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O LUGAR DOS
CONDENADOS

Autor
ERNST VLCEK

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra registram os meados
do mês de outubro do ano 3.441. Mais de dez meses se
passaram desde o dia 29 de novembro de 3.440, em que a
catástrofe atingiu todos os seres inteligentes da Galáxia.
A fome e o caos continuam a reinar em quase todos os
planetas e bases planetárias, e pedidos de socorro ainda
chegam do cosmos. E os poucos seres humanos pertencentes
ao Império Solar e membros de outros povos cósmicos que
não foram afetados pelos raios de deterioração mental
continuam a fazer esforços sobre-humanos para combater o
caos e suprir as necessidades das massas de concidadãos que
se transformaram em débeis mentais.
Perry Rhodan e seus sessenta companheiros, entre os
quais estão Atlan, Gucky e muitos velhos conhecidos,
assumiram uma tarefa ainda mais difícil. Contando com o
apoio da nave-capitânia de Reginald Bell, a Intersolar, o
Administrador-Geral tenta fazer pesquisas a respeito do
misterioso Enxame, que continua a penetrar na Galáxia, e
cujos dirigentes não menos misteriosos são responsáveis pela
modificação da constante gravitacional e o retardamento
mental de âmbito galáctico causado por ela.
Enquanto Perry Rhodan e sua nave, a Good Hope II, um
pequeno cruzador espacial com equipamentos especiais, se
encontram de novo perto do Enxame, prosseguindo na caça
de informações, o voo dramático da Gatos Bay prossegue.
Cheborparczete Faynybret, o homem de nome
impronunciável, aproxima-se de Quinto-Center. Por
enquanto nem desconfia de que o quartel-general da USO se
transformou no Lugar dos Condenados...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Coronel Korstan Tiesch — Comandante de Quinto-Center.
Almirante Cadro Tai Hun — Chefe dos aspirantes ao
paraíso.
Roi Danton — O filho de Perry Rhodan que faz uma visita ao
quartel-general da USO.
Cheborparczete Faynybret — Antigo chefe de uma Central
Estelar da USO.
Mortom Kalcora — Um homem pequeno de Siga, que cresce
acima de si mesmo.
Professor Persaito — Exialista de Umtar.
1

O CheFe recolhera-se ao seu camarote na Gatos Bay para descansar um pouco.


Desde que há quatro dias fugira de Pampas com a nave cargueira de 120 metros, não se
passara uma hora sem que surgisse algum problema. Os controles de emergência
instalados pelo antigo comandante da nave esférica, Tschak Hoa, falharam
constantemente; os propulsores tinham de ser submetidos a revisões constantes e além de
tudo isso ainda havia problemas com a navegação, uma vez que no lugar em que se
encontravam, na periferia do núcleo central da Galáxia, as estrelas já ficavam bem
próximas umas das outras.
E foi assim que a Gatos Bay levou quatro dias-padrão e teve de realizar duas dúzias
de manobras lineares para percorrer o trecho relativamente curto de 13.703 anos-luz. Mas
naquele momento Quinto-Center, o lugar de destino que esperava alcançar em três ou
quatro etapas lineares, já não estava muito distante.
O chefe sentia-se exausto, mas não conseguia dormir. As vibrações irregulares do
propulsor transmitiam-se a toda a nave. As paredes e o chão vibravam; objetos soltos
começavam a caminhar como se de repente tivessem adquirido uma vida independente.
Um ruído que aumentava e diminuía enchia o ar.
Quando o intercomunicador deu o sinal de chamada, o chefe nem se sentiu
incomodado. Saltou da cama e apertou a tecla.
A imagem de Gaddard Pen Tuku foi-se formando na tela do sistema de
intercomunicação de bordo. O pequeno terrano era um dos imunes. Era o único que
estava de plantão na sala de comando durante a etapa linear que segundo se esperava
seria a última. Mal a ligação foi completada, o engenheiro de hiper-rádio começou a
falar.
— Acho que chegamos a um beco sem saída. Parece que o conversor de
compensação waringiano entregou os pontos de vez.
— Essa não! — gemeu o CheFe. — Estamos tão perto. Tem certeza de que o
problema é o conversor linear, Gaddard?
— Certeza absoluta não tenho — confessou Pen Tuku. — É claro que pode ser um
defeito dos controles de emergência. O Capitão Tschak Hoa sem dúvida era um técnico
competente, senão não teria sido capaz de montar as instalações. Mas já vimos que elas
nem sempre funcionam como deveriam. É possível que também desta vez a queda de
potência seja devida a um defeito deste equipamento. Mas infelizmente não encontrei
nenhum.
— Já vou — prometeu o CheFe e desligou.
Antes de sair do camarote verificou se o uniforme de bordo assentava bem. Era um
hábito que adquirira no tempo em que comandava a base da Segurança Solar Central
Cósmica Blue-Sul. Mas essa base não existia mais e o que restava de sua guarnição
conseguira salvar-se fugindo na Gatos Bay.
As pessoas esperavam que a nave cargueira as levasse a Quinto-Center, onde
encontrariam apoio e poderiam oferecer ajuda. Conheciam a situação reinante no quartel-
general da USO, mas parecia lógico que lá devia haver grande número de seres que
tinham escapado à onda de deterioração mental. Afinal sabiam que muitos especialistas
da USO eram indivíduos mentalmente estabilizados, não importando a que povo
galáctico pertenciam. E como se sabia, os mentalmente estabilizados não tinham sido
atingidos pelo processo de debilitação mental.
O CheFe ia sair para o corredor, mas mudou de ideia ao ver um débil mental. Sabia
perfeitamente que efeito produzia em seres que viam nele algo parecido com a
encarnação do diabo.
É que Cheborparczete Faynybret, que era o nome completo do CheFe, não era um
ser humano, nem pertencia a um povo humanóide. Era um cheborparnense e tinha uma
semelhança surpreendente com um bode andando em duas pernas. Para os terranos, que
ainda traziam profundamente enraizada em suas mentes uma velha superstição, ele tinha
o aspecto de um Sátiro — isto é, do diabo. Os terranos tinham aprendido a pensar em
termos cósmicos e aceitavam as formas de vida não-humanóides, eles não conseguiam
evitar certo mal-estar quando se defrontavam com um cheborparnense parecido com o
diabo, como era mostrado nas figuras tradicionais.
E agora que os seres tinham sido afetados pelo processo de deterioração mental, o
efeito que o cheborparnense produzia nos terranos era ainda mais espantoso. O CheFe
tirara suas conclusões e evitava qualquer contato apressado ou imprevisto. Primeiro
preparava as pessoas psicologicamente, antes de apresentar-se a elas. Sempre que podia
evitava encontrar-se com as pessoas mentalmente deterioradas que se encontravam na
Gatos Bay, embora antes da catástrofe tivessem trabalhado sob suas ordens. Só aparecia
diante deles quando isso não podia ser evitado.
Naquele momento preferiu esperar que o mentalmente deteriorado desaparecesse.
O CheFe demorou um pouco em chegar à sala de comando. Os outros dois imunes
já estavam lá.
— Que diabo de uma lata cósmica podre! — esbravejou Hotchka Omolore.
Cheborparczete Faynybret estremeceu como se alguém o tivesse chamado pelo
nome.
***
Hotchka Omolore era um terrano alto e robusto, de cabelos cor de fogo. Ocupava o
posto de capitão da Segurança Solar e tinha passado a um treinamento de engenheiro
especializado em transmissores. Era um homem taciturno, que sempre tinha alguma coisa
a reclamar.
Quando viu que o cheborparnense tinha entrado na sala de comando mostrou-se
embaraçado.
— Sinto muito, CheFe — disse. — A palavra diabo saiu de minha boca sem querer.
Era interessante ele pedir desculpas ao cheborparnense e não à moça diante da qual
acabara de praguejar.
Aidala Montehue estava acostumada à linguagem áspera dos homens. Trabalhara
muito tempo como médica na Central Estelar Blue-Sul e por isso não enrubescia toda vez
que ouvia uma expressão mais forte.
Estava de pé atrás de Gaddard Pen Tuku, que estava sentado meio confuso à frente
do console dos controles de emergência. Era uma figura delicada, de estatura mediana,
usava os cabelos negros bem curtos e sua pele era de uma tonalidade morena delicada.
Era natural de Plofos, mas seu aspecto lembrava o de uma indiana. Podia mostrar-se
fechada e inacessível por um momento, para em seguida transbordar de alegria.
— Parece que a coisa ficou séria — disse ao cheborparnense.
— Pois é — disse Gaddard Pen Tuku. — Não os chamei por falta do que fazer. É
bom que o senhor mesmo veja, CheFe. O reator atômico fornece energia suficiente, todos
os setores da sala de máquinas estão energetizados — e assim mesmo os instrumentos
indicam uma queda de potência do conversor de compensação waringiano. Se a potência
continuar a baixar, dentro de alguns minutos alcançaremos o ponto crítico em que o
conversor linear não poderá manter-nos na zona de libração.
Enquanto falava, o engenheiro de hiper-rádio levantou para ceder seu lugar ao
cheborparnense. O CheFe sentou à frente do console e colocou as mãos grosseiras com
quatro dedos sobre a tecla maior.
Seus grandes olhos vermelho-brilhantes examinaram ligeiramente os instrumentos
precariamente instalados. Acabaram se fixando no cronômetro do piloto automático.
— A etapa linear ainda durará quatro minutos — constatou. — O conversor linear
deve aguentar até lá. E aí já estaremos em Quinto-Center.
Hotchka Omolore resmungou alguma coisa que ninguém entendeu, os outros
ficaram calados.
De repente a nave sofreu um abalo. Aidala Montehue soltou um grito ao sentir um
golpe violento que por pouco não a derrubou. Mal conseguiu segurar-se no ombro do
cheborparnense.
O CheFe exibiu um sorriso forçado, o que lhe dava um aspecto ainda mais
diabólico. Sua boca larga assumiu a forma de um V, as três narinas acima dela se
alargaram — e no mesmo instante saíram delas três línguas que se desenrolaram,
alcançando 55 centímetros de comprimento. Na extremidade de cada uma delas havia
quatro dedos finos.
Como os cheborparnenses descendiam de animais de casco, os braços que se tinham
formado das pernas dianteiras não estavam plenamente desenvolvidos. Os quatro cascos
de cada perna traseira tinham-se transformado em dedos, mas eram grosseiros e
desajeitados, não se prestando para trabalhos mecânicos ou controles sofisticados. Para
isso os cheborparnenses usavam os três tentáculos enrolados nas narinas.
O CheFe desenrolou dois tentáculos funcionais e os fez passar pelos controles.
— Vamos ver. Talvez possa fazer alguma coisa — murmurou e fez algumas
regulagens de alta precisão, mas não conseguiu nada.
Os instrumentos continuavam a indicar valores cada vez menores e o ponteiro que
indicava o desempenho do conversor linear oscilava perigosamente perto da marca
vermelha.
Na sala de comando reinava um silêncio carregado de tensão. Só se ouvia o ruído
dos propulsores funcionando de maneira irregular, e de vez em quando o tilintar dos
vidros que cobriam os instrumentos. Hotchka Omolore pigarreou.
Aidala Montehue olhou fixamente para o cronômetro do piloto automático. Mais
três minutos de voo linear, e o problema estava resolvido.
Gaddard Pen Tuku apoiou-se na travessa do console de instrumentos, com as mãos
retorcidas. Todos os seus pensamentos giravam em tomo de uma indagação. Será que o
conversor de compensação waringiano aguentaria mais dois minutos?
O tempo foi passando com uma lentidão desgastante. O rugido dos propulsores era
cada vez mais forte e irregular. As vibrações ligeiras transformaram-se num tremor
constante.
Mais um minuto!
O CheFe passou os dedos sensíveis dos tentáculos pelo teclado dos controles de
emergência. Fazia regulagens sem parar — ajustava o fluxo de energia, reduzindo-o ou
aumentando-o, desativava condutos e fazia passar energia por outros, desativava,
programava, reprogramava, apagava programações.
Era apenas uma questão de segundos e a marcação do cronômetro do piloto
automático chegaria ao fim. Três segundos...
De repente um forte tremor sacudiu a nave. O desempenho do conversor linear caiu
abruptamente, os instrumentos indicavam valores abaixo da marca vermelha.
A Gatos Bay retornou ao espaço normal. No mesmo instante o conversor de
compensação waringiano desligou-se automaticamente.
Gaddard Pen Tuku correu para junto dos rastreadores e fez algumas medições
superficiais. Gastou menos de um minuto. Virou o rosto para os companheiros e sorriu.
— Conseguimos — disse. — Encontramo-nos a pouco menos de uma hora-luz de
Quinto-Center.
Naquele momento nenhum deles desconfiava de que nem todos os problemas
estavam resolvidos.
***
Teoricamente parecia tudo muito simples. A única coisa que a Gatos Bay tinha de
fazer era pedir permissão de pouso pelo rádio e entrar em um dos hangares do subsolo.
Mas a realidade foi muito mais complicada.
O CheFe não poderia entrar em contato pessoalmente pelo videofone com o quartel-
general da USO, pois um radioperador de gênio mais delicado poderia pensar que era o
demônio. Por isso tinha de recorrer a Aidala Montehue.
Gaddard Pen Tuku fez todos os preparativos para a ligação de hiper-rádio. Quando
ela foi completada, transferiu a ligação para o terminal de videofone da sala de comando.
Aidala viu na tela o rosto tenso de um oficial de rádio relativamente jovem, da
USO.
— Aqui fala o centro de radiocomunicações de Quinto-Center. Tenente Zdenko no
aparelho — recitou o oficial de rádio e encarou Aidala como quem quer alguma coisa.
— Estou falando a bordo da nave cargueira Gatos Bay — disse Aidala. — Eu e
mais três imunes e treze débeis mentais viemos de uma base da Segurança Solar. Solicito
permissão de pouso em Quinto-Center.
Os lábios do tenente crisparam-se num sorriso irônico.
— Receio que isso não seja tão fácil — disse.
Aidala percebeu que estava ficando zangada.
— Por quê?
O tenente continuava a exibir o sorriso irônico.
— Qual é o nome da base da qual dizem que vieram? — quis saber.
— Central Estelar Blue-Sul — respondeu Aidala.
— Isso tem de ser conferido — afirmou o tenente. — Entre em órbita.
Oportunamente voltaremos a fazer contato pela mesma frequência.
Quando percebeu que o tenente pretendia desligar, Aidala apressou-se a dizer:
— Um momento! O senhor poderia fazer o favor de explicar o motivo de sua
atitude fria? Percorremos quase quatorze mil anos-luz em condições extremamente
difíceis porque acreditávamos que Quinto-Center era um dos últimos redutos da
civilização humana. Viemos para ajudar pessoas que pensam como nós a restabelecer as
condições normais. E veja que espécie de recepção o senhor nos proporciona.
— Pessoas que pensam como nós! — exclamou o tenente, como quem estava
achando graça. — Até dá vontade de rir. Pois eu lhe direi o que os senhores são. Fazem
parte da corja que se juntou em tomo do Almirante Cadro Tai Hun. Não acredito uma
palavra da história que acaba de contar. Trate de inventar um truque melhor para
enganar-nos. Não me levem a mal. Não guardarei ressentimentos. Diga a seu almirante
que os senhores tentaram, mas o pessoal de Quinto-Center é muito esperto.
Aidala ficou furiosa de verdade.
— Acho que o senhor está saindo de suas atribuições, tenente — gritou. —
Coloque-me em contato imediatamente com o comandante supremo de Quinto-Center.
Mas seu interlocutor não chegou a ouvi-la.
A tela tinha escurecido.
— É estranho — murmurou o CheFe. — Gostaria de saber qual é o problema com
esse Almirante Cadro Tai Hun... De qualquer maneira faremos tudo para obter permissão
de pousar em Quinto-Center.
2

Pela presente o senhor fica intimado a transmitir o comando de Quinto-Center a


mim, que sou seu superior hierárquico.
Almirante Cadro Tai Hun.

— Posso imaginar por que ele quer Quinto-Center — trovejou o Coronel Korstan
Tiesch e amassou o telegrama que lhe fora entregue pelo setor de rádio. — Se o almirante
quiser estabelecer-se em Quinto-Center terá de usar a força.
— Talvez a avaliação que o senhor faz do Almirante Tai Hun não esteja certa —
disse seu interlocutor, um jovem alto e robusto de pele morena e cabelos louro-claros.
Tinha uma voz grave. Mas por maior que fosse, por mais potente que fosse sua voz — ao
lado do Coronel Tiesch ele se apagava ótica e acusticamente. O comandante de Quinto-
Center era um ertrusiano de 2,45 metros de altura e 2,10 metros de largura. Quando
levantava a voz, fazia tremer as paredes.
— Talvez o Almirante Tai Hun nem tenha a intenção de usar a força — prosseguiu
o outro, cujo nome era Persaito e que era natural da colônia arcônida de Umtar. Persaito
dirigia os cursos de mentalmente deteriorados em Quinto-Center. — O senhor deveria
sentar à mesa de negociações com ele e ouvir suas propostas. Sou de opinião que o que
ele tem a dizer nem chega a ser uma tolice tão grande.
— Ainda bem que nisso não dependo de sua opinião — retrucou o Coronel Tiesch
em tom violento. — O senhor deveria preocupar-se com seus problemas.
— O senhor tem toda razão — reconheceu Persaito. — Não tenho nada com isso.
O Coronel Tiesch virou abruptamente a cabeça. Até parecia que a crista de cabelos
cor de areia em forma de foice inchara de tão aborrecido que estava. A pele marrom-
vermelha reforçava esta impressão. Mas as aparências enganavam. O ertrusiano estava
calmo e equilibrado. Só que naquele momento preferiria ficar só para refletir.
De fato, podia imaginar que o Almirante Cadro Tai Hun acalentava a ideia de
assumir o comando de Quinto-Center. Afinal, o quartel-general da USO era uma
fortaleza inexpugnável, de onde se podia exercer uma influência forte sobre os
acontecimentos na Galáxia. O Coronel Korstan Tiesch tinha certeza de que em tudo que
fazia o Almirante da USO Cadro Tai Hun só tinha uma coisa em mente: o poder.
Controlando o quartel-general da USO, poderia saciar a sede do poder.
Quinto-Center era isto:
Uma antiga lua com 62 quilômetros de diâmetro, capturada por naves de grande
porte que usaram raios de tração, e colocada numa posição estratégica importante. Depois
disso foram usados raios térmicos e desintegradores para escavar a pequena lua até que só
restou uma crosta de rocha de seis quilômetros de espessura. Esta crosta foi reforçada por
meio de vigas de aço terconite, para alcançar a necessária estabilidade estática. Depois
disso o espaço oco com cinquenta quilômetros de diâmetro foi sistematicamente dividido.
O coração do centro de controle principal de Quinto-Center ficava exatamente no
centro geométrico da antiga lua. Era esférico, tinha oitocentos metros de diâmetro e
consistia numa parede de aço terconite de cinco metros de espessura. Em torno dele
tinham sido construídas 38 usinas atômicas, que cercavam a esfera do centro de controle
principal e também estavam dispostas em forma de esfera. Depois dessas instalações
vitais vinha um grande transmissor, que ainda ficava no setor de segurança central e se
necessário podia ser abastecido de energia pelas 38 usinas atômicas.
Na superfície deserta da lua que fora deixada nas condições naturais tinham sido
construídas 3.430 torres blindadas recolhíveis, cada uma guarnecida com três canhões
conversores acoplados. Cada um desses 10.290 canhões conversores possuía uma
capacidade de irradiação equivalente a mil gigatons de TNT. Além dessas torres de
canhões triplos havia duas mil torres quádruplas, também recolhíveis, equipadas com
canhões térmicos, desintegradores e canhões vibratórios.
Era um armamento formidável, que fazia de Quinto-Center a fortaleza mais
poderosa da parte conhecida da Galáxia.
— Não é de admirar que o Almirante Tai Hun faça tudo para tomar posse de tudo
isto — pensou o Coronel Tiesch.
Mas além de ser uma fortaleza inexpugnável, Quinto-Center podia resistir ao sítio
mais prolongado. As reservas de mantimentos eram suficientes para alimentar a
guarnição de oito mil pessoas por vários séculos, e as provisões de energia e oxigênio
davam para muito mais tempo.
Parecia mesmo que Quinto-Center era um lugar sem problemas. Nos quinhentos
conveses principais de cem metros de altura havia depósitos de tudo quanto era material,
arsenais muito bem providos, depósitos de peças sobressalentes, dois grandes estaleiros
supermodernos, hangares de todos os tamanhos, alojamentos para seres humanos,
indivíduos adaptados a um ambiente diferente e todos os seres extraterrestres conhecidos,
estádios, salas de hobby, locais de treinamento e inúmeras possibilidades de dedicar-se
aos mais variados prazeres. Naturalmente também havia laboratório e salas de trabalho
para todas as especialidades científicas e técnicas. Todas essas instalações estavam
interligadas por centenas de elevadores normais e antigravitacionais, escadas rolantes
para serem usadas nas situações de emergência e esteiras rolantes.
A concepção técnica e organizacional de Quinto-Center era perfeita, não faltava
nada, não havia problemas.
Mas isto só se aplicava nos tempos normais. Depois que a onda de deterioração
mental atingiu a Galáxia, tiveram de ser aplicados outros padrões. A ideia de que todos os
especialistas da USO eram mentalmente estabilizados não era verdadeira. Mentalmente
estabilizados e imunes contra a deterioração mental eram quase exclusivamente aqueles
especialistas que faziam serviços externos ou ocupavam posições especiais. No momento
havia 223 desses imunes em Quinto-Center, incluído o Coronel Tiesch. E eles se
defrontavam com perto de oito mil débeis mentais.
Uma pessoa que não estava na mesma situação não era capaz de imaginar os
problemas que isso trazia. Mas apesar disso o Coronel Tiesch tentara resolver o
problema, com a ajuda do umtarense Persaito. Tentavam realizar cursos para incutir os
conhecimentos perdidos nos mentalmente deteriorados em doses homeopáticas,
aproximando-os aos poucos ao QI que possuíam antes. Mas estavam apenas no começo
— e em meio a esta situação estourou a manifestação do Almirante Cadro Tai Hun, com
seus desejos e planos perigosos.
O pior era que o Almirante Tai Hun não estava só. Em sua nave, a Zamorra Thety,
havia 147 seres ao todo — imunes, sem exceção! Fazia sete dias que sitiavam Quinto-
Center.
O Coronel Tiesch sobressaltou-se quando a voz de Persaito Interrompeu seus
pensamentos.
— Acho que é melhor eu me retirar — disse o umtarense. — Imagino que para o
senhor o destino de oito mil débeis mentais não é tão importante.
— Não me deixe ainda mais nervoso com suas indiretas — indignou-se o Coronel
Tiesch. Mas logo recuperou o autocontrole. — Mais tarde conversaremos, Persaito —
acrescentou em voz baixa.
O umtarense mal acabara de sair, quando o intercomunicador deu o sinal de
chamada. Era o chefe do setor de rádio.
— É por causa do Almirante Tai Hun? — perguntou o comandante de Quinto-
Center.
O tenente hesitou.
— Não tenho certeza. Pode ser um pedido de socorro ou uma armadilha.
***
O oficial do setor de rádio informou o Coronel Tiesch a respeito da chegada da
Gatos Bay que, segundo se alegava, trazia a bordo o que restava da guarnição da Central
Estelar Blue-Sul .
— Essa gente vive nos bombardeando com mensagens exigindo permissão de
pousar — prosseguiu o tenente. — Sua porta-voz é uma plofosense chamada Aidala
Montehue.
— Mandou verificar os dados dessas pessoas? — perguntou o Coronel Tiesch.
— Ainda não — confessou o tenente. — Achei que o senhor devia ser informado
primeiro.
— Cuidarei do caso — disse o ertrusiano. — Se a moça voltar a chamar, diga-lhe
que entrarei em contato com ela.
O Coronel Tiesch desligou e digitou o número do setor em que estavam guardados
os bancos de dados e o centro de computação positrônica. Demorou alguns minutos até
que o Cibernético-Chefe Dr. Akot Tantritz atendesse ao chamado.
O Dr. Tantritz assumira as funções de chefe dos robôs e do centro de controle
positrônico depois que a onda de deterioração mental transformou o cibernético-chefe
anterior num débil mental. Tantritz era um indivíduo adaptado a um novo ambiente
natural de Harlancour, o mundo dos extremos. Era especializado em matemática
geofísica. Essa disciplina só existia no planeta Harlancour, onde as condições geofísicas
mudavam constantemente por causa da influência gravitacional de quatro sóis. Os
indivíduos adaptados ao ambiente de Harlancour, conhecidos como lancourenses, eram
capazes de adaptar-se perfeitamente às mudanças extremas de seu mundo. Como a
influência que os quatro sóis exerciam no planeta não seguia um ritmo regular, era
necessário fazer cálculos constantemente, para formular prognósticos que permitissem às
pessoas preparar-se para as mudanças.
Em seu mundo o Dr. Akot Tantritz fora uma espécie de meteorólogo. Usava o título
científico de geofimático. Sua especialidade não tinha muito que ver com a cibernética e
as áreas correlatas, mas ele se adaptara muito bem ao seu novo trabalho.
Nas condições gravitacionais reinantes em Quinto-Center, onde a força da
gravidade era de um gravo, o Dr. Akot era um homem alto e esbelto, mas à medida que
aumentava a gravidade podia fazer encolher seu corpo a ponto de não ter mais de um
metro de altura. Esta capacidade era devida aos chamados ossos telescópicos que
formavam seu esqueleto e se encolhiam ou estendiam segundo a gravidade, regulando
sua altura.
A pele do rosto do Dr. Tantritz estava distendida por causa do alongamento dos
ossos telescópicos, formando uma superfície lisa e sem rugas sobre os maxilares, o nariz
grosso e o queixo saliente. Os dois olhos estavam quase completamente escondidos sob
as pálpebras da córnea.
— Gostaria que retirasse alguns dados dos bancos — principiou o Coronel Tiesch.
— Trata-se de uma base da Segurança Solar conhecida como a Central Estelar Blue-Sul.
Quero os nomes dos membros da guarnição que esteve lá por último e outros detalhes a
respeito da base e do mundo em que ficava. Tenho pressa, Dr. Tantritz.
Enquanto fazia anotações, o lancourense disse:
— Tomara que possa ajudar, Senhor. Como sabe, fomos obrigados a retirar ou
desligar os complementos de plasma atingidos pela onda de deterioração mental. É
verdade que o conjunto positrônico central voltou a funcionar razoavelmente, mas somos
obrigados a dar uma volta para alcançar os bancos de dados que são bloqueados pelos
complementos plasmáticos desativados. Talvez demore um pouco a conseguir as
informações desejadas.
— Faça o que estiver ao seu alcance — pediu o Coronel Tiesch.
Mal acabou de digitar, a sala de rádio chamou.
— Desta vez é o Almirante Cadro Tai Hun que quer falar pessoalmente com o
senhor — informou o oficial.
— Não tem outra coisa a fazer senão esperar as mensagens desse renegado? —
berrou o Coronel Tiesch.
— Tenho, sim — justificou-se o tenente perplexo. — Recebemos constantemente
pedidos de socorro de todas as partes da Galáxia, mantemos contatos com a Intersolar, a
Good Hope II e com a Terra...
— Está bem — interrompeu o Coronel Tiesch. — Transfira a ligação com o
Almirante para a tela principal da sala de comando.
O coronel entesou o corpo, ajeitou o uniforme e saiu do gabinete.
***
No pavilhão gigantesco onde em outros tempos trabalhavam mais de cem técnicos
das mais diversas especialidades só havia vinte pessoas cuidando dos setores mais
importantes e coordenando os processos nas estações externas.
O Coronel Tiesch plantou-se à frente da gigantesca tela principal, que ficava no
centro da galeria panorâmica e fez um sinal para o oficial de rádio, mostrando que estava
preparado.
A tela iluminou-se e nela apareceu um homem baixo com as insígnias de almirante.
Era um terrano de rosto mongolóide e trazia o cabelo negro muito curto. Irradiava força,
vitalidade e decisão.
— Não seria necessário assumir essa pose — principiou o almirante. Sua fala era
rápida e entrecortada. — Não estou disposto a entreter uma conversa prolongada com o
senhor. Já está na hora de ser feita alguma coisa. Temos de criar padrões a serem
observados daqui em diante. Andei brigando sete dias com o senhor e não deu em nada.
Isto vai mudar.
— O senhor me surpreende, almirante — disse o Coronel Tiesch. — Reprova uma
conversa prolongada, mas por enquanto não fez outra coisa senão conversar. Estou
curioso para ver se vai continuar assim.
— Tomei uma decisão — respondeu o Almirante Tai Hun. — Vou agir.
Infelizmente o senhor não me deixa nenhuma alternativa. Serei obrigado a adotar
medidas drásticas. Ouça meu ultimato. Se dentro de dez horas não abrir uma faixa de
entrada para a Zamorra Thety, abriremos caminho a tiros para entrar em Quinto-Center.
Estou falando sério, coronel.
O Coronel Tiesch ficou sem saber o que dizer por alguns segundos. De repente
soltou uma gargalhada tão forte que os vinte homens e mulheres que trabalhavam na sala
de comando foram obrigados a tapar os ouvidos. O rosto do Almirante Tai Hun também
se contraiu numa expressão de dor.
— O senhor está brincando, almirante — disse o coronel finalmente. — Não venha
me dizer que acha que com um couraçado de oitocentos metros pode romper as defesas
de Quinto-Center.
O Almirante Tai Hun exibiu um sorriso cínico.
— O senhor estaria mesmo disposto a acabar com a vida de 147 imunes? Pense em
meu ultimato. Eu lhe dou dez horas, coronel.
A tela escureceu.
O Coronel Tiesch não saiu do lugar. Olhava fixamente para a frente enquanto
refletia sobre as palavras do almirante. Talvez fosse apenas um blefe. Mas se não era, o
Coronel Tiesch enfrentava um dilema difícil.
O Coronel Tiesch ainda estava parado, absorto em pensamentos, quando o
cibernético-chefe forneceu os dados a respeito da Central Estelar Blue-Sul. Depois de ter
as informações, o comandante supremo de Quinto-Center pediu uma ligação com a Gatos
Bay.
***
O Coronel Tiesch passou a usar um videofone comum e espalhou os dados de
maneira a não poderem ser vistos por sua interlocutora. Da mesma forma que fora feito
nos contatos com o oficial de rádio, também desta vez a plofosense exerceu as funções de
porta-voz da tripulação da Gatos Bay.
— Seu nome é Aidala Montehue — disse o Coronel Tiesch, dando início ao
interrogatório. — A senhora atua em alguma área científica específica?
— Sou médica — respondeu Aidala e acrescentou: — Sou especializada em
cirurgia de transplantes.
— Não acha estranho uma médica comandar uma base da Segurança Solar? —
espantou-se o Coronel Tiesch.
— Eu não afirmei isso — respondeu Aidala. — O comandante da Central Estelar
Blue-Sul é Cheborparczete Faynybret e pertence ao povo dos cheborparnenses.
Costumamos chamá-lo de CheFe.
— A senhora se refere ao seu chefe como se ele ainda estivesse vivo — disse o
Coronel Tiesch. — Ele não poderia falar pessoalmente? Será que se transformou num
débil mental?
Aidala percebeu a armadilha e sorriu ironicamente.
— Num débil mental? Ele que é um mentalmente estabilizado? Não. O CheFe está
em perfeitas condições psíquicas. Acontece... bem, acontece que é um cheborparnense.
Sabe como é um cheborparnense?
O Coronel Tiesch examinou os dados que tinha à sua frente.
— Os cheborparnenses descendem de animais de casco. E daí...?
— O CheFe já fez experiências desagradáveis nos contatos com humanos — disse
Aidala. — Algumas pessoas, principalmente os débeis mentais com instintos primitivos
acentuados, vêem nele o diabo em pessoa. Por isso achou que era preferível que eu
fizesse os contatos.
— Não perdi o juízo nem sou supersticioso — disse o Coronel Tiesch em tom
irritado. — Se quiser mesmo descer no planeta, então faça com que seu comandante
apareça no videofone.
Aidala trocou algumas palavras com alguém que se encontrava fora do alcance das
objetivas e voltou a dirigir-se ao Coronel Tiesch.
— Já que faz tanta questão, o CheFe falará pessoalmente com o senhor — disse. —
Talvez seja preferível manter seu pessoal afastado da tela.
O Coronel Tiesch ia ficar aborrecido, mas limitou-se a dizer:
— Não há ninguém por perto.
Achava todo esse estardalhaço simplesmente ridículo.
Mas quando voltou a olhar para a tela prendeu a respiração. Defrontou-se com um
rosto que já tinha visto em ilustrações terranas antigas. Os chifres pontudos, os olhos
vermelhos brilhantes e a boca em V crispada num sorriso “satânico” formavam uma
verdadeira careta do diabo.
— Satisfeito? — perguntou o cheborparnense com uma voz aguda irritante.
— Fiquei estupefato — confessou o Coronel Tiesch. — Mas para mim sua presença
a bordo da Gatos Bay ainda não é uma prova de que não colabora com o Almirante Tai
Hun.
— Coronel — principiou o cheborparnense. — Não sei se suas precauções se
justificam ou se são exageradas. Mas gostaria de apresentar uma sugestão. Permita que a
Gatos Bay desça em Quinto-Center. Trata-se de uma nave cargueira com armamentos
reduzidos. Depois do pouso nos entregaremos ao senhor e ficaremos à disposição para
qualquer interrogatório. O senhor não tem nada a perder. Mas para nós seria um alívio
tremendo se pudéssemos abandonar esta nave quase fora de controle.
O Coronel Tiesch refletiu um instante. Chegou à conclusão de que se concedesse
permissão de pousar não estaria arriscando nada.
— Está bem. Darei ordem ao comando da eclusa para que sua nave seja recolhida
por meio de um raio de tração.
3

Depois de dar o ultimato, o Almirante Cadro Tai Hun dirigiu-se ao grupo de dez
pessoas que estava reunido com ele na sala dos oficiais.
Era uma turma bastante heterogênea, formada por um ertrusiano, um epsalense, um
ara, um siganês, um paronense, uma tliagota, um plofosense, um gadrugiano, um
aconense e um vulponense. Por mais diferente que fossem os povos aos quais pertenciam,
por mais que divergissem suas mentalidades, uma coisa eles tinham em comum: não
tinham sido atingidos pela onda de deterioração mental. Tinham um passado cheio de
aventuras, o destino os reunira através de caminhos diferentes, mas todos tinham
esperança de um futuro comum. Estavam todos obcecados pelo mesmo pensamento:
fugir ao caos que se estabelecera na Via-Láctea.
Não tinham criado esse desejo por iniciativa própria; ele lhes fora incutido pelo
Almirante Cadro Tai Hun. Naquela altura não conseguiam livrar-se mais da ideia de
fundar uma comunidade em algum mundo paradisíaco. O fato de descenderem de povos
tão diferentes não tinha nenhuma importância. Pensavam da mesma maneira, e era o que
importava.
— O senhor blefou muito bem, almirante — disse a tliagota enquanto erguia o
corpo blindado em forma de ameixa em toda a altura de um metro e meio. — Mas receio
que o Coronel Korstan Tiesch não se deixe enganar — prosseguiu. — Se for para valer,
ele nos derrubará. Não pode permitir que desçamos em Quinto-Center. Deve ter medo de
que nossas ideias revolucionárias contaminem seu pessoal.
— Pois eu acho que o Coronel Tiesch é muito humano — disse o Almirante Tai
Hun. — Tenho certeza de que não tocará em nós. Mas a senhora tem razão, Teetla. Ele
tem todo motivo para achar que aliciaremos sua gente. É exatamente o que pretendo
fazer.
— Confio em sua psicologia — chilreou Teetla, uma criatura adaptada ao mundo de
insetos chamado Tliago.
Fazia dois meses que o Almirante Tai Hun recolhera a mulher-inseto no espaço. Sua
história era curta e dramática. Quando a onda de deterioração mental varreu a galáxia, os
tliagotes também foram atingidos. Só as chefes de tribo, sete ao todo, eram imunes.
Viram seus companheiros de espécie transformados em débeis mentais abrirem aos
milhares suas blindagens de cetim e serem esmagados pela tremenda gravitação do
planeta. Teetla e as outras chefes de tribo fugiram numa espaçonave levando as crias que
ainda não tinham saído do ovo. Saíram sem um destino definido. Quando a viagem já
durava três meses, as crias saíram dos ovos. Os jovens tliagotes não apresentavam
nenhum problema genético.
Aí aconteceu uma coisa horrível. A espaçonave aproximou-se do Enxame. Uma das
misteriosas naves-arraias separou-se do grupo, apontou a gigantesca antena em forma de
cauda para a nave — e os jovens transformaram-se em débeis mentais, passaram a agir
como feras sanguinárias e mataram todas as chefes de tribo. Teetla foi a única que
escapou. Recolheu-se a um depósito de onde transmitiu pedidos de socorro através de um
hiper-rádio de reserva.
Assim foi descoberta pelo Almirante Tai Hun.
— Também sou de opinião que o Coronel Tiesch não seria capaz de cometer um
assassínio em massa — mesmo que fosse provocado por nós — observou o ertrusiano
Gorz Yalinor.
Yalinor era natural de um dos mundos pertencentes à Liga Carsuálica e praticara a
espionagem a favor do triunvirato de ertrusianos a bordo da Zamorra Thety. Como agente
naturalmente tinha a mente estabilizada e resistiu à onda de deterioração mental. Quando
viu o caos desabar sobre a humanidade esqueceu sua consciência nacional e juntou-se ao
Almirante Tai Hun.
— Fico me perguntando o que vamos fazer em Quinto-Center — manifestou-se o
vulposense, que pertencia ao povo dos homens-lobo, que descendia de colonos terranos.
Estes colonos tinham descoberto há séculos um mundo sedutor de tão lindo e deixaram-
se levar pelas impressões óticas a ponto de realizarem somente uma investigação
superficial antes de fixar-se no planeta. Quando perceberam que o sol emitia raios
perniciosos que modificavam os fatores genéticos humanos, já era tarde.
A segunda geração de colonos já era pouco parecida com os humanos — eram
lobos caminhando eretos, que possuíam pés e mãos, além de crinas revoltas. E a cada
geração os vulposenses cresciam mais. A geração atual já alcançara o tamanho de quatro
metros e meio — e ainda não se via o fim do processo de crescimento. Nem mesmo os
vulposenses que abandonavam seu mundo e escapavam aos raios do sol escapavam à
megamutação.
Vulgajoche — era este o nome do homem-lobo — fora recolhido pelo Almirante
Tai Hun durante um pouso ligeiro da Zamorra Thety em seu mundo, juntamente com
cinco indivíduos da mesma espécie. Os cinco vulposenses representavam um fenômeno
que provavelmente não tinha igual em toda a Galáxia. Enquanto outros, inclusive seus
companheiros de espécie, sofriam a deterioração mental, sua inteligência crescera
abruptamente. Não havia nenhuma explicação para isso.
— Por que não damos uma volta em tomo de Quinto-Center? — prosseguiu
Vulgajoche. Quando o Almirante Tai Hun quis fazer uma objeção, o homem-lobo
interrompeu-o com um gesto de sua gigantesca mão cabeluda. — Sim, eu sei. O senhor
quer recolher o maior número possível de imunes antes de dirigir-se a um planeta-paraíso
no qual possamos morar. Compreendo perfeitamente, almirante. Mas não vejo por que
não vamos procurar primeiro o mundo paradisíaco para depois sair à procura de seres que
tenham conservado a inteligência. O lobo não sai para caçar enquanto não sabe onde
assar a carne.
— A comparação é um pouco forçada, Vulgajoche — respondeu Tai Hun. Mas do
seu porto de vista o senhor tem razão. Precisamos de uma base da qual possamos operar
para fazer com que pessoas que pensem da mesma maneira se juntem a nós. Mas gostaria
que o senhor me dissesse se existe um lugar melhor para isso que Quinto-Center. Além
disso não devemos esquecer uma coisa. Se quisermos que nossa comunidade cresça,
Quinto Center será um ótimo lugar para isso. Outra coisa. Em Quinto-Center
encontraremos os equipamentos técnicos de que precisamos para começar. Além disso o
quartel-general da USO recebe inúmeros pedidos de socorro de imunes em dificuldades,
que podemos seguir. Considerando tudo isto, acho que vale a pena esperar uma chance de
entrar em Quinto-Center.
Vulgajoche concordou com um aceno de cabeça.
— Nunca encarei o caso dessa forma. Agora que o senhor explicou tudo isso,
concordo plenamente. Temos de chegar a Quinto-Center.
O Almirante Cadro Tai Hun sorriu.
— Sinto-me honrado com sua confiança — disse. — Façam o favor de voltar para
junto de seus irmãos e irmãs e expliquem-lhes por que temos de permanecer neste setor.
O grupo formado por seres tão diferentes foi-se separando aos poucos.
Só ficou o plofosense Vandian Torston.
— Posso falar com o senhor um instante, almirante? — perguntou.
***
O Almirante Tai Hun fitou o plofosense com uma expressão indagadora.
— Se for um assunto de interesse geral, o senhor deveria ter falado à frente dos
outros.
Vandian Torston sacudiu a cabeça.
— Quase chega a ser um problema particular.
O Almirante Tai Hun contemplou o plofosense com certo interesse. Era jovem, de
boa aparência e muita inteligência. Estudara xenologia, mas fora obrigado a interromper
o estudo antes de poder especializar-se na área das xenociências. Mas apesar disso o
Almirante Tai Hun ficara tão impressionado com sua capacidade que fizera dele seu
homem de confiança. Só havia uma coisa que o incomodava em Torston. Era a tendência
de recorrer à violência. Não que fosse violento por natureza, mas ele se deixava levar
pelas emoções e costumava sair de um extremo para cair no extremo oposto.
A ideia de conquistar Quinto-Center num ataque-relâmpago também era de Torston.
O Almirante Tai Hun adaptara-a às suas próprias ideias.
O almirante sabia que Torston representava um fator de risco em seus planos, mas
apesar disso simpatizava muito com ele. Talvez fosse por causa da maneira pela qual se
tinham encontrado pela primeira vez.
Depois da onda de deterioração mental, o Almirante Cadro Tai Hun desembarcara
os tripulantes por ela afetados em um planeta colonial. Em seguida partira com os vinte e
dois tripulantes que restavam numa viagem em ziguezague pela Galáxia.
No início pensara em cooperar nas operações de resgate do Império Solar. Mas
quando percebeu a extensão da catástrofe, chegou à conclusão de que não havia como
ajudar os habitantes da Via-Láctea. O que podiam uns poucos seres que tinham
conservado a inteligência contra um exército de bilhões de criaturas, transformadas em
débeis mentais?
As civilizações da Via-Láctea estavam condenadas a desaparecer. As frases
grandiosas de Reginald Bell, Julian Tifflor, Roi Danton e Galbraith Deighton — e de
algum tempo para cá também do Administrador-Geral Perry Rhodan que voltara de
Gruelfin, não podiam mudar isso.
A humanidade transformara-se num organismo morto, no qual só restavam poucas
células vivas. O Almirante Tai Hun tentava remover estas células vivas e fixá-las num
solo sadio em que pudessem medrar.
Atendia aos pedidos de socorro transmitidos por seres que tinham conservado a
inteligência. Estes pedidos de socorro vinham de planetas, espaçonaves e estações
espaciais. O Almirante Tai Hun resgatava os seres em dificuldade e recolhia-os em sua
nave. Depois explicava-lhes o que pretendia fazer: encontrar um planeta paradisíaco e
criar uma nova civilização. Na maior parte das vezes os indivíduos resgatados aprovavam
entusiasticamente estes planos.
No início o almirante só queria acolher humanóides em sua comunhão dos eleitos.
Mas descobrira que terranos, indivíduos adaptados a ambientes diferentes e não-
humanóides conviviam muito bem nesses tempos de dificuldades. Depois disso resolveu
reunir em seu mundo paradisíaco todos os seres de boa vontade.
Não importava que por motivos biológicos não pudessem multiplicar-se entre si.
Mas isto não chegava a ser um problema. Com exceção da tliagota existia pelo menos um
casal de cada espécie a bordo da Zamorra Thety. Mas o que o levou a tomar essa decisão
foi o fato de os seres inteligentes tão diferentes uns dos outros se darem tão bem.
O Almirante Tai Hun percebeu que deixara vagar o pensamento. Voltou a
concentrar-se em Vandian Torston.
Encontrara o plofosense há nove meses num iate particular que estava à deriva.
Torston entrara com o iate desarmado na área dos blues e fora derrubado. Seu veículo só
não fora destruído completamente porque justamente nesse momento a onda de
deterioração mental atingira a Galáxia. Os blues não tiveram tempo de desferir o golpe
mortal na vítima.
Era uma história quase corriqueira, mas havia certos aspectos que lhe davam um
colorido especial. O motivo que levara Vandian Torston a entrar na área dos blues sem
nenhuma proteção era uma moça. Ele a amava desde a infância, mas acabara perdendo o
contato com ela. Quando finalmente descobriu sua pista interrompeu os estudos e saiu à
sua procura. O caminho que seguiu levou-o diretamente à área dos blues e por pouco não
foi sua perdição.
Isso mostrava como Vandian Torston se guiava pelos sentimentos.
Os pensamentos do Almirante Tai Hun voltaram à realidade.
— Que tem a me dizer, Torston? — perguntou.
— Como sabe — principiou o plofosense — a espaçonave que detectamos a uma
hora-luz de distância entrou em órbita em tomo de Quinto-Center. A tripulação vive
bombardeando o quartel-general da USO com mensagens...
O Almirante Tai Hun fez um gesto contrariado.
— Vá diretamente ao assunto. Ouvimos as mensagens c conhecemos seu conteúdo.
Não existe a menor dúvida de que o Coronel Tiesch concederá licença de pouso a esse
pessoal.
— Não se trata propriamente de mensagens, mas de uma ligação videofônica
bilateral — retificou Torston. Quando notou o ar de reprovação no rosto do almirante,
acrescentou: — Dei uma olhada nos registros magnéticos. Reconheci imediatamente a
moça que conduzia as negociações. Seu nome é Aidala Montehue. Conheço-a
pessoalmente.
O Almirante Tai Hun sentiu um nó garganta.
— Será que se trata da moça que estava procurando? — perguntou em tom
inseguro.
— Sim, senhor almirante.
— Quer dizer que pretende juntar-se a ela?
— Não, almirante. Quero trazê-la para perto de mim — respondeu Torston. —
Quero que me acompanhe quando for ao mundo paradisíaco.
— Como imagina que isso possa ser feito?
Torston sorriu de leve.
— Pensei que talvez pudesse enviar-me a Quinto-Center para entabular
negociações. Oficialmente tentarei quebrar a obstinação do Coronel Tiesch. Além disso
entrarei em contato com Aidala e tentarei convencê-la a acompanhar-nos ao mundo
paradisíaco. Se ela sentir por mim metade do amor que eu sinto por ela, certamente me
acompanhará. Não acha que isso exercerá uma forte influência psicológica sobre a
guarnição de Quinto Center? Muitos, talvez até a maioria, se perguntarão por que não
atenderam à chamada do paraíso. Se conseguirmos isso, praticamente poderemos
considerar-nos donos de Quinto-Center.
— Parece que é uma boa sugestão — opinou o Almirante Tai Hun.
— Quer dizer que pedirá ao Coronel Tiesch que me receba como negociador?
— Está certo. Tomarei as necessárias providências — disse o almirante.
4

Roi Danton estava em seu jato espacial, a 2.000 anos-luz de Quinto-Center, fazendo
a última correção de rota, quando recebeu o pedido de socorro.
Fixou a posição do objeto por meio dos hiper-rastreadores, programou o piloto
automático para a nova rota e partiu para uma pequena etapa linear, que o aproximou a
dez milhões de quilômetros do objeto que transmitia os pedidos de socorro.
Tratava-se de uma pequena espaçonave barnita. Danton levou menos de quinze
minutos para ancorar o jato espacial no casco da nave barnita. Fez o sistema de rádio
automático transmitir uma série de mensagens nas frequências usuais, mas não obteve
resposta Não havia a menor dúvida de que os pedidos de socorro eram transmitidos
automaticamente e não havia ninguém a bordo que pudesse responder a eventuais
mensagens. Até era possível que nenhum dos ocupantes da nave estivesse vivo. Mas
sobre isto Danton queria ter certeza.
Roi enfiou-se num traje voador pressurizado e afivelou os equipamentos de resgate
que mantinha preparados para ocasiões como esta.
Depois de impelir-se da saída do jato espacial, Danton ligou os propulsores do traje
pressurizado e voou numa curva bem aberta para a eclusa de ar da nave barnita.
Descobriu uma coisa apavorante. Tanto a escotilha externa como a eclusa interna
estavam abertas. Depois de um exame superficial do mecanismo de segurança Roi
descobriu que os relês tinham sido destruídos de propósito. Até parecia que a tripulação
da nave, desesperada, escolhera a morte no espaço...
Danton entrou no corredor que ficava atrás da câmara da eclusa, onde reinava a
escuridão e um silêncio absoluto. Roi ligou o farol instalado em seu capacete e recuou
apavorado. Um ser mutilado a ponto de tornar-se irreconhecível estava jogado no chão.
Apesar da mutilação Danton conseguiu distinguir certos detalhes que identificavam a
criatura como um barnita de tromba.
Os barnitas trombudos eram criaturas tipicamente humanóides. Andavam eretos,
possuíam dois braços, duas pernas e cinco dedos em cada mão. Sua pele era de um cinza
dos mais diversos tons, resistente e parecida com couro. Mas não era tão resistente que
pudesse resistir à pressão a que ficava exposto o corpo quando de repente ficava no
vácuo. O barnita trombudo só trajava o uniforme de bordo. A tromba, que saía do rosto
no lugar do nariz e ao qual esse povo devia seu nome, estava inchada e dura.
Danton virou o rosto para outro lado. Seus passos fizeram tremer o corredor,
causando um ruído abafado dentro de seu traje pressurizado. Roi pretendia dirigir-se à
sala de comando, onde esperava ser mais fácil encontrar informações a respeito dos
acontecimentos que tinham sido a causa da catástrofe. Enquanto ia para lá, abria as
escotilhas e dava um olhar nos recintos que ficavam atrás delas. Tinha uma esperança de
descobrir uma sala fechada, na qual houvesse um sobrevivente.
Mas por enquanto só descobrira recintos nos quais reinava o vácuo. Como os
equipamentos que geravam a gravitação artificial ainda estavam funcionando Danton
conseguiu avançar mais depressa que num ambiente de ausência da gravidade.
Quando chegou perto dos alojamentos dos tripulantes, Danton descobriu uma
espécie de pavilhão de treinamento. Iluminou-o com o farol e viu que a sala não era
apenas um lugar de preparo físico. Exercia funções vitais para os barnitas trombudos.
Havia instalações robotizadas junto às paredes, que deviam causar uma expressão
esquisita a qualquer pessoa estranha. No meio das escalas enfileiravam-se lado a lado
várias aberturas na altura do peito. Ficavam mais ou menos a dois metros uma da outra.
De algumas delas saíam pontas de cerdas. À frente das aberturas havia cadeiras.
Danton foi para perto das instalações e estudou o esquema dos controles. Levou
apenas alguns minutos para descobrir como funcionavam as instalações. Moveu algumas
chaves e fez algumas regulagens de precisão nas respectivas rodinhas. No mesmo
instante entrou em funcionamento um dos setores das instalações robotizadas. De uma
das aberturas saiu um braço articulado com uma espécie de escova na ponta. As cerdas da
escova começaram a descrever movimentos de rotação. O braço articulado encolheu-se,
voltou a sair abruptamente, isso num ritmo cada vez mais veloz.
Danton desligou as instalações. Já sabia para que serviam. Sabia que os barnitas
trombudos eram obrigados a escovar regularmente seu órgão parecido com uma tromba
de elefante. Antes de criarem uma tecnologia para isso, a remoção das secreções
acumuladas nas trombas era feita por meio de folhas e galhos, e posteriormente com
outros recursos rudimentares. Mas naquela altura a necessária limpeza era feita por
instalações robotizadas.
No início Danton acreditara que as instalações essenciais à sobrevivência dos
barnitas talvez tivessem sido destruídas e que estes no seu desespero tivessem preferido
uma morte instantânea no espaço a uma lenta agonia. Mas foi obrigado a abandonar a
teoria, uma vez que o sistema de limpeza estava funcionando.
Mais tarde ele se admiraria por não ter dado logo com a solução mais evidente...
Roi saiu da sala de lavagem e usou a escada de emergência para subir ao convés
superior. Mal saiu para o corredor, teve a impressão de ouvir batidas. Eram muito fracas,
porque não havia nenhuma atmosfera que conduzisse o som. Mas este propagava-se pelas
paredes e pelo chão. Danton bateu com o pé no chão, para sinalizar que tinha ouvido as
batidas. Ficou na escuta e voltou a ouvir o sinal.
Dali a pouco deu com uma escotilha fechada à prova de vácuo. Encostou o capacete
a ela e ouviu claramente os ruídos. Tirou a mochila com os equipamentos e pegou os
aparelhos de resgate.
Primeiro espalhou uma lona de plástico, fechou-se nela e soldou as bordas com o
quadro da escotilha. Em seguida bombeou oxigênio tirado de sua reserva até que a lona
hermeticamente fechada inchasse que nem um balão. Só então tentou abrir a escotilha.
Quando entrou na sala que ficava atrás dela, Danton defrontou-se com um barnita
trombudo que mal e mal se aguentava de pé. Estava
com a tromba dura, muito inchada e inflamada.
Danton não perdeu tempo. Tirou uma instalação
de vácuo de seu equipamento, colocou-a no barnita e
envolveu-o num traje de resgate dobrável, em cujo
interior a criatura podia permanecer quinze minutos no
vácuo. Em seguida carregou o barnita
para o convés inferior, levou-o à sala
de lavagem, fechou a escotilha e
regulou o abastecimento de oxigênio.
Assim que a sala ficou cheia de ar
respirável, o barnita trombudo
precipitou-se sobre a instalação
robotizada e iniciou o ritual de limpeza.
***
O resto foi uma simples rotina. Danton procurou no depósito um traje espacial para
o barnita e levou-o à sua nave. Não lhe era possível desmontar e transportar uma das
instalações de limpeza robotizadas. Mas descobriu uma coisa para substituí-la.
Desmontou a escova rotativa de um robô de limpeza e parafusou-a num bastão. Serviria
num caso de emergência.
Os dois estavam no jato espacial que executava a última etapa linear da viagem que
os levaria a Quinto-Center.
Danton esperou algum tempo antes de pedir ao barnita trombudo que lhe contasse o
que tinha acontecido na nave barnita.
Seu nome era Stanch.
Stanch falava um intercosmo impecável.
— Foi uma coisa horrível. De repente percebi que todas as pessoas a bordo da nave,
menos eu, se tinham transformado em débeis mentais. Agiam como crianças indefesas e
nem foram capazes de limpar-se sozinhos. Gastei a maior parte do tempo forçando o
pessoal a submeter-se ao processo de limpeza. Levei algum tempo para descobrir que as
condições psíquicas dos débeis mentais voltavam ao normal quando eles se encontravam
na zona de libração do espaço linear. Não sei por que isso acontecia, mas achei que podia
ser nossa salvação.
— Sobre a causa disso não pode haver a menor dúvida — observou Danton. — O
espaço linear é uma zona energeticamente neutra situada entre o universo normal e o
hiperespaço. Os campos energéticos gerados pelos conversores lineares isolam as
influências das duas zonas. Como o processo de deterioração mental resultou de uma
manipulação da constante da quinta dimensão, ele não produz efeitos no espaço linear. A
deterioração mental acaba.
— Compreendi — disse Stanch e prosseguiu: — De qualquer maneira reconheci a
chance que isso representava. Tomei a decisão de entrar no espaço linear toda vez que
chegava a hora de fazer a limpeza das trombas, para que meu pessoal recuperasse o juízo
e pudesse cuidar da própria limpeza. Deu certo por muito tempo. É verdade que alguns
dos tripulantes exigiram que permanecêssemos de vez no espaço linear, mas expliquei-
lhes que isso era tecnicamente impossível e eles desistiram. Mesmo nos longos períodos
que passamos no espaço normal, durante os quais as pessoas se transformaram em débeis
mentais, eles geralmente mantiveram um comportamento disciplinado. Mas a desgraça
não pôde ser evitada. Um dia o conversor linear se fundiu. E aí houve a catástrofe.
— Já não pude cuidar de todo o pessoal. Houve a primeira morte por infecção da
tromba. Os outros revoltaram-se e me responsabilizaram pela morte do companheiro.
Tentei ensinar-lhes a usar o equipamento de limpeza. Não foi possível. Simplesmente não
compreendiam os controles complicados. Finalmente a rebelião degenerou num
verdadeiro estouro, que acabou resultando na abertura da eclusa e na morte da tripulação.
Quanto a mim, já me tinha refugiado no depósito de mantimentos para não ser linchado.
— Até parece um milagre eu ter sido salvo pelo senhor no último instante, Roi.
— Às vezes dependemos do acaso e de milagres, Stanch — respondeu Danton. —
Se faço uma avaliação geral da situação, chego à conclusão de que só um milagre poderá
salvar a Galáxia.
Roi Danton estava bastante otimista ao partir da Terra. Lá as coisas tinham tomado
um rumo satisfatório. Em Olimpo, em Tahun e em muitos outros mundos a situação
também se estabilizara até certo ponto. O que deixou Danton mais contente foi que a
situação em Quinto-Center ficou mais ou menos sob controle. Roi partira da Terra na
intenção de usar as inúmeras possibilidades que o quartel-general da USO oferecia para a
reconstrução da civilização. Como já foi dito, ele se sentira bastante otimista.
Mas o incidente deixou-o deprimido. O destino de um punhado de barnitas
trombudos mostrava os horrores que ainda aconteciam em todos os cantos da Galáxia. E
não se sentia deprimido somente porque muitas criaturas tinham morrido. O que o deixou
ainda mais deprimido foi ver a humanidade tão fraca e impotente diante da catástrofe que
atingia toda a Galáxia. Parecia não haver nenhum meio de afastar este perigo.
Mas apesar de tudo ainda não era tarde. Havia muitos seres pertencentes aos mais
diversos povos que ainda podiam pensar.
A prova a que estavam sendo submetidos podia servir para que percebessem quanto
precisavam uns dos outros.
Um zumbido fez Danton voltar à realidade. A última etapa linear tinha sido
concluída, o jato espacial retornou ao universo einsteiniano.
Danton expediu imediatamente uma mensagem pelo rádio na qual se identificou e
pediu licença de pouso. Não esperava dificuldades. Antes de partir da Terra falara pelo
hipercomunicador com o Coronel Korstan Tiesch e ficara sabendo que a situação em
Quinto-Center estava sob controle.
Tanto mais surpreso ficou quando viu na tela o rosto do ertrusiano marcado pelas
preocupações.
— Até que enfim o senhor teve tempo de vir para Quinto-Center — disse em tom
de alívio. — Ainda bem. Juntos talvez consigamos afastar a crise.
5

Logo depois do pouso da Gatos Bay houve a primeira pane.


A nave cargueira fora conduzida a um dos hangares externos construídos no interior
da lua escavada. Depois disso o Che-Fe, Aidala Montehue, Gaddard Pen Tuku e Hotchka
Omolore foram submetidos a um rigoroso inquérito realizado por um oficial de
segurança. Depois disso não havia mais nenhuma dúvida de que os quatro imunes tinham
vindo da Central Estelar Blue-Sul i: não mantinham nenhuma ligação com o Almirante
Tai Hun.
O oficial de segurança só ficou desconfiado uma vez quando apontou para o bolso
que ficava na altura do peito do CheFe e disse:
— Fizemos uma radiografia sua e uma checagem com rastreadores individuais e
chegamos à conclusão de que mantém um ser vivo escondido nesse bolso. Trata-se
mesmo de um siganês como suponho?
O CheFe exibiu seu sorriso diabólico.
— Sim, trata-se de um siganês — informou prontamente. Seu nome é Mortom
Kalcora. Para mim é uma espécie de mascotezinho. No início foi atingido pelo processo
de deterioração mental como a maior parte de seus companheiros, mas com muito
trabalho e paciência consegui ensiná-lo a lidar com instrumentos complicados. Seu QI
subiu para pouco menos do que era antes da deterioração mental. Acho que Kalcora é
uma prova de que uma pessoa que teve a mente deteriorada não precisa ser um débil
mental pelo resto da vida.
— O senhor deveria ter uma conversa com o Professor Persaito — disse o oficial de
segurança. — Ele chegou à mesma conclusão que o senhor.
— Quem é o Professor Persaito?
— É um exialista, que dirige os cursos para mentalmente deteriorados em Quinto-
Center — respondeu o oficial. — Os mentalmente deteriorados que se encontravam a
bordo da Gatos Bay também foram transferidos para sua seção. Levá-lo-ei à presença do
Coronel Tiesch, que discutirá os detalhes com o senhor.
O chefe e o oficial saíram do hangar acompanhados por dois especialistas da USO e
subiram numa esteira rolante. Pararam à frente do elevador de carga que os levaria ao
centro da lua escavada. De repente um homem que trajava macacão de mecânico
apareceu à frente deles.
Era um mentalmente deteriorado. Fitou o CheFe por um instante, soltou um grito e
tentou correr em sentido contrário à esteira rolante.
— O diabo! — gritou com a voz se atropelando. — Vi o diabo.
Os dois especialistas da USO tiveram muito trabalho para dominá-lo. Foram
obrigados a deixá-lo paralisado. Depois disso levaram-no à clínica psiquiátrica.
Mas o problema ainda não estava resolvido.
O boato de que o diabo tinha vindo para Quinto-Center espalhou-se num instante
entre os mentalmente deteriorados.
***
Quando o Professor Persaito percebeu o que estava acontecendo com seus alunos já
era tarde, senão talvez ainda pudesse ter feito alguma coisa para evitar o pior.
Havia quinhentos alunos no gigantesco auditório. Pertenciam a vários povos
galácticos e a diversas faixas etárias. Mas tinham uma coisa comum e por isso tinham
sido reunidos numa classe. Eram mentalmente deteriorados em quarto grau.
Persaito não demorara a reconhecer que o grau de deterioração mental variava de
indivíduo para indivíduo. Os seres que antes do processo de deterioração mental
possuíam conhecimentos ou faculdades extraordinários continuavam a ser mais
inteligentes que seus companheiros de infortúnio que possuíam um QI menor. Por isso
elaborara uma escala que incluía os mentalmente deteriorados do primeiro ao décimo
grau. Os mentalmente deteriorados de primeiro grau geralmente faziam parte da antiga
elite intelectual. Mas havia cientistas e técnicos com instrução superior que chegavam ao
sexto grau. Os mentalmente deteriorados de sétimo, oitavo, nono e décimo graus antes
tinham sido criaturas dotadas de capacidades de nível médio ou abaixo da média.
Mas nem por isso se podia afirmar que eram incapazes de recuperar a capacidade
mental. Com um treinamento apropriado qualquer mentalmente deteriorado podia
recuperar grande parte de sua capacidade intelectual.
A maior parte dos quinhentos alunos de quarto grau que estavam sentados à frente
de seus terminais já tinham pertencido ao sétimo ou oitavo grau de deterioração mental.
Muitos deles seriam promovidos dentro de alguns dias ao terceiro grau — isto é, subiriam
ao nível imediatamente superior.
O Professor Persaito examinou o quadro e viu que os quinhentos alunos tinham
encontrado a solução correta do problema. Digitou o problema seguinte. No mesmo
instante uma pergunta apareceu nas telas de quinhentos terminais:
— Que faria o senhor se fosse colocado na superfície de Quinto-Center e a) só
dispusesse de uma reserva de oxigênio para duas horas; b) seu rádio tivesse sido
destruído; c) ninguém soubesse que o senhor estava lá; d) o senhor se encontrasse a cinco
minutos da entrada da eclusa de espaçonaves mais próxima; e) a trinta minutos do canhão
conversor mais próximo e f) a uma hora da tela de rastreamento mais próxima.
Persaito não percebeu que seus alunos estavam nervosos. Seus pensamentos
giravam em tomo do Coronel Tiesch, cuja ignorância o deixava aborrecido. Sentia-se
bastante abalado porque o coronel punha em dúvida o valor do exialismo. Os cursos para
os mentalmente deteriorados não deixavam a menor dúvida a respeito do valor da
integração extracerebral na situação em que se encontravam.
Integração extracerebral significava simplesmente colocar todas as funções do
cérebro sob um denominador comum, despertar as faculdades adormecidas e aplicar os
conhecimentos em potencial. Em outros tempos o exialismo fora um desafio à
especialização, mas a situação presente mostrara que os especialistas eram uma
necessidade. Mas também eram necessárias pessoas versadas em todas as áreas. E estas
pessoas eram os exialistas.
O exemplo dos mentalmente deteriorados era a melhor prova de que as pessoas com
conhecimentos gerais eram necessárias. Era preciso transmitir conhecimentos gerais aos
mentalmente deteriorados para levantar seu nível mental.
De repente Persaito notou que alguma coisa estava errada com seus alunos.
Mas no primeiro momento teve a atenção distraída pelo quadro. A primeira resposta
à pergunta de como a pessoa se comportaria se fosse colocada na superfície de Quinto-
Center fora errada. Persaito projetou o texto em sua tela de imagem e ficou perplexo ao
ler:
— Prefiro morrer asfixiado na superfície a voltar ao quartel-general, onde o diabo
está à minha espera.
Persaito franziu a testa. Fez uma ligação telefônica com o aluno que acabara de dar
a resposta. Tratava-se de uma pequena asiática de aspecto delicado vinda do planeta
Terra.
— O que estava pensando ao dar essa resposta? — perguntou em tom amável.
A moça arregalou os olhos de medo.
— Perguntei a mim mesma se era verdade.
— Se era verdade o quê? — perguntou Persaito. Olhando por cima da tela, viu os
alunos conversando aos cochichos, enquanto alguns martelavam os terminais.
— Quero saber se o diabo está mesmo em Quinto-Center — respondeu a moça.
— Tolice — disse Persaito em tom irritado.
Sentiu que ia perder o controle da situação.
De repente muitos alunos fizeram ao mesmo tempo uma ligação com ele. Um
vozerio incompreensível saiu de seu alto-falante. Constantemente ouvia a palavra diabo.
Persaito teve vontade de tapar os ouvidos. Mas isso seria psicologicamente errado.
Devia guardar a face, devia mostrar que era uma autoridade.
— Silêncio! — berrou.
Mas os alunos não o ouviram. Alguns subiram nas mesas e batiam com os pés nos
terminais. Vidros estilhaçaram-se, telas de imagem arrebentaram, painéis de comando se
despedaçaram. Um coro cristalizou-se em meio ao vozerio.
— O diabo está chegando! O diabo está chegando! Persaito tentou descobrir a causa
da história generalizada.
Mas não conseguiu. Suas perguntas não tiveram resposta.
— O diabo nos carregará! O diabo nos carregará! — ressoou o coro saído de
quinhentas bocas.
Os mentalmente deteriorados desceram pelos assentos dispostos em vários degraus.
— Diabo! Diabo! Diabo!
Chegaram cada vez mais perto. Uma decisão selvagem brilhava em seus olhos. De
repente parecia que achavam que Persaito era o diabo. O professor recuou assustado
quando o primeiro homem mentalmente deteriorado escalou o alambrado.
Era um ertrusiano de mais de 2,60 metros de altura e quase com a mesma largura
nos ombros. Abriu os braços enormes, dando a impressão de que queria esmagar Persaito
entre eles.
— Você é o diabo! Você é o diabo! — ressoou o coro dos débeis mentais
fanatizados.
Persaito pôs a mão no cinto, mas percebeu que deixara o coldre com a pistola
paralisante no quarto.
O ertrusiano já chegara bem perto de Persaito. Abriu ainda mais os braços, como se
quisesse desferir o golpe final.
Neste instante a grande porta de correr foi aberta violentamente e nela apareceram
cinco especialistas da USO com canhões narcotizantes pesados.
— Não atirem! — gritou Persaito, mas o ertrusiano que estava à sua frente já tinha
caído ao chão inconsciente.
Persaito viu os homens apontarem os canhões para os débeis mentais e atirando
raios narcotizantes contra suas fileiras.
Correu para junto dos especialistas, mas teve de derrubar dois deles antes que os
outros suspendessem o bombardeio.
— Que é isso? — perguntou um dos especialistas, que ficou perplexo ao ver
Persaito fechar a porta de correr e bloquear as outras saídas por controle remoto. — Se
não tivéssemos chegado em tempo, esse ertrusiano teria feito picadinho do senhor.
— Não sei o que aconteceu — fungou Persaito. — Mas tenho certeza de que com a
força das armas não faremos os débeis mentais recuperarem a razão.
***
Vandian Torston tinha certeza de que sua grande hora chegara. Quando seu barco
espacial foi colocado pelos raios condutores em um dos hangares secundários de Quinto-
Center achou que o jogo estava ganho. O Coronel Korstan Tiesch não vira nada de errado
em receber alguém com poderes de negociar em nome do Almirante Tai Hun. O coronel
teria uma surpresa...
Mal saiu do barco espacial, Torston foi cercado por quatro especialistas da USO.
Levaram-no a uma sala onde cada centímetro de seu corpo e suas vestes foi submetido a
um exame cuidadoso. Torston retribuiu com um sorriso de desprezo. Naturalmente estava
desarmado e não carregava nenhum equipamento secreto. Sua única arma era a
inteligência.
Seria o suficiente.
Dois dos especialistas da USO conduziram-no ao elevador antigravitacional.
Entraram no poço com ele, destravaram as armas paralisantes e as mantiveram em
posição de tiro.
— Por que sou tratado como um criminoso? — perguntou Torston no tom de voz de
quem conversa a respeito do tempo. Não estava zangado com os especialistas da USO,
que só estavam cumprindo seu dever. Torston se perguntou qual seria a reação deles se
estivessem mais bem-informados sobre os planos do Almirante Tai Hun.
— É a primeira vez que entro no quartel-general da USO — prosseguiu Torston em
tom coloquial. — Sinto-me feliz porque terei oportunidade de conhecer as instalações do
reduto mais seguro da humanidade. É verdade que a central principal fica no centro da
luz escavada? Se for assim, teremos de percorrer vinte e cinco quilômetros com o
elevador antigravitacional. É fantástico!
Desceram vertiginosamente sobre o campo antigravitacional, mas quase não
perceberam. A passagem rápida das luzes dos diversos andares era o único sinal de que
estavam em movimento.
De repente a velocidade diminuiu, as luzes pararam, o elevador antigravitacional
parou em um dos pavimentes. Vários indícios mostraram a Torston que se encontravam
na altura dos alojamentos.
Uma massa compacta de seres inteligentes de várias espécies reunira-se à frente do
poço do elevador. Na verdade, já tinham sido inteligentes — naquele momento não
passavam de débeis mentais.
— Que é isso? — perguntou um dos dois companheiros de Torston ao especialista
da USO que tentava resistir à pressão dos débeis mentais usando escudos energéticos.
— Enlouqueceram de vez — respondeu o especialista da USO, que transpirava
bastante. — Desde que o cheborparnense se encontra no quartel-general, todos se
comportam como loucos. Caem às dezenas nos poços dos elevadores antigravitacionais
porque querem chegar à central principal e expulsar o diabo — segundo dizem.
— Interessante — murmurou Torston em voz baixa. Cedendo a um impulso
repentino, gritou para os débeis mentais: — Não tenham medo do diabo. Cuidaremos
para que não faça mal a vocês.
— Não se meta! — gritou um dos acompanhantes e encostou o cano do paralisador
em seu quadril.
— Só queria acalmar os débeis mentais — disse Torston em tom ingênuo.
— Já podemos seguir? — quis saber o outro acompanhante de Torston dos
especialistas da USO que estavam no corredor.
— Podem, enquanto conseguirmos manter este bando afastado do poço
antigravitacional.
O elevador voltou a movimentar-se e dali a pouco chegou ao destino, que era o
centro de comando principal. Torston foi recebido por dois especialistas da USO que
estavam armados. Havia um grupo à sua espera. Torston viu um ertrusiano. Só podia ser
Korstan Tiesch. A seu lado estava um ser parecido com um bode em posição ereta. Devia
ser o cheborparnense que causara o pânico entre os débeis mentais.
Os outros membros do grupo eram pessoas sem importância para Torston, com
exceção de dois. Um deles era Roi Danton, filho de Perry Rhodan. Ao vê-lo, Torston teve
um calafrio. Não esperara a presença deste homem — nem desejava encontrar-se com
ele. Roi Danton era um dos poucos que podiam frustrar as ideias revolucionárias do
Almirante Tai Hun.
Mas apesar disso Torston não perdeu tempo com ele. Passou a olhar para a moça,
que ficou estarrecida. Por um instante teve-se a impressão de que suas pernas iam ceder.
Estava com o rosto muito pálido. Mas depois de algum tempo suas faces adquiriram cor e
os olhos brilharam.
— Van — cochichou Aidala Montehue incrédula. — É você, Van?
No mesmo instante caiu em seus braços.
6

Quando presenciou esta cena de cumprimento, Roi Danton deu-se conta


imediatamente de que nestas condições não se poderia negociar. Aidala parecia inebriada
e tinha-se a impressão de que a alegria demonstrada por Torston era sincera. Naquele
momento não devia ter cabeça para participar de discussões sérias.
Danton resolveu que por enquanto só faria uma sondagem. Como o Coronel Tiesch
praticamente lhe dera carta branca, tomou logo a iniciativa.
— Acho que não adianta começarmos a discutir logo o problema básico —
principiou em tom amável. — É lamentável que os imunes, que são tão poucos, ainda
lutem uns com os outros. Mas talvez ainda exista um meio de as duas partes se
aproximarem.
— Tomara que sim, Mr. Danton — disse Vandian Torston com a voz firme e
ergueu as sobrancelhas num gesto de indagação. — Posso chamá-lo assim, não posso?
— Não ocupo nenhum cargo na hierarquia militar, se é a isso que se refere —
respondeu Danton sorrindo. — Veja em mim um representante especial a serviço da
humanidade, que só tem um objetivo: acabar com o caos na Galáxia e restabelecer a
ordem. Não estarei exagerando se disser que quase todos os seres inteligentes desta
Galáxia desejam a mesma coisa. Parece que nesta hora de dificuldades todos os povos
descobriram que são irmãos. Isso me dá novas esperanças para o futuro. Infelizmente não
sei qual é a posição do grupo do Almirante Tai Hun.
Torston fitou o comandante de Quinto-Center com uma expressão irônica e disse:
— O Coronel Korstan Tiesch certamente lhe disse qual é sua opinião a nosso
respeito. Isso não basta?
— Não — respondeu Danton. — Acho que todos devem ter a oportunidade de falar
por si. É claro que os que não comungam com nossas ideias também têm esse direito.
— Os revolucionários nunca comungaram com as ideias da gente, mas acabou-se
descobrindo que suas ideias traziam bons frutos — respondeu Torston, que abraçava
Aidala num gesto possessivo.
Torston prosseguiu:
— Nós, que seguimos o Almirante Tai Hun, achamos que, na situação em que nos
encontramos, um otimismo exagerado pode ter efeitos funestos. Somos realistas e por
isso não podemos reconhecer nenhuma validade prática às frases do Administrador-Geral
Perry Rhodan e sua equipe, segundo as quais se deve perseverar. O senhor não vai exigir
que eu considere Perry Rhodan e mais alguns homens como sendo o governo de um
Império Solar que só existe no papel.
— De forma alguma. O senhor se exprimiu muito bem. Perry Rhodan e sua equipe
— concordou Danton com um sorriso, para tornar a conversa mais descontraída. —
Ainda poderemos sentar à mesma mesa para trocar ideias, Mr. Torston. Mas é melhor
esperarmos até que o senhor se adapte ao novo ambiente.
— Quer dizer que posso locomover-me à vontade em Quinto-Center? — perguntou
o plofosense espantado.
— O que quero dizer é que o senhor não é um prisioneiro — esquivou-se Danton.
Em seguida dirigiu-se ao Coronel Tiesch. — Alguma objeção, coronel?
O ertrusiano sacudiu a cabeça.
— Nenhuma. Para mim Mr. Torston é um hóspede. Enquanto obedecer ao
regulamento — acrescentou em tom de alerta.
Torston fez uma ligeira mesura e retirou-se em companhia de Aidala Montehue.
— Lá vai ela, a alma volúvel — disse o CheFe com sua voz penetrante e fitou
Aidala com uma expressão preocupada enquanto ela se afastava.
Torston mal acabara de sair, quando o Coronel Tiesch voltou a animar-se.
— Não é que eu queira criticar a decisão que tomou, Mr. Danton — rugiu. — Mas
gostaria de conhecer seus motivos.
— Tomei essa decisão quando vi que Torston e a moça se conheciam — respondeu
Danton. — Não consigo livrar-me da ideia de que ele sabia que ela estava em Quinto-
Center. Não notou que quase não se mostrou surpreso ao vê-la?
— Não prestei atenção a esse detalhe — respondeu o Coronel Tiesch.
— Pois eu prestei — disse o CheFe. — Notei que Torston praticamente não se
abalou, enquanto Aidala quase desmaiou. Mas gostaria de saber aonde o senhor quer
chegar, Mr. Danton.
— Acho que Torston queria ter um encontro com a moça — respondeu Danton. —
Até é possível que ainda a ame, mas não tenho a menor dúvida de que quer aproveitá-la
para alcançar seus objetivos. Naturalmente insistirá para que ela o acompanhe ao mundo
paradisíaco que só existe em sua cabeça. Se conseguir, isso não deixará de causar
reflexos na guarnição de Quinto-Center.
— E o senhor resolveu apoiá-lo nisso? — espantou-se o Coronel Tiesch.
Danton sacudiu a cabeça.
— Deixo que as coisas aconteçam. Qualquer interferência seria contraproducente.
— Psicologicamente isso está certo — reconheceu o CheFe.
— Mas se não fizermos nada, Torston acabará conquistando a simpatia da
guarnição de Quinto-Center.
Danton acenou com a cabeça.
— Receio que sim. Acontece que garanti a Torston liberdade de movimentos e de
manifestação de seus pensamentos, e disso não me afastarei. Não se resolve um problema
silenciando sobre ele.
— Como acha que resolveremos o problema? — perguntou o Coronel Tiesch em
tom irritado.
— Oportunamente quebraremos a cabeça sobre isso — respondeu Danton.
***
Danton se recusara a ocupar um dos alojamentos da central principal, especialmente
preparados para os imunes. Achava que seria psicologicamente errado distanciar-se dos
débeis mentais.
Por isso juntou-se ao Professor Persaito, que morava com seus seis ajudantes na
periferia da área dos alojamentos. O CheFe e seus dois companheiros, Gaddard Pen Tuku
e Hotchka Omolore, seguiram seu exemplo. Mas o cheborparnense teve de ser alojado
num camarote do qual podia sair a qualquer momento num elevador antigravitacional
privativo. Só assim se evitava outro incidente capaz de causar o pânico entre os
mentalmente deteriorados.
Depois de uma ligeira troca de ideias com o Professor Persaito e o cheborparnense,
durante a qual foram discutidos os métodos de ensino a serem usados com os
mentalmente deteriorados, Danton recolheu-se a seu espaçoso alojamento.
Mas não chegou a dispor de uma hora para ficar só. O Professor Persaito chamou-o
pelo intercomunicador.
— Mr. Danton, o senhor poderia vir imediatamente à divisão exialística? — pediu.
Antes que Danton pudesse dar uma resposta, a tela escureceu. O filho de Rhodan
ainda chegou a notar um misto de medo e súplica no olhar de Persaito.
Danton colocou o cinto com a arma paralisante, para estar preparado para qualquer
eventualidade, e saiu. A divisão exialística ficava no mesmo convés principal de seu
camarote, apenas quatro pavimentos em cima dele.
Danton pensou em entrar no elevador antigravitacional, mas mudou de ideia e subiu
os quatro pavimentos por uma das escadas de emergência. Logo lhe chamou a atenção o
silêncio reinante nos corredores da divisão exialística.
Quanto mais durava o silêncio, mas crescia a desconfiança de Danton. Esperou três
minutos antes de aproximar-se da porta de correr da divisão exialística. Normalmente
deveria ter encontrado pelo menos um mentalmente deteriorado nesses três minutos.
Mas não apareceu ninguém, não se percebeu nenhum ruído. Danton teve a
impressão de que Quinto-Center prendia a respiração porque alguma coisa ia acontecer.
Quando estava a três metros da entrada da divisão exialística, as duas metades da
porta deslizaram automaticamente para dentro da parede, deixando livre o caminho.
Danton viu à sua frente a grande sala de recepção, em cujo centro o Professor
Persaito estava de pé. Estava cercado por pelo menos vinte mentalmente deteriorados.
Um deles mantinha um bisturi encostado à sua garganta.
— Pode entrar, Mr. Danton — disse o débil mental que segurava o bisturi em tom
de deboche. — Largue a arma paralisante e venha fazer-nos companhia.
Danton fez o que o débil mental mandou. Entrou na ante-sala e largou a arma
paralisante, que caiu ao chão com um estrondo. A porta de correr fechou-se
automaticamente depois que ele tinha entrado.
— Como estamos todos reunidos, podemos ficar à vontade e falar no que importa
— disse o débil mental com o bisturi na mão.
Era um terrano e tinha uma aparência normal. Na opinião de Danton devia ser um
dos alunos mais avançados, enquadrados no primeiro grau de deterioração mental.
Os débeis mentais abriram uma porta que ficava do lado oposto à entrada. Atrás
dela havia um gabinete com instalações de laboratório. Danton olhou para lá e levou um
susto. Os seis auxiliares do Professor Persaito estavam encostados a uma das paredes.
Estavam amordaçados e com as mãos amarradas nas costas. Havia um débil mental
armado ao lado de cada um deles.
— Que bobagem é essa? — gritou Danton para os débeis mentais. — Desamarrem
imediatamente esses homens.
— Pelo contrário — disse o débil mental que ameaçava Persaito com o bisturi. — O
senhor também será amarrado. Fique bem quieto, senão haverá uma desgraça.
— O senhor não se atreverá, Armstrong — disse Persaito entre os dentes.
Sem dizer uma palavra, o débil mental que acabara de ser chamado de Armstrong
reforçou a pressão do bisturi sobre a garganta de Persaito, fazendo brotar algumas gotas
de sangue.
— Está bem — interrompeu Danton. — Vejo que está falando sério.
Danton cruzou as mãos nas costas e deixou que elas fossem amarradas com cordas
de plástico.
Armstrong afastou-se de Persaito e foi para perto de Danton. Levou-o ao poço do
triturador de lixo. Apertou um botão. A tampa fechou-se, permitindo que Danton visse o
interior do poço, em cujas paredes se refletia fracamente a fogueira atômica fria que ardia
em seu fundo.
— É lá embaixo que o senhor vai parar se não fizer o que queremos, Mr. Danton —
profetizou Armstrong.
Danton engoliu em seco.
— Que posso fazer pelos senhores?
— Não exigimos muita coisa. Só queremos informações completas a respeito do
diabo que se encontra em Quinto-Center.
Danton respirou aliviado. Pelo menos sabia a quantas andava.
— Mr. Armstrong — disse em tom quase paternal. — O senhor tem bastante
inteligência para não acreditar em fantasmas, não é verdade?
Armstrong acenou com a cabeça.
— Fomos atingidos pelo processo de deterioração mental, mas neste meio-tempo
aprendemos alguma coisa e somos capazes de pensar de forma lógica. Não acreditamos
que o diabo tenha vindo para carregar nossas pobres almas. Mas também sabemos que o
boato deve ter um fundo de verdade. Queremos saber que ser é este que todo mundo
chama de diabo.
— Trata-se de um cheborparnense — explicou Danton em tom calmo. — Refugiou-
se aqui. Posso garantir que sua presença não tem maior importância.
— Se é assim, por que ele se esconde? — quis saber Armstrong. — Por que se faz
tamanho segredo em tomo de sua pessoa? Não acredito no que diz, Mr. Danton. Sabe o
que eu acho? Que aquele que costuma ser chamado de diabo veio numa missão bem
definida. Deve tramar uma coisa diabólica e por isso levou o nome de diabo.
— Que coisa diabólica é essa? — perguntou Danton.
— Eu lhe direi para que fique sabendo que não somos tão bobos como pode parecer
— respondeu Armstrong. — Sabemos que há uma espaçonave circulando em Quinto-
Center, e que nesta nave estão seres que procuram o paraíso. Estes homens e mulheres,
segundo fui informado, querem sair à procura de um planeta paradisíaco. Não é por acaso
que justamente quando chega essa nave começa a circular o boato de que o diabo vem
fazendo das suas em Quinto-Center. Querem que não nos sintamos seguros em Quinto-
Center para irmos espontaneamente para bordo da nave dos que procuram o paraíso.
Vocês imunes querem usar este meio para livrar-se de nós, porque lhes damos trabalho.
Querem largar-nos num mundo qualquer, para livrar-se da responsabilidade. Não é
verdade, Mr. Danton?
Danton teve vontade de soltar uma estrondosa gargalhada, mas a situação era muito
grave para isso. A teoria de Armstrong era chocante, mas revelava as angústias dos
mentalmente deteriorados.
De repente Danton viu pelos cantos dos olhos alguma coisa se mexendo no ar. Mas
quando olhou na direção em que notara o movimento, o espaço aéreo estava vazio.
Danton chegou à conclusão de que fora uma ilusão ótica que lhe fizera acreditar que vira
um objeto de dez centímetros voando perto dele.
— Suas suspeitas não têm o menor fundamento — respondeu depois de algum
tempo. — Acha mesmo que teríamos tanto trabalho com o senhor e os outros atingidos,
somente para depois bani-los? Acha que seríamos capazes de tamanha perversidade?
— Eu não queria acreditar, Mr. Danton — disse Armstrong amargurado. — Sempre
fui de opinião que o Professor Persaito e seus colaboradores se sacrificaram por nós. Mas
de repente a imagem que eu fazia mudou. Tudo indica que querem livrar-se de nós. Só
acreditaremos o contrário se tivermos uma prova. Depende do senhor, Mr. Danton,
conquistar nossa confiança.
— Como acha que isso pode ser feito?
— O problema é seu, Mr. Danton — respondeu Armstrong em tom frio. — Trate de
pensar em alguma coisa, pois sua vida está em jogo. Daremos um exemplo para que
todos que estão em Quinto-Center percebam que estamos falando sério. Queremos que
nos entregue o homem que todo mundo chama de diabo.
Danton estremeceu.
— O senhor não pode exigir uma coisa dessas. O cheborparnense é inocente, não
fez mal a ninguém. Não pode ser acusado apenas por pertencer a um povo cuja aparência
é idêntica à do diabo de nossas tradições.
— O senhor entregará o diabo, ou todos morrerão — obstinou-se Armstrong. Fez
um sinal para os companheiros. — Tragam um dos assistentes do Professor Persaito.
Mostraremos a Mr. Danton que estamos falando sério.
Os débeis mentais agarraram um dos homens que estavam de pé junto à parede e
arrastaram-no para perto da tampa do triturador de lixo.
— Empurrem-no para dentro! — ordenou Armstrong.
— Isso é uma loucura! — gritou Danton desesperado e quis precipitar-se sobre os
débeis mentais. Mas só conseguiu dar um passo antes que Armstrong o derrubasse com
um soco. Quando Danton conseguiu levantar de novo, viu quatro débeis mentais tentando
empurrar para dentro do poço o homem que esperneava com toda força.
— Vocês não podem fazer uma coisa dessas! — gritou Danton. — Seria um
assassinato.
Os débeis mentais hesitaram, mas Armstrong mostrou-se implacável.
— Temos de fazê-lo para salvar nossas vidas — disse.
Neste instante ouviu-se um estrondo vindo da porta. Todos olharam nessa direção.
O CheFe estava de pé. Fizera sair três tentáculos das narinas. E em cada um deles
segurava um pequeno paralisador. Além disso segurava uma arma paralisante em cada
uma das duas mãos.
O aspecto do cheborparnense era assustador. Os olhos vermelhos redondos
brilhavam, a boca em V estava escancarada. O chefe tirara o uniforme terrano. Estava de
pé, com as pernas afastadas. A pele coberta de pelos de arame formando um mosaico
negro e cinza-claro juntamente com os cascos nos pés reforçavam a impressão de que se
tratava de um belzebu impiedoso e sanguinário.
Armstrong foi o primeiro a recuperar o autocontrole. Soltou um grito gutural e
precipitou-se sobre o cheborparnense. Mas antes de alcançá-lo foi atingido por um raio
paralisante e caiu ao chão.
O CheFe soltou uma risada de bode.
— Vocês me chamaram — ressoou sua voz estridente. — Aqui estou.
Os débeis mentais recuaram atemorizados.
— Joguem fora as armas, senão mandarei todos para o inferno — gritou
Cheborparczete Faynybret.
Os débeis mentais obedeceram assustados. O cheborparnense virou-se ligeiramente
para o siganês que estava sentado em suas costas, com uma minúscula arma energética
em posição de tiro.
— Liberte os prisioneiros, Mortom — pediu. — Primeiro Roi Danton, e depois o
Professor Persaito e seus colaboradores.
Dali a pouco descargas energéticas brilharam entre as mãos dos prisioneiros, e suas
amarras caíram. Recuperaram a liberdade de movimentos.
Danton foi para perto do cheborparnense.
— Como soube o que estava acontecendo aqui, CheFe? — perguntou.
O cheborparnense sorriu de uma forma que poderia parecer diabólica.
— Por que acha que ensinei Mortom Kalcora a usar a inteligência? Como estava
preso em meu camarote, encarreguei-o de dar uma olhada em Quinto-Center. Ele
percebeu que alguma coisa estava errada na divisão exialística e resolveu olhar de perto.
Fui informado imediatamente quando a situação ficou crítica. — O cheborparnense
entesou a pele do rosto e acrescentou em tom sombrio: — Faço votos de que minha
presença não tenha prejudicado muito os débeis mentais.
O Professor Persaito, que ouvira as últimas palavras, veio para perto.
— Cuidarei deles para que sua mente não seja afetada —, disse. — Mas gostaria
que o senhor me ajudasse. Seria muito conveniente que enfrentasse essa gente numa
discussão frente a frente. Aí sem dúvida conseguirá eliminar sua desconfiança. Mas em
relação a Armstrong não estou tão otimista. Ele ainda vai dar trabalho.
Depois que Persaito acabou de falar, um dos seus assistentes aproximou-se. Dirigiu-
se a Roi Danton.
— O Coronel Tiesch acaba de fazer contato pelo intercomunicador — disse. —
Quer que o procure imediatamente na sala de comando principal.
— Ele disse do que se trata? — quis saber Danton.
— Disse que pode haver um motim entre a tripulação imune — respondeu o
assistente.
Danton saiu imediatamente em direção à sala de comando principal.
***
Quando entrou no gabinete do Coronel Tiesch, Danton viu meia dúzia de
especialistas da USO com todo o equipamento de combate interrogando um técnico.
Imediatamente cederam o lugar para Danton.
O Coronel Tiesch, que estava nos fundos da sala, aproximou-se.
— Repita suas declarações — pediu ao técnico com a voz trovejante.
O técnico transpirava e estava nervoso, suas mãos não paravam. Teve de pigarrear
antes de começar a falar. Mas depois disso sua voz parecia calma e controlada.
— Não fiz nada para ser tratado como um criminoso — afirmou.
— Fez, sim — interrompeu o Coronel em tom irritado. — Instigou o pessoal a
amotinar-se.
— Deixe que ele conte o que aconteceu — pediu Danton ao ertrusiano.
— Obrigado — murmurou o técnico. Encarou Danton de frente e prosseguiu: — Só
manifestei minha opinião diante dos companheiros. E vi que não estou sozinho. Há mais
de dez meses, desde que começou o processo de deterioração mental generalizada,
fizemos tudo para combater o caos. Demos o melhor de nós, mas poucas vezes os
esforços que fizemos foram coroados de êxito. É verdade que em Quinto-Center a ordem
foi restabelecida até certo ponto. Mas Quinto-Center não é o mundo. Veja o que acontece
na Galáxia. Em toda parte deparamos com um quadro desolador. Por que vamos trabalhar
para criar uma civilização que está condenada a desaparecer? Acho que já chegou a hora
de encararmos a realidade. Foram estes os aspectos que discuti com meus companheiros.
Eis aí o crime que cometi.
— Como acha que é a realidade? — perguntou Danton.
— A humanidade está dividida, a civilização se esfacelou — eis aí a realidade —
disse o técnico. — Com todo amor ao próximo, com todo espírito humanitário, com toda
compaixão por nossos irmãos que tiveram a mente deteriorada, não devemos esquecer
nossa sobrevivência. Se aparecer um homem que prega ideias revolucionárias, a gente
deveria ao menos ouvi-lo antes de condená-lo. Refiro-me ao Almirante Tai Hun e seus
companheiros que procuram o paraíso, senhor. Muitos dos meus companheiros pensam
como eu. Acham que essa gente deveria ter a oportunidade de explicar seus planos.
Talvez estejam no caminho certo.
— Não acredito — disse Danton em tom pensativo. — Mas em uma coisa concordo
com o senhor — o Almirante Tai Hun deve ter uma oportunidade de manifestar-se.
Atenderemos a esse desejo que foi formulado por muitas pessoas. Convidaremos o
Almirante Tai Hun a fazer uma visita a Quinto-Center.
7

As gigantescas eclusas instaladas na superfície da lua escavada se tinham aberto e


engolido o couraçado de oitocentos metros de diâmetro. Os raios condutores e de tração
tinham envolvido a Zamorra Thety, levando-a em segurança através do poço de seis
quilômetros de profundidade e deixando-a em um dos gigantescos hangares externos. A
nave esférica da classe dos oitocentos metros estava apoiada em suas colunas de
sustentação telescópicas.
O Almirante Cadro Tai Hun ainda se encontrava na sala de comando. Acabara de
ligar o sistema de chamada geral para dar à sua tripulação as últimas instruções a serem
cumpridas durante a permanência em Quinto-Center. Olhou para a galeria de telas de
imagem e viu que os especialistas da USO, que podiam, tinham comparecido ao hangar
— com o Coronel Korstan Tiesch e Roi Danton à frente. Vandian Torston também estava
presente. A seu lado se via uma moça.
O Almirante Tai Hun pigarreou e falou para dentro do microfone:
— Não tenho muita coisa a dizer. Todos sabem quais são suas tarefas durante a
permanência em Quinto-Center. Nosso objetivo é conquistar a base sem luta. Os senhores
têm bastante inteligência para argumentar. Afinal nossa intenção é principalmente
convencer os imunes de Quinto-Center de que nossas ideias são certas, em vez de fazer
com que se voltem contra nós. Se as palavras não adiantam os senhores devem agir sem
contemplação, mas com certa sensibilidade. Mostrem sempre que prezam a liberdade
pessoal mais que qualquer outra coisa, que estão decididos a defender sua liberdade com
todos os meios. Não permitiremos que nos tratem como prisioneiros; vamos deixar isso
bem claro desde o início. Insistiremos em que nos seja reconhecida plena liberdade de
movimentos enquanto estivermos em Quinto-Center. Isto é uma parte importante de
nosso plano. Para fazer uma propaganda eficiente e realizar os atos de sabotagem que
infelizmente são necessários precisamos ter liberdade de movimentos. Nunca se
esqueçam de que somos nós, não os outros, que garantimos a sobrevivência de todos os
povos da Galáxia. Pautem seus atos por essa ideia. Dirijam-se à eclusa polar e preparem-
se para sair. É só!
Dali a quinze minutos o poço de saída do polo inferior da nave desceu e os
primeiros arautos do paraíso saíram. Além do almirante estavam entre eles o ertrusiano
Gorz Yalinor e Vulgajoch, o homem-lobo de quatro metros e meio de altura. Atrás deles
vieram aras, epsalenses, antis, aconenses — indivíduos adaptados a um novo ambiente e
não-humanóides pertencentes aos mais diversos povos.
Era uma procissão estranha c fascinante. Ela se reuniu embaixo da gigantesca nave
esférica para em seguida aproximar-se devagar da guarnição de Quinto-Center que estava
enfileirada à sua frente.
Eram 146 seres ao todo.
Duzentos metros separavam os arautos do paraíso dos especialistas da USO.
O Almirante Cadro Tai Hun aproveitou a última oportunidade de dar mais algumas
instruções às pessoas que caminhavam a seu lado.
— Teetla, não se esqueça de que a senhora terá de encarregar-se das instalações
positrônicas e dos equipamentos robotizados — disse o almirante à tliagota, que
caminhava ereta a seu lado, com a blindagem do peito aberta. — Não tenha escrúpulos.
Só estará destruindo máquinas.
— É possível que minhas manipulações ponham em perigo vidas humanas —
objetou a mulher-inseto.
— Pôr em perigo vidas humanas não é tão grave — contestou o almirante. — O que
a senhora não pode é acabar com a vida de alguém. E isto eu exijo.
Em seguida dirigiu-se ao ertrusiano.
— E o senhor, Yalinor, juntamente com dez ertrusianos, usará os punhos e os
paralisadores para sufocar qualquer resistência no nascedouro — lembrou o almirante. —
Mas faça uso da força com muito cuidado e só entre em ação se o anúncio da uma vida
melhor num mundo paradisíaco cair em solo estéril. Não quero que alguém diga que
agimos como vândalos.
Depois disso o almirante levantou os olhos para o homem-lobo, que tinha duas
vezes e meia o seu tamanho.
— Quando o senhor e seus amigos se encarregarem dos débeis mentais, não se
esqueçam de que são criaturas humanas. São pessoas dignas de compaixão, às quais
dedicaremos nossos melhores sentimentos. Mais tarde, quando os evacuarmos depois de
termos conquistado Quinto-Center, não quero ouvir que tenham sido maltratados. O
senhor deve manipular os débeis mentais, mas não os transforme em loucos furiosos.
— O lobo não é um canibal — disse o vulposense e exibiu os dentes afiados. —
Descende do homem e vê nele um ser igual a ele, embora a recíproca não seja verdadeira.
Confie em mim e nos seres de minha espécie, almirante.
Os 146 arautos do paraíso alcançaram o lugar em que estavam os homens de
Quinto-Center. O Coronel Tiesch deu alguns passos para a frente e o Almirante Tai Hun
foi ao seu encontro. Cumprimentaram-se fazendo a continência da USO. Em seguida o
Coronel Tiesch disse com a voz retumbante:
— Sinto-me honrado em poder cumprimentá-lo como hóspede em Quinto-Center.
Farei tudo que estiver ao meu alcance para que se sinta bem aqui.
O Almirante Tai Hun era muito mais baixo que o ertrusiano, mas sua aparência não
era prejudicada por isso. Usava seu uniforme de gala e irradiava dignidade e
autoconfiança. Passou imediatamente ao ataque.
— Não interpretei seu pedido de vir a Quinto-Center como um convite para uma
visita curta, coronel. Vi nele uma capitulação diante da razão. Nem penso em sair de
Quinto-Center quando o senhor quiser. Meu pessoal e eu ficaremos aqui até que
tenhamos incutido nossas ideias na guarnição de Quinto-Center — ou até que nos
convençam do contrário. Mas tenho certeza de que isto não acontecerá.
Os músculos do rosto do Coronel Tiesch começaram a trabalhar, mas ele controlou
seu temperamento.
— Convidei-o a vir para Quinto-Center, almirante, porque queria que tivesse a
chance de expor seus planos e intenções — disse com uma calma forçada. — Mas devo
lembrar que quem está no comando de Quinto-Center sou eu. Roi Danton é meu
substituto. Em minha ausência sua palavra vale tanto quanto uma ordem minha. Se for
descoberto qualquer sinal de atividades subversivas desenvolvidas por seu pessoal, a
hospitalidade que lhe concedemos deixará de existir. O senhor e seus companheiros
receberão alojamentos dos quais só poderão sair durante as conferências ou com minha...
— Um momento! — interrompeu o Almirante Tai Hun em tom penetrante. — O
senhor fala em hospitalidade e no mesmo instante nos impõe a condição de prisioneiros.
É claro que exijo absoluta liberdade de movimentos para mim e meus companheiros.
Parecia que o Coronel Tiesch ia perder o autocontrole. Pôs a mão automaticamente
no cabo da arma paralisante que trazia no cinto.
Qualquer incidente seria capaz de causar a catástrofe. Mas antes que isso
acontecesse Roi Danton deu um passo para a frente, ficando entre os contendores.
Dirigiu-se ao Almirante Tai Hun.
— Eu o respeito como soldado e como homem, almirante — disse. — Sei que não
seria capaz de exigir ou fazer qualquer coisa pela qual não pudesse responsabilizar-se.
Por isso posso garantir que em Quinto-Center ninguém considera seu programa
condenável, desumano ou criminoso. Acontece que nossas opiniões não são as mesmas.
Mas da mesma maneira que toleramos seu ponto de vista, também exigimos a mesma
tolerância de sua parte. O senhor sabe que em Quinto-Center sempre têm vigorado leis
especiais — e essas leis exigem que a liberdade de movimentos de cada indivíduo sofra
certas restrições. No momento existem oito mil débeis mentais em Quinto-Center. Deixo
por conta de sua imaginação pintar o quadro do que aconteceria se cada um pudesse fazer
ou deixar de fazer o que lhe parecesse melhor. Por isso é apenas por uma questão de
disciplina que se exige do senhor e de seus companheiros que sigam certas diretrizes.
O almirante baixou os olhos. Quando voltou a levantar o rosto, olhou por um
instante para Torston. Finalmente disse:
— Do seu ponto de vista o senhor talvez tenha razão. É claro que da mesma forma
que as pessoas que vivem em Quinto-Center, aceitaremos certas restrições. Mas nem
pense em tratar-nos como prisioneiros!
***
Vandian Torston estava triunfante. Conseguira levar a Zamorra Thety a Quinto-
Center. Receara que Roi Danton estragasse seus planos. Mas era justamente o filho de
Perry Rhodan que sem querer apoiava seus planos.
Era bem verdade que não tinha alternativa, pois Torston fizera um excelente
trabalho. Nas poucas horas que passara em Quinto-Center atiçara a confusão e o pânico
entre os débeis mentais, além de despertar nos imunes o interesse pelos arautos do
paraíso.
A semente germinara mais depressa do que ele poderia esperar — a Zamorra Thety
tinha pousado!
Se tudo continuasse a correr de acordo com seus planos, dentro de mais um ou dois
dias poderiam fazer ou deixar de fazer o que quisessem. Torston notou a expressão de
elogio no olhar do almirante e sentiu-se satisfeito.
De fato, realizara um trabalho extraordinário. Era bem verdade que não havia a
menor dúvida de que Aidala o amava. Mas até então sempre se esquivara diante de sua
insistência para que ela declarasse em público que estava disposta a acompanhá-lo em
sua viagem ao planeta paradisíaco. Pedira um prazo para refletir.
Depois da recepção hostil, o Almirante Tai Hun e seus subordinados foram levados
em grupos aos elevadores antigravitacionais, que os transportariam para as profundezas
onde ficavam os alojamentos. Torston convenceu Aidala a juntar-se ao grupo do
Almirante Tai Hun.
Apresentou Aidala e sentiu-se orgulhoso com o elogio que o almirante fez a Aidala.
— Os senhores formam um bom par — disse. — Tenho certeza de que a senhora
será uma boa esposa para Torston. Gosta de crianças, não gosta, senhorita?
Aidala fitou Torston com uma expressão de insegurança e enrubesceu.
— Gosto — respondeu num sopro.
— Ainda bem — disse o almirante. — Quando começarmos a construir uma nova
civilização num mundo paradisíaco, precisaremos de mulheres férteis e sadias como a
senhora.
Antes de saírem do elevador antigravitacional, o almirante disse a Torston:
— Espero-o dentro de duas horas em meu camarote, para discutirmos a situação.
— Serei pontual — prometeu Torston.
Uma vez resolvido o problema do alojamento, os arautos do paraíso foram
colocados numa área do setor habitacional separada dos alojamentos dos membros da
guarnição da base por uma parede de aço terconite. Torston acompanhou Aidala ao seu
camarote.
Enquanto a beijava, tentou entrar com ela. Mas a moça impediu-o.
— Não, Van — disse com a voz firme. — Não quero boicotar os planos de
reprodução de seu almirante, mas também não quero entrar neles precipitadamente.
— Não interprete suas palavras ao pé da letra — respondeu Torston para acalmá-la.
— O almirante é um soldado honesto e um bom companheiro, possui um caráter
imaculado, mas é inexperiente no trato com as mulheres.
Aidala sorriu como quem pede desculpas.
— Sei que fiz uma observação incabível. Mas volto a pedir que não tente
constranger-me antes que termine o prazo de reflexão.
Torston beijou-a carinhosamente.
— Está bem. Esperarei até amanhã.
Depois que a porta se fechou atrás dela, Torston viu uma sombra pelo canto dos
olhos. Não perdeu tempo. Sacou a arma paralisante e atirou no objeto que voava em
ziguezague pelo corredor. Mas errou o alvo.
Torston imaginava que objeto voador era este. Olhou fixamente para a porta atrás
da qual ficava o camarote do cheborparnense e refletiu se devia interpelá-lo. Bem que
estava com vontade de explicar a essa caricatura de bode que colocaria em risco a vida de
seu amigo siganês se o pusesse a espionar seus passos.
Como ainda faltavam mais de noventa minutos para o encontro com o almirante,
Torston resolveu fazer uma visita a Kelvin Armstrong, na clínica psiquiátrica. Descobrira
que depois da revolta fracassada na divisão exialística o débil mental de primeiro grau
fora internado na clínica psiquiátrica. Era um fator importante em seus planos, pois
tratava-se de um homem que graças ao treinamento a que fora submetido recuperara
grande parte da inteligência. Por isso resolveu comunicar-se com ele, assumindo o risco
de ser descoberto.
Quando se dirigia à clínica psiquiátrica encontrou-se com alguns especialistas da
USO que faziam parte da guarnição de Quinto-Center. Não era nenhum desconhecido
para eles, pois graças à propaganda cochichada por Torston sabiam que ele estaria
disposto a qualquer momento a discutir os planos dos arautos do paraíso. A maior parte
cumprimentou-o, alguns amavelmente, mas a grande maioria com certa reserva.
Torston teve de dar algumas voltas para chegar à clínica psiquiátrica. Escolhera o
caminho que passava por setores isolados e elevadores convencionais, para evitar que o
siganês pudesse segui-lo.
Dentro de alguns minutos descobriu por meio de conversas inocentes com os débeis
mentais de primeiro grau que executavam trabalhos subalternos em que cela Kelvin
Armstrong fora colocado. Até ficou sabendo que se podia entrar em contato com ele
através de uma ligação de videofone.
Torston entrou em uma das numerosas salas não aproveitadas nas quais havia um
videofone e digitou o número da cela de Armstrong. Teve o cuidado de não ligar o
sistema de transmissão de imagem preferia não ser visto do outro lado da linha. Era
possível que a cela estivesse sendo vigiada.
— Aqui fala um amigo seu, Kelvin — principiou Torston assim que a ligação foi
completada. — Ouvi dizer que maltrataram o senhor.
— Quem fala? Que deseja? — perguntou Armstrong.
— Sou seu amigo e quero ajudá-lo.
— Então tire-me daqui para que eu possa dar uma lição nos superespertos.
— Vou tirá-lo — prometeu Torston. — Mas não agora. Talvez amanhã. Depende
do que acontecer até lá.
8

Fazia vinte e quatro horas que a Zamorra Thety tinha chegado a Quinto-Center. Os
calendários registravam o dia 21 de outubro de 3.441.
A atmosfera no quartel-general da USO era bastante tensa.
Grande parte dos arautos do paraíso se encontrava nas salas de recreação.
Permaneciam nas cantinas, nos cassinos, nos estádios, na área de repouso com uma
paisagem natural e um sol artificial e nas salas dedicadas aos hobbies. No início tinham-
se oferecido para discutir com os especialistas, que tinham comparecido por iniciativa
própria.
Os arautos do paraíso achavam bons resultados porque os especialistas da USO
vinham em grandes grupos. Mas esses resultados não se verificaram. As promessas eram
muito vagas — as fantasias a respeito de um novo futuro em algum mundo paradisíaco
não tinham base na realidade. Onde fica esse mundo paradisíaco? Nós o procuraremos.
Como será a nova ordem apregoada por vocês? Criaremos uma ordem completamente
nova. Quando havia uma pergunta concreta os arautos do paraíso se esquivavam. Os
especialistas da USO não se satisfizeram com isso.
Quando o Almirante Cadro Tai Hun foi informado pelos companheiros de que não
estavam conseguindo nada, ele deu o sinal de entrar em ação.
A amabilidade e a paciência dos arautos do paraíso acabaram. No dia 21 de outubro
de 3.441, às 22 horas em ponto, de repente pareciam virados pelo avesso. Provocavam os
especialistas sempre que havia uma oportunidade e provocavam brigas. Mas por
enquanto nem os especialistas de Quinto-Center nem os arautos do paraíso cederam à
exaltação a ponto de pegar as armas paralisantes. Os conflitos foram resolvidos por meio
de palavras ou com os punhos.
Os especialistas da USO afastaram-se dos arautos do paraíso. Enviaram uma
delegação ao Coronel Tiesch para exigir que fossem tomadas medidas contra os intrusos.
Quase no mesmo instante — faltavam cinco minutos para as 24 horas —
apareceram dois ertrusianos junto à entrada da sala de rádio principal.
Os dois guardas barraram-lhes o caminho com as armas paralisantes destravadas.
Explicaram que não tinham o direito de entrar na sala de rádio.
— Que pena — disse um dos ertrusianos com a voz retumbante. — O Almirante
Cadro Tai Hun pediu que preparássemos tudo para uma proclamação dirigida à tripulação
de Quinto-Center.
Os dois guardas começaram a sentir-se inseguros. Sabiam que nada faria recuar os
dois ertrusianos, mas o Coronel Tiesch ainda não revogara a ordem de tratar bem os
arautos do paraíso. Os paralisadores só deviam ser usados numa grande emergência. Por
isso um dos guardas resolveu acionar o alarme para pedir reforços.
— Afaste-se do botão de alarme! — gritou o outro ertrusiano e barrou o guarda.
Quando o homem assustado viu de repente o corpo gigantesco do ertrusiano à sua
frente, perdeu o controle dos nervos. Entortou o dedo encostado ao gatilho da arma
paralisante. O ertrusiano foi atingido em cheio pelos raios paralisantes. Gritou, seu corpo
empinou. Mas antes de dobrar os joelhos, afastou o guarda com um movimento reflexo
das mãos gigantescas.
O outro guarda também reagiu depressa, mas seu adversário lançou o ataque uma
fração de segundo antes dele. O ertrusiano abalroou e derrubou o guarda.
Neste instante a esteira rolante trouxe o Almirante Tai Hun, que veio acompanhado
de mais três ertrusianos e quatro aconenses.
— Abriram fogo contra nós sem aviso — informou o ertrusiano. — Agimos em
legítima defesa. O senhor está vendo. Garlom foi atingido.
O Almirante Tai Hun acenou com a cabeça e deu ordem para que fosse aberta a
escotilha da sala de rádio. Quando os radioperadores de serviço viram os ertrusianos e os
canos das armas paralisantes apontados para eles, nem pensaram em defender-se. Um
deles chegou a acionar o alarme geral. Enquanto a sereia começava a soltar uivos
penetrantes, o radioperador foi derrubado por um raio paralisante.
— Pretendo usar a sala de rádio em meu benefício — disse o Almirante Tai Hun em
voz alta.
Os radioperadores, tomados de surpresa, que tinham visto o que acontecera com seu
companheiro, resignaram-se. Foram expulsos da sala de rádio. A escotilha foi trancada
atrás deles.
***
Roi Danton encontrava-se no escritório do Coronel Tiesch, quando soou o alarme.
Dali a pouco chegou a notícia de que o Almirante Tai Hun acabara de ocupar a sala de
rádio.
O Coronel Tiesch não perdeu tempo. Deu ordem para que o setor residencial no
qual tinham sido alojados os arautos do paraíso fosse bloqueado imediatamente. Além
disso enviou trinta e seis homens fortemente armados ao respectivo setor. Chamou pelo
rádio as pessoas que estavam de folga, para que se apresentassem na sala de comando
principal. Mal acabara de dar essa ordem, quando o sistema de chamada falhou e a rede
de intercomunicação para ligações diretas entrou em colapso.
Não havia a menor dúvida de que o responsável era o Almirante Tai Hun, que da
sala de rádio podia controlar todas as comunicações internas de Quinto-Center. Mas o
Coronel Tiesch não se abalou. Deu ordem para que fossem distribuídos videofones entre
o pessoal.
Mal isso tinha sido feito, chegou a informação de que todos os arautos do paraíso
tinham saído dos alojamentos.
— O almirante deve ter preparado a operação há muito tempo — gritou o Coronel
Tiesch com a voz trêmula de exaltação. — Deve possuir plantas de Quinto-Center, senão
seus homens não poderiam orientar-se tão depressa. Só esperava a oportunidade de ter
acesso à base para agir imediatamente. Nunca teve a intenção de negociar para valer. É
um criminoso!
O Coronel Tiesch bateu com o punho na mesa com tanta força que o revestimento
de plástico rachou.
— Não seja tão duro no julgamento de Tai Hun — advertiu Danton. — Talvez seja
um fanático, é possível que se iluda e que sua mente esteja confusa, mas de forma alguma
se pode dizer que é um criminoso.
O Coronel Tiesch fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— O senhor ainda defende o almirante depois de ver as violências de que é capaz?
— De forma alguma defendo o que ele fez — disse Danton. — Mas compreendo os
motivos que o levaram a agir assim. Estes motivos não são reprováveis. Devemos
reconhecer que o Almirante Tai Hun luta por uma causa louvável, apesar de errar nos
meios.
— Já não compreendo o mundo em que vivemos — gemeu o Coronel Tiesch.
Neste momento ouviu-se um estalo no sistema de chamada geral, seguido pela voz
enérgica do Almirante Tai Hun.
— Atenção, membros da guarnição de Quinto-Center e respectivos chefes. Convoco
os homens e mulheres de todos os povos que têm travado uma luta tão corajosa, mas sem
esperanças, contra o caos, para que deponham as armas. Passem a combater aqueles que
os colocaram nessas posições perdidas. Vocês se deixam levar por um sonho impossível
se acreditarem que as condições reinantes antes do início da onda de deterioração mental
podem ser restabelecidas. Não prometemos a restauração da ordem antiga, o que seria
impossível. Queremos construir um novo mundo, criar uma nova sociedade formada por
membros de todos os povos da Via-Láctea. Na sociedade do futuro que ponho ao seu
alcance seremos todos irmãos — terranos, outros humanóides, pessoas adaptadas a um
novo ambiente e não-humanóides.
“Somos todos irmãos! Abominamos a violência. Se fomos obrigados a usar meios
drásticos foi porque o instinto de auto-conservação nos impede de submeter-nos à
degenerescência generalizada. Queremos viver, não vegetar.
“Quinto-Center só será nossa base. Aqui deverão reunir-se todos os seres que
quiserem juntar-se a nós. Além disso, Quinto-Center será o trampolim do mundo
paradisíaco. Homens e mulheres, irmãos e irmãs — seres humanos — deponham as
armas e juntem-se a nós.”
Enquanto o Almirante Tai Hun fazia seu discurso, Roi Danton tentou fazer uma
ligação de intercomunicação com a sala de rádio. Depois de algum tempo conseguiu
convencer um dos aconenses, que fazia parte do grupo dos arautos do paraíso, de que
precisava falar com o almirante.
Alguns minutos depois de terminar o discurso, o almirante atendeu ao chamado.
Tenho muito prazer em aceitar sua capitulação — principiou.
— Sinto muito que nossas opiniões divirjam tanto e que não podemos chegar a um
acordo por via diplomática — disse Danton com um pesar sincero na voz. — Mas sinto
muito mais que tenha sido usada a força bruta. Cada um de nós poderia aceitar os pontos
de vista do outro e ceder um pouco. Devemos esforçar-nos por uma solução pacífica do
problema.
— Ainda está em tempo — respondeu o almirante. — Garanto ao senhor e a todos
que não querem um futuro feliz num planeta paradisíaco o direito de retirar-se de Quinto-
Center.
— Mundo paradisíaco; isso não passa de um chavão — afirmou Danton em tom de
desprezo. — O senhor acha mesmo que a ordem voltaria a reinar no mundo se o senhor
se retirasse com um grupo de eleitos? Não se esqueça das inúmeras criaturas que ficariam
aqui, praticamente indefesas, sem poder contar com qualquer ajuda. Ao falar na
confraternização dos povos galácticos, o senhor não pode deixar de fora os débeis
mentais, que precisam de nosso auxílio. Quem se deixa levar por um sonho é o senhor,
almirante. Perry Rhodan e seus companheiros enfrentam a realidade. Tenho certeza de
que conseguiremos eliminar os efeitos diretos e indiretos da onda de deterioração mental.
— Pois eu não acho — respondeu o almirante. — Perry Rhodan só pode fracassar.
Ou será que o senhor pode indicar um meio de eliminar o caos? Não pode. Ninguém
pode. Por isso acho mais realista criar uma nova civilização com a elite dos povos
galácticos.
— Parece que não farei o senhor mudar de opinião — disse Danton em tom
deprimido. — Mas como sou de opinião que o senhor tem caráter e senso de
responsabilidade, peço-lhe que também aceite nosso ponto de vista.
— Se fizesse isso estaria renegando minhas convicções — disse o almirante. —
Mantenho minha posição. Colocarei urna nave à sua disposição e garanto a liberdade de
saírem daqui. É a única concessão que posso fazer.
— O senhor não tem esse direito.
— Eu assumo esse direito. Pense em minha proposta.
— Não há o que pensar, almirante.
— Pois então assuma as consequências.
A ligação foi interrompida.
9

Começou um novo dia, o dia 22 de outubro. Os arautos do paraíso tinham-se


espalhado por todos os cantos de Quinto-Center e cuidaram de seu trabalho. Apesar da
superioridade numérica, a guarnição da base batia em retirada.
Mas nem por isso Vandian Torston ficou satisfeito. Estava tenso e agitado. O
motivo era Aidala, que lhe pedira mais uma vez que tivesse paciência.
— Se você me ama irá comigo! — dissera ele.
— Quem dera que isso fosse tão simples, Van — respondera a moça. — Como se
não bastasse os problemas, seu pessoal se tomou inimigo do grupo com o qual tenho
obrigações. Ainda não sei que decisão tomar. Por favor, dê-me mais algum tempo.
— Você sempre encontra uma desculpa para adiar sua decisão.
— Por favor, Van, tente compreender...
O pior era que ele não a compreendia. Que dúvida ela podia ter, se tinha a chance de
viver num mundo paradisíaco?
A única coisa que ele podia fazer era dar mais um prazo. Como não podia arriscar-
se a visitá-la em seu camarote, tinha marcado um encontro para as doze horas daquele
dia, em uma das salas de treinamento que ela podia alcançar com o elevador
antigravitacional mais próximo ao seu camarote.
Naquele momento ele se dirigia à clínica psiquiátrica para libertar Kelvin
Armstrong. Não esperava problemas, pois na situação em que se encontrava, o Coronel
Tiesch não podia dispor de nenhum homem para vigiar os débeis mentais e os doentes.
Pelo que sabia, o setor em que viviam os débeis mentais fora cercado por um gigantesco
campo paratron, para evitar sua fuga. Mas os débeis mentais que sofriam alguma doença
física ou psíquica e tinham sido internados na clínica só eram vigiados por médicos ou
exialistas.
Por isso Torston tinha motivo para supor que não teria dificuldades. Quando saiu do
elevador antigravitacional na altura da clínica psiquiátrica, quase caiu nos braços de um
gigante ertrusiano que pertencia à guarnição de Quinto-Center. O ertrusiano que, segundo
parecia, acabara de ter alta da clínica, esperou um momento demais. Antes que
percebesse que se defrontava com um inimigo, foi atingido por um raio paralisante
concentrado.
Torston entrou na clínica psiquiátrica por um corredor secundário. Sabia pelas
plantas apresentadas pelo Almirante Tai Hun que a clínica formava um conjunto
independente com cem metros de largura e cinquenta de altura. No centro havia um
espaço livre que tomava toda a altura. Em tomo dela estavam dispostas em círculo as
celas para os internados mais renitentes, formando dez pavimentos ligados por escadas.
Fora disso só havia um elevador convencional.
Quando Torston entrou na clínica, teve a impressão de que estava deserta. Mas logo
ouviu um zumbido de câmeras; era um sinal de que o conjunto era vigiado de algum
ponto central. Pelos seus cálculos devia dispor pelo menos de cinco minutos para chegar
perto de Armstrong e libertá-lo antes que aparecessem os enfermeiros.
Era o suficiente, ainda mais que sabia qual era a cela de Armstrong.
Torston saiu correndo. Atravessou o corredor e entrou no hall onde ficavam as
celas. Não tomou o elevador, que poderia transformar-se numa armadilha. Preferiu a
escada. Subiu bem depressa.
A cela de Armstrong ficava no quinto andar. Quando chegou lá, Torston estava
ofegante. Bastou um olhar para certificar-se de que não havia energia no mecanismo que
abria a porta da cela. Torston não perdeu tempo. Pegou a arma energética portátil que
sempre trazia sob a blusa e abriu fogo contra a fechadura. O metal ficou incandescente,
derreteu-se e caiu aos pingos. Dali a instantes a porta abriu-se. Torston agarrou a borda
superior, que não tinha sido aquecida, e deixou-a bem aberta.
— Vamos! Depressa! — gritou para Armstrong, que estava de pé junto à parede dos
fundos. — Prometi tirá-lo daqui. Pois chegou a hora. Mas se não andar depressa os
enfermeiros estragarão nossos planos.
De repente Armstrong se animou. Saiu correndo da cela com o rosto desfigurado
por um sorriso.
— Obrigado, companheiro — disse.
Mas Torston já descia as escadas correndo. Quando chegou ao segundo andar
Armstrong alcançou-o.
— E se aparecer alguém para deter-nos? — quis saber Armstrong enquanto desciam
mais um andar de dois em dois degraus.
Sem dizer uma palavra, Armstrong colocou uma arma paralisante em suas mãos.
Armstrong riu satisfeito.
— Parados!
De repente apareceram dois enfermeiros no pavilhão. Seguravam armas
narcotizantes pesadas. Torston ergueu automaticamente a arma, mas percebeu no último
instante que se tratava de uma pistola energética mortal.
Deixou-se cair no chão e gritou para Armstrong.
— Vamos logo! Atire, idiota.
Mas não era necessário. Armstrong já puxara o gatilho. Os dois enfermeiros caíram
atingidos pelos raios paralisantes.
Armstrong e Torston deixaram para trás a clínica psiquiátrica e refugiaram-se numa
sala mais afastada.
— E agora? — perguntou Armstrong. — Não venha dizer-me que resolveu libertar-
me por amor ao próximo.
— Talvez seja isso mesmo — disse Torston e fez um relato ligeiro dos últimos
acontecimentos cm Quinto-Center. — O Coronel Tiesch provavelmente não pode ser
responsabilizado pelo que aconteceu — acrescentou. —Está sob a má influência de certas
pessoas. Uma delas é o cheborparnense, que deve ser um dos seus maiores amigos.
— Bem que gostaria de experimentar os punhos nessa caricatura do diabo — disse
Armstrong.
— Pode-se dar um jeito — disse Torston com um sorriso cínico. — Mostrarei qual
é o camarote dele.
***
Vulgajoche e mais cinco vulposenses defrontavam-se com um problema difícil. Sua
tarefa era espalhar o pânico entre os oito mil débeis mentais. Depois que a horda de
criaturas assustadas e mentalmente instáveis se espalhasse por Quinto-Center, a confusão
generalizada atingiria o auge.
O Coronel Korstan Tiesch tomara suas precauções, cercando o setor habitacional
em que tinham sido colocados os débeis mentais com um campo paratron. Não se tratava
de uma estrutura compacta. Apresentava numerosas subdivisões, mas preenchia todas as
entradas e frestas, por menores que fossem. Os vulposenses até tentaram chegar onde
estavam os débeis mentais passando pelo espaço vazio entre o piso e o teto de um
corredor. Mas fracassaram, porque o campo paratron era um obstáculo insuperável.
Mas Vulgajoche nem pensava em desistir.
— Quando o lobo deseja a isca presa numa armadilha — disse aos companheiros —
mas não quer expor-se ao perigo, ele agarra aquele que montou a armadilha e o obriga a
afastar o obstáculo.
Vulgajoche fora informado pelo Almirante Tai Hun de que havia 38 usinas
atômicas instaladas em volta do centro de comando principal. Forneciam a maior parte da
energia consumida em Quinto-Center. Como a criação de um campo paratron exige
quantidades enormes de energia, Vulgajoche acreditava que ele era alimentado por essas
usinas. Além disso supunha que havia equipes de manutenção cuidando das usinas.
Mas antes de dirigir-se para lá, Vulgajoche mandou que seus companheiros fossem
a um dos arsenais e trouxessem um canhão desintegrador pesado suspenso sobre campos
antigravitacionais. Bastou um ligeiro contato com o Almirante Tai Hun para que os
vulposenses conhecessem o caminho que levava ao centro de controle.
Para surpresa de Vulgajoche bastou um bombardeio concentrado de curta duração
com o desintegrador para remover o único obstáculo — uma escotilha fina de aço
terconite. Depois disso puderam entrar no centro de controle.
Só havia um terrano no pavilhão gigantesco. Ficou tão assustado ao ver os homens-
lobo de quatro metros e meio, que foi incapaz de fazer qualquer movimento. Vulgajoche
não teve dificuldade em tirar a arma paralisante de suas mãos trêmulas e levantá-la.
— Não... não recebi instruções específicas — e além disso este centro de controle
só desempenha funções sem importância. As últimas palavras saíram da boca do cientista
tão depressa que se tinha a impressão de que lhe tinham ocorrido naquele momento,
como uma espécie de ideia salvadora.
— Ah, é? — disse Vulgajoche como quem se diverte e encostou o focinho ao rosto
do cientista. — O senhor é hiperfísico, não é?
— Sem dúvida.
— Deve ser um homem muito importante, senão sua mente não teria sido
estabilizada — prosseguiu Vulgajoche rosnando. — E agora quer me convencer que foi
colocado aqui sem que lhe fosse confiada nenhuma tarefa?
Vulgajoche soltou o hiperfísico de repente, fazendo com que caísse de mais de um
metro de altura e batesse violentamente no chão. O vulposense inclinou-se sobre o rosto
do terrano desfigurado pela dor e rosnou:
— O lobo é parente do homem, mas mesmo nas melhores famílias pode haver
conflitos. Se não disser imediatamente qual das trinta e oito usinas abastece de energia o
campo paratron que cerca os alojamentos dos débeis mentais torço seu pescoço. E se não
desativar o campo paratron em seguida, ainda faço um nó em seu pescoço. Compreendeu
as palavras do lobo?
Vulgajoche ganhara o jogo. O hiperfísico ficou tão assustado que fez tudo que se
exigia dele.
— E agora o senhor nos acompanhará, para que não pense em fazer alguma
bobagem — concluiu Vulgajoche.
O vulposense pegou o hiperfísico nos braços e saiu com o resto do grupo. No
corredor defrontaram-se de repente com dez especialistas da USO, que sacaram as armas
paralisantes. Mas quando viram o hiperfísico hesitaram.
— Se um dos meus companheiros for paralisado, este homem morrerá — ameaçou
Vulgajoche e exibiu sua terrível dentadura. Os atacantes baixaram as armas. — Joguem
fora os paralisadores e tratem de dar o fora.
Os seis vulposenses chegaram aos alojamentos dos débeis mentais sem novos
incidentes. Uma vez lá libertaram o refém, uma vez que o campo paratron não existia
mais.
Os primeiros débeis mentais saíram dos alojamentos. Conforme o temperamento e o
grau de deterioração mental de cada um mostraram-se esquivos, hesitantes, medrosos,
arrojados ou autoritários. Os mais inteligentes tentaram acalmar os outros, explicando
que o campo paratron só fora ativado para protegê-lo. Mas poucos compreenderam estes
argumentos. A maior parte continuou a obedecer aos instintos, que sinalizavam perigo. O
perigo estava em toda parte — o diabo queria suas almas, os imunes conspiravam contra
eles.
E de repente apareciam os monstros horríveis. Seis lobos gigantes!
— São vulposenses, seres inteligentes como nós — tentaram explicar os débeis
mentais de primeiro grau.
— O que vieram fazer aqui? — perguntaram os débeis mentais de sexto grau em
tom desconfiado.
— Temos de fugir — cochicharam os débeis mentais de oitavo grau.
— Vamos dar o fora! — disseram os débeis mentais de décimo grau, enquanto
soltavam gritos histéricos.
Vulgajoche arreganhou os dentes.
— O lobo é manso e pacato, mas se necessário ele pode transformar-se numa fera
que estraçalha tudo que vê pela frente — disse. — Vamos, companheiros, em cima dos
débeis mentais. Joguem-nos de um lado para outro, para que saiam correndo em todas as
direções.
Os vulposenses uivaram de forma apavorante e precipitaram-se sobre os débeis
mentais.
A ação perturbadora dos arautos do paraíso só causou uns poucos feridos leves, mas
o balanço feito pelo Coronel Korstan Tiesch foi desolador. Segundo as primeiras
informações, só foi possível levar três mil débeis mentais de volta aos alojamentos. Os
outros cinco mil espalharam-se em todos os cantos de Quinto-Center.
***
O ertrusiano tangia a mulher-inseto.
Parecia que a tliagota queria chegar à sala de comando principal, mas o ertrusiano
sempre lhe cortava o caminho e finalmente obrigou-a a desviar-se para o centro de
computação positrônica da base, que ficava obliquamente acima da esfera central.
O Dr. Akot Tantritz, um lancourense com ossos telescópicos que depois do início da
onda de deterioração mental passara a ocupar o lugar de Cibernético-Chefe de Quinto-
Center, passara a cuidar-se melhor. Depois que se tornaram conhecidos os incidentes
alarmantes com os arautos do paraíso, ele se fechara hermeticamente com seus cinco
colaboradores no setor em que ficava o centro de processamento de dados. Os sistemas
de alerta permaneciam sempre ligados e seus companheiros observavam os arredores
através de um sistema de imagem independente.
Por isso soube imediatamente da perseguição impiedosa que se desenvolvia
principalmente nas imediações do centro de computação positrônica. A mulher-inseto de
um metro e meio de altura dava saltos gigantescos para escapar ao ertrusiano que estava
atrás dela. Abria as asas atrofiadas, voava alguns metros, empurrava-se do chão e corria
um pedaço sobre as pernas cabeludas. Parecia que enquanto corria juntava forças para
voar mais um pedaço. Apesar dessa forma de locomoção racional, a distância que a
separava do perseguidor não aumentava. Na verdade, estava diminuindo.
O Dr. Tantritz sabia que tanto a mulher-inseto como o ertrusiano faziam parte do
grupo dos arautos do paraíso. Só podia haver uma explicação para o fato de a tliagota
estar sendo perseguida por seus companheiros.
— Parece que a tliagota quer passar para o nosso lado — disse Tantritz. — Temos
de ajudá-la antes que caia nas mãos do ertrusiano.
— Será que antes disso não deveríamos avisar o Coronel Tiesch? — perguntou um
dos homens.
Tantritz fez que não.
— Até que expliquemos a situação, a tliagota estará perdida. Assumo a
responsabilidade pela decisão.
O lancourense deu ordem para que dois dos seus colaboradores fossem para perto
de uma das escotilhas pelas quais a mulher-inseto deveria passar dentro de alguns
segundos. Tantritz manteve contato pelo radiofone com estes colaboradores e o homem
que cuidava das instalações defensivas.
Enquanto isso observava na tela o trecho do corredor no qual se encontrava a
tliagota. O ertrusiano já conseguira reduzir a distância a vinte metros. Tentou atingir a
tliagota com uma arma narcotizante, mas ela conseguiu desviar-se dos tiros com muita
habilidade.
— Preparem-se — ordenou Tantritz aos dois homens que estavam perto da
escotilha. Dirigindo-se ao homem que cuidava das instalações de defesa, disse: —
Desligue o campo defensivo e abra a escotilha, dentro de oito segundos — sete, seis... Já!
Os dois homens saltaram pela escotilha aberta.
— Entre aqui! — gritaram para a tliagota enquanto abriam fogo contra o ertrusiano
com as armas paralisantes. O perseguidor foi atingido na perna, tropeçou, mas logo
voltou a ficar de pé e seguiu adiante mancando. Só caiu ao chão depois que os homens
atiraram por algum tempo.
A tliagota já entrara sã e salva no centro de computação positrônica. A escotilha
fechou-se e o campo defensivo foi ativado atrás dos homens que a tinham ajudado.
Dali a pouco a mulher-inseto se encontrava à frente do Cibernético-Chefe. O Dr.
Akot Tantritz contemplou-a com muito interesse.
O corpo oval era protegido por uma blindagem de chitim azulada, que em seu
mundo a protegia da gravidade descomunal. Era capaz de encolher a cabeça com o rosto
humano, os dois braços e as quatro pernas, para em caso de perigo proteger os membros e
os órgãos de visão. Além disso podia abrir a blindagem no peito. Embaixo dela havia três
braços atrofiados com garras. Também podia abrir a blindagem nas costas para desdobrar
os tocos de asa.
Por mais estranha que pudesse parecer a tliagota — quem a encarasse veria que
descendia de seres humanos. Era uma criatura adaptada a um novo ambiente.
O Dr. Tantritz levou algum tempo para dar-se conta de quanto tempo estava
olhando para a mulher-inseto.
— Desculpe — disse embaraçado.
A tliagota emitiu um chiado que devia ser considerado uma risada.
— Peço desculpas — disse com sua voz alta e melódica — mas infelizmente não sei
apreciar como devia a ajuda que recebi dos senhores.
Antes que terminasse de falar, a blindagem abriu-se sobre o peito, deixando sair
nove siganeses em trajes de proteção voadores. Espalharam-se imediatamente, caíram
sobre a guarnição do centro de computação e paralisaram-na com suas minúsculas armas
narcotizantes.
Dali a pouco o centro de computação positrônica e os bancos de dados mais
importantes caíram em mãos dos arautos do paraíso.
O Dr. Akot Tantritz era seu prisioneiro.
10

Kelvin Armstrong não esperou muito por sua chance. Estava escondido num nicho,
observando o corredor. Uma moça passou por ele, parou à frente do camarote do
cheborparnense e disse seu nome para dentro do porteiro eletrônico. A porta abriu-se e
Armstrong saltou do esconderijo, agarrou a mulher por trás, encostou a arma paralisante
em suas costas e obrigou-a a entrar à sua frente.
Armstrong viu imediatamente que o cheborparnense não estava só. Havia dois
terranos no camarote.
— Fiquem onde estão! — exclamou Armstrong. — Se ficarem bem quietos, nada
acontecerá a vocês e à moça. — Apontando para o cheborparnense, acrescentou: — Só
quero mandar esse diabo para o inferno.
O CheFe levantou do lugar junto à mesa e caminhou devagar na direção de
Armstrong. Seus olhos vermelhos redondos estavam voltados para a frente, as três
narinas tremiam.
— O senhor está fazendo uma bobagem enorme, Armstrong — disse com a voz
estridente. — Deveria saber que sofreu uma recaída depois dos incidentes na divisão
exialística. Precisa de assistência médica com urgência.
— Estou em plena forma psíquica — afirmou Armstrong. — Se agi como um louco
furioso foi porque o ódio que sinto pelo senhor me estava consumindo. Mas chegou a
hora do ajuste de contas.
— Como queira, Armstrong — respondeu o CheFe. — Mas pelo menos deixe a
moça fora disso.
Armstrong hesitou. Deu um empurrão em Aidala, que a fez atravessar metade do
camarote. No mesmo instante levantou a arma paralisante e apontou-a para o rosto de
cheborparnense. Mas antes que tivesse tempo de apertar o gatilho, alguma coisa atingiu
sua nuca paralisando seus centros nervosos. O corpo endureceu. Havia uma surpresa
infinita nos olhos de Armstrong. Ainda tentou apertar o gatilho, mas os dedos não
obedeceram.
O CheFe segurou Armstrong e deitou-o no chão. Voltou a endireitar o corpo. Neste
instante uma coisa aproximou-se voando e sentou em seu ombro. Era Mortom Kalcora.
— Eu agi como devia, CheFe? — quis saber o siganês, cuja voz adquiriu o volume
normal graças a um amplificador acoplado.
— Você interveio bem na hora, Mortom — confirmou o chefe.
Gaddard Pen Tuku e Hotchka Omolore estavam cuidando de Aidala. Levaram-na a
um banco largo e sentaram perto dela.
O CheFe também se aproximou e deixou-se cair num cubo de estofamento macio,
que se adaptou imediatamente a seu corpo.
Soltou uma risada de bode.
— Receio que não tenha sido um bom começo para uma festa de despedida. Estarei
errado se disser que a senhora veio para comunicar sua decisão de viajar a um mundo
paradisíaco em companhia de Vandian Torston?
Aidala ainda parecia abalada.
— Não é bem isso — cochichou. — Vim pedir seu conselho, CheFe. Não sei o que
fazer. Amo Van, mas bem por dentro tenho minhas dúvidas de que esteja no caminho
certo. Não quero confiar-me cegamente a ele para depois talvez ter de recriminar-me por
ter cometido um erro. Pode dar-me um conselho, CheFe?
— Se quiser saber minha opinião — interveio Hotchka Omolore — acho que
Torston é um mau-caráter. Não gosto desse cara.
— Não é o senhor quem vai casar com ele! — gritou Gaddard Pen Tuku. — Não
me atrevo a ter uma opinião a respeito do caráter de Torston. Mas acho a ideia de
escolher um mundo paradisíaco para alguns eleitos, enquanto o resto da humanidade se
acaba, simplesmente condenável.
— Desse jeito não chegaremos a lugar algum — afirmou o CheFe. — Não
ajudaremos Aidala enchendo sua cabeça com palavras sem sentido. Devemos ajudá-la a
tomar uma decisão. Acho que descobri um meio de fazer isso. Vamos esperar que
Armstrong recupere os sentidos. Não deve demorar muito, pois foi atingido por um raio
paralisante de pequena intensidade.
— Que é que Armstrong tem a ver com o problema de Aidala? — perguntou
Hotchka Omolore indignado.
O CheFe procurou esquivar-se.
— Como sabe, peço constantemente a Mortom que faça voos de reconhecimento.
Ele já me trouxe muitas informações interessantes.
Dali a dez minutos Kelvin Armstrong começou a mexer-se. Quando abriu os olhos,
deparou com a abertura do cano de sua arma paralisante.
O CheFe voltou a soltar a risada de bode.
— É claro que o senhor será entregue à clínica psiquiátrica, Armstrong — disse. —
Mas depende do senhor em que estado chegará lá. Um dos enfermeiros-auxiliares foi
encontrado morto; assassinado. Sabemos que o culpado é o senhor. Se fizer uma
confissão espontânea, terá o melhor tratamento médico. Se negar, eu o submeterei a um
tratamento — e depois disso não haverá mais ninguém que possa ajudá-lo.
Naturalmente não era verdade que um dos enfermeiros-auxiliares tivesse sido
assassinado. Mas Armstrong não podia saber disso. Caiu no blefe.
— Morto? Assassinado? — exclamou em tom de incredulidade.
De repente entesou-se e tentou levantar. Mas não conseguiu, porque o peso do
corpo do cheborparnense o mantinha preso ao chão.
— Não matei ninguém — gritou Armstrong. — Se um dos enfermeiros foi
assassinado, só pode ter sido Torston quando se dirigia à minha cela. Não sei nada.
Quando foi proferido o nome de seu bem-amado, Aidala empalideceu.
O CheFe não se contentou com as informações já recebidas; continuou o jogo.
— O senhor mente! Sabemos que ninguém o ajudou a fugir. Não sei como fez para
sair da cela. Mas gostaria de saber por que iria contar justamente com o apoio de Torston,
que é um arauto do paraíso.
— Ele me tirou de lá porque queria que eu tivesse oportunidade de vingar-me do
senhor — afirmou Armstrong. — Ele o odeia pelo menos tanto quanto eu o odeio.
Mesmo que mande prender-me, isso não o salvará. Torston o fará pagar por isso.
— Não é possível — murmurou Aidala em tom de incredulidade. De repente
começou a soluçar. — Não acredito. Torston não seria capaz de fazer isso.
O CheFe pediu que Hotchka Omolore e Gaddard Pen Tuku cuidassem de
Armstrong. Depois foi para perto de Aidala e num gesto paternal colocou o braço sobre
seus ombros.
— Vamos descobrir a verdade — disse. —
Acompanhá-la-ei ao ponto de encontro e interpelarei
Torston. Providenciarei para que sejamos
acompanhados por dois especialistas armados — para
qualquer eventualidade.
***
Aidala o traíra.
Vandian Torston viu de seu lugar atrás do
conversor de gravidade quando a moça entrou na sala
de treinamento em companhia do cheborparnense e de
dois gigantes ertrusianos. Suas mãos tremeram, um
brilho louco cobriu seus olhos.
Torston olhou para o cheborparnense. De repente
teve certeza de que essa criatura estranha, esse bode
que caminhava com duas pernas, era o único culpado.
O cheborparnense devia ter influenciado Aidala.
Mas Torston não aceitaria a derrota.
Aidala e os três homens que a acompanhavam
pararam de repente.
— Torston! — gritou o cheborparnense para
dentro do pavilhão. — Se estiver aqui, saia do esconderijo. Preciso ter uma conversa com
o senhor. É urgente. Aidala também está muito interessada. Responda, Torston!
Torston ergueu uma pequena arma energética, fez pontaria num lugar que ficava à
frente do cheborparnense e apertou o gatilho. O raio energético atingiu o chão dois
metros à frente do cheborparnense e o fez ficar incandescente.
— Eis aqui minha resposta! — gritou Torston.
Foi um sinal para que os dois ertrusianos se abrigassem. O cheborparnense também
se protegeu atrás de um dos aparelhos de treinamento. Mas Aidala não saiu do lugar.
— Torston...!
— Saia daí, Aidala, antes que haja uma desgraça — interrompeu Torston enquanto
recuava de costas para a sala de controle, de onde podiam ser teleguiados os aparelhos de
treinamento.
O chão do pavilhão estava dividido em quadrados de dez metros. Embaixo deles
ficavam os equipamentos que permitiam neutralizar ou aumentar várias vezes a
gravidade. Desta forma os especialistas podiam realizar exercícios em condições
gravitacionais extremamente pesadas ou na ausência da gravidade. Torston pretendia tirar
proveito disso.
Orientou-se ligeiramente no quadro de que constavam todos os quadrados. Os
ertrusianos encontravam-se no quadrado G 17. Torston apertou o botão que acionava o
conjunto e fixou a chave de regulagem na marca dos oito gravos. Torston viu através dos
vidros da sala de controle os dois ertrusianos pararem no meio do movimento, viu eles se
contorcerem e caírem. Mas graças às suas condições físicas eram capazes de, depois de
recuperar-se da surpresa, vencer a força da gravidade e chegar ao quadrado vizinho.
G18!
Torston ativou esse quadrado. Desta vez colocou a chave de regulagem na marca
dos dez gravos. Mas os ertrusianos já tinham chegado ao quadrado seguinte. Torston
começou a transpirar. Não podia mover as chaves tão depressa como os ertrusianos se
movimentavam — e eles estavam a apenas trinta metros dele.
Somente dois quadrados os separavam da sala de controle.
Torston não teve alternativa. Foi obrigado a mover a chave geral que ativava os
equipamentos antigravitacionais de todos os quadrados, acoplando-os uns aos outros.
Lembrou-se de Aidala, mas logo afastou as dúvidas. Devia pensar primeiro em si mesmo.
Se ela sofresse alguma coisa, a culpada era ela mesma. Não deveria tê-lo traído.
Ligou a chave geral e colocou a chave de regulagem da gravidade na marca dos oito
gravos. Os ertrusianos que vinham correndo foram freados de repente por uma barreira
invisível. Os oito gravos vieram tão de surpresa que os fizeram cair.
Mas logo se refizeram e vieram rastejando de quatro.
Estavam a apenas cinco metros da sala de controle. Se alcançassem a entrada,
Torston estaria perdido. Ele sabia disso. Só havia uma saída.
Tinha de liquidar os ertrusianos. Olhou para a arma energética e superou as
inibições.
Os ertrusianos já estavam bem perto. Apareceram quase ao mesmo tempo na porta
da sala de controle.
Torston levantou a arma e apertou o gatilho com toda força.
A porta foi cercada de chamas. Duas sombras gigantescas cambalearam no meio
delas. Torston sentiu um mal-estar. Só então percebeu em toda extensão as consequências
do ato que acabara de praticar.
Mas se estava arrependido já era tarde.
Um dos corpos atléticos veio cambaleando em sua direção, caiu sobre ele e
soterrou-o. Durante a queda os dois corpos roçaram a chave geral e a colocaram na
posição zero...
Quando a pressão terrível de oito gravos desapareceu de repente, o cheborparnense
cuidou primeiro de Aidala, que estava inconsciente. Do nariz, dos ouvidos e da boca saía
sangue, mas não parecia que ela estivesse ferida.
Depois disso foi à sala de controle, onde deparou com um quadro horrível. Nem
Torston nem os dois ertrusianos davam qualquer sinal de vida.
***
Quando a notícia da morte de Vandian Torston chegou ao Almirante Cadro Tai
Hun, ela fora completamente desfigurada.
“Dois ertrusianos sob as ordens do Coronel Korstan Tiesch mataram Vandian
Torston à traição, quando queria fugir com sua amada. Torston ainda conseguiu matar
os dois...”
— Isso não basta — disse o Almirante Tai Hun. — Um ato como este não pode
ficar sem castigo.
A primeira coisa que fez foi fazer uma proclamação à guarnição de Quinto-Center.
Sua voz trêmula de raiva saiu de todos os alto-falantes — e o ultimato foi ouvido em
todos os setores de Quinto-Center.
— Homens de Quinto-Center! Deponham as armas e rendam-se! Minha proposta
continua de pé — todos estarão livres para sair. Mas isto não se aplica mais àqueles que
responderam ao meu apelo de paz usando a violência. Os assassinos de Vandian Torston
devem pagar pelo que fizeram! Os outros não terão nada a temer, desde que se rendam
dentro de uma hora.
O prazo passou sem que um especialista que fosse se tivesse passado para as fileiras
do Almirante Tai Hun.
— Muito bem — disse o almirante e tomou medidas drásticas.
Todos os homens disponíveis foram colocados sob as ordens dos ertrusianos e dos
vulposenses, que receberam ordem de trazer armas de todas as espécies e calibres,
preparar posições de combate e organizar fortes grupos de choque incumbidos de tomar
de assalto as posições dos imunes de Quinto-Center.
Depois disso o almirante entrou em contato com a tliagota Teetla, que continuava a
ocupar o centro de computação positrônica da base.
— Teetla, a senhora é minha maior esperança — disse o almirante. — O centro de
computação positrônica representa uma arma poderosa, contra a qual os inimigos
praticamente não terão nada a opor. A senhora pode controlar todos os processos vitais,
Teetla. Deixo os detalhes por conta de sua criatividade, mas aproveite as oportunidades
da melhor maneira.
11

Eram condenados.
Os arautos, que em sua tremenda ilusão acreditavam que deviam pegar em armas
para defender a própria vida. A guarnição de Quinto-Center, que era de opinião que tinha
de defender-se de conquistadores sem compaixão. E os débeis mentais, que vagavam
pelos corredores sem fim de Quinto-Center sem saber o que estava acontecendo.
Estavam todos condenados.
A morte passou a ser sua companheira fiel.
— Que coisa horrível — disse o Coronel Tiesch enquanto abria o fecho de seu traje
de combate.
— O calor está cada vez mais insuportável — concordou Stanch, o barnita
trombudo.
— É verdade — disse o Coronel Tiesch e enxugou o suor. — A temperatura já está
em mais de trinta graus centígrados e continua a subir. Mas não foi a isso que me referi.
Estava pensando na situação em que nos encontramos. Nesta galáxia existe uma
percentagem insignificante em meio às massas de débeis mentais. E alguns deles se
encontram e quebram as cabeças uns dos outros por causa de uma diferença de opiniões
sem a maior importância.
Não era somente o calor que começava a tomar-se insuportável na sala de comando
principal para a qual a guarnição de Quinto-Center se tinha retirado. O teor de oxigênio
do ar também baixava rapidamente. Os homens sentiram falta de ar. Somente
Cheborparczet Faynybret parecia ter-se adaptado mais ou menos às novas condições.
Mas seu aluno siganês Mortom Kalcora vivia queixando-se de tonturas. Por isso fechara
o capacete de seu traje de combate voador, tornando-se independente quanto ao
suprimento de ar.
— Está na hora de seguirmos seu exemplo, colocando os trajes pressurizados —
disse Roi Danton quando viu que o número de pessoas que sofriam de falta de ar
aumentava constantemente.
A temperatura no interior da sala de comando já chegara a quarenta graus
centígrados. O teor de oxigênio do ar era cada vez mais reduzido; o sistema de
regeneração deixara de funcionar. O nitrogênio que saía dos pulmões das pessoas já não
era removido. O ar insuflado pelas instalações de ventilação continha uma percentagem
perigosamente elevada de dióxido de carbono.
Depois que alguns dos imunes entraram em colapso sob os efeitos da falta de
oxigênio, o Coronel Tiesch mandou distribuir trajes pressurizados.
— Tudo isto é devido a um erro de programação do centro de computação
positrônica — disse o Coronel Tiesch dali a pouco pelo rádio instalado nos capacetes. —
O Almirante Tai Hun quer sufocar-nos para que sejamos obrigados a sair daqui.
— O centro de comando principal forma um sistema completamente independente
dentro de Quinto-Center — contestou Roi Danton. — Aqui existe tudo de que
precisamos para sobreviver, inclusive alguns computadores positrônicos de bom
desempenho. Não seria possível interromper o contato com o centro de processamento de
dados da base para tornar-nos independentes?
— Em outros tempos isso seria possível, mas na situação em que nos encontramos
infelizmente não é — respondeu o Coronel Tiesch. — Depois que teve início o processo
de deterioração mental houve uma falta de mão-de-obra qualificada que nos obrigou a
fazer uma reprogramação. Esta reprogramação nos tornou dependentes do centro de
computação positrônica da base. Como além disso fomos obrigados a desmontar ou
desligar os complementos de plasma atingidos pela onda de deterioração mental, houve
grandes brechas em nosso sistema positrônico. A subordinação ao centro principal trouxe
muitas vantagens. Quem iria imaginar que isso acabaria sendo nossa desgraça? Enquanto
os arautos do paraíso estiverem em condições de manipular o centro de computação,
estaremos a sua mercê.
Pela primeira vez o professor exialista Persaito entrou no debate. Ele, que estava
acostumado a improvisar nas mais diversas situações, não podia acreditar que não havia
esperança.
— Deve haver um meio de escaparmos ao arbítrio dos arautos do paraíso — disse.
— Possuímos armas, ferramentas e peças sobressalentes em quantidade suficiente. As
reservas de mantimento e oxigênio podem abastecer-nos por muito tempo. Já que não
podemos exercer nenhuma influência sobre o centro de computação positrônica, devemos
ser capazes de instalar um sistema provisório de ventilação.
— Teoricamente isso seria possível — confirmou o Coronel Tiesch. — Mas não
dispomos de gente para o trabalho. Meu pessoal está ocupado compensando
manualmente os erros de comando emitidos pelo centro de computação positrônica. Se
não nos esforçássemos ao máximo para neutralizar as manipulações dos arautos do
paraíso, já estaríamos perdidos. Basta considerar os reatores que fornecem energia. Já
estão sobrecarregados e são aquecidos cada vez mais por causa dos erros de
programação. Se não recorrêssemos constantemente a certos truques para reduzir a
velocidade das reações nucleares talvez já teria havido uma explosão atômica que
destroçaria Quinto-Center. Não podemos dedicar-nos a outros tipos de trabalho.
— Nem pensei em tirar seus homens dos postos que ocupam — esclareceu Persaito.
— Estava pensando nos robôs de que dispomos no interior do centro de comando.
Mesmo que se trate de robôs de combate, deve ser possível... Que foi, coronel?
O Coronel Tiesch ficara pálido. Ele e Roi Danton entreolharam-se e o coronel viu
estampado nos olhos do filho de Perry Rhodan o mesmo temor que o afligia.
— Os robôs de combate podem ser controlados a partir do centro de computação
positrônica — exclamou Roi Danton. — Receio que apesar de tudo tenha de tirar alguns
homens dos postos, coronel. Ceda-me vinte especialistas. Tentarei evitar a desgraça.
O Coronel Tiesch pediu aos homens que se oferecessem como voluntários.
Apresentaram-se mais do que Danton precisava. O filho de Rhodan escolheu vinte
lutadores experimentados e entregou-lhes armas térmicas e desintegradores.
O barnita trombudo Stanch, o CheFe e os dois terranos que o acompanhavam
juntaram-se ao grupo.
Mas antes que pudessem entrar em ação apareceram os primeiros robôs. Eram dez
que de repente entraram no pavilhão gigantesco vindos de todos os lados e abriram fogo
imediatamente. E seu número aumentava cada vez mais.
O ataque veio tão de repente que alguns imunes nem tiveram tempo de proteger-se.
Vários deles consumiram-se nas fogueiras energéticas, juntamente com os consoles à
frente dos quais estavam sentados despreocupadamente.
Outros foram alertados pelos gritos de agonia e de pavor que soaram nos
microfones instalados em seus capacetes. Trataram de proteger-se e puseram as mãos
automaticamente nas armas espalhadas pelo
pavilhão, mas alguns não chegaram ao
destino vivos.
O gigantesco pavilhão transformou-se
num inferno de fogo. Pingos de metal
derretido caíam das paredes de instrumentos,
as energias liberadas queimaram fios e
isoladores e geraram descargas elétricas
mortais.
Dentro de alguns segundos morreram
dez imunes, alguns com os tiros energéticos
disparados pelos robôs, outros por causa das
energias desencadeadas pelas instalações
destruídas. Dez seres inteligentes tinham
perdido a vida antes que tombassem os
primeiros robôs.
Danton abrigara-se atrás de uma
saliência. Segurava um desintegrador pesado
embaixo de cada braço e cobria a frente dos
atacantes com seus raios mortíferos.
O caos era tamanho que nem se podia
pensar numa resistência organizada. Era impossível comunicar-se em meio à confusão de
vozes que soavam nos radiocapacetes. Ordens se perdiam sem serem ouvidas, eram
abafadas por gente praguejando e gritando. Cada um só podia contar consigo mesmo. Era
uma luta impiedosa do homem contra os robôs, uma luta implacável de lado a lado. De
um lado o ser humano defendendo sua preciosa vida, do outro lado as máquinas
impelidas por um só comando programado: matar, matar, matar!
Tornava-se cada vez mais difícil para os robôs identificar os alvos. Toda vez que
seus braços armados se ajustavam num objeto, quando os feixes energéticos mortais e os
raios que dissolviam as moléculas caíam sobre um objeto, eles batiam em campos
defensivos impenetráveis. Antes que as estruturas energéticas pudessem ser
sobrecarregadas e entrassem em colapso, os imunes saíam da linha de tiro.
Depois que passou a maior confusão entre os imunes, Roi Danton e o Coronel
Tiesch conseguiram formar dois grupos. Estes grupos cercaram os robôs e abriram fogo
de todos os lados ao mesmo tempo. O fogo concentrado rompeu os campos defensivos e
desmanchou os robôs um após o outro.
A luta terminou tão de repente como tinha começado. Mas os imunes não puderam
gozar o triunfo. Tinham perdido muitos companheiros.
— Nunca vi seres humanos serem obrigados a sacrificar a vida de uma forma tão
absurda — disse Danton em tom deprimido.
Mal acabara de falar, quando uma voz exaltada se fez ouvir no alto-falante instalado
em seu capacete. Todos ouviram um dos especialistas em rastreamento informar:
— Robôs! São centenas deles vindos de todos os lados para o centro de comando.
Os imunes ficaram apavorados.
O Coronel Tiesch logo se recuperou do choque e começou a dar ordens. Mandou
que todas as escotilhas fossem fechadas e que os campos defensivos energéticos fossem
ativados. Como muitos controles tinham sido destruídos durante a luta, as escotilhas
tiveram de ser fechadas manualmente. Além disso tinha sido destruído um dos cabos
principais do sistema de abastecimento de energia. Por isso foi necessário tirar do
depósito as peças necessárias à criação de campos energéticos tubulares, que garantia o
abastecimento sem fio dos campos defensivos.
Kalcora saiu para cumprir sua missão.
***
Os arautos do paraíso mostraram uma despreocupação que beirava a leviandade. Já
se sentiam como donos de Quinto-Center. A maior parte das posições de artilharia por
eles montadas nos corredores que cercavam o centro de comando estava desguarnecida,
as pessoas tinham-se retirado para as salas de recreação. Ao que parecia confiavam que
os robôs resolveriam o problema.
Quando chegou ao centro de computação positrônica da base, Mortom Kalcora viu
que as escotilhas nem sequer tinham sido protegidas. Mas apesar disso teve de esperar até
que aparecesse alguém que abrisse a escotilha para entrar às escondidas nos recintos em
que ficava o centro de computação.
Kalcora voou para as vigas do teto que ficavam a trinta metros de altura, onde não
podia ser visto, mas estava em condições de observar tudo que acontecia. Além disso
ligou o microfone externo de seu traje de combate para acompanhar eventuais conversas.
— Cheguei ao destino — comunicou ao CheFe, com o qual mantinha contato pelo
rádio. — Esperava que o centro de computação estivesse protegido que nem uma
fortaleza. Mas não está. Aqui só há duas pessoas, dois indivíduos adaptados ao ambiente.
Um deles é a mulher-inseto, que veio a Quinto-Center com o Almirante Tai Hun. O outro
é um humanóide masculino de estatura alta, cuja pele de rosto parece ter sido esticada,
dando a impressão de que pode rasgar-se a qualquer momento.
A resposta do CheFe veio dali a pouco, depois que o Coronel Tiesch tinha fornecido
outras informações sobre a identidade do indivíduo adaptado ao ambiente.
— Seu nome é Dr. Akot Tantritz — disse o cheborparnense. — Faz parte da
guarnição de Quinto-Center e ocupa o posto de Cibernético-Chefe. Provavelmente foi
obrigado pelos arautos do paraíso a trabalhar para eles. Tente estabelecer contato com o
Dr. Akot, Mortom.
— Não estou gostando — murmurou Kalcora. —Não parece que o Dr. Tantritz
esteja sendo pressionado. Deve ter ficado só todo o tempo, sem ser vigiado, pois a
tliagota entrou comigo.
E não há ninguém aqui além deles.
— Não é possível que o Dr. Tantritz colabore espontaneamente com os arautos do
paraíso — disse o chefe. — Tenha cuidado, Mortom.
O alerta não teria sido necessário. Mortom Kalcora já sacara a arma paralisante de
dois metros de comprimento. Não acreditava que não houvesse guardas no local. Se havia
e a gente não os via, então...
O microfone externo transmitiu um ruído quase imperceptível vindo da esquerda.
Mortom virou-se com o paralisador em posição de tiro.
Viu dois indivíduos da mesma espécie a menos de um metro de distância.
Tratava-se de siganeses como ele — mas havia algumas diferenças. Usavam armas
energéticas mortais. Além disso não davam a impressão de que se tratava de débeis
mentais.
— Que surpresa — disse um dos siganeses em tom irônico. — Um companheiro
que veio para fazer-nos companhia. Quer dizer que valeu a pena ficarmos aqui em vez de
nos retirarmos com os outros.
Essa observação levou Kalcora a acreditar que não havia outros guardas no centro
de computação além dos dois que estavam a seu lado. Resolveu ficar calado por
enquanto. Só falaria depois que alguém lhe fizesse uma pergunta.
— Como veio parar aqui? — perguntou o outro. — Por acaso, ou por ordem do
Coronel Tiesch?
O primeiro siganês fez um gesto de desprezo.
— Olhe para ele. Seu olhar estúpido diz tudo — observou em tom de pouco-caso.
— É um débil mental.
Kalcora não se sentiu ofendido. A observação mostrava onde estava sua chance —
devia fazer-se de bobo.
— Vocês... vocês falam tão esquisito — disse gaguejando. — Até parece que
sempre estiveram aqui. Não fugiram do diabo e dos lobos?
— Não temos medo do grande lobo mau.
— Que coisa horrível! — murmurou Kalcora, dando a impressão de que ainda
estava assustado. — Caíram sobre nós e tocaram-nos até a periferia de Quinto-Center.
— Por que voltou?
Kalcora ia inventar uma resposta, quando teve a atenção distraída por um incidente
que ocorreu lá embaixo.
Até então a tliagota e o lancourense conversavam normalmente. A única coisa que
Kalcora compreendeu foi que se tratava de fazer certas programações com as quais o Dr.
Tantritz não concordava. A única resposta que a tliagota teve às suas objeções foi uma
risada estridente. Vivia repetindo que depois de ter-lhe explicado os controles mais
importantes estava completamente indefeso.
— Não assistirei mais a tamanha loucura — gritou o Dr. Tantritz de repente, em
tom exaltado. — A senhora ativou os robôs programados para matar. Já mediu as
consequências?
— É claro que sim — respondeu a tliagota com a voz estridente. — Pensei em tudo.
Todos nós carregamos um minúsculo aparelho de rádio que emite impulsos sem parar.
Estes impulsos podem ser captados pelos robôs e produzem um efeito de não-agressão.
Qualquer pessoa que possua um transmissor destes está livre da ação dos robôs.
— Não acredito numa palavra do que diz — afirmou o Dr. Tantritz. — Só quer
acalmar-me. Se todo mundo possui um transmissor desses, para que serve a ativação dos
robôs? Por que eu não recebi nenhum transmissor?
— Naturalmente eu quis dizer que os arautos do paraíso dispõem desse tipo de
transmissor — disse a tliagota com a voz fria. — O senhor não faz parte da guarnição de
Quinto-Center?
— Quer dizer...?
— Sim. Quer dizer isso mesmo.
— O que está acontecendo lá embaixo? — perguntou Kalcora aos siganeses.
Teve de esforçar-se para dar um tom de indiferença à sua pergunta.
— Você não é capaz de compreender — disse um dos siganeses. — Seria melhor
dar o fora.
Kalcora estava satisfeito. Conseguira enganar os guardas. Só faltava descobrir um
meio de pô-los fora de ação. Ainda não tivera oportunidade para isso.
A discussão dramática entre o Dr. Tantritz e a tliagota estava chegando ao auge.
— Exijo que interrompa imediatamente a marcha dos robôs, senão... — gritou o
lancourense.
— E se eu me recusar? — perguntou a tliagota em tom de deboche.
— Eu a previno — disse o Dr. Tantritz, que se esforçava ao máximo para não
perder o autocontrole. — Não me obrigue a tomar medidas extremas. Não ficarei de
braços cruzados vendo-a arriscar levianamente a vida de mais de duzentos seres
inteligentes.
— O que faria se soubesse que já houve combates entre os imunes e os robôs? —
perguntou a tliagota em tom de desafio.
— Diga que não é verdade!
— Para isso eu teria de mentir.
Sem dar atenção à arma apontada para ele, o Dr. Tantritz virou-se abruptamente,
pôs a mão atrás do console e tentou pegar uma arma térmica. No momento em que
apontava a arma foi atingido no peito pelo raio energético saído da pistola da tliagota.
Apertou o gatilho no mesmo instante.
Mortom Kalcora virou o rosto e viu que os dois guardas siganeses estavam atentos
no que acontecia embaixo deles. Aproveitou a oportunidade para imobilizá-los com duas
rajadas rápidas da arma paralisante. Um deles ficou deitado na viga, mas o outro perdeu o
apoio e caiu. Kalcora saiu voando e ainda conseguiu pegá-lo antes que batesse no chão.
Depois de livrar-se da carga, Kalcora voou para junto da tliagota e do Dr. Tantritz.
A mulher-inseto estava morta, mas o lancourense ainda vivia. Apresentava uma ferida
perigosa no peito, mas se tivesse cuidados médicos, sem demora, ainda poderia ser salvo.
— Ainda não vou morrer — garantiu o cibernético-chefe de Quinto-Center, com a
voz fraca. — Primeiro temos de interromper a marcha dos robôs.
O Dr. Tantritz interrompeu-se. Um som gutural passou pelos seus lábios quando viu
que o elemento de entrada por meio do qual os robôs podiam ser reprogramados fora
destruído por tiros energéticos disparados durante a luta.
— Só existe um meio de evitar a desgraça — disse o Dr. Tantritz enquanto fitava o
siganês.
— Diga logo qual é — insistiu Kalcora, que ligara o alto-falante externo no volume
máximo para ser ouvido.
— Só existe uma possibilidade... Alguém do seu tamanho teria de entrar nos
computadores positrônicos e apagar a programação, mexendo diretamente nos bancos de
dados.
***
Os robôs estavam marchando.
Saíam de todos os depósitos, das espaçonaves estacionadas nos hangares, das
oficinas.
Marchavam em direção ao centro de comando. Suas instruções eram bem claras.
Deviam conquistar o centro de comando e combater os inimigos. Um robô de combate
pensava, seguia as instruções recebidas cm forma de impulsos de rádio. Tinham sido
programados para conquistar o centro de comando. O meio de fazerem isso não fora
previamente determinado. Por isso destruíam e matavam qualquer coisa que entrava em
seu caminho.
Só conheciam uma forma de inibição. Se recebessem impulsos de rádio em certa
frequência, ficariam incapacitados de “agir”. Em outras palavras, o impulso de rádio
paralisava a parte de sua programação que, quando avistava um objeto transmitia ordem
de atirar aos braços armados. O bloqueio permanecia enquanto o robô ficasse ao alcance
do transmissor. Depois disso o efeito de não-agressão era anulado.
Toda vez que um robô se defrontava com um arauto do paraíso ele recebia estes
impulsos e o bloqueio era criado. O robô não estava em condições de usar suas armas
mortíferas.
Fora disso não havia nenhuma restrição à ação dos robôs.
Marchavam e destruíam.
Os primeiros alcançaram o centro de comando principal.
Abriram fogo contra o campo defensivo. Vinte, trinta robôs apontaram as armas
para um mesmo ponto, aumentando o efeito dos raios energéticos. Se o centro de
comando fosse protegido por um campo paratron, os robôs não poderiam causar nenhum
estrago. Mas as usinas nucleares sobrecarregadas não estavam em condições de fornecer
energia que bastasse para alimentar um campo hiperenergético. Por causa de um erro de
programação do centro de computação positrônica grande parte da energia gerada pelas
38 usinas nucleares era desviada para os canhões térmicos, desintegradores e canhões
vibratórios, que a lançavam sobre a superfície de Quinto-Center ou para o espaço.
Este desperdício de energia produziu o superaquecimento dos reatores, cuja
temperatura subiu até o limite da tolerância. Desta forma os defensores de Quinto-Center
não tiveram energia para a ativação de um campo defensivo mais eficiente.
O campo defensivo entrou em colapso. Os robôs continuaram sua marcha, abrindo
caminho a tiros energéticos através das escotilhas de aço terconite.
Cerca de duzentos imunes resignaram-se com a ideia de que iam morrer. Era um
quadro fantástico. Milhares de máquinas de guerra interromperam seus movimentos de
repente, os feixes energéticos saídos de seus braços armados cessaram abruptamente.
Acontecera um milagre — um milagre realizado por um siganês de 10,03
centímetros de altura. Pelo siganês Mortom Kalcora, um dos débeis mentais da Galáxia,
que, impelido por uma vontade inquebrantável, aprendera a lidar com aparelhos
complicados. O homem minúsculo de Siga tinha entrado no conjunto de computadores
centrais e mexendo em alguns controles fizera parar o gigantesco exército de robôs.
Cerca de duzentos imunes respiraram aliviados.
Os robôs voltaram a movimentar-se. Só que desta vez não atacaram o centro de
comando, mas espalharam-se em todas as direções. Graças a uma reprogramação
realizada por Mortom Kalcora, já não podiam pôr em perigo a vida de nenhum ser.
Mas os arautos do paraíso não sabiam disso. E não sabiam que os robôs passaram a
reagir aos impulsos de rádio que antes impediam seus movimentos.
12

Os arautos do paraíso imaginaram que seu mundo seria assim:


Uma praia larga com um bosque de palmeiras perto dela, um lago de águas límpidas
e frescas, lagunas, uma vegetação exuberante, árvores e arbustos com flores coloridas e
frutos saborosos. Já tinham tudo isso — só que o jardim dos sonhos ficava dentro de
Quinto-Center. Foi a única coisa que os incomodou no idílio. Quanto ao mais os arautos
do paraíso estavam satisfeitos com a paisagem.
Mas queriam encontrar o planeta com que sonhavam — e todos os imunes viriam
pedir asilo.
De repente apareceram robôs e arrancaram-nos do sonho. Cinquenta imunes
pertencentes aos mais diversos povos, que há pouco estavam fazendo planos para o
futuro, defrontaram-se com um exército de robôs de combate. Eram os mesmos robôs que
tinham mandado lutar com a guarnição de Quinto-Center.
O quadro, que fora tão pacato, mudou de repente. Os arautos do paraíso juntaram
seus pertences, pegaram em armas, atiraram, gritaram, praguejaram — mas foram
obrigados a bater em retirada diante da superioridade de forças das máquinas de guerra.
Muitos robôs desmancharam-se no fogo saído das armas dos arautos do paraíso e
nenhuma das máquinas deu um único tiro, mas os arautos do paraíso foram obrigados a
recuar.
Os robôs só deixaram aberto um caminho pelo qual podiam fugir. Este caminho
levava diretamente a um gigantesco pavilhão vazio, do qual não podiam sair...
Gorz Yalinor, o ertrusiano incumbido pelo Almirante Cadro Tai Hun de quebrar a
resistência dos imunes de Quinto-Center, não quis acreditar no que seus olhos viam.
Robôs de combate vieram pelo corredor. Marchavam exatamente em sua direção.
Gorz Yalinor foi para o videofone mais próximo e entrou em contato com o
almirante. Mas este também não sabia o que tinha acontecido tão de repente com os
robôs.
Enquanto isso os arautos do paraíso ertrusiano não tiveram alternativa; foi obrigado
a bater em retirada. Não deixaram de defender-se, mas sua resistência foi inútil diante da
superioridade dos robôs. Destruíram dezenas de máquinas de combate — mas acabaram
no gigantesco depósito vazio onde já estavam cinquenta arautos do paraíso...
Vulgajoche uivou. Ele e seus companheiros tiveram de abandonar seus postos à
frente dos alojamentos dos débeis mentais para não serem atropelados pelos robôs. Os
vulposenses atiraram com todas as armas que tinham, mas não conseguiram deter o
avanço dos robôs.
— Vamos separar-nos! — decidiu Vulgajoche.
Mas de repente o caminho de retirada também lhe foi cortado. Atrás dele alguns
débeis mentais empurravam um desintegrador pesado suspenso numa plataforma
antigravitacional.
Eram débeis mentais de primeiro grau que se tinham reunido para resistir aos
terroristas.
— Rendam-se! — gritaram para os vulposenses. — Joguem fora as armas!
— Seria uma forma de suicidar-nos se nos entregássemos aos débeis mentais —
rosnou Vulgajoche. — Um lobo prefere a morte à escravidão.
Foi a última citação que saiu da boca de Vulgajoche. Os seis gigantes vulposenses
correram em direção aos débeis mentais, mas estes perderam o controle dos nervos e
atiraram...
O Almirante Tai Hun ainda se recusava a acreditar na derrota. Mesmo depois que
chegavam de todos os setores de Quinto-Center informações de que seu pessoal se
retirava, ele continuou otimista.
— Eles vão ver uma coisa! — prometeu e tentou estabelecer contato com o centro
de computação positrônica. A ligação foi completada, mas quem apareceu na tela do
videofone não foi a tliagota, mas um lancourense.
O homem alto e esbelto adaptado ao ambiente sangrava de uma ferida no peito.
Parecia mais próximo à morte que à vida, mas conseguiu exibir um sorriso irônico.
— Ora veja! — disse o Dr. Akot Tantritz com a língua pesada. — O Almirante Tai
Hun. Também despachei... um... um comando de robôs... para a sala de rádio...
Mal acabou de falar, caiu morto.
Dali a pouco um epsalense pertencente ao grupo dos arautos do paraíso fez contato
pelo videofone.
— Podemos fazer o que quisermos, podemos esconder-nos, os robôs acabam nos
descobrindo — informou fungando. — Até parece uma bruxaria. Mal destruímos um
grupo, aparecem outros que continuam a tanger-nos à sua frente. Parece que todos os
robôs de Quinto-Center conspiram contra nós.
O Almirante Tai Hun sabia que era isso mesmo. Mas ainda não queria aceitar a
derrota.
— Quinto-Center continua em nosso poder — afirmou.
— Talvez — respondeu o epsalense laconicamente, com uma expressão de angústia
nos olhos. — Mas não podemos desfrutar a vitória. Não posso dizer mais nada. Preciso
sair daqui...
O epsalense saiu do alcance da câmera de videofone. Dali a pouco as sombras dos
robôs de combate que estavam atrás dele atravessaram a tela de imagem.
— Robôs! — O grito ressoou pela sala de rádio.
E os robôs apareceram.
— Ninguém sai do lugar! — ordenou o almirante com a voz se atropelando. —
Entrem em posição. Preparem as armas. Fogo!
Os primeiros robôs de combate desmancharam-se em fogo. Mas antes que a
primeira onda de ataque fosse destruída apareceu a segunda. Era cada vez maior o
número de robôs entrando na sala. Os arautos do paraíso foram obrigados a recuar.
— Fogo! — berrou o Almirante Tai Hun e destruiu dois robôs. Mas não havia mais
ninguém para obedecer às suas ordens.
Finalmente ele também teve de fugir. Conseguiu levar seu pessoal a reagrupar-se
em um dos corredores principais. Mas antes que tomassem posição, a esteira rolante
começou a movimentar-se.
— Desçam! — gritou o almirante, mas seus subordinados não puderam cumprir a
ordem.
Robôs de combate apareceram em ambos os lados do corredor, bloqueando os
corredores laterais.
O Almirante Tai Hun resolveu tentar a sorte; queria dar um bom exemplo aos
subordinados. Mas mal acabara de saltar da esteira e destruir dois robôs, levou um soco
violento que o atirou para trás.
— Acabou o sonho do paraíso — murmurou um dos seus subordinados.
O almirante teve a resposta na ponta da língua, mas não chegou a dizer nada. De
repente deu-se conta de que perdera o jogo. Resignou-se. Não resistiu mais quando a
esteira rolante parou e ele e seus subordinados foram tangidos pelos robôs para dentro de
um depósito vazio.
Os outros arautos do paraíso já estavam lá. Depois que estavam todos reunidos, um
mecanismo oculto entrou em funcionamento — e dali a pouco os arautos do paraíso
foram cercados por um campo paratron impenetrável.
Ficaram presos vinte e quatro horas antes que aparecessem seus adversários.
O Almirante Cadro Tai Hun teve tempo de sobra para refletir sobre os
acontecimentos. E aproveitou a oportunidade.
Aos poucos sua mente foi clareando. Não somente ele, mas também seus
subordinados tiveram plena consciência do que tinham feito.
— Como podia ter havido um banho de sangue como este entre criaturas
civilizadas! — exclamou alguém.
— E olhe que ninguém desejava que isso acontecesse — disse outro.
— Não existe nenhuma explicação. Não me conformo. Matamos!
Sim, eles tinham matado — e tinham sido mortos. O Almirante Cadro Tai Hun
tinha 36 mortos para lamentar. Era horrível que as poucas criaturas inteligentes sobre
cujos ombros pesava a responsabilidade por uma galáxia se eliminassem uns aos outros.
O Almirante Tai Hun reconheceu seus erros. Desejara demais. Ainda acreditava na
ideia de reunir alguns seres inteligentes selecionados em um só mundo e criar uma nova
civilização. Quando houvesse uma chance, levaria avante o plano. Era uma boa ideia —
seu erro fora querer impô-la aos outros.
E isso era impossível. Mesmo que na situação atual todos os povos da Galáxia
estivessem dispostos a colaborar, eles não poderiam ser enquadrados num esquema
rígido. A coexistência pacífica era possível, mas não se podia forçar a união de todos os
imunes.
O Almirante Tai Hun deu-se conta de tudo isso nas vinte e quatro horas que lhe
deram para pensar.
***
O campo paratron desapareceu.
Os arautos do paraíso entraram em posição; já se tinham desfeito das armas. Os
especialistas de Quinto-Center, com Roi Danton, o Coronel Korstan Tiesch e
Cheborparczete Faynybret com o siganês Mortom Kalcora na frente, colocaram-se diante
deles. Também não estavam armados. Diante dessa prova de confiança todos tiveram de
repente a impressão de que a luta impiedosa que tinham travado fora apenas um pesadelo.
O Almirante Tai Hun perfilou-se. Havia sombras profundas embaixo de seus olhos.
Fez continência e disse com a voz firme:
— Estou à sua inteira disposição, coronel.
O Coronel Tiesch também se adiantara. Ficou parado a dez metros do almirante.
A expressão de seu rosto quase chegava a ser melancólica.
— Obrigado, almirante — disse num tom de voz surpreendentemente baixo para um
ertrusiano. — Aprecio muito sua conduta errada, mas não posso aceitar sua oferta. Nem
eu, nem qualquer um de nós ficaria satisfeito se o chamássemos à responsabilidade. Seu
castigo consistirá em ter de viver a lembrança destes acontecimentos horríveis. Não posso
reabilitá-lo nem condená-lo. Ninguém pode, pois de certa forma somos todos
responsáveis pela morte de cinquenta criaturas. Por isso, Almirante Tai Hun, chegamos à
conclusão de que não devemos julgar o senhor e seus subordinados.
O Almirante Tai Hun levou muito tempo para responder. Finalmente disse:
— Não tenho palavras para exprimir minha tristeza pelos terríveis incidentes. Mas
nem por isso posso dizer que o senhor me tenha convencido a mudar de opinião. Ainda
não acredito que a civilização pode ser salva. Pelo contrário. Mantenho a opinião de que
seria melhor os imunes construírem um novo mundo em vez de desperdiçar suas forças
em tentativas de salvar os débeis mentais.
Foi a vez de Roi Danton adiantar-se.
— O senhor ainda terá oportunidade de pôr em prática suas ideias — disse. —
Concedemos ao senhor e a seus companheiros a Zamorra Thety e a liberdade. Usem-na
como quiserem.
O Almirante Cadro Tai Hun ficou surpreso com a notícia.
— Tem certeza absoluta de que não querem castigar-nos? — perguntou.
— Houve muitas mortes — respondeu Danton. — Se tivesse certeza de que pudesse
fazer as pessoas voltarem à vida tentando encontrar os culpados e punindo-os, eu o faria
sem a menor contemplação. É bem verdade que o número de culpados talvez seria maior
que o dos mortos. Mas do jeito que estão as coisas, almirante... Não. Não encontramos
melhor solução que a indicada. O senhor e seus companheiros estão livres para ir embora.
— Obrigado — disse o Almirante Tai Hun e acrescentou em tom dramático: —
Tentaremos encontrar pessoas que pensam como nós e passaremos a viver num mundo
que se preste aos nossos objetivos. É possível que um dia voltemos para oferecer nossa
ajuda aos povos da galáxia.
Roi Danton retirou-se.
Stanch, o barnita trombudo, que ele resgatara numa nave à deriva quando voltava
para Quinto-Center, foi para perto dele.
— Fico triste ao vê-lo tão deprimido — disse. Se existe alguma coisa capaz de
erguer seu ânimo, avise. Eu o farei.
Danton riu amargurado.
— Está bem, Stanch. Faça os homens se compreenderem uns aos outros. Seria um
bom começo.
— Se não estou enganado, o senhor quer transformar os homens em robôs — disse
o barnita trombudo. — Só assim poderá ser cumprido esse sonho.
— Talvez não, Stanch — respondeu Danton em tom distraído.
O barnita trombudo fitou-o atentamente.
— O senhor tem esperança, mas não consegue livrar-se das dúvidas que o
atormentam. Acha que o perigo que ameaça todos os povos da galáxia deveria fundir-nos
numa unidade. Mas aí o senhor se lembra dos acontecimentos mais recentes e começa a
duvidar. Sei como é; já passei por isso. Mas já não penso assim. Afasto os quadros
desagradáveis e amplio minha visão. E o que vejo? Seres das mais diversas espécies que
já foram os maiores inimigos vivendo em harmonia. As divergências que deram origem
aos acontecimentos de Quinto-Center não surgiram porque povos diferentes entraram em
contato, mas porque opiniões diferentes entraram em choque dentro de uma comunidade.
O fato de o conflito ter assumido estas proporções é devido ao acaso. Não devemos
encobrir os fatos, mas havemos de reconhecer que é a primeira vez que os povos da
Galáxia formam uma união tão perfeita.
— Caramba! O senhor reúne as qualidades de filósofo, psicólogo e psicoterapeuta
— espantou-se Danton. Pelo menos levantou meu moral.
Stanch sacudiu a cabeça, fungou tristemente e disse:
— Nada disso. Não passo de um barnita trombudo, cuja tromba tem de ser
escovada. Ainda bem que em Quinto-Center existem instalações que permitem isto. É
este o motivo por que simpatizo tanto com o lugar. Qualquer pessoa que apareça aqui,
por mais estranhas que sejam suas condições de vida, encontrará o que precisa. Quinto-
Center é uma obra construída para o futuro. Isto deveria ser considerado no plano geral
de reconstrução da civilização.
— Quinto-Center terá a importância que merece. É por isto que estou aqui.
26 de outubro de 3.441.
— Faz somente três dias que a Zamorra Thety partiu e a paz e ordem em Quinto-
Center já foram restabelecidas. Cumpri minha missão e voltarei à Terra. Conseguimos
fazer do quartel-general da USO uma base segura para as operações de resgate, mas
apesar disso não posso compartilhar o otimismo dos outros. É bem verdade que Quinto-
Center deixou de ser o lugar dos condenados. Mas será que esse êxito parcial muda
alguma coisa na situação geral da galáxia? Fico horrorizado quando penso no dia em que
o Enxame mostrar tudo que tem de pavoroso. Quando me despedi de Stanch, meu amigo
barnita, ele disse: “Roi, mesmo que eu tivesse a possibilidade de descobrir tudo a
respeito da estrutura interna do Enxame, eu não a usaria. É que tenho medo de que
perderia a alegria de viver.”

***
**
*

Depois dos acontecimentos de Quinto-Center, o


cenário muda de novo. A ação passa a desenvolver-se
em torno da Terra e do centro comercial Olimpo. Três
ditadores querem levar avante um plano diabólico — e
O Mensageiro Espacial é incumbido de estragar esse
plano...
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Rhodan: O Mensageiro Espacial.

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