fase ou etapas do direito
penal e cada uma delas corresponde uma finalidade de pena

o Começa peça fase de incriminação e da cominação de uma sanção penal se


prosseguem finalidades de prevenção geral.

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Teoria da Lei Penal

o Na fase da aplicação preponderam considerações de culpa e de necessidade


e proporcionalidade, da pena à culpa do agente.

o Na fase da execução da pena deveriam prevalecer as finalidades de


prevenção especial.

 Esta é uma teoria que divide o sistema penal em fases. É uma teoria que não deve
ser sufragada porque as três finalidades da pena estão presentes ao longo das três
fases/etapas do sistema penal.

o Desde logo na fase da incriminação/estatuição da pena, não estão apenas


em causa considerações de prevenção geral positiva e negativa, mas também
considerações de culpa e de merecimento de culpa do facto em virtude da
sua relevância ética prévia.  quando se incrimina o homicídio esta
incriminação não tem só em conta a importância do bem jurídico vida, mas
também da relevância prévia e o merecimento de culpa (em abstrato) da
ação de matar. Considerações de prevenção especial também não são
estranhas a esta ameaça penal- matar uma pessoa sendo o facto mais grave
do ordenamento jurídico, revela em princípio problemas de relação social-
isto em abstrato.

o Na fase da escolha da espécie da pena e determinação da medida da pena:


nesta fase não estão só em causa questões de necessidade e
proporcionalidade à culpa do agente. Estão já em causa considerações
preventivas, de prevenção geral e especial.

o Quanto à fase de execução, rege o artigo 42º CP, que revela que não é
prosseguida apenas a prevenção especial mas também a prevenção geral de
tutela de bens jurídicos (“defesa da sociedade”).

 Há muitas formas de cumprir a pena:

o Artigo 43º CP: substituição por multa

o Artigo 44º CP: cumprimento da pena na habitação.

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Teoria da Lei Penal

o Artigo 45º CP: pena de prisão em medida não superior a um ano, cumprida
em dias livres.

o Artigo 46º CP: regime de semi detenção se o condenado assim consentir.


Permite ao condenado prosseguir a sua atividade profissional normal.

o Há também penas alternativas em que é o juiz que escolhe qual a pena a


aplicar ao caso concreto.

o Artigo 52º nº3 CP: não há tratamentos coativos quanto a agentes imputáveis.

O modelo preventivo geral positivo de escolha e determinação da pena proposto por


Jorge Figueiredo Dias
 O professor Figueiredo Dias parte da ideia que a finalidade primordial da pena é a
prevenção geral positiva e que esta é o ponto de partida para a resolução dos
conflitos com as outras finalidades das penas. Ele pede ao juiz do caso concreto que
perante esse caso defina uma moldura preventiva geral, isto é que o juiz do caso
perante as circunstâncias de lesão do bem jurídico defina o ponto ótimo de tutela
de bens jurídicos e de preservação das expetativas sociais (limite máximo). O ponto
mínimo corresponde as exigências mínimas de preservação do ordenamento
jurídico e da paz social. Figueiredo Dias não admite que se desça abaixo do limite
mínimo da prevenção geral, por razões de prevenção especial e de culpa. “ O ponto
de partida é prevenção geral, o ponto de chegada é a prevenção especial”.  Em
última analise a prevenção especial dita a medida da pena mas dentro das exigências
da prevenção geral.

 Portanto a prevenção especial e a culpa são subordinadas à prevenção geral


positiva, pois na construção do professor, a culpa é uma condição externa de
aplicação de pena, sendo o limite da pena. A culpa é só uma proibição do excesso da
pena preventiva geral.

 Figueiredo Dias receia que quando se coloca a culpa como finalidade da pena se
adira à ideia de retribuição.

 Na construção de Figueiredo Dias a culpa não determina o “se” da pena, pois só


revela a pena concreta. O que determina o “se” da pena é a prevenção geral positiva.

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Teoria da Lei Penal

 O prof Figueiredo Dias ainda afirma que em principio a pena preventiva geral será
uma pena justa e adequada à culpa.

 A finalidade primordial das penas é uma prevenção geral positiva, sendo que o
importante é a tutela de bens jurídicos que não tem um sentido retrospetivo,
orientado para o facto passado, mas um sentido prospetivo, orientado para a tutela
da confiança e das espectativas da comunidade na manutenção da vigência da
norma violada e também orientada para o estabelecimento da paz jurídica. O
professor Figueiredo Dias ao colocar o foco da prevenção, não só facto passado mas
sim no futuro vai sujeitar-se a critica de que a pena deixa de centrar-se no facto do
agente e na sua culpa, orientando-se antes para a tutela da confiança e das
espectativas comunitárias e no restabelecimento da paz jurídica.

 Ele entende também que a prevenção geral positiva é um ponto de partida para
resolução de eventuais conflitos com outras finalidades da pena- a prevenção geral
positiva prevalece sobre a prevenção especial positiva, sendo que só é admissível
que se prossiga esta última na medida mínima da prevenção geral positiva.  ele
não entende que a pena desça abaixo do limite mínimo por considerações de
prevenção especial positiva. O professor diz que no conflito entre prevenção geral
positiva e prevenção geral negativa: a prevenção geral negativa não é um efeito
autónomo da pena, mas um efeito lateral desejável da prevenção geral positiva de
tutela de bens jurídicos, ou seja, não se eleva a pena exigida pela tutela de bens
jurídicos apenas por razoes de prevenção geral negativa de intimidação.

 O professor Figueiredo Dias pede ao juiz do caso que partindo da moldura legal da
pena, do limite máximo e do limite mínimo, que defina uma moldura geral
preventiva, sendo que essa moldura tem um limite mínimo e um limite máximo.

o O limite máximo representa o ponto ótimo de tutela de bens jurídicos,


de prevenção geral positiva

o O limite mínimo é constituído pelas exigências irrenunciáveis de tutela


das expetativas comunitárias e defesa do ordenamento jurídico.

o Dentro desta moldura preventiva geral a culpa é um ponto exato

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Teoria da Lei Penal

o Ex. pena legal do homicídio de 8 a 16 anos. Dentro das circunstâncias do


caso concreto define-se uma moldura preventiva geral. O juiz não pode
descer abaixo dos oito anos a menos que se verifique uma das
circunstâncias do artigo 72ºCP, sendo que o artigo 73º rege os termos
dessa atenuação. Voltando ao caso, ou acontecem circunstancias
excecionais e se não houver não se pode descer abaixo.

 A pena da culpa é um ponto exato da moldura preventiva.


Olhando para ao caso concreto, a moldura pode ser de 8 a 12
anos. O juiz pode considerar que o ponto ótimo de tutela de bens
jurídicos pode ser de 12 anos. Como as considerações de culpa
vêm depois, o juiz tem tendência para aplicar a pena máxima
compatível com a culpa. O juiz vai sempre aplicar a pena
preventiva máxima compatível com a culpa.  prof Figueiredo
Dias não autonomiza a culpa da prevenção geral.

 O professor Figueiredo Dias acha que em princípio a pena preventiva geral


positiva será adequada à culpa do agente (axioma). E porque diz isto?

o Porque em princípio a pena preventiva geral é adequada à culpa do


agente.

o Nos casos de atenuação ou agravação da culpa são comunitariamente


percetíveis. E portanto a agravação ou atenuação vai repercutir-se
diretamente numa atenuação ou agravação das exigências de prevenção
geral positiva  é esta ligação que de acordo com a professora Teresa
Quintela de Brito é incorreta porque a culpa tem um conteúdo autónomo
relativamente ao ilícito típico.

o As exigências de prevenção geral positiva são determinadas pelas


circunstâncias que constituem a ilicitude material do facto concreto. As
exigências de prevenção geral estão ligadas à categoria da ilicitude. Ora
a culpa é algo distinto da ilicitude e da prevenção geral.

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Teoria da Lei Penal

o Exemplo de homicídio de Carlos Castro: este homicídio do ponto de vista


de ilicitude é muito grave. Mas quando se passa para a culpa, nós
verificamos que não há uma relação automática direta entre a maior
ilicitude e a maior culpa. Quando se considera a culpa do agente (censura
ético-jurídica) que se pode fazer, deparamo-nos com um grande grau de
perturbação que impede a culpa agravada decorrente a ilicitude
agravada do seu facto. Daqui decorre que não há ligação direta entre a
prevenção geral positiva e a culpa do agente, e isto é assim porque a
culpa tem um conteúdo autónomo relativamente ao juízo de ilicitude.

o A culpa em direito penal é a culpa por um facto ilícito típico. Em princípio


a maior ilicitude determinará uma culpa mais grave, mas o problema é
que a culpa é função do ilícito típico, mas por outro lado tem um
conteúdo material autónomo (caso contrário não se distingue do juízo de
ilicitude). O artigo 71ºCP revela que o conteúdo autónomo da culpa está
na consideração destas circunstâncias que não fazendo parte do tipo do
crime deponham a favor ou contra o agente, sendo que essas
circunstâncias são as enumeradas no nº2  podem ser circunstâncias
anteriores, contemporâneas ou posteriores da pratica do ato. A culpa
não é automática à prática do ato.

o O professor Figueiredo Dias, só subalternizava a culpa à prevenção geral


positiva. O professor manda ainda considerar a prevenção especial “é o
ponto de chegada”. A construção do professor Figueiredo Dias, ao não
autonomizar verdadeiramente a culpa da prevenção geral não vai limitar
a pena.

Posição de Sousa Brito e Fernanda Palma


 Entendem que se deve ser partir da pena da culpa e através dessa deve construir-
se um limite mínimo e um limite máximo. O professor Figueiredo Dias tem muito
receio da moldura da culpa, pois diz que quando se parte da culpa, isso vai cair
na retribuição, e forçosamente se tentará fazer equivaler a pena à culpa do
agente, e assim sendo as considerações preventivas serão subalternizadas à

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Teoria da Lei Penal

culpa.  critica os autores dizem que: quem define as exigências de prevenção


geral positiva é o legislador que define um limite mínimo e um limite máximo da
pena legal, e assim sendo desde que o juiz do caso se mantenha na moldura legal
esta a respeitar as exigências de prevenção geral positiva.

 Para estres autores faz sentido partir da culpa, e da moldura penal da culpa,
entender que a partir das circunstâncias objetivas e subjetivas do caso concreto
é possível definir um naipe de penas ainda compatíveis com a culpa dentro de
um limite mínimo exigido pela culpa, e um limite máximo de culpa. É
precisamente dentro da moldura da culpa se vão realizar as finalidades
preventivas.

 Professor Sousa Brito: concebe a pena como reparação da culpa e entende com
este modelo é compatível como a primazia da prevenção geral ou especial.
Argumentos:

o A culpa não pode limitar a media da pena sem medir a pena pela culpa
(40/2º CP). Medir a pena pela culpa é conteúdo mínimo de retribuição 
de destacar que não é defendida uma teoria retributiva pura.

o Constitui uma exigência ética que a pena tenha em vista a culpa passada,
dado o caráter (também) moral do juízo de culpa jurídico penal e a ligação
da culpa a dignidade da pessoa humana  eu só posso censurar alguém
por um facto se houver responsabilidade pessoal, e assim sendo o juízo
de culpa é assim um juízo moral. O pensamento de culpa está ligado a
dignidade da pessoa humana e ao seu direito a liberdade, e assim a ideia
de reparação da culpa através da pena é a forma de respeitar a dignidade
humana e a liberdade da mesma.

o Na ótica da retribuição da culpa, a pena surge como uma forma de


valorização social do delinquente e de reparação do dano que causou a
si próprio com a prática do crime.  podemos ver um crime como um
mal de tripla aceção: para a vítima, para a sociedade e para o próprio
criminoso, porque o agente que pratica o crime está a negar um bem

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Teoria da Lei Penal

jurídico que reivindica para si mesmo. Portanto ele vai negar


relativamente a uma pessoa um bem que reivindica para si mesmo, e
quando nega um bem jurídico a alguém está a colocar-se fora da
sociedade. Ao violar o contrato social está a causar um mal a ele próprio,
desinserindo-se socialmente. Então a pena surge como forma de
revalorização e reintegração social do delinquente, pois está a reparar o
mal que ele causou a si mesmo quando causou o crime, e
simultaneamente há uma revalorização social, pois se ele cumpriu a sua
pena pagou a sua “dívida” para com a sociedade, e assim a sociedade tem
de o reintegrar juridicamente, sendo que a se pagou a divida pode ser
reintegrado.

o Teoria da pena como reparação da culpa mediante reintegração do


criminoso: reintegração jurídica do criminoso como direito de que
cumpriu a pena; reparação da culpa através da pena como único fim que
é específico da pena criminal  as medidas se segurança também
prosseguem finalidade preventivas e preventivas gerais, e não apenas a
pena. Todas as medidas sancionatórias em gerais prosseguem a
prevenção geral positiva, sendo que até as próprias coimas tutelam bens
jurídicos. Até as medidas de polícia prosseguem finalidades de tutela de
bens jurídicos. A única finalidade típica da pena criminal é a reparação da
culpa do agente.

o Primeiro passo da terminação judicial da pena: determinar a moldura


penal da culpa (mínima e máximo) dentro da medida legal da pena, sendo
a espécie e a medida da pena sempre determinadas pela prevenção
especial e prevenção geral

o O princípio da necessidade da pena logo aponta para a escolha da pena


mínima ainda ajustada a culpa  tendo em conta o princípio da
necessidade de pena vai apontar para a pena mínima ajustada a culpa.

o A prevenção geral exigida pela reparação da culpa diverge da prevenção


geral como fim autónomo da pena.  no âmbito de prevenção geral
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Teoria da Lei Penal

positiva tendo a aproximar a pena da culpa da prevenção geral; quando


se parte da culpa, a prevenção geral surge funcionalizada a culpa e como
intervém o princípio da necessidade, vou aplicar a pena mínima da
prevenção geral e não a medida máxima de prevenção geral compatível
com a culpa.

o Sendo a prevenção especial positiva a dar conteúdo material à reparação


da culpa através da pena, a retribuição exige que se preencha a pena
devida pela culpa com todo o conteúdo possível de prevenção geral
positiva  eu só posso exigir que o agente cumpra uma pena se assim se
poder realizar um bem, de acordo com a prevenção especial positiva. A
pena da culpa deve permitir na medida máxima a realização da
prevenção real positiva.

o A pena concreta pode ficar aquém do limite mínimo da culpa por


exigências de prevenção especial, a menos que excecionalmente a isso
se oponham considerações mínimas de prevenção geral  algo não
permitido por Figueiredo Dias. Só assim não será se a esse abaixamento
da pena se opuserem considerações mínimas de consideração geral. Ou
seja, dentro da pena da culpa deve realizar-se a máximo a prevenção
geral positiva. Assim o Conselheiro acha que se deve descer abaixo da
pena da culpa, por razões de prevenção especial positiva, mas
excecionalmente as exigências mínimas de prevenção geral podem opor-
se ao abaixamento da pena. Assim é porque não é função do estado de
direito retribuir a culpa. Voltamos ao artigo 73ºCP para demonstrar que
a prevenção geral positiva excecionalmente pode exigir que o agente
cumpra uma pena da culpa que não seria necessária da ótica da
prevenção especial positiva.  exemplo do caso do guarda, em que
considerações de prevenção gera positiva que se opuseram a suspensão
da execução da pena que era aconselhável no ponto de vista da
prevenção especial positiva.

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Teoria da Lei Penal

 Na atenuação da pena do artigo 73º é ditada por um especial


abaixamento das exigências de ilicitude, de culpa ou necessidade
da pena. A atenuação está muito ligada a considerações de
prevenção geral positiva. Aqui neste artigo não é possível baixar-
se a pena abaixo do limite mínimo da pena de prisão (1 mês,
artigo 41/1) ou de multa (artigo 73/2 c))  assim o é por
considerações de prevenção geral.

 Porque é possível a substituição de pena de prisão até um ano


(artigo 43)? Se a pena for superior a um ano a ideia de substituir
a prisão por multa não é admissível- isso acontece baseado na
prevenção geral positiva.

 Artigo 50º: só a pena de prisão não superior a cinco anos pode ser
suspensa na sua execução. Ou seja, se o juiz aplicar pena de seis
ou sete anos, não pode haver suspensão por considerações de
prevenção geral positiva.

 Artigo 58º: só há substituição por pena de trabalho em penas não


superiores a dois anos.

o Sousa Brito não defende um primazia da culpa na determinação da pena,


mas a primazia de qualquer combinação de fins preventivos partindo da
pena da culpa  parte-se da pena da culpa, mas não se tem de dar
primazia da culpa, a primazia cabe sempre à prevenção, especialmente à
especial positiva, e só excecionalmente as exigências mínimas de
prevenção especial podem exigir que agente cumpra uma pena que não
seria necessária a luz da prevenção geral.

o A preponderância da prevenção geral na determinação da pena permite


a instrumentalização da pessoa do delinquente à realização de fins de
utilidade social e favorece o desrespeito da separação de competências
entre o legislador penal e o juiz  critica diretamente Figueiredo Dias
que acha que a prevenção geral positiva é sempre desgamada de todo o
pensamento da culpa. Quando se parte desta autonomização da
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Teoria da Lei Penal

prevenção geral positiva estamos a instrumentalizar a pessoa do


delinquente à realização de fins sociais, e não estamos a respeitar a
separação de competências entre legislador e juiz, pois o primeiro define
molduras legais das penas, e cabe ao segundo determinar a pena da culpa
dentro dos limites legalmente estabelecidos. Não cabe ao juiz do caso
concreto definir uma moldura de prevenção geral ajustada ao caso
concreto, pois aí está a substituir-se ao legislador penal.

 Modelo de reparação da culpa através da pena preventiva (Sousa Brito) 


partindo da moldura legal da pena (construída a partir das exigências de
prevenção geral positiva e negativa), procura-se a moldura da culpa ajustada ao
caso concreto.

o Limite máxima da pena da culpa

 Entre estes limites e até abaixo da pena mínima da culpa deve


realizar-se ao máximo a prevenção especial positiva.

o Limite mínimo da pena da culpa, abaixo do qual se poder descer por


razoes de prevenção especial positiva, exceto que a isso se opuserem
exigências mínimas de prevenção geral positiva

Princípio da legalidade
Características
 Esta consagrado no artigo 29º da Constituição.

o O artigo 29º diz que ninguém pode ser sentenciado sem ter por base lei
anterior, ou sofrer medida de segurança sem base em lei anterior. Ora o
princípio da legalidade penal está inserido nos DLG’s dos cidadãos.

 Ora historicamente este princípio afirmou-se como garantia do cidadão face ao


poder punitivo do estado. Este princípio não é apenas um princípio/ideia geral do
direito, no sentido de ser uma ideia que explica e que condiciona determinadas
soluções normativas, e cuja violação apenas se verifica através de lesões
particularmente intensas, como acontece por exemplo no caso do princípio da

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Teoria da Lei Penal

necessidade da pena. O princípio da legalidade é uma norma jurídica de aplicação


direta tanto ao legislador como ao julgador.

o Aplica-se diretamente ao legislador no ato de criação da norma.

o Vincula o julgador na interpretação e aplicação da norma penal.

 Diferentemente os princípios da necessidade da pena e da culpa já são meras ideias


gerais de direito, já não são de aplicação direta, porque a sua aplicação e violação
dependem sempre de uma argumentação. Essa violação só pode manifestar-se para
lá de toda a dúvida perante uma lesão grave.

 Estamos então perante princípios de natureza diferente: uns são ideias gerais do
direito; outras são verdadeiras normas jurídicas aplicadas quer ao legislador quer ao
julgador

Fundamentos
 Temos a posição do professor do Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho por um lado;
e Fernanda Palma e Sousa Brito por outro- divergência quanto à fundamentação da
prevenção geral e na culpa:

 Figueiredo Dias e Taipa de Carvalho dizem que o princípio da legalidade tem


fundamentos externos ou jurídico políticos que são o princípio liberal, democrático
e da separação de poderes; e fundamentos internos que são os fundamentos político
criminais ou especificamente jurídico penais. As funções do direito penal são de
prevenção geral de intimidação e culpa.

 Fernanda Palma acha que o princípio da legalidade não se deve fundamentar nos
fins das penas e na ideia de culpa.

 O princípio liberal (IDEIA COMUM A TODOS OS AUTORES) diz que toda a intervenção
do estado nos direitos, liberdades e garantias, deve ligar-se à existência de uma lei
geral, abstrata e anterior à prática do facto. Portanto vai ligar-se à problemática do
artigo 18º n 2 e 3 CRP

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Teoria da Lei Penal

 Os princípios democrático e de separação de poderes vêm dizer que só a assembleia


do povo, que é o titular último do ius puniendi, tem legitimidade para decidir da
intervenção penal através de uma lei.

 Já quanto aos fundamentos internos é que a divergência ocorre. Figueiredo Dias e


Taipa de Carvalho vão dizer que o fundamento interno são a prevenção geral e pela
ideia de culpa. Por exemplo, o professor Taipa de Carvalho diz que o princípio da
legalidade penal constitui uma exigência lógica da função de orientação de condutas
da norma penal e da própria função de intimidação geral da pena criminal. O
professor Figueiredo Dias na mesma linha diz que só é possível censurar o agente
pela prática de certo facto se no momento anterior à prática desse mesmo facto
uma lei o qualificar como crime  invoca o princípio da culpa, mais a função de
orientação de condutas da norma penal; esta só pode ser orientação de condutas,
se no momento anterior à pratica do facto existir uma lei que defina claramente
quais são os comportamentos puníveis.

 Esta ideia é contestada por Sousa Brito e por Fernanda Palma, porque entendem
que o principio da legalidade como garantia dos direitos individuais não decorre nem
da teoria dos fins das penas nem da ideia de culpa, porque nenhuma destas ideias
consegue fundamentar as diversas consequências do princípio da legalidade. Uma
das consequências é a proibição da analogia agravante da responsabilidade- art
1º/3 do CP- ora um dos principais corolários é a proibição do recurso à analogia para
definir uma pena  se pensarmos em fins de penas, os fins de penas que justificam
a punição dos casos previstos na lei, justificariam a punição dos casos análogos 
os mesmos fins das penas que justificam a punição por caso previsto, justificariam
do caso análogo.

 Outra razão: a culpa e a ideia de retribuição também não fundamenta o princípio


da legalidade e os seus corolários. Porque o princípio da legalidade também se
aplica às medidas de segurança e seus pressupostos. Ora as medidas de segurança
não têm como pressuposto a culpa mas a perigosidade do agente.

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 Outro argumento contra: ideia de culpa e de retribuição quanto muito justifica um


dos corolário o nullum crimen sine lege (não há crime sem lei), já não justificando
o princípio nulla poena sine lege (não há pena sem lei).

 A ideia de prevenção geral, sobretudo negativa, não consegue fundamentar o


princípio da legalidade e os seus corolários porque os inimputáveis que também
beneficiam desses corolários não são passiveis de intimidação nem são capazes de
se motivar pelas normas penais.  os inimputáveis são os menores de 16 anos e
os portadores de anomalia psíquica (artigos 19º e 20º CP). Ora os inimputáveis são
aqueles que quanto as eles não é possível formular juízo de culpa, pois são incapazes
de culpa. A incapacidade de culpa traduz-se segundo o artigo 20º/1 CP na
incapacidade de avaliar a ilicitude do facto e/ou de se determinar de acordo com
essa avaliação. Resulta que os incapazes de culpa não são suscetíveis pela
intimidação pela ameaça de pena e relativamente a eles a norma penal não
consegue cumprir a sua função de orientação de condutas.

o Para estes autores é importante que haja uma lei que defina o facto como
crime, de que defina que não há crime sem lei. Já não faz parte do seu
argumento a legalidade das penas, ou seja, de que não há pena sem lei.

 Não há crime nem pena sem lei:

o Escrita: restrição quanto as fontes de direito penal. A única fonte permitida


é a lei da AR:

o Estrita: proibição da analogia incriminatória ou agravante da


responsabilidade.

o Certa: exigência da tipicidade e da determinação do facto punível.

o Prévia: resulta a proibição de retroatividade incriminatória ou agravante da


responsabilidade.

 Se tivermos em conta que isto vale para agente imputável ou inimputáveis vemos
que não podem fundamentar-se nas penas e nos fins das culpas.

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 A ideia central é a da segurança dos indivíduos frente ao estado que só se realiza


através do controlo da própria criação e aplicação do direito penal. É preciso
controlar a aplicação do direito penal pelo julgador. Em direito penal só é permitida
a interpretação declarativa lata, quando se trata de fundamentar ou agravar a
responsabilidade do agente; tem de haver um controlo democrático dos limites da
interpretação do direito penal, sendo proibida a aplicação analógica desfavorável.

Medidas de segurança e princípio da legalidade


 O princípio da legalidade e os seus corolários aplicam-se as medidas de seguranças
e seus pressupostos- todos eles. Entendendo-se por pressupostos os factos que
documentam a perigosidade criminal do agente.

 A constituição portuguesa é das poucas que submete as medidas da segurança ao


princípio da legalidade- artigo 29 nº1/3/4 da CRP.

 Todavia há quem pense que sendo o fundamento das medidas de segurança a


perigosidade e não a culpa do agente nada obstaria à aplicação retroativa de
medidas de segurança. Neste sentido deporia ainda a primordial finalidade de
prevenção especial positiva das medidas de segurança.  é evidente que uma
construção deste tipo só prevalece quando se vê que o principio da legalidade é a
culpa e as finalidades das penas, designadamente a prevenção geral. Contudo essa
não é a orientação do CP português. Nesse sentido depõem os artigos 1º n1/2 e o
artigo 2/1. Isto porque relativamente as medidas de segurança valem as mesmas
exigências de proteção de DLG que se reivindicam quanto as penas.

o Artigo 1/2: proibição de retroatividade das medidas de segurança.

o Artigo 1/3: proibição de analogia relativamente as medidas de segurança e


seus pressupostos.

o Artigo 2/1: o mesmo princípio que vale para as penas vale para as medidas
de segurança. Releva sempre a lei que está em vigor no momento da prática
do facto.

 Entre nós a professora Maria João Antunes, secundada pelo professor Figueiredo
Dias, defende a teoria diferenciadora em matéria de medidas de segurança. Essa
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Teoria da Lei Penal

teoria distingue entre pressuposto de medida de segurança e pressuposto do juízo


de perigosidade criminal.

o Quanto ao pressuposto da medida de segurança, este é a prática de um


facto ilícito típico. Aqui vale a lei que estiver em vigor no momento da
respetiva prática. Isto significa que a medida de segurança só pode ser
aplicada se o facto for descrito e declarável passível de pena no momento
anterior à sua pratica  medida de segurança do pode ser aplicável com
base em leis em vigor anterior ao momento da pratica

o Quanto aos pressupostos do juízo de perigosidade, Maria João Antunes e


Figueiredo Dias consideram que se deve aplicar a lei que está em vigor no
momento do julgamento. A medida de segurança a aplicar em concreto e a
sua duração são definidas pela lei em vigor no momento do julgamento por
ser nesse momento que se tem de verificar o preenchimento do pressuposto
da perigosidade criminal do agente. Logo admitem que no momento da
decisão possa aplicar-se uma medida de segurança não prevista no momento
da prática do facto do ilícito típico.

 Parece que tal pode dar origem a retroatividade desfavorável (in pejus). Esta teoria
diferenciadora distingue ao nível dos pressupostos, o pressuposto do facto ilícito
típico que é distinguido do juízo de perigosidade, submetendo o pressuposto do
facto ilícito típico, à lei vigente da prática do agente; e submetendo a segunda fase
para a lei vigente no julgamento. Assim esta lei vem a tratar pior os agentes
inimputável do que os agentes imputáveis e faz isto à revelia do espírito da
constituição e da lei, que em sede de principio da legalidade pretendeu equiparar as
penas e as medidas de segurança.

 O facto de o juízo de perigosidade criminal ter de ser formulado no momento do


julgamento não legitima a distinção entre os pressupostos das medidas de
segurança. Portanto releva sempre a perigosidade e os seus pressupostos todos eles,
segundo a lei vigente no momento da prática do facto do ilícito típico. Há apenas
que averiguar no momento da decisão se se mantem ou não a perigosidade criminal
já manifestada no facto ilícito típico, tal como sucede na execução da medida de
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Teoria da Lei Penal

segurança  são obrigadas as revisões das medidas de segurança de dois anos, sedo
que esta pode ser revogada com base na cessação da perigosidade criminal.

 A professora Teresa Quintela de Brito considera que quanto às medidas de


segurança valem os mesmos pressupostos do princípio da legalidade que para as
penas, que tem como fim considerar a perigosidade do agente na prática do facto
do ilícito.  a proibição de retroatividade desfavorável vale também para os
imputáveis como para os inimputáveis.

Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta


 Tem como consequência imediata a exclusão do costume como fonte de normas
penais positivas. A exceção está no artigo 29/2 da CRP.

 Em regra o costume não é modo de criação ou de limitação positiva de normas


penais por haver reserva de lei formal, sendo que a consequência é a exclusão do
costume como fonte de direito penal.

 Portanto ele não pode ser fonte de normas penais positivas, contudo pode ter uma
função negativa de revogação total ou parcial de normas penais. O costume pode
revogar total ou parcialmente normas penas, e pode servir para interpretar.

 Tem um papel fundamental no preenchimento de certos conceitos que a lei penal


utiliza, como por exemplo “ato sexual de relevo” ou “bons costumes”. Todo este tipo
de conceitos indeterminados exige uma valoração para serem preenchidos feita pelo
costume.

 A exceção é o costume internacional (artigo 29/2): mesmo na ausência de uma


norma penal interna ou tribunais portugueses podem aplicar as normas de direito
internacional geral ou comum que considerem criminosos determinados factos.
Contudo isso só pode ser feito nos limites da lei interna.

 O artigo 29º/2 CRP surge na sequência dos julgamentos de Nuremberga e de Tóquio


que levaram à responsabilização criminal dos que praticaram crimes legitimados por
aparelhos de poder e por leis internas que permitiam a violação de direitos
fundamentais. Todavia esses crimes violavam valores universais e portanto o artigo
29º/2 CRP exprime um compromisso de perseguição desses crimes mesmo sem lei
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Teoria da Lei Penal

interna prévia com base no costume internacional ou naquilo que começou por
chamar “os princípios aceites pelas nações civilizadas”. O fundamento da reserva de
lei que é a segurança democrática não invalida esta exceção pois à segurança como
valor formal contrapõe-se uma segurança fundamentada pelo respeito pelos valores
humanos essenciais, ou seja, as expetativas dos agentes de não serem incriminados
não são válidas quando se fundam numa legalidade criminosa. Há aqui a necessidade
de contrapor uma segurança em sentido formal e em valor material, que é o respeito
pelos valores essenciais.

 Para compreender este artigo temos de olhar para o artigo 8º CRP que contem uma
cláusula de receção automática do direito internacional geral ou comum. O artigo
29º/2 CRP autoriza os tribunais a aplicar direito internacional nos limites da lei
interna. Isso significa que os tribunais devem aplicar o direito penal substantivo
português no que respeita às penas, às suas finalidades, aos critérios de
determinação da pena concreta e limites das penas  aplicação de artigo 40 + 71 +
41 + 47 CP. Os tribunais têm ainda de aplicar o direito processual nacional no que
respeita ao processo e as suas garantias e além disso tem de ser uma punição
respeitadora do princípio da legalidade e seus corolários.

 No que respeita à fonte de incriminação não há qualquer problema na medida em


que conforme com o artigo 8º/1 da CRP o direito internacional é parte integrante do
direito português numa posição idêntica a lei interna. Também não há problemas
quanto à proibição de retroatividade desfavorável: artigo 29º/2 CRP considera que
a ação ou omissão têm de ser consideradas criminosas no momento da conduta.

 A norma de direito internacional deve descrever de modo, claro, preciso e


determinado a conduta. O direito internacional é sobretudo direito consuetudinário
e um dos problemas desse direito é a sua indeterminação. Mas onde as coisas se
complicam é quanto ao princípio da conexão entre o facto punível e a pena
correspondente. E porquê?

o Porque mesmo quando as normas de direito internacional contêm previsões


claras determinadas das condutas, raramente contêm normas penais
completas, ou seja, raramente definem a sanção correspondente ao facto
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Teoria da Lei Penal

punível. Se se considerar o estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional


e se formos ao artigo 77º que é acerca de violações de direito humanitário
só são previstos de forma genérica quanto às penas que há a possibilidade
de pena de prisão com limite máximo até 30 anos; admite a pena de prisão
perpétua e prevê a possibilidade de pena de multa entregando ao juiz o
estabelecimento da conexão entre o crime a pena correspondente o que
viola o princípio da legalidade e da separação de poderes entre poderes
legislativo e judicial. Precisamente porque isto acontece é que o legislador
nacional sentiu necessidade através da lei nº 31/2004 de proceder à
adaptação da legislação penal portuguesa ao estatuto do TPI, tipificando as
condutas que constituem os crimes de direito internacional humanitário.
Sousa Brito diz que o costume penal internacional só pode ser aplicado pelos
tribunais portugueses se tiver sido convertido ou pelo menos adaptado por
uma lei formal interna.  porque o costume penal internacional não tem
normas penais completas só pode ser aplicado depois de adaptado por uma
lei formal interna, sendo que o exemplo paradigmático é essa tal lei nº
31/2004.

o Quanto a isto a professora Fernanda Palma reconhece que o costume penal


internacional não tem normas penais completas, pois não há sanção quanto
aos factos puníveis. Ela pretende que os tribunais portugueses com base em
raciocínios analógicos, apliquem aos factos puníveis pelo costume
internacional as penas previstas para os factos semelhantes da ordem
interna, tendo em conta proporcionalidade entre o facto e a pena.

Âmbito da reserva de lei


 Será que só serve para a criminalização ou agravar a responsabilidade criminal
ou alarga-se também às normas que atenuam?

 Artigo 165 CRP: reserva de lei é sobre crimes e respetivos pressupostos. Então tendo
em conta os fundamentos do princípio da legalidade, da reserva de lei, que são a
segurança jurídica, a separação de poderes e o princípio democrático, pergunta-se
se se aplica apenas às normas penas positivas (fundamentam ou agravam a

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responsabilidade penal) ou se o princípio da reserva de lei também se aplica a


normas penais negativas, que atenuam ou excluem as responsabilidade penal? A
jurisprudência do Tribunal Constitucional vem sustentando que a reserva de lei inclui
tanto a criminalização (a maior criminalização) como a descriminalização e a menor
criminalização.

 Contudo na doutrina tal ideia é contestada.

o Desde logo o conselheiro Sousa Brito, que entende que a função de garantia
dos direitos fundamentais contra a arbitrariedade e os excessos do poder
punitivo desempenhados pelo princípio da legalidade, implica que a reserva
de lei só valha para o direito penal como conjunto de normas sancionadoras,
ou seja, para as normas que fundamentam ou agravam a responsabilidade
penal. Em seu entender o princípio da reserva de lei já não abrange as
normas que excluem ou atenuam a responsabilidade penal nem sequer
aquelas que preveem causas de exclusão da ilicitude do facto.

o Opinião semelhante tem o professor Figueiredo Dias que entende que em


rigor o conteúdo do sentido do princípio da legalidade só abrange as normas
que fundamentam ou agravam a responsabilidade penal, e já não se estende
as normas que atenuam a mesma. No entanto o professor reconhece que
isso significaria admitir a competência concorrente do governo com a da AR
para excluir ou atenuar a responsabilidade penal antes definida pela AR. O
que a bem de ver não é permitido, pois o governo não pode só por si atenuar
a responsabilidade. No entender do professor são razoes jurídicas
resultantes à delimitação das esferas de competência legislativa do Governo
e da AR que explicam que os movimentos de descriminalização e de
atenuação da responsabilidade compitam a AR  ou seja, é um problema
jurídico de articulação das esferas de responsabilidade.

o Opinião semelhante a Figueiredo Dias tem também Faria Costa: também ele
entende que face ao princípio da legalidade não se justifica exigir lei formal
para descriminalizar ou despenalizar, todavia, uma interpretação

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Teoria da Lei Penal

constitucionalmente fundada impõe a identidade de modos de legislar


quanto à criminalização, descriminalização e despenalização.

o Efetivamente segundo Jorge Miranda e Rui Medeiros, na competência para


definir crimes esta implícita a competência para estabelecer causas de
justificação e para descriminalizar. Porque na verdade só quem pode criar os
tipos legais de crime, pode suprimi-los. Em contrapartida as causas de
exclusão da culpa e as circunstâncias atenuantes da responsabilidade penal
não têm de submeter-se à reserva de lei em sentido formal

 A conclusão de todos é quanto a causas de exclusão da culpa não é necessária a


reserva de lei em sentido formal e é isso que resulta do CP nos termos dos artigos
71º/2 + 71º/2. Vamos ver que há enumeração exemplificativa das circunstancias
atenuantes gerais ou das circunstancias atenuantes especiais. Tal distinção é
paralela às atenuantes gerais e atenuantes especiais:

o As circunstâncias agravantes/atenuantes gerais respeitam a medida


concreta da pena dentro da moldura penal/ medida legal da pena.

o As especiais levam à alteração dos limites mínimos e máximos da moldura


penal.

 A verdade é que há autores que negam que seja uma decorrência do princípio da
legalidade que as normas penais negativas sejam uma decorrência do mesmo. A
verdade é que ao menos por razoes constitucionais ou por razoes jurídicas de
delimitação de esferas de competência, acabam por reconhecer que quem tem
poder de legislar positivamente tem poder para descriminalizar. Esta questão
coloca-se em termos diferentes quanto as causas de exclusão da culpa e da ilicitude:

o Quanto as causas de exclusão da culpa não é grave não estarem submetidas


a reserva, mas quanto a causas de exclusão da ilicitude é mais grave (legitima
defesa, estado de necessidade…). O reconhecimento das últimas vai
repercutir-se na limitação dos direitos dos sujeitos conflituantes e portanto
vai imiscuir-se na sua esfera de liberdade e de segurança.

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Teoria da Lei Penal

 Então quanto às clausulas de justificação como elas interferem nas esferas de


liberdade dos agentes, é possível defender que as causas de exclusão de ilicitude
devem ser cobertas por reserva de lei, como decorrência do principio da legalidade.
 posição de Fernanda Palma.

É possível a aplicação analógica de causas de exclusão da ilicitude?


 Em matéria de causas de justificação hoje a professora Fernanda Palma defende que
em princípio as causas de exclusão da ilicitude não estão sujeitas a proibição da
analogia o que parece resultar do artigo 1º/3 do código penal. Só que a professora
Fernanda Palma acha que se tem de distinguir as causas de justificação gerais das
causas de justificação especiais:

o Nas causas de justificação gerais, são por exemplo a legítima defesa, estado
de necessidade, que se aplicam a todos os crimes indiferenciadamente,
desde que se verifiquem os pressupostos da respetiva causa de exclusão.

o Há outra categoria distinta que são as causas de justificação especiais que só


se aplicam a dados que crimes e que implicam uma compressão excecional
de direitos e liberdades fundamentais. Exemplo paradigmático de tal é a
permissão de escutas telefónicas no âmbito da investigação criminal. Essa
prática é um crime que é a devassa da vida privada previsto no artigo 192º
do CP. Mas o artigo 187 do CPP permite que no âmbito da investigação
criminal de dados crimes seja permitida a realização de escutas telefónicas.

 Relativamente a estas causas de justificação especiais não é possível nunca a sua


aplicação analógica, porque se fosse possível iria permitir-se a aplicação de estas
para além do catálogo legal, e assim se tal fosse permitido seria feita a aplicação
analógica de uma norma excecional, sendo tal proibido pelo Código Penal  tal
aplicação era contraria ao principio da liberdade e ia esvaziar de sentido a própria
limitação legal das escutas a dado catálogo de crimes, esvaziando de sentido o
conteúdo dos próprios direitos fundamentais afetados, que é o direito à vida
privada, sendo tal proibido pelo artigo 18/3 CRP.

 Relativamente às causas gerais de justificação que são as que são válidas para todo
e qualquer crime em princípio desde que verifique os seus pressupostos. Em
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Teoria da Lei Penal

princípio não é proibida a analogia porque elas têm que ver com a liberdade em
geral, ou seja, toda e qualquer pessoa pode agir em legítima defesa, estado de
necessidade, conflito de deveres. Está em causa a liberdade geral uma vez
verificados os pressupostos. Relativamente às causas gerais, em princípio não é
proibida sua aplicação analógica contudo, contudo só é possível se for autorizada
pelos princípios orientadores de cada causa de justificação  o alargamento da
legitima defesa a agressões não atuais, não viola a proibição da analogia em si, mas
sim o princípio fundamentador dessa causa de justificação que é a insuportabilidade
da não defesa necessária perante uma agressão ilícita, isto é, a ideia de que ninguém
está obrigado a suportar uma agressão ilícita. Isto porque esta ideia só vale para
agressões atuais, sendo impossível estabelecer paralelo entre agressões atuais e
futuras, sendo que nesse ultimo caso não há insuportabilidade da não defesa
necessária.

o Por exemplo, a instalação de dispositivos elétricos em torno de uma


propriedade que provoque descargas elétricas não está coberta pela legítima
defesa pois o que há aqui é antecipação de meios de defesa a agressões
futuras que não é certa mas apenas eventual.

o É possível a partir de certos princípios justificadores de condutas identificar


causas supra legais de justificação, sendo que a aplicação analógica de causas
de justificação lega a construção de causas supralegais por via de princípios
justificadores  um exemplo compatível é a legitima defesa preventiva, que
não está prevista no artigo 32. Esta é uma causa de justificação supralegal
construída através do principio legitimador da legítima defesa que é a
insuportabilidade da agressão. Supondo que uma pessoa fisicamente
debilitada e que vive sozinha sabe que vai ser cometida contra ela uma
agressão e se esperar pelo início da mesma não se pode defender. Nestes
casos é permitida a legítima defesa preventiva que é limitada quanto aos
meios e quanto à amplitude da defesa.

 Não são as exigências formais que proíbem a analogia, são sempre razões materiais
que quanto às causas gerais são os princípios fundamentadores das causas de

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Teoria da Lei Penal

justificação. Quanto às causas de justificação excecionais que correspondem a


permissão excecional de restrição de DLG quanto a essas são os direitos e liberdades
fundamentais que obstam a qualquer aplicação analógica que é proibida.  posição
de Fernanda Palma.

Exigência de determinação da normal penal e o problema do uso pelos tipos legais de


elementos normativos, conceitos indeterminados, clausulas gerais e formas gerais de
valor
 É mais ou menos inevitável que as normas penais recorram a cláusulas gerais, mas
há que saber distinguir o uso constitucionalmente permitido de conceitos
indeterminados de quando há violação do princípio da legalidade na vertente da lei
certa.

 Ideia de que o uso de conceitos indeterminados, de cláusulas gerais, de elementos


normativos nunca pode impedir a determinação do comportamento punível e a
orientação dos destinatários quanto às condutas permitidas e proibidas. Sempre que
o uso de conceitos indeterminados e cláusulas gerais impeça a determinação do
comportamento punível, essas normas penais são materialmente inconstitucionais
por violação da exigência de lei certa e serão organicamente inconstitucionais por
violação da reserva de lei  se as normas são indeterminadas e imprecisas tudo lá
cabe, e desse modo é o principio democrático, da separação de poderes que é posto
em causa. Quanto às normas penais em branco estas não podem ser totalmente em
branco, só parcialmente em branco. Normas penais em branco só são
constitucionais se não impedirem o comportamento determinante punível, e a
orientação dos agentes sobre qual o comportamento que é punido.

 O principio da determinação abrange a previsão e estatuição da norma. Portanto as


normas incriminadoras devem determinar com exatidão o âmbito do proibido e a
respetiva consequência, a sanção. As normas penais incriminadoras descrevem
figuras ou tipos de factos puníveis que correspondem a imagens sociais de certos
comportamentos  há uma imagem social do que é o homicídio, ofensa à honra, e
com base na imagem social destes comportamentos, o legislador constrói os tipos
penais.

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 Nenhum comportamento pode ser considerado como criminoso se não


corresponder a um tipo legal, que deve ser descrito com precisão por um preceito
legal.

 A tipicidade traduz a exigência de adequação ou conformidade do facto concreto a


um tipo legal de crime, ou seja, a conformidade do caso concreto ao caso legal 
por exemplo o facto concreto pode ser A empurrar B, este bater com a cabeça na
banheira e morrer. Temos de ver se isto corresponde a um tipo de homicídio- que
comporta dados elementos objetivos e subjetivos- tipos que comparar o facto
concreto com o facto legal  pode ser homicídio negligente; ofensas à integridade
física agravada pela morte.

 Portanto são corolários da reserva de lei, as exigências de determinação da lei penal


e da tipicidade do comportamento punível.

 Então o que implica a exigência de lei certa e determinada? Significa que a descrição
da conduta proibida e de todos os outros requisitos positivos da concreta
punibilidade do facto deve realizar-se de modo a serem objetivamente
determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e consequentemente
objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos. Portanto a exigência
de lei certa e determinada liga-se à função de determinação de condutas da norma
penal e ao princípio da culpa, porque só pode ser dirigido um juízo de censura ao
agente por ter realizado um facto ilícito típico se à partida ele o podia conhecer, se
a norma incriminadora distinguia de forma clara os comportamentos permitidos e
proibidos. Só assim o agente pode ser punido pela norma penal.  a norma penal
tem função de valoração e determinação de condutas:

o Tem na sua base um juízo de determinação quanto a essencialidade de


determinados bens jurídicos e quanto à ofensividade de determinadas
condutas e é a partir deste juízo de valoração que a norma penal constrói um
comando dirigido ao destinatário, e então temos a norma de determinação
de condutas que emerge do tipo legal de crime.

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Teoria da Lei Penal

 As normas incriminadoras recorrerem à linguagem comum que é feita de conceitos


indeterminados que carecem de preenchimento  uma palavra pode ter diversos
significados conforme o contexto. Então é impossível que as normas incriminadoras
não tenham de recorrer a elementos normativos, conceitos indeterminados e
cláusulas. Apesar do recurso a esses conceitos continua a ser possível determinar a
conduta proibida e os demais elementos da punibilidade, pois se tal for prejudicado
é evidentemente violado o princípio da legalidade na sua vertente da determinação
ou da lei certa

o Por exemplo, um elemento normativo é aquele cuja compreensão passa pela


utilização de elementos não descritivos. No tipo legal há elementos
descritivos cuja apreensão depende de juízos empíricos de apreensão da
realidade

o Os elementos normativos são aqueles cujo preenchimento não depende de


perceção sensorial mas de o recurso a outras normas jurídicas.

o No crime de furto os elementos normativos são os que exigem o recurso a


juízos normativos, ou seja, o recurso a normas jurídicas ou sociais. Mesmo os
elementos ditos descritivos nunca são puramente descritivos.

 Crime de furto do artigo 203 do CP:

o Conceito de coisa é o elemento descritivo do tipo, o que é uma coisa é algo


sensorialmente percetível.

o Contudo coisa alheia já é elemento normativo do tipo, pois para o seu


preenchimento vou ter de ir ao CC para preencher este conceito.

 Na cláusula dos bons costumes: artigo 38/1 CP

o Condiciona a operatividade do consentimento como exclusão da ilicitude,


pois este consentimento não pode ofender os bons costumes.

o O preenchimentos desta cláusula implica que se recorram a normas sociais.

o Para preencher os bons costumes terá de se recorrer a normas sociais, mas


temos outras normas orientadoras como o artigo 149º que diz que a
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Teoria da Lei Penal

integridade física é disponível (ao contrário da vida que não é disponível) 


daí o homicídio a pedido da vitima ser crime. O 149/2 diz que para se saber
se a ofensa contraria ou não os bons costumes terá de se corresponder a
uma série de critérios que nos irão auxiliar nesse preenchimento da clausula.

 Motivos ou fins do agente do crime

 Meios utilizados e amplitude da ofensa

o Isto significa que é possível doar um rim com uma finalidade terapêutica. A
finalidade e os meios de extração do rim pode operar a exclusão da ilicitude.
Contudo se alguém quiser que lhe seja extraído um rim para vender, a
clausula dos bons costumes já se opõe a isso.

o CONCLUSÃO: a cláusula recorre a regras sociais para o seu preenchimento


como de regras jurídicas.

 A violação dos princípios da determinação e da tipicidade não se dá logo que o


legislador utilize elementos normativos, elementos indeterminados ou clausulas
gerais. A inconstitucionalidade depende do grau de imprecisão, indeterminabilidade
do conteúdo da norma, do artificialismo dos conceitos e do nível da sua inserção na
linguagem vulgar.

 Há violação da reserva de lei e das exigências de determinação e tipicidade do facto


punível quando a linguagem normativa permita a total manipulação dos conceitos
para fins incontroláveis, e se for impossível uma perceção da descrição legal pelos
destinatários. E o que é que isto quer dizer? A norma penal dirige-se aos cidadãos, e
então se se dirige aos cidadãos, deve utilizar conceitos da linguagem comum pois é
essa linguagem que o cidadão compreende. Ora quando o legislador penal recorrer
a elementos normativos, indeterminados e cláusulas gerais deve faze-los quanto a
elementos desse tipo que reúnam consenso quanto a ao nível da linguagem comum,
linguagem ética e da linguagem social  só quando o legislador recorre a conceitos
com consenso, os seus comandos são percetíveis pelos destinatários da norma que
são os cidadãos comuns e por outro lado de impede a manipulação desses conceitos
para todo e qualquer fim incontrolável e imprevisível. Deste modo é violada a função

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garantistica do princípio da legalidade. O que é proibido é aquilo que o legislador


democrático define como tal e não aquilo que qualquer julgador ou interprete possa
entender que é proibido.

Reserva de lei, exigência de determinação das normas penais e normais penais em


branco
 As normas penais em branco são uma cisão entre a norma do comportamento e a
norma de sanção, de modo a que a definição da norma de comportamento ou da
área de proteção é feita total ou parcialmente por norma diferente daquela que
contem a ameaça penal.

 Artigo 348 a) do CP, define o crime de desobediência a ordem ou mandato legítimos


de uma autoridade competente, e estabelece uma sanção. A norma de
comportamento no crime de desobediência vai ser definida combinando o corpo do
348º/1. Contudo necessário é recorrer a uma norma legal que impõe dado dever e
comina a desobediência a esse dever com as penas do crime de desobediência.

 Para saber qual é o crime do artigo em questão terá de se combinar este com outra
norma legal que impondo dado dever comina a desobediência a esse dever com as
penas aplicáveis ao rime de desobediência.

 Agora percebe-se o porquê de na alínea b) deste artigo haver duvidas de


constitucionalidade, pois é a autoridade que dá a ordem que define se há
desobediência. A professora Teresa Quintela de Brito acha que a norma é em
branco, inconstitucional, por violação da reserva de lei, determinação e tipicidade
do facto punível e princípio da culpa  fica no arbítrio da autoridade que o agente
seja ou não punido.

 No caso do artigo 348º b) a remissão é para uma autoridade; na alínea a) a definição


de norma de comportamento é entregue apenas parcialmente a outra norma legal
que está noutro diploma. Então a norma penal em branco pode ser de vários tipos:
pode remeter para norma do mesmo diploma legal; norma de diploma distinto, ou
pode remeter para disposição de grau inferior ao da lei (ato administrativo,
regulamento, portaria, edital expedido pela autoridade administrativa competente).

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Teoria da Lei Penal

 São normas penais em branco, e entendem-se parcialmente em branco, pois as


totalmente em branco são sempre inconstitucionais, são aquelas que não
descrevem completa e imediatamente o facto punível, convocando uma lei ou uma
disposição não penal ou até um ato administrativo para delimitar a responsabilidade
criminal.

 Exemplo de uma outra norma penal em branco que remete para um ato
administrativo mas que não é inconstitucional é do artigo 279º. É uma norma penal
em branco porque uma parte do comportamento proibido é definida por
disposições legais regulamentares ou ate atos administrativos praticados em
conformidade.  isto porque as atividades poluidoras estão sujeitas a
licenciamento por ato administrativo. Realiza o tipo deste artigo o proprietário de
indústria que excede os limites que lhe foram dados, desde que essa ultrapassagem
tenha como finalidade um dano substancial ao ambiente. Tal norma penal em
branco remete para tipos legais como atos administrativos

o Contudo tal norma não é inconstitucional porque independentemente da


remissão para outra norma, define todos os elementos essenciais do ilícito
típico. O que significa que o que é remetido para a outra fonte normativa é a
concretização técnica de um critério legal. Os elementos do ilícito típico
estão conjugados nos nº 1 e 6. É preciso que o desrespeito pelos limites
máximos tenha como consequência um dano substancial para o ambiente.
Significa que a conduta punível é suficientemente determinada pela norma
incriminadora e que portanto não há violação do principio da legalidade e
dos seus corolários nem do princípio da culpa  se a norma define
elementos essenciais do ilícito típico já orienta suficientemente os
destinatários de modo a entender-se quais as condutas permitidas ou
proibidas.

 Por exemplo, o crime de furto, no artigo 204 vemos que o nº2 determina um furto
qualificado ainda mais grave que contem dois conceitos indeterminados “valor
elevado” e “valor consideravelmente elevado”. No nº4 está outro conceito
indeterminado “diminuto valor”. Contudo estes conceitos são definidos no artigo

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Teoria da Lei Penal

202º CP que remete para as unidades de conta (unidade de conta é uma


percentagem do ordenado mínimo nacional e que serve de base ao cálculo das
custas judiciais) que é o valor apurado a partir do ordenado mínimo nacional,
definido por portaria.  o problema que existe aqui são a existência de remissões
em cadeia.

o Não é inconstitucional esta norma pois qualquer pessoa tem uma perceção
destes conceitos, sendo que a norma já orienta suficientemente os
destinatários da norma, definindo o núcleo do ilícito típico, constituído pelo
bem jurídico tutelado, o desvalor da ação, e o desvalor do resultado.

 Rui Patrício avança com ideia (ainda não unanimemente aceite) de que a norma
penal em branco é uma subespécie de um conceito mais amplo que é de tipo aberto
 é aquele que comporta elementos carecidos de determinação material, ou é
aquele que não descreve de modo completo o comportamento proibido,
transferindo para o intérprete o encargo de completar o tipo dentro dos limites e
indicações nele contidos. Através de uma técnica de reenvio remete o destinatário
para uma disposição legal diferente daquela que estabelece a pena.  se pegarmos
neste conceito de tipo aberto vamos conseguir distinguir as formulações típicas
abertas das normas penais em branco em sentido estrito.

o Normas penais em branco: reenvio para uma outra fonte normativa, ou para
uma outra disposição legal, a definição de uma parte do comportamento
proibido

o Os tipos abertos abertos em sentido estrito são aqueles em que o


preenchimento do tipo ou formulação típica aberta fica a cargo do próprio
interprete, não havendo nenhum reenvio para nenhuma outra fonte
normativa.

 O artigo 203º CP é em sentido estrito porque remete a definição de uma parte da


norma para uma outra fonte normativa que pode ser uma disposição legal ou um
ato administrativo, o que significa que o intérprete perante uma norma penal em
branco não consegue preencher o elemento em branco a partir da própria norma

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Teoria da Lei Penal

incriminadora, sendo necessária uma outra fonte normativa que venha definir o
elemento técnico do critério legal.

 Diferentemente nos tipos abertos em sentido estrito o intérprete pode preencher


formulação aberta sem necessidade de recorrer a mais nenhuma interpretação legal
ou ato administrativo  homicídio qualificado é paradigmaticamente um tipo
aberto em sentido estrito. Pegando na alínea e) do 132/2 CP  “especial
censurabilidade ou perversidade” pressupõe o recurso a conceções sociais, tais
conceitos visam retratar um grau de culpa elevado. No número 2 vemos uma
enumeração exemplificativa, apenas se exigindo que as situações não previstas na
lei se integrem num dos exemplos padrão do numero 2 do artigo em questão. Então
há situações como o “odio clubístico” não estão previstas mas pode haver situações
em que isso possa levar a qualificação do homicídio e para isso a circunstancia em
que o crime foi praticado tem de ser levado aos exemplos padrão (exprimem dado
conteúdo e sentido de desvalor).

o Alínea e): o intérprete com base nas conceções sociais concede saber ao que
corresponde a “avidez”, que é a situação em que alguém mata outra para
alcançar o beneficio económico, em que há mercantilização da vida humana,
sendo que tal norma contem uma clausula aberta na parte final  é clausula
aberta porque a norma permite que outro tipo de motivos diferente dos que
são expressos na lei, considerados fúteis (motivo incompreensível, que em
circunstancias normais não levariam a morte de ninguém) ou torvos (baixo e
ignóbil), possam corresponder a casos especialmente censuráveis.  nós
como interpretes da norma conseguimos detetar o conteúdo da norma,
contudo a norma, ela própria invoca uma série de motivos que podem ser
considerados torvos ou fúteis, sendo que é a própria norma incriminadora
que remete para as conceções sociais, fornece ao interprete critérios que o
orientam na formulação típica aberta. É por isso mesmo que este tipo de
normas não inconstitucional. Aqui nós preenchemos os conceitos típicos sem
necessidade de recorrer a uma outra fonte normativa, conjugando a norma
incriminadora com as valorações sociais.

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o Conclui-se então que apesar de as normas penais em branco serem


subespécie de tipos abertos, considera-se possível distinguir tipos abertos de
normas penais em branco.

Problemas de constitucionalidade suscitadas


 Princípio da conexão: há uma parte da norma de comportamento que não é definida
diretamente na norma incriminadora, que pode levar a problemas de conexão entre
facto e a pena que lhe corresponde. Poderá ser posto em causa na medida em que
a conexão não seja estabelecida por lei da Assembleia da República. O princípio da
conexão do facto entre facto e a pena é constitucionalmente exigido que seja
estabelecido por lei da AR ou DL autorizado- 165/1 c). Esta é a única exigência. O
núcleo do ilícito típico e a conexão deste com dada sanção tem sempre de ser
definida por lei, mas dessa ligação não precisa de ser estabelecida na mesma lei.

 Princípio da reserva de lei: nas normas penais em branco os critérios da


incriminação resultam tanto do ordenamento penal como do ordenamento extra
penal, designadamente do ordenamento administrativo. Nos ordenamentos
jurídicos extra penais não vigora um princípio como da legalidade penal e portanto
o primeiro grande problema suscitado pelas normas penais em branco é da violação
da reserva de lei penal, ou em sentido formal. No entanto entende o Tribunal
Constitucional e a doutrina que o princípio da reserva de lei estará assegurado logo
que a própria norma incriminadora conste de uma lei em sentido formal. Entende-
se que essa norma penal incriminadora que tem de constar de uma lei formal tem
de cumprir a caraterística da lei certa. Mas a norma penal em branco só será
constitucional a luz da reserva de lei, se contiver em si, independentemente da
remissão para outra fonte normativa, os elementos essenciais para a compreensão
da conduta proibida, e para o controlo democrático da incriminação. Tem de cumprir
exigências de tipicidade.

 Tipicidade e determinação da conduta punível: já sabemos que o princípio da


tipicidade e determinação exige que a conduta punível seja certa, clara, precisa e
determinável de modo a assegurar a previsão e segurança dos seus destinatários.
Isto verifica-se em normas duplamente em branco quando a norma incriminadora

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remete para outra norma, que por sua vez ainda remete para outra. Também pode
acontecer que a norma seja duplamente em branco e que ainda recorra a conceitos
genéricos ou indeterminados  vimos isso a prepósito do homicídio qualificado em
que a mesma norma, artigo 204º, tem conceitos indeterminados, e por sua vez,
esses conceitos dependem do que seja uma “unidade de conta”. Essa unidade de
conta é definida por uma outra fonte normativa, a portaria. Nestes casos é
complicado o respeito por este princípio. Teremos que exigir que a norma penal em
branco, ela própria, satisfaça a exigência de suficiente determinabilidade do
comportamento proibido e da pena que lhe corresponde  a norma extra penal a
que se remete nunca poderá caber a definição da pena, a definição do próprio crime,
a definição de um elemento essencial do crime. Então a penas lhe pode caber o que?
A delimitação do âmbito/ das margens da punibilidade.

 Princípio da culpa: é violado este princípio quando a norma penal em branco só por
si não conseguir orientar suficientemente os destinatários quanto a conduta
proibida. Isto porque os agentes não conseguem prever com antecedência o que é
proibido e permitido e são apanhados à traição pena punibilidade.

Aplicação da Lei Penal no tempo


 Um dos corolários do princípio da legalidade é a proibição de retroatividade da lei
penal desfavorável. Para saber se uma lei é ou não retroativa há que determinar qual
foi o momento da prática do facto, porque só se pode falar de retroatividade quando
depois da prática do facto aplico ao agente uma norma desfavorável. Tal resulta do
artigo 29/1 e 4 CRP.

 O ponto de referência para saber da retroatividade desfavorável é o momento da


prática do facto, regulado no artigo 3º CP. O tempo do facto é o tempo da conduta
e não o tempo de verificação do resultado.  o facto considera-se verificado
quando o agente atuou ou devia ter atuado.

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 Contudo há situações em que o tempo da conduta se arrasta no tempo: crimes


permanentes ou de consumação permanente  sequestro, furto de uso, tráfico de
droga

 O último corolário do princípio da legalidade é a proibição de retroatividade da lei


penal desfavorável

o Tem acento constitucional- artigo 29 nº 1 e 4 primeira parte

o Tem acento legal no CP artigo 1/1 e 2 ; e no artigo 2/1.

 Ora no que respeita ao momento da prática rege-se o momento da ação/omissão e


não o momento do resultado.  A dispara sobre B que morre um mês depois.
Considere-se praticado o facto quando A dispara sobre B, relevando então o
momento da ação. Tal está então relacionado com os princípios constitucionais do
direito penal, pois entre a ação e o resultado pode entrar em rigor uma lei que agrave
o homicídio.

o Exemplo: há um facto cometido no dia 1/10 , abrangido pelo artigo 3º, em


que A dispara sobre B, não o matando (ação de matar- artigo 131 + 22 CP),
com pena de prisão de 8 a 16 anos. Dia 15/10 sai nova lei que agrava as penas
para 10 a 16 anos. Dia 31/10 B morre.

Questões centrais
 Porquê o critério da ação no artigo 3º e não o do resultado?

o Função de determinação de condutas da norma penal- motivar os cidadãos


a não praticar crimes  direito penal proíbe ações e não resultados. É no
momento da conduta que o agente viola a norma penal. A norma proíbe
resultados consequência de uma ação penal.

o A norma penal cumpre uma função de prevenção geral que é cumprida


proibindo as condutas que são potencialmente lesivas para o bem jurídico.

o Ideia de que o ilícito penal é constituído por desvalor da ação

 Não pode adotar-se o critério do resultado porque nem todos os


crimes são de resultado.
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 O agente só domina e só pode ser censurado pelo seu


comportamento.

 Imagine-se que quando A dispara sobre B, que não é homicídio mas sim
contraordenação. No entretanto isto é considerado crime. Depois de ser
considerado crime B morre  se se adotasse o critério do resultado violar-se-ia a
segurança jurídica (a limitação do poder punitivo do estado).

Artigo 3º: significado de atuação


a) Tentativa (artigo 22º CP)

b) Ação

c) Omissão

 Ação: o agente cria ou aumenta o risco para o bem jurídico protegido; piora a
situação do bem jurídico. Ex.: enfermeira com dolo não administra medicamento a
doente pois quer ficar com a sua fortuna.

 Omissão: quando o agente não diminui o risco para o bem jurídico; não melhora a
situação do bem jurídico.

 A punição da tentativa está prevista no artigo 22º do CP  só relativamente a


crimes com pena de mais de três anos é que a tentativa é punível. “especialmente
atenuada”  artigo 73 esta descrita a atenuação especial de pena.

 A autoria (artigo 26º CP) pode ser:

o Autoria imediata (material ou direta):

 É importante pois aos autores contrapõe-se os participantes do


crime: instigadores ou cúmplices que participam no facto de outrem.

 Os instigadores vão ser punidos como autores e os cúmplices com


pena atenuada- artigo 73º CP.

o Autoria mediata (indireta)

 “executar o facto por si mesmo ou por intermedio de outrem”

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Teoria da Lei Penal

 Pode ser o caso da instrumentalização de outrem, em que por


exemplo, o enfermeiro A convence o doente B a dar uma sova ao
enfermeiro C. O A instrumentalizou outrem para a realização do
facto.

 Pode haver também a situação de haver indução em erro: A quer ficar


com o computador de B e diz a C para o ir buscar fazendo passar-se
por proprietário- situação em erro pois C pensa que apenas está a
fazer um favor  o “homem por detrás” induz o “homem da frente”
em erro.

 Por último pode haver instrumentalização da própria vítima, em que


por exemplo se monta uma bomba num carro e esta é acionada
quando se liga o mesmo, sendo que a vitima executa sua morte sem
saber.  o homem por detrás é punido como se fosse ele a executar
o crime.

o Co-autoria:

 Situação em que mais do que uma pessoa pratica o mesmo crime-


comparsas.

o Comportamento como instigador (artigo 26/4ª proposição)

 O instigador é aquele que determina ao autor a decisão criminosa,


atuando sempre numa fase prévia do facto, convencendo o autor
 exemplo disso é o oferecimento de dinheiro para matar.

 Não se confunde com a situação do doente mental em que não


há culpa.

 O instigador só é punido se o facto vier a ser executado. Se a


pessoa a quem for oferecido dinheiro não executar o crime, o
instigador não é punido.

 Imagine-se que o crime é consumado: B dispara contra C que


sobrevive. Como se vai punir A que pagou a B para tal?

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Teoria da Lei Penal

o B é autor material/imediato- 26/1ª preposição- executa o


facto por si mesmo.

o O A realiza dois contributos: é instigador e é cúmplice no


homicídio da mulher. Não pode ser punido pelas duas
coisas por violação do no bis in idem- artigo 29/5 CRP-
portanto vamos puni-lo pelo mais grave que é a instigação
que consome o sentido do ilícito da cumplicidade. A
punição da instigação esgota o conteúdo do ilícito da
cumplicidade.

 Comportamento do cúmplice (material ou moral) artigo 27

 Pratica do ato preparatório excecionalmente punível (artigo 21)

Concurso de crimes na ótica de Figueiredo Dias


1. Unidade de lei ou de norma  pluralidade de normas que concorrem no caso
concreto enquanto abstratamente aplicáveis, mas só uma delas se aplica em virtude
de relações lógicas que intercedem entre normas incriminadoras (especialidade ou
subsidiariedade)  problema de interpretação.

2. Concurso aparente impuro ou improprio  pluralidade de normas incriminadoras


concretamente aplicáveis, havendo que apurar se no comportamento global do
agente existe um único sentido social de ilicitude ou antes uma pluralidade de
sentidos sociais autónomos da ilicitude.

 Na primeira hipótese, há um concurso aparentemente impróprio ou impuro de


crimes aplicando-se a norma incriminadora que de modo mais esgotante contempla
o conteúdo do ilícito do comportamento global do agente sendo o restante
conteúdo do ilícito valorado na medida concreta da pena prevista na norma
prevalente (norma consumptora). Problema de aplicação das normas
incriminadoras ao caso concreto, que implica considerar o sentido e o conteúdo do
ilícito das várias normas concretamente aplicáveis sem que a partida existem entre
eles relações logicas necessárias  consunção.
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Teoria da Lei Penal

 Na segunda hipótese há um concurso efetivo de crimes (artigos 30/1 + 77 CP) “uma


pluralidade de tipos de crime efetivamente realizados” aplica-se as regras de
punição do artigo 77/2  determina-se a pena concretamente aplicável a cada um
dos crimes em concurso, o produto da soma das penas  limite máximo da moldura
penal do concurso sendo o limite mínimo dessa moldura representado pela pena
concreta mais grave. Entre estes dois limites determina-se a pena única do concurso
recorrendo aos critérios do artigo 71 e considerando os factos e a personalidade do
agente.

o O nosso sistema é o cúmulo material mitigado- não ultrapassa vinte cinco


anos.

o Sistema de pena conjunta- considera as penas concretamente aplicáveis a


cada um dos ilícitos típicos  o concurso é punido com uma única pena, a
pena do concurso.

Concurso efetivo- artigos 30/1 e 77 CP


a) Real: pluralidade de ações naturalísticas (vg arrombar porta de casa para entrar com
o objetivo de furtar um objeto, matar/ferir o proprietário; disparar várias vezes de
um telhado contra várias pessoas que passam na rua). Há só um tipo de crime-
concurso homogéneo; quando há vários tipos de crime trata-se de um concurso
heterogéneo.

b) Ideal: uma só ação naturalística que realiza diversos tipos de crime. Ex.: lançar
granada para dentro de um autocarro, ferindo umas pessoas e matando outras,
provocando danos materiais  caso de concurso heterogéneo.

c) Homogéneo (ideal ou real): quando está em causa a realização plúrima do mesmo


crime.

d) Heterogéneo (ideal ou real): quando está em causa a realização de diversos tipos de


crime.

Aplicação do direito penal no espaço


 Artigo 7º CP: aqui o critério é o do resultado.

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Teoria da Lei Penal

o No crime de homicídio o resultado é a morte. Se A dispara contra B em


Espanha e morre em Portugal  com o critério da ubiquidade pretende
evitar-se o conflito negativo de jurisdição, assegurando ao máximo a
punibilidade do agente. Basta que a ação ou resultado se verifiquem no
território português para que Portugal se considere competente para
perseguir o crime. Não interessa a nacionalidade do agente ou da vítima: se
houver contacto com Portugal é a lei portuguesa que se aplica.

 O critério principal de aplicação de lei penal no espaço é o princípio da


territorialidade com uma enorme amplitude nos termos do artigo 7ºCP.

 Princípios relevantes:

o Princípio da territorialidade  artigos 7º + 4º a) CP

o Princípio do pavilhão  artigo 4º b) + 7º CP

o Princípios complementares (factos totalmente praticados fora do território


português, artigo 5º CP)

 Proteção dos interesses nacionais- artigo 5º/1 a), b) CP;

 Princípio da universalidade (valores essenciais da


humanidade/comunidade internacional- artigo 5º/1 c) e d) CP;

 Princípio da nacionalidade ativa (agente) ou passiva (vítima)- artigo


5º/1 e) g) CP;

 Princípio da aplicação subsidiária da justiça nacional- artigo 5º/1 f) CP.

 Artigos 5º/2 CP + 8º/2 CRP + 44º convenção de Istambul: aplicação direta dos
critérios de jurisdição previstos em convenções internacionais vinculativas para o
estado português, quanto a factos que nessa convenção internacional o estado se
tenha obrigado a julgar.

 Esta convenção cria a obrigação para o estado português de criminalizar certos


comportamentos:

o Stalking
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o Casamentos forçados

o Violência doméstica

 Este artigo 44º da convenção tem como epigrafe “competência judiciária”. Acerca
da jurisdição diz-se que o critério é o da residência habitual: obriga os estados parte
a julgar infrações cobertas pela convenção quando o agente reside no seu território,
independentemente da prática do facto. Essa convenção prescinde do requisito da
dupla jurisdição sendo que o critério de aplicação da lei penal é o da “residência
habitual”. Para todas as infrações previstas não se exige a dupla incriminação. Outra
inovação é a de que a jurisdição será exercida independentemente da apresentação
de qualquer queixa pelo ofendido.

o O artigo 5º/2 do CP tornou-se muito importante depois da convenção de


Istambul. “Obrigado a julgar” obriga-nos a considerar o conteúdo da própria
norma. É preciso que a norma da convenção seja direta e imediatamente
vinculativa para o estado parte, obrigando-o a julgar aqueles factos sem
necessidade de um qualquer ato legislativo interno de aplicação da
convenção.

o No caso do artigo 44º da convenção de Istambul, esta não é uma norma


convencional da qual resulta obrigação imediata e direta de julgar os factos.
Cria obrigação de legislar internamente para fixar os critérios de jurisdição.
No fundo o que a convenção cria é uma obrigação de legislar e não de julgar.
A norma não é direta e imediatamente aplicável pelos tribunais portugueses.
Se for imediatamente aplicável há violação do princípio de legalidade,
reserva de lei e separação de poderes.

o Há quem entenda (Inês Ferreira Leite) que o artigo 5º/2 CP permite a


aplicação direta da convenção na ordem jurídica portuguesa. Contudo isto
parece não respeitar o princípio da legalidade, apenas parece uma aplicação
analógica.

 Artigo 7º consagra o critério da ubiquidade: qualquer contacto que seja com o


território, desencadeia a jurisdição dos tribunais portugueses por força da

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ubiquidade (conjugado com o artigo 4º CP). Este artigo atende a uma multiplicidade
de critérios para definir o lugar da prática do facto: critério da ação e do resultado.
Nos casos da tentativa rege o artigo 7º/2 CP, Portugal será considerado como lugar
da prática do crime.

o Ex.: A quer matar B que está em Portugal, sendo que A esta em França.
Manda-lhe uma carta armadilhada. Acontece que ainda em França, um
funcionário dos correios abre a carta e morre. Temos uma tentativa de
homicídio de B, cujos atos de execução foram praticados em França, sendo
que assim que quando a carta foi posta no correio iniciou-se a tentativa de
homicídio. Quanto à morte do funcionário o lugar da prática é França, mas
Portugal pode reivindicar jurisdição se se verificar que a vítima alvo estava
no território português. Temos dois factos:

 Morte do funcionário- prática em França

 Tentativa de homicídio de B em Portugal.

o Aplica-se o artigo 7º para se ver se a morte do funcionário se considera


praticado fora de Portugal, regendo então os critérios complementares do
artigo 5º do CP. Portugal podia exercer jurisdição do homicídio de C se este
fosse português (principio da nacionalidade passiva), ou se o agente do crime
fosse português (artigo 5/1 e)

o Concentremo-nos na tentativa de homicídio de B: Portugal pode considerar-


se territorialmente competente quando a este  art 4 a) + 7º/2 (visa
determinar a competência da lei penal portuguesa).

 Vamos agora pensar no crime de perigo contra a vida (artigo 138º CP): a senhora A,
portuguesa residente habitualmente em Portugal encontra-se em viagem em
Espanha com o seu filho de um ano de idade e aproveitando uma viagem aos
Pireneus, leva o filho para a montanha e deixa-o lá, com o objetivo de se livrar dele,
deixando-o junto a um restaurante para que seja encontrado.  vamos aplicar o
artigo 138º/3 b) CP que afasta a norma geral do 137º/2 CP. A primeira norma é
especial sendo que o elemento especializados é o perigo para a vida.

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o Se a criança vem a ser encontrada morta nos Pireneus, este crime é


totalmente realizado fora do território nacional, e Portugal ia exercer a sua
jurisdição por força de um dos critérios do artigo 5º. Designadamente a
nacionalidade, pois aqui a nacionalidade ativa e nacionalidade passiva
podem ser aplicadas  discutíamos se era uma situação da alínea e) ou b).
Pensa-se que se aplica a alínea e) porque a alínea b) é para situações de
fraude à lei portuguesa, ou seja, o agente vai para o estrangeiro
propositadamente para cometer um crime que não é lá punido, mas é punido
em Portugal.

 Discute-se agora um caso em que a senhora A quer abortar mas está na 15ª semana
de gestação. Em Portugal já não pode interromper a gravidez pois os
estabelecimentos de saúde já não a realizam neste caso. Então vai ao estrangeiro
para a realizar livremente. Neste caso o artigo 5º/1 e) não permite assegurar a
jurisdição dos tribunais portugueses pois o crime não é punido no lugar onde foi
praticado. Contudo quando chegamos a alínea b) para verificar a sua eventual
aplicabilidade temos um problema, quanto à nacionalidade do feto, pois não
podemos considerá-lo como português. Assim se aplicarmos esta alínea estamos a
fazer uma analogia proibida pois esta alínea exige que este facto seja praticado
contra portugueses, e o feto não tem nacionalidade nenhuma.

Prescrição de crimes
A prescrição significa que pelo decurso do prazo deixa de ser possível perseguir
criminalmente um dado caso, sendo que há limites ao poder punitivo do estado, que só
pode perseguir criminalmente nos limites do artigo 118º CP. Assim é por exigências de
segurança jurídica, limitação do poder punitivo do estado, e de prevenção geral e
necessidade de pena. Ora se passou muito tempo da prática do facto, a sociedade já
está apaziguada, e deste modo já não faz nenhum sentido perseguir criminalmente
alguém. As dificuldades probatórias apontam para que não se julgue estes casos.

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