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As Dificuldades na Construção do Tema e do Problema em Dissertações de Mestrado:

Um Estudo de Caso em um Curso de Pós-Graduação em Administração


Autoria: José Augusto Lacerda Fernandes, Fernando Dias Lopes, Roosevelt Bezerra Filho

Resumo

O cotidiano de uma pós-graduação stricto sensu, em especial, de um mestrado acadêmico em


administração, revela que a elaboração da dissertação é marcada por diversas turbulências.
Das quais, uma parcela significante reside ou relaciona-se estreitamente com a primeira etapa
do processo investigativo, a construção do tema e do problema de pesquisa. Neste cenário,
diante da demanda por uma referência analítica que norteie o estudante nos primeiros
momentos da dissertação, este estudo se propõe a identificar quais as dificuldades encontradas
por mestrandos em administração na construção de seus temas e problemas de pesquisa. E,
para tanto, empreendeu uma investigação de caráter exploratório, concatenando o referencial
teórico com os achados de uma pesquisa de cunho qualitativo, realizada com alunos de um
Programa de Pós-Graduação filiado à Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Administração (ANPAD). Por fim, após a análise de conteúdo viabilizada pelas entrevistas –
semi-estruturadas e em profundidade -, constatou-se que, um relacionamento saudável com o
orientador, a leitura e o conhecimento prévio sobre o tema em que irá se debruçar, ou ainda, a
participação em grupos de pesquisa, tendem a minimizar os entraves frequentemente
encontrados pelos alunos de mestrado durante a etapa inicial de suas dissertações.

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Introdução
O dia-a-dia de uma pós-graduação stricto sensu revela que os estudantes costumam
deparar-se com diversas dificuldades ao longo do curso. Percebe-se ainda, que um percentual
significativo delas repousa na realização dos projetos de pesquisa, e que por vezes, acabam
por elevar a proporção de alunos que deixam de defender suas dissertações e teses, embora
tenham completado, com sucesso, todos os demais requisitos dos cursos de mestrado e
doutorado (LEITE, 1978).
Neste sentido, ao observar especificamente os estudantes de mestrado enquanto
elaboram suas dissertações, pode-se inferir que, algumas dificuldades são recorrentes e
residem ou mantém estreita relação com o início do projeto de pesquisa. Pois, é na construção
do tema e do problema - etapa inicial (ECO, 1989; LEITE, 1978) e de fundamental
importância para a potencialidade do estudo (CASTRO, 1977) -, que se demanda do aluno –
em muitos casos, desprovido de experiência e conhecimento -, a tradução de um interesse
vago em um projeto operacional (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1998), a redução dos limites
do estudo e a formulação de um problema específico de pesquisa (ECO ,1989).
Ademais, costuma-se observar por parte do estudante uma preocupação e um desejo
excessivo no que concerne à perfeição do trabalho. Fato este, que segundo Quivy e
Campenhoudt (1998), é decorrente de um erro primário, ora que, a investigação é, em sua
essência, algo que se procura, um caminhar para um melhor conhecimento. E deve ser aceita
como tal, mesmo que acarrete hesitações, desvios e incertezas.
De antemão, sem prolongar-se sobre o leque de dificuldades existentes, pode-se
observar que a construção do tema e do problema é influenciada por diversos fatores, que
podem ser organizados em: a) fatores substantivos: como a familiaridade com o processo de
pesquisa (LAVILLE e DIONNE, 1999), capacidade intelectual (ASTI VERA, 1973),
dificuldade de iniciar uma investigação (ECO, 1989; QUIVY e CAMPENHOUDT, 1998)
domínio da metodologia (LEITE, 1978); e o emaranhado de interesses existentes - que
demanda a conciliação, dos objetivos pessoais e profissionais com aqueles do orientador
(ECO, 1989), do programa de pós-graduação (CASTRO, 1977), e de órgãos financiadores
(CHAUI, 2001); b) fatores instrumentais ou de apoio: tais como, o acervo da biblioteca,
espaço físico para estudo, tamanho das turmas e disponibilidade de recursos econômicos,
materiais e de tempo (ECO, 1989) - freqüentemente dividido entre vida social, profissional e
o desenvolvimento da pesquisa (CHANLAT, 1994).
Outrora, o cerne da discussão sobre tema e problema de pesquisa inclui ainda os
conceitos de validade, utilidade e originalidade, que, como outros inerentes ao processo
científico, são de entendimento vago e dificultoso (CASTRO, 1977). O que só vem a reforçar
o lançamento de inúmeros manuais centrados na elaboração de trabalhos acadêmicos, onde
comunga-se, em larga escala, que: um tema digno de pesquisa deve afetar um determinado
segmento da sociedade, ter relevância teórica, ou ainda, tratar de um tema emergente que
possa vir a interessar ou afetar muitos indivíduos no futuro (CASTRO, 1977).
Finalmente, cabe ressaltar que a escolha do tema e a definição do problema estão
associados, ainda que muitas vezes o mestrando não tenha consciência disso, às escolhas
epistemológicas e de visão de mundo que orientaram o desenvolvimento da pesquisa. Talvez,
a clareza quanto a isso escape até mesmo da capacidade de orientadores demasiadamente
preocupados com a dimensão prática do trabalho ou sua possível aplicabilidade. Não por
acaso, Laville e Dionne (1999) acusam-no como, o momento em que os estudantes se
distinguem uns dos outros, seja através da qualidade de sua intuição, perspicácia, capacidade
de observação ou análise crítica.
Sendo assim, por reconhecer que a construção do tema e do problema constitui uma
fase crucial da dissertação, bem como, que uma escolha errônea pode tornar o trabalho
insolvente teoricamente e inviável em termos metodológicos (CASTRO, 1977), este estudo

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admite a importância de uma referência analítica que oriente o trabalho de alunos de
mestrado. Com isso, espera-se ainda ampliar a consciência sobre alternativas que levem ao
sucesso na elaboração do trabalho final de pesquisa. Para isso, definiu-se como objetivo
central: Identificar e analisar as dificuldades encontradas por mestrandos em administração na
construção do tema e do problema de suas dissertações.
Com este fim, este estudo faz uma breve revisão teórica sobre a problemática exposta,
onde apresenta: a importância do tema e do problema para a pesquisa, as dificuldades que
permeiam os alunos durante a etapa inicial do estudo, e ainda, apontamentos de manuais que
tem auxiliado o trabalho de diversos mestrandos. Em seguida, relata a metodologia utilizada
no estudo de caso em que emergiu suas atenções, revela e analisa os seus achados e finaliza
apontando as considerações finais.

Tema e Problema: Definições, Origens, Importância e suas Implicações para a Pesquisa.


Concebendo o ciclo de vida da pesquisa como uma marcha sistemática do geral para o
específico (LEITE, 1978), admitisse que a determinação de uma área de interesse, ou seja, de
um tema, não representa somente o ponto de partida, como talvez, a fase mais vital de um
estudo. Por vezes, é nela, quando se engatinha na empreitada da investigação, que o sucesso
ou insucesso de uma pesquisa é traçado, ora que, a fertilidade lógica das teorias subjacentes
ao tema afetam o interesse e a potencialidade do trabalho (CASTRO, 1977).
No entanto, embora se reconheça que, “muito se progride na organização e preparação
de um trabalho monográfico quando se considera cuidadosamente o problema prévio da
escolha do tema, sua determinação precisa e sua correta compreensão” (ASTI VERA, 1973, p.
12), há que se atentar para o problema da pesquisa, que consiste no objetivo central da
investigação, delimita o alvo do estudo e auxilia o pesquisador a reduzir a probabilidade de
viesses (ASTI VERA, 1973).
Por conseguinte, comungando da importância do tema e do problema para a pesquisa,
há que se atentar que, ambos surgem a partir de uma observação do real sob um determinado
quadro de referência. Ou seja, recebem influência dinâmica de valores pessoais e
profissionais, tais como, aspectos culturais, leitura de obras referenciadas, modismos e a
própria experimentação científica (ASTI VERA 1973), e ainda, de valores metodológicos -
que guiam à elucidação do problema proposto - (LAVILLE e DIONNE, 1999).
As considerações anteriores ajudam a explicar a singularidade de estudos que
compartilham de um mesmo foco (ECO, 1989), mas não isenta a importância de definições
que visem unificar o entendimento sobre o tema e problema de pesquisa. Concebendo-as
como um norteador de discussões, a literatura reserva um espaço demasiado para apresentar
requisitos e características do tema e do problema de pesquisa. Nelas, verifica-se alta
concordância quanto à demanda por: exeqüibilidade, aplicabilidade, importância prática ou
teórica (CASTRO, 1977; LEITE, 1978), especificidade (ECO, 1989), viabilidade (CASTRO,
1977) e principalmente, por originalidade.
Não obstante, verifica-se que, estes conceitos, são por vezes, os balizadores da estreita
relação entre tema e problema e o tipo de pesquisa que irá se constituir. Castro (1977)
classifica os estudos conforme: a aplicabilidade - aplicados e fundamentais; originalidade -
originais e diagnósticos; e, no caso das pesquisas descritivas, - elogios e condenações -.
Similarmente, Laville e Dionne (1999) relacionam pesquisas destinadas a preencher lacunas
nos conhecimentos – fundamentais, e aquelas que, embora se destinem à resolução de um
problema, também aumentam o conhecimento e indicam novas questões a serem investigadas
- aplicadas. De outro modo, detendo-se na relação entre a delimitação do tema e o tipo de
pesquisa, Eco (1989) assinala para as teses: panorâmicas – de abrangência vaga e superficial,
e que acabam sendo uma resenha enfadonha de nomes e opiniões; e, monográficas - que
detêm-se sobre um problema específico contribuindo para a geração de conhecimento.

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Outrora, é válido destacar que alguns conceitos, tais como, utilidade, atualidade e
empenho, norteiam o olhar sobre um determinado tema de pesquisa, levando ao esquecimento
de que conclusões úteis podem ser extraídas de um tema aparentemente remoto ou periférico
(ECO, 1989), bem como, de que a contribuição pessoal pode consistir na focalização dada ao
problema, em sua delimitação ou no método de tratamento do mesmo (ASTI VERA, 1973).
Fato este, pode vir a explicar a recorrência de muitas das dificuldades encontradas pelos
mestrandos na construção do tema e do problema de suas dissertações.

Dificuldades na Construção do Tema e do Problema


Castro (1977) destaca que as dificuldades decorrentes das pesquisas exigidas como
trabalho final, dentre elas, as inerentes à construção do tema e do problema, acabam por
elevar a proporção de alunos que não concluem o curso de mestrado, e ainda, têm relação
direta com a qualidade final do estudo. Diante disso, objetivando minimizar o risco de uma
escolha errada, Leite (1978) alerta para a importância do auxílio do professor/orientador, que
é capaz de elaborar um tema de pesquisa em poucos minutos - se a tal for forçado -, mas
adverte que, as boas pesquisas resultam de um longo processo de meditação, do seguro
domínio do tema e da adequada consideração da metodologia.
Percebe-se de antemão, que o processo de pesquisa demanda tempo, principalmente
no que tange àquele necessário para o desenvolvimento de habilidades, aquisição de
conhecimentos e experiências inerentes à prática da pesquisa (LAVILLE e DIONNE, 1999).
É na tentativa de iniciar rapidamente uma pesquisa, característica da dispersão e
inexperiência, que reside um dos problemas determinantes de muitos estudos (ECO, 1989;
ASTI VERA, 1973).
Outra barreira, não menos influente ao estudo, é o domínio de línguas estrangeiras, ora
que, muitos temas têm raízes além mar e acarretam “dificuldades lingüísticas significativas”
(ECO, 1989). Neste caso, diante da impossibilidade de aproveitar a preciosa ocasião da tese
para aprender um determinado idioma, a solução mais razoável é trabalhar sobre um tema
especificamente pátrio que se remeta a literaturas nacionais ou a poucos textos traduzidos,
fontes suspeitas, segundo Eco (1989), conforme a crítica:

As fontes bibliográficas de segunda mão que substituem a leitura


interessada pela rapidez da informação obtida nas orelhas dos livros,
nas antologias, nas resenhas jornalísticas e, não raro, nas traduções
comerciais (ECO, 1989, P.3).

Outro aspecto é ressaltado por Leite (1978), que identificou na missão de contribuir
para o enriquecimento do saber uma forma negativa à medida que desestimula aquele
estudante que se julga incapaz diante de tal pressão. Vale notar, que muito embora esta
questão permeie todas as etapas do processo de pesquisa - planejamento, estudo e resolução –,
não se espera que o aluno faça uma contribuição significativa em nível de estrutura principal
de um grande ramo científico. Basta que ele aplique os métodos de estudo científicos e de
pesquisa a um minúsculo aspecto de determinada ciência ou disciplina (LEITE, 1978).
Neste contexto, embora siga o mesmo prisma de análise, destacando inclusive que, as
descobertas em ciências humanas são mais discretas, Eco (1977) adverte que, em qualquer
caso, o estudante tem que descobrir algo que ainda não foi dito por outros autores e deve
produzir um trabalho que teoricamente os outros estudiosos da área não devam ignorar. A
tese, independente do tema, é um exercício do trabalho metódico que acumula uma
experiência válida para toda a vida do indivíduo. Embora seja melhor fazer uma tese sobre um
tema agradável, ele é secundário com respeito ao método de trabalho e à experiência daí
advinda. Trabalhando-se bem, não existe tema que seja verdadeiramente estúpido e que não
possibilite boas conclusões (ECO, 1989).

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No entanto, independente de divergências e concordâncias quanto à relevância de cada
dificuldade, a literatura tem se proposto a: elucidar dúvidas, prover a qualidade dos trabalhos
e reduzir transtornos encontrados pelos estudantes, reservando um amplo espaço para
apresentar definições do que viria a ser um tema e um problema digno de pesquisa, bem
como, para disponibilizar várias rotas e receitas que norteiem o aluno durante esta nebulosa
etapa da pesquisa. A seguir, apresentam-se algumas delas.

Características do Tema e do Problema e Caminhos para uma Construção Sensata


Embora se aceite que os pré-requisitos estabelecidos por diversos autores não
constituem leis gerais sobre o tema e problema de pesquisa, concorda-se com Castro (1977)
que, “um boa idéia não basta”. Fato este, que torna válida a exposição de apontamentos que
norteiam o estudante durante os primeiros passos de suas pesquisa, sejam eles de cunho
tecnicista ou de base epistemológica.
Laville e Dionne (1999), por exemplo, pensam o processo científico quando se
referem ao princípio da economia apontando que, não há tema sob os quais ninguém tenha se
debruçado, pois raras são as perguntas que ninguém jamais fez em uma civilização onde as
interrogações se encontram. Ademais, os autores revelam uma abordagem técnica ao valorizar
as interrogações iniciais - primeiras percepções de uma situação problemática merecedora de
questionamentos e exames -, que representariam um movimento pré-lógico do pensamento, da
ordem e da intuição.
Contudo, não somente através das interrogações iniciais poder-se-ia atender uma das
primeiras qualidades do pesquisador, a de iniciar um projeto de pesquisa (LEITE, 1978). O fio
condutor, desempenhado através de uma pergunta de partida - clara, exeqüível e pertinente -,
promete o início rápido, estruturado e coerente da pesquisa segundo Quivy e Campenhoudt
(1998). Segundo os autores:

Se insistimos na pergunta de partida, é porque a evitamos com


demasiada freqüência, seja porque parece evidente ao investigador,
seja porque este pensa que verá mais claro à medida que avança. É um
erro. Ao desempenhar a função de primeiro fio condutor, a pergunta
de partida deve ajudá-lo a progredir nas suas leituras e nas suas
entrevistas exploratórias. Quanto mais preciso for este guia, melhor
progredirá o investigador. (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1998, p.34)

No entanto, embora se reconheça a validade do princípio da economia, dos fios-


condutores e dos esquemas lógicos, observa-se que o acúmulo de conhecimento e
experiências (ECO, 1989) - principalmente no que tange a delimitação e operacionalização do
tema – é o maior alicerce de uma pesquisa. O que Leite (1978, p.19) corrobora afirmando que:
“É evidentemente que o processo de execução de uma tese, bem como, a construção do tema
de pesquisa, será tão mais fácil quanto maior for a experiência adquirida pelo aluno através do
estudo de pesquisas preexistentes na sua área de especialização. Pois, se amplia o
conhecimento sobre o tema e se familiariza com a metodologia de pesquisa normalmente
utilizada na sua área de especialização”
Assim sendo, em diversos casos, é a falta de conhecimento e experiência que torna o
trabalho acadêmico tão dificultoso aos estudantes inexperientes e apressados - como muitos
daqueles que ingressam em um mestrado -. Estes, por sua vez, costumam ser supridos por
regras

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Diante da dimensão necessária para expô-las em sua totalidade, elaborou-se um
quadro que sintetiza as proposições, em muitos momentos convergentes, de alguns manuais
referenciados.
Quadro 1: Passos para a construção do tema e do problema de pesquisa.
Autores Apontamentos
1- Analisar os conhecimentos disponíveis.
2 - Buscar lacunas ou regiões obscuras no conhecimento.
Asti Vera (1973)
3 - Atender às incongruências e contradições da literatura.
4 - Seguir exemplos, sugestões de leituras, ou a simples reflexão.
1 - Compatibilizar o tema com os interesses do candidato.
2 - Fontes de consulta acessíveis.
Eco (1989)
3 - Fontes de consulta manejáveis, ao alcance cultural candidato.
4 - Quadro metodológico ao alcance da experiência do candidato.
1 - Estudo da literatura.
2 - Exclusão de tópicos já suficientemente estudados.
Leite (1978) 3 - Identificação de fatos novos ou questões controvertidas.
4 - Divisão do problema em seus componentes básicos.
5 - Identificação de aspectos interessantes e factíveis ao tema.
Elaborado pelos autores.

Vale notar, que a estes apontamentos somam-se muitos outros - inclusive dos próprios
autores expostos -, contidos em manuais novos ou revisados. Eco (1989), por sua vez,
adicionou – ainda que de forma implícita -, o que viria a ser uma quinta regra, a escolha
sensata do orientador. Já Asti Vera (1973), não obstante as regras para a escolha do tema,
advertiu para a importância da compreensão do mesmo. O que demandaria: a) estar em
condições de explicá-lo aos demais; b) saber desenvolver as questões implícitas; e c)
eventualmente poder assinalar aspectos particulares (casos e exemplos) e algumas das
aplicações possíveis.
Leite (1977), por sua vez, propõe ao estudante alguns pré-requisitos para a escolha do
tema, como: a adaptabilidade dos conhecimentos, disponibilidade de orientação acadêmica na
área, avaliação, através de investigações e consultas, das possíveis dificuldades a serem
enfrentadas, consideração dos recursos e do tempo necessário à execução do trabalho e por
fim, a percepção de que a tese é apenas um requisito necessário para a conclusão do curso,
cujo cumprimento, em tempo mínimo, deve ter prioridade sobre interesses e ambições de
pesquisa a longo prazo que o aluno possa acalentar.

Metodologia
Em função de sua proposta inicial, este estudo possui um caráter exploratório,
ampliando a compreensão sobre a natureza geral da problemática em questão (MALHOTRA,
1996; AAKER; KUMAR; DAY, 2001), através da análise e interpretação dos pesquisadores
(GUMMESSON, 2000). Caracteriza-se, portanto, pela adoção de uma abordagem qualitativa,
já que focaliza as vivências dos indivíduos e seus respectivos significados em relação a
fenômenos, processos e estruturas, inseridos em cenários sociais (SKINNER; TAGG;
HOLLOWAY, 2000). E, neste sentido, diante da demanda por uma compreensão aprofundada
do fenômeno, deteve-se a estudar um único caso (YIN, 1994).
Por sua vez, este estudo de caso investigou um Programa de Pós-Graduação em
Administração filiado à Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração
(ANPAD), atuante a vinte e nove anos e que oferece atualmente cursos de especialização,
mestrado acadêmico e doutorado. Centrou-se, todavia, no curso de mestrado acadêmico, cujo
intuito, é formar docentes pesquisadores e preparar dirigentes de instituições públicas e
privadas, e constitui-se atualmente por quinze docentes e sessenta e seis discentes.

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Logo, os sujeitos da pesquisa incluem: alunos em diferentes estágios do curso,
advindos dos processos seletivos dos anos de 2006 e 2007, que respectivamente estão: em
fase de qualificação de seus projetos e vivendo a fase embrionária do projeto de pesquisa.
Contudo, frente à inviabilidade de abrangê-los em sua totalidade, fez-se a divulgação dos
objetivos da pesquisa e a escolha acabou se dando em função da disponibilidade dos
participantes.

Alunos matriculados/entrevistados por área e ano de ingresso.


Número de alunos do programa
Área de Concentração Matriculados Entrevistados
2006 2007 2006 2007
Gestão Organizacional 11 15 2 2
Políticas e Gestão Públicas 12 14 2 2
23 29 4 4
Total
52 8
Elaborada pelo autor.

Vale notar, que, o número de entrevistados não demanda de significância percentual,


pois a base para a generalização em estudos qualitativos é analítica, centrada em expandir e
generalizar teorias, e não no estabelecimento de freqüências e probabilidades nas quais um
fenômeno pode ocorrer em uma determinada população (HYDE, 2000).
Por conseguinte, como instrumento de coleta de dados, optou-se pelo uso de
entrevistas abertas, em profundidade e semi-estruturadas (COOPER e SCHIDLER, 2003),
aplicadas individualmente. Pautando-se nos achados do referencial teórico, levantaram-se
questões que revelaram percepções e vivências dos estudantes quanto às dificuldades
encontradas na construção dos temas e problemas de suas dissertações de mestrado.
Como metodologia de análise, em um primeiro momento, fez-se uma leitura flutuante
das entrevistas para situar a análise, visando captar as relações que os mestrandos
estabeleciam entre: as dificuldades encontradas na realização da dissertação e a construção do
tema e problema de pesquisa. Em seguida, os relatos gravados em meio magnético e
posteriormente transcritos, levaram a utilização da análise de conteúdo (BARDIN, 2004), que
viabilizaram a concatenação dos dados e informações coletadas com o referencial teórico
utilizado.

Apresentação e Análise dos Resultados


No que se refere à caracterização dos entrevistados, percebeu-se que, a idade dos
mestrandos do programa fica em torno dos vinte e cinco anos de idade. Quanto à formação,
embora haja alunos advindos de áreas como psicologia e engenharia, a maior parcela é
egressa do curso de administração e possui experiência profissional predominantemente na
área de gestão, pois, apenas a minoria dos relatos apontou atuações efetivas na área de ensino
e docência. Sobre a dedicação ao curso, notou-se que a maioria dos alunos divide seu tempo
entre o mestrado e demais atividades profissionais, resultando em uma dedicação parcial. Por
fim, quanto ao estágio em que se encontram suas dissertações, os alunos equilibram-se entre:
aqueles que estão a definir seus temas e problemas, ou ainda, que estão se familiarizando com
a temática em que irão se debruçar, e, os que vivem a fase de qualificação de seus projetos,
com um objeto de estudo mais consolidado.
No entanto, independente de idade, formação e experiência, os relatos convergiram
significativamente no que concerne às dificuldades encontradas pelos mestrandos ao longo da
dissertação. Consoante com a literatura, a maioria dos entraves é recorrente e derivam da não
familiaridade com o processo de pesquisa, de dificuldades lingüísticas, de relacionamento

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com o orientador e de conhecimento a cerca da problemática em que irão emergir suas
investigações, e ainda, de tempo para se dedicar à leitura e pesquisa.
Contudo, vale destacar que, diversos obstáculos relatados pelos estudantes tiveram
relevância minimizada para aqueles alunos que fizeram iniciação científica, participam de
grupos de pesquisa ou possuem produção científica. Não raro, este grupo de alunos mostrou
maior familiaridade com o processo de pesquisa, o que tende a auxiliá-los no desenrolar de
suas dissertações. E, além do mais, em sua maioria, se dedicam integralmente ao curso, são
oriundos de outras cidades e contam, ou esperam contar, com o auxílio financeiro de bolsas de
estudo. Ciente disso, o restante dos estudantes acusa a falta de tempo, dividido entre vida
pessoal, profissional e acadêmica, como o principal vilão de suas dificuldades, conforme
observa-se no relato:

Queria me dedicar mais ao curso, mas tenho que trabalhar


para me manter. Caso conseguisse bolsa, poderia até me
dedicar exclusivamente, produzir, ter mais tempo para as
leituras. (E1)

Quanto ao início da investigação, os relatos reforçaram a relevância da definição e


delimitação do problema de pesquisa. Segundo os estudantes, uma estratégia recorrente tem
sido a busca pela conciliação dos interesses acadêmicos e profissionais, e ainda, do local onde
o estudo será realizado com o tempo e recursos disponíveis. É, todavia, a conciliação entre os
conhecimentos e interesses do orientador com os do aluno, o eixo de parte significante dos
obstáculos encontrados pelos mestrandos, que por sua vez, nem sempre efetuaram uma
pesquisa prévia do perfil de seu provável orientador.
Infere-se, por conseguinte, que o relacionamento entre aluno e orientador consiste em
uma das variáveis mais determinantes, se não para a eliminação, mas certamente para a
minimização dos obstáculos encontrados pelos estudantes de mestrado na elaboração de suas
dissertações, a saber, a escolha do referencial teórico e metodologia do estudo. Indispensável
para assegurar alguns dos aspectos mais cruciais de um projeto de pesquisa, esta relação é
mencionada no discurso de vários mestrados.
Outrora, vale notar que, a maior dissonância recaiu sobre a perspectiva dos alunos a
cerca da influência do programa de pós-graduação. Parte dos relatos apontou que, as
disciplinas oferecidas, o orientador, o acervo de livros e periódicos e demais recursos tiveram
influência direta na construção do tema e do problema de suas dissertações, enquanto que, de
forma equivalente, outros estudantes atribuem influência reduzida a este grupo de fatores,
conforme se verifica nas falas de alguns entrevistados:

O programa disponibiliza um grupo de disciplinas por semestre


que nem sempre auxilia o mestrando em sua dissertação. Pode-
se dizer que a biblioteca tem um acervo mediano. Mas
sinceramente, não vejo nada disso influenciar diretamente as
minhas escolhas. Até mesmo por que o aprendizado reside
mesmo é no correr atrás sozinho. (E4)

Para legitimar um conhecimento adquirido, o programa tem


que subsidiar a troca de conhecimento. Através do meu
orientador, uma figura mais próxima , o programa foi essencial
para as minhas escolhas no decorrer da dissertação, do curso.
Enfim...(E7)

Similarmente, a percepção dos alunos sobre a turma de mestrado é divergente.


Atribuem alta relevância para a interação acadêmica quando a troca de conhecimento e
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experiências é rotineira entre os alunos, assim como, julgam-na secundária quando os níveis
de interação são insignificantes, ou seja, quando os mesmos não influenciam o trabalho
individual de cada mestrando.

Considerações finais
A partir dos achados apresentados neste estudo, pode-se concluir que, a maioria dos
entraves encontrados pelos mestrandos em administração é mencionada na literatura. Parte
significativa é recorrente e deriva de fenômenos cotidianos de um curso de mestrado, como, a
impossibilidade de escolher o orientador, a necessidade e conciliação dos interesses pessoais e
profissionais, e principalmente, a falta de familiaridade e de tempo no que se refere à prática
da pesquisa.
Desta forma, inferir-se que estudantes que se dedicam integralmente ao mestrado, bem
como aqueles que participaram de iniciação científica, ou ainda, fazem parte de um
determinado grupo de pesquisa, tem maior facilidade de lidar com os obstáculos postos no
decorrer da elaboração da dissertação, e principalmente, na construção do tema e do problema
de suas pesquisas. Não raro, estes alunos aliam os interesses do grupo de pesquisa com os
seus interesses acadêmicos, profissionais e do orientador, com o qual, mantém um
relacionamento mais estreito e saudável, o que resulta por vezes na elaboração de artigos
científicos e, por conseguinte, aumenta a probabilidade de obter auxílio financeiro, ou seja, a
bolsa de estudos.
É, neste sentido, um ciclo, que só tende a auxiliar e prover o estudante em uma
construção mais sensata do tema e do problema de sua dissertação. Consoante aos
apontamentos encontrados nos diversos manuais, a experiência prévia do aluno e a
compatibilidade de interesses, do aluno, orientador e grupos de pesquisa, são determinantes
para que o aluno obtenha êxito desde a primeira etapa do processo investigativo.
Finalmente, pode-se observar que a capacidade de desenvolvimento de um tema e
problema adequados para uma dissertação advém da maturidade acadêmica do aluno, a qual
está associada à experiência obtida pelo mestrando ou doutorando ao longo da sua vida
acadêmica. Aqueles que desenvolveram atividade de iniciação científica, que participam de
atividades de pesquisa e que trabalham junto com seus orientadores em projetos de pesquisa e
elaboração de artigos, constroem essa maturidade e conseguem chegar a um tema e problema
com menos dificuldades. Pode-se observar que em nenhum momento as alunos fazem
referência aos manuais ou a própria disciplina de metodologia como um elemento
determinante do sucesso para chegar ao tema e problema, evidenciando também que a
capacidade de resolver essas questões do trabalho científico estão associadas à prática da
pesquisa, ou seja, o learning by doing.
Esse trabalho apresenta a limitação de não ter trabalhado a perspectiva dos
orientadores, os quais vivenciam as dificuldades dos orientados ao longo do processo, ficando
essa etapa para um próximo artigo. Além disso, não considerou a qualidade do tema e
problema construído efetivamente, ou seja, até que ponto aqueles alunos que não perceberam
dificuldades na construção do tema e do problema produziram projetos ou dissertações com
melhor qualidade. Também, nesse processo, não foi considerado a clareza dos mestrandos e
doutorandos quanto aos pressupostos epistemológicos que sustentam seu quadro teórico e
metodológico. Nesse caso, espera-se como resultado que aqueles familiarizados com o
processo de pesquisa tenham mais clareza sobre os pressupostos teórico-metodológicos dos
seus estudos.
Os resultados da pesquisa, no entanto, permitiram revelar que muitos problemas
presentes nos programas de mestrado e doutorados podem ser minimizados com uma política
institucional de aproximação da graduação com a pós-graduação, bem como com o
fortalecimento do espaço de interação dos alunos nos projetos de pesquisa. A consolidação

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dos grupos de pesquisa constitui-se em forte instrumento de dinamização na construção de
teses e dissertações mais consistentes.

Referências bibliográficas
AAKER, D. A.; KUMAR, V.; DAY, G. S. Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas, 2001.
ASTI VERA, A. Metodologia da pesquisa científica. Porto Alegre, Globo, 1973.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004.
CASTRO, C. M. A prática da pesquisa. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1977.
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