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O Transumanismo Ou o Aperfeiçoamento Humano
O Transumanismo Ou o Aperfeiçoamento Humano
Se há interesse em referi-lo, sou pessimista por temperamento. Mas creio (provisoriamente) que
a tecnologia da informação e a biotecnologia produzirão biliões de anos de invencível bem-
estar, muito mais rico do que qualquer coisa que se possa fazer hoje em dia.
D.P. : Húbris / Fazer de Deus? O que poderia ser mais «divino» do que criar nova vida? Nem
todas as culturas fizeram historicamente a conexão entre a actividade sexual e a reprodução;
mas nós não dispomos de semelhante desculpa. Por um lado, condenamos os autores de
programas informáticos maliciosos que divulgam código corrupto. Por outro lado, propagamos
livremente o nosso próprio código corrupto ao longo das gerações — em especial, uma doença
genética letal (envelhecimento) e uma predisposição para perturbações de ansiedade, depressão
e outros estados mentais darwinistas desagradáveis. À medida que a medicina reprodutiva
progride, o que tem de mal agir ao invés como pais responsáveis? Por que não planear a saúde
genética e felicidade de longo prazo das gerações futuras?
Argumento do desprezo pela carne / argumento da Fonte da Juventude? O que poderia mostrar
mais desprezo pela carne do que defender corpos darwinistas que decaem e morrem? À medida
que a medicina genética amadurece, por que não conceber projectos para corpos perpetuamente
jovens? Além disso, teremos em breve a oportunidade de explorar formas mais ricas de
sensualidade; de magnificar o córtex somato-sensório; e de isolar a assinatura molecular do
desejo sexual e amplificar os seus substratos por medida. Transcender a carne pode ser uma
opção; não é uma obrigação.
D.P. : Penso que é difícil reconciliar o transumanismo e a religião revelada. Se queremos viver
no paraíso, teremos nós próprios de o produzir. Se queremos a vida eterna, então teremos de
reescrever o nosso código genético cheio de erros e tornarmo-nos divinos. «Possa tudo o que
vive ser libertado do sofrimento», afirmou Gautama Buda. É um sentimento maravilhoso.
Infelizmente, só as soluções de alta tecnologia podem erradicar o sofrimento do mundo vivo. A
compaixão por si só não basta.
A.L. : Transumanismo e eugenia: Será que todos os transumanistas são eugenistas? Têm um
programa político no que se refere a este tópico? Consideram-se um lobby das gerações futuras?
N.B. : A Associação Mundial Transumanista adoptou oficialmente uma declaração que exclui
da organização todas as formas de eugenistas neonazis. (Isto deu-se em resposta a um incidente
há alguns anos quando um ou dois desses trogloditas se procuraram infiltrar na AMT.) O
transumanismo apoia os direitos reprodutivos entre outros direitos humanos. Tendemos a pensar
que é melhor as decisões reprodutivas estarem nas mãos dos pais, acompanhados pelo seu
médico, e dentro de directivas gerais determinadas pelo estado. Seria eticamente inaceitável,
bem como potencialmente muito perigoso, que o estado impusesse uma fórmula unilinear sobre
qual o tipo de pessoas que devem existir na geração seguinte.
Se eu fosse pai, consideraria ter o dever moral de tomar todas as medidas razoáveis para garantir
que a criança que estaria prestes a trazer ao mundo iniciaria a sua vida com as melhores
hipóteses possíveis de uma vida boa. Se uma mulher grávida pode melhorar o QI do seu filho
tomando ácido fólico ou suplementos de colina, evitando o álcool, o tabaco e água contaminada
com chumbo, creio que seria responsável da parte dela tomar essas medidas fáceis.
Analogamente, se eu estivesse a utilizar a fertilização in vitro e houvesse um teste genético
simples que poderia seleccionar o embrião com os melhores genes para a saúde e outras
qualidades desejáveis, creio que seria negligente não usar o teste. Seria um inconveniente muito
pequeno para um ganho potencialmente grande.
D.P. : Os transumanistas não são eugenistas em seja o que for que se assemelhe ao odioso
sentido tradicional. Todavia, a humanidade está no limiar de uma revolução reprodutiva. Os
futuros pais em breve receberão o poder de escolher os tipos de crianças que querem trazer ao
mundo. É provável que o diagnóstico pré-implantação se torne rotina. Seguir-se-ão os genomas
projectados. Na sua maioria, os pais desejarão ter filhos mais felizes, inteligentes, saudáveis.
Em princípio, uma maioria de pessoas hoje provavelmente apoiariam o uso da medicina
genética para impedir doenças como a fibrose cística. Por contraste, apenas uma minoria de
pessoas actualmente favorecem as tecnologias de «aperfeiçoamento». Mas as tecnologias de
aperfeiçoamento de hoje serão as terapias curativas de amanhã. Pelos padrões dos nossos
sucessores, os humanos mortais parecerão por hipótese tragicamente doentes e disfuncionais.
De momento pensamos que é moralmente aceitável transmitir aos nossos filhos a doença
hereditária letal do envelhecimento — e uma predisposição para vários estados mentais feios (p.
ex., ciúme, mau humor, ansiedade, ressentimento e solidão) adaptativos no ambiente ancestral.
Porém a vida humana podia potencialmente ser muito mais rica. À medida que a tecnologia
amadurece, por que não permutar a cruel roleta genética da selecção natural pela
superfelicidade, superlongevidade e superinteligência pré-programadas? Crucialmente, esta
transformação não precisa (e não deve) implicar a opressão de outras raças ou espécies.
Transcender as nossas limitações biológicas implica transcender os preconceitos etnocêntricos e
antropocêntricos dos nossos antepassados.
O nosso dilema real encontra-se mais à frente. Num mundo pós-envelhecimento, como
reconciliamos os direitos reprodutivos individuais com a capacidade de sustentação finita do
nosso planeta materno? Será que a pressão demográfica nos fará finalmente «rumar às
estrelas»? Ou será que este cenário é apenas ficção científica?
D.P. : Não há qualquer razão científica por que não possamos reescrever o nosso próprio código
genético e permanecer indefinidamente jovens. Num sentido, os pós-humanos podem tornar-se
quase imortais — embora talvez esse discurso reflicta noções insustentáveis de identidade
pessoal? Quando? Alguns transumanistas são optimistas. Citam o crescimento exponencial no
poder dos computadores e prevêem que a vida sem envelhecimento será praticável em décadas.
Espero que tenham razão. Infelizmente, receio que a reescrita genética e outras intervenções
eficazes possam demorar séculos ou mais. Seja como for, os ensaios longitudinais bem
controlados de terapias de antienvelhecimento humano serão um problema. Transferência? Aqui
talvez haja maior fundamento para se ser cuidadoso. A tecnologia dominante de uma época
fornece tipicamente a sua metáfora radical da mente. A nossa tecnologia dominante é o
computador digital. Pelo que é natural imaginar se robotas orgânicos como nós nos poderíamos
analisar, digitalizar e transferir para um suporte menos perecível. Infelizmente, não temos
qualquer compreensão científica da existência da consciência, muito menos uma teoria rigorosa
dos seus inumeráveis sabores. Tão-pouco pode a física clássica explicar como cem biliões de
células cerebrais distintas gerar um campo experiencial unitário. Pessoalmente duvido de que
um computador digital com uma construção clássica alguma vez sustentará consciência
unificada. [Será que os computadores quânticos maduros serão supersencientes? Talvez.] Devo
acrescentar que algumas pessoas muito inteligentes discordam. Sou um dualista? Não, penso
que o mundo é exaustivamente descrito pelas equações da física matemática. Mas o que «instila
fogo nas equações» não é a matéria tal como compreendida pela metafísica materialista. Greg
Egan? Sim, é um escritor brilhante.
N.B. : Não sei. Nem alguém mais sabe. Para mim, isto significa que se deveria pensar em
termos de uma distribuição probabilística sobre um âmbito vasto de possibilidades, incluindo a
atribuição de alguma probabilidade intrivial à possibilidade de isto acontecer muito em breve,
dentro de duas décadas; alguma probabilidade de que levará muito mais tempo; e alguma
probabilidade de que nunca acontecerá. Podemos então ter uma discussão interessante sobre a
forma exacta desta distribuição probabilística. Mas a menos que reconheçamos primeiro a
incerteza em tais previsões, não iremos longe na nossa análise.
O próprio Vinge fala em como podemos, «no futuro razoavelmente próximo, criar (ou
tornarmo-nos) criaturas que ultrapassam os humanos em todas as dimensões intelectuais e
criativas. Os acontecimentos para além deste acontecimento — chame-se-lhe a Singularidade
Tecnológica — são tão inimagináveis para nós como a ópera para uma ténia». Vinge pode
muito bem ter razão. Mas vale a pena relembrar que os humanos adeptos da ópera partilham
algo importante em comum com as ténias, nomeadamente uma interacção funcional entre os
nossos respectivos sistemas opióide e dopamínico. O eixo prazer-dor é o que faz que qualquer
coisa importe. Sem nível hedónico, não há qualquer significado ou importância na existência.
Não, não podemos sequer imaginar em que tipos de conceitos sofisticados as mentes pós-
humanas se poderão comprazer alegremente — tanto quanto uma ténia pode ter conhecimento
da ópera. Mas prevejo que os pós-humanos não serão apenas superinteligentes mas também
supersencientes.
A.L. : O Imperativo Hedonista sugere a biologia molecular do Paraíso. Um mundo sem dor,
mental ou física. David refuta as objecções que dizem: «A guerra, a violação, a fome, as
epidemias, o infanticídio e maus tratos a menores existem desde tempos imemoriais. São
completamente «naturais», quer de uma perspectiva história, transcultural ou sociobiológica».
Entrevistei Gary Francione (sobre direitos dos animais) por correio e ele diz algo semelhante
acerca do veganismo. Pelo que suponho que deveríamos ter em consideração esta perspectiva
abolicionista, não?
N.B. : Sim, penso que deveríamos ter em conta a perspectiva abolicionista. E sim, o mundo que
resultaria se o projecto abolicionista fosse eventualmente bem-sucedido é quase inimaginável.
Para começar, podemos seguramente pressupor — considerando os obstáculos gargantuescos
que teriam de ser superados para essa visão se tornar uma realidade — que a eliminação do
sofrimento seria a única diferença entre esse novo mundo e o mundo presente. Muitas outras
coisas teriam mudado também.
D.P. : «Que livro poderia um capelão do diabo escrever sobre o trabalho desajeitado,
esbanjador, inábil, inferior e horrivelmente cruel da natureza!» afirma Darwin. Contudo, e se a
«natureza de dentes e garras vermelha» pudesse ser civilizada? E se os «parques naturais» pós-
humanos pudessem ser isentos de crueldade? É tecnicamente praticável. Penso que qualquer
ética compassiva — não só o budismo ou o utilitarismo — tem de procurar alargar o projecto
abolicionista a todo o mundo vivo, não só ao nosso próprio grupo étnico ou espécie. Um
compromisso com o bem-estar de toda a senciência foi redigido na Declaração Transumanista.
[http://www.transhumanism.org/índex.php/WTA/declaration/] O que significa tal compromisso
na prática? Será que alguma vez vamos parar de nos matarmos e comermos uns aos outros?
Idealmente, o poder do argumento moral seria por si suficiente. Mais plausivelmente, só o
advento de comida de viveiro geneticamente manipulada, deliciosa, barata e abundante pode
estabelecer a base para um veganismo global. Crucialmente, a produção de «carne sem carne» é
em potência indefinidamente escalonável. Todavia, se somos moralmente sérios, uma dieta
isenta de crueldade é apenas o início. Um mundo vivo sem sofrimento implicará o uso de
implantes contraceptivos subcutâneos em toda a espécie; rescrições genómicas; reprojectar os
ecossistemas dos nossos parques naturais terrestres; a nano-robótica para gerir um ecossistema
marinho reprojectado; e muito mais além disso. Isto representa um desafio computacional e de
engenharia sério. Ver http://www.abolitionist.com para uma visão geral.
Dor física? Por que reagem os nossos robotas de silicone (etc.) a estímulos nocivos sem sentir
sofrimento intenso no caso de serem danificados — ao passo que os seus análogos orgânicos
feridos (normalmente) sofrem tão terrivelmente? Por agora, só podemos conjecturar. Mas há
pelo menos duas soluções possíveis para as misérias da dor física na vida orgânica. Uma é
transferir tudo o que é desagradável para próteses inteligentes — a solução «cyborg». A
alternativa é projectar ligeiros decrementos sensíveis à informação em gradientes de bem-estar
de contrário sublimes — ou seja, os análogos funcionais da dor sem as suas ferozes «sensações
em bruto».
Como será a vida numa hipotética era pós-darwinista? É divertido especular. Mas por analogia,
imagine-se se um especialista em dores crónicas hoje em dia começasse a pontificar aos seus
pacientes sobre como deviam viver as suas vidas depois de terem sido curados. Por que o
levaríamos a sério? Teoricamente, os humanos emocionalmente aperfeiçoados podiam
conservar muito da nossa estrutura preferencial existente, simplesmente reajustando o círculo
vicioso hedónico de maneira a todos levarmos vidas mais ricas em volta de um «nível hedónico
pré-definido» elevado. Na prática, penso que todo o nosso esquema conceptual sofrerá também
uma revolução. É provável que seja o que for de concreto que digamos hoje acerca de uma era
futura de engenharia paradisíaca seja pueril na sua ingenuidade. Para ter uma ideia do que está
reservado, procure talvez antes recordar a sua experiência culminante mais maravilhosa.
Suspeito (mas não posso provar) que a vida pós-humana do dia-a-dia será muito melhor.
A.L. : Penso que o transumanismo é pouco familiar porque não podemos ler uma genealogia
das suas ideias e pensadores. Suponho que o «utilitarismo negativo» é um bom ponto de partida
para o David, mas não sei qual o ponto de partida do Nick. Não encontro muitas figuras cruciais
como Hegel ou Aristóteles nas vossas abordagens; talvez estejam a tentar romper certos trilhos
de conhecimento (quero dizer, a rejeitara numerosas pressuposições), talvez tenha de ler melhor
o transumanismo recente? Ray Kurzweil, Marvin Minsky, Hans Moravec? Parece-me muito
importante. Uma história do vosso movimento recente.
N.B. : Não há um único ponto de partida em que tudo tenha começado. O pensamento
transumanista ganhou forma gradualmente, pelas contribuições de muitas mentes.
N.B. : Suponho que deveríamos fazer algo para celebrar o décimo aniversário. (Tenho estado
demasiado ocupado simplesmente a manter as coisas a funcionar e a dar continuidade à minha
própria investigação para pensar neste assunto.)
Encontrámo-nos pela primeira vez quando eu era estudante de pós-graduação na London School
of Economics. Tínhamo-nos correspondido um pouco por correio electrónico. O Dave metera
na cabeça que eu era algum professor importante e provavelmente ficou desapontado quando se
verificou que eu era apenas um humilde estudante de pós-graduação. Todavia, depois do nosso
encontro, o Dave referiu-me no seu diário online como «um caçador da verdade em busca de
bombons epistémicos», se a memória não me falha. Eu era muito enérgico nos primeiros anos,
mas este velho cão de caça amoleceu com o tempo.
Encontrei-me pela primeira vez com o Nick há mais de uma década. Ele tinha-me enviado por
correio electrónico algumas objecções astutas ao manifesto abolicionista que eu carregara para
http://www.hedweb.com. Com alguma dificuldade, o Nick convenceu-me de que eu era um
transumanista (previ que ele seria o primeiro professor de transumanismo no mundo:
desejavelmente o primeiro de muitos!). Por minha vez, chateei o Nick para arranjar um sítio
Web. AMT entrou no seu período de crescimento explosivo só depois de o formidável
bioeticista James Hughes (http://www.changesurfer.com/Hughes.html) ter concordado tornar-se
Secretário. Por contraste, tenho uma tendência pouquíssimo transumanista para me esconder
atrás do meu computador. Num mundo darwinista, os herbívoros tendem a ser tímidos — ou são
comidos!
A.L. : Se estamos a viver uma simulação… O que supõe para nós? Mudamos algo? Temos de
acreditar na navalha de Ockham? Por falar nisto… o que pensam da «Física da Imortalidade» de
Tipler?
N.B. : Então, isto refere-se a um ensaio académico que escrevi há alguns anos, que chamou
bastante a atenção (ver http://www.simulation-argument.com para mais detalhes). Resumindo,
não, não penso que a hipótese da simulação deveria mudar drasticamente a maneira como
vivemos, embora seja intelectualmente interessante e possa ter algumas ramificações práticas
subtis. Também gosto de aproveitar cada oportunidade para salientar que o argumento da
simulação não mostra que vivemos numa simulação de computador, só que pelo menos uma de
três proposições é verdadeira (não nos diz qual). Uma destas proposições é a hipótese da
simulação.
D.P.: O modo como alguém se deveria comportar numa simulação supostamente depende da
natureza dessa simulação. Assim, se você sonha e sabe que está a sonhar, então qualquer coisa é
permissível. A auto-indulgência completa é moralmente aceitável desde que as pessoas no nosso
mundo de sonho sejam apenas zombies. O mesmo se aplica quando se usa o software de
realidade virtual do futuro — em modo de um jogador, pelo menos. Por contraste, se a Hipótese
da Simulação [a distinguir do Argumento da Simulação do Nick, que está relacionado] é
verdadeira, então as pessoas «simuladas» têm experiências reais. O sofrimento, por exemplo,
não é menos real por ocorrer num supercomputador cósmico no decurso de uma simulação
ancestral de um Superser. Na verdade, uma das razões pelas quais creio que vivemos numa
«realidade rés-do-chão» é achar inconcebível que um Superser optasse por recriar — e
fazerproliferar — os horrores do passado darwinista do qual emergiu. Infelizmente isto é mais
uma expressão de incredulidade pessoal do que um argumento.
O meu próprio sentido de como me comportar numa simulação tem mais raízes tradicionais na
teoria da percepção. Acreditei durante muito tempo que cada um de nós vive numa simulação
egocêntrica do mundo executada pela mente/cérebro. Como os zombies de cada simulação
(lúcida) têm contrapartes sencientes no mundo real, deveriam ser tratados como se fossem reais.
Não obstante, enquanto adolescente cheio de angústias, a minha aceitação inicial de uma teoria
realista inferencial da percepção fez-me sentir como se tivesse sido condenado a prisão solitária
para toda a vida. O sentido da solidão era indescritível. O realismo ingénuo é melhor para a
nossa saúde mental.
A.L. : Admito não compreender de todo o princípio antrópico forte (ou qualquer princípio
antrópico, sendo humilde). Poderiam explicar-no-lo de uma maneira compreensível? Que
consequências tem para nós?
N.B. : O princípio antrópico foi interpretado e mal interpretado de muitas maneiras. Se remover
todos os equívocos, há na realidade um núcleo sensato e importante, que é a injunção de ter em
conta os efeitos de observação selectiva quando ou os nossos indícios ou as nossas hipóteses
contêm informação indexical. Tenho um sítio Web que inclui algumas introduções:
http://www.anthropic-principle.com.
D.P. : Todas as versões do princípio antrópico forte afirmam que o universo foi projectado, num
certo sentido, para a existência humana. Não estou convencido. A nossa melhor teoria do
mundo, a mecânica quântica, diz-nos que vivemos num multi-verso com um número
inconcebivelmente imenso de ramificações quase clássicas. Na vasta maioria destas
ramificações, as constantes da natureza estão «erradas». Tais ramificações não contêm
observadores nem vida. Por contraste, uma (muito) pequena minoria de ramificações sustenta
auto-replicadores que transportam informação, que evoluem por meio da selecção natural para
se tornarem observadores. O observador ingénuo em qualquer ramificação semelhante pode
perguntar-se por que razão as constantes físicas básicas — p. ex., as constantes de ligação que
determinam o poder das quatro forças da natureza conhecidas — parecem tão improvavelmente
ajustadas de uma maneira precisa para produzir vida, ou seres humanos, ou mesmo a existência
do próprio observador. Ingenuamente, ele pode invocar Deus, que providencialmente deu um
empurrão às leis da física para benefício — ou castigo — humano. Mas tais «coincidências
antrópicas» são meramente um efeito de observação selectiva. O tipo de ramificação que
podemos observar é restringido pelas condições necessárias para dar origem aos observadores.
Os observadores, pela sua própria natureza, encontrar-se-ão a si próprios numa ramificação
atípica do multi-verso como um todo.
A.L. : Quero fazer-lhes uma pergunta para terminar. O aperfeiçoamento humano e o destino
pós-humano parecem orientados para a extinção da própria humanidade. A condição humana
mata-se a si própria. O que pensa deste estranho paradoxo?
N.B. : Penso que temos de distinguir entre a «humanidade» e ter um tipo particular de sequência
de ADN nas nossas células, tal como já a distinguimos de ser-se branco ou negro, homem ou
mulher, jovem ou velho, homossexual ou heterossexual. Pode haver muitas formas de
humanidade, inclusive novas formas que ainda não existem. E o objectivo não é permutar as
pessoas actuais por um novo conjunto de pessoas «superiores». Ao invés, o objectivo é dar às
pessoas a opção de continuarem a desenvolver-se de muitas maneiras diferentes, incluindo
maneiras que diferem dos tipos de humanidade que temos hoje. Se quer uma palavra de ordem,
poderia dizer que humanos é o que somos, humanitários é o que esperamos poder tornar-nos —
e não tem de ser exactamente a mesma coisa para todos.
D.P. : Será que uma criança muito pequena se mata a si própria ao tornar-se num adulto? Será
que uma crisálida se mata a si própria ao tornar-se uma bela borboleta?
N.B. : Disponibilizo online esboços de muitas das minhas publicações, pelo que os leitores que
queiram saber mais podem visitar a minha página principal: http://www.nickbostrom.com.
D.P. : Pode reparar em certas diferenças de ênfase entre o Nick e eu. Mas penso que ambos
concordaríamos que o futuro da vida no universo é potencialmente glorioso para lá da
compreensão humana.
***
Fonte.> http://www.hedweb.com/confile.htm