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O LUGAR DOS
CONDENADOS
Autor
ERNST VLCEK
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Os calendários do planeta Terra registram os meados
do mês de outubro do ano 3.441. Mais de dez meses se
passaram desde o dia 29 de novembro de 3.440, em que a
catástrofe atingiu todos os seres inteligentes da Galáxia.
A fome e o caos continuam a reinar em quase todos os
planetas e bases planetárias, e pedidos de socorro ainda
chegam do cosmos. E os poucos seres humanos pertencentes
ao Império Solar e membros de outros povos cósmicos que
não foram afetados pelos raios de deterioração mental
continuam a fazer esforços sobre-humanos para combater o
caos e suprir as necessidades das massas de concidadãos que
se transformaram em débeis mentais.
Perry Rhodan e seus sessenta companheiros, entre os
quais estão Atlan, Gucky e muitos velhos conhecidos,
assumiram uma tarefa ainda mais difícil. Contando com o
apoio da nave-capitânia de Reginald Bell, a Intersolar, o
Administrador-Geral tenta fazer pesquisas a respeito do
misterioso Enxame, que continua a penetrar na Galáxia, e
cujos dirigentes não menos misteriosos são responsáveis pela
modificação da constante gravitacional e o retardamento
mental de âmbito galáctico causado por ela.
Enquanto Perry Rhodan e sua nave, a Good Hope II, um
pequeno cruzador espacial com equipamentos especiais, se
encontram de novo perto do Enxame, prosseguindo na caça
de informações, o voo dramático da Gatos Bay prossegue.
Cheborparczete Faynybret, o homem de nome
impronunciável, aproxima-se de Quinto-Center. Por
enquanto nem desconfia de que o quartel-general da USO se
transformou no Lugar dos Condenados...
— Posso imaginar por que ele quer Quinto-Center — trovejou o Coronel Korstan
Tiesch e amassou o telegrama que lhe fora entregue pelo setor de rádio. — Se o almirante
quiser estabelecer-se em Quinto-Center terá de usar a força.
— Talvez a avaliação que o senhor faz do Almirante Tai Hun não esteja certa —
disse seu interlocutor, um jovem alto e robusto de pele morena e cabelos louro-claros.
Tinha uma voz grave. Mas por maior que fosse, por mais potente que fosse sua voz — ao
lado do Coronel Tiesch ele se apagava ótica e acusticamente. O comandante de Quinto-
Center era um ertrusiano de 2,45 metros de altura e 2,10 metros de largura. Quando
levantava a voz, fazia tremer as paredes.
— Talvez o Almirante Tai Hun nem tenha a intenção de usar a força — prosseguiu
o outro, cujo nome era Persaito e que era natural da colônia arcônida de Umtar. Persaito
dirigia os cursos de mentalmente deteriorados em Quinto-Center. — O senhor deveria
sentar à mesa de negociações com ele e ouvir suas propostas. Sou de opinião que o que
ele tem a dizer nem chega a ser uma tolice tão grande.
— Ainda bem que nisso não dependo de sua opinião — retrucou o Coronel Tiesch
em tom violento. — O senhor deveria preocupar-se com seus problemas.
— O senhor tem toda razão — reconheceu Persaito. — Não tenho nada com isso.
O Coronel Tiesch virou abruptamente a cabeça. Até parecia que a crista de cabelos
cor de areia em forma de foice inchara de tão aborrecido que estava. A pele marrom-
vermelha reforçava esta impressão. Mas as aparências enganavam. O ertrusiano estava
calmo e equilibrado. Só que naquele momento preferiria ficar só para refletir.
De fato, podia imaginar que o Almirante Cadro Tai Hun acalentava a ideia de
assumir o comando de Quinto-Center. Afinal, o quartel-general da USO era uma
fortaleza inexpugnável, de onde se podia exercer uma influência forte sobre os
acontecimentos na Galáxia. O Coronel Korstan Tiesch tinha certeza de que em tudo que
fazia o Almirante da USO Cadro Tai Hun só tinha uma coisa em mente: o poder.
Controlando o quartel-general da USO, poderia saciar a sede do poder.
Quinto-Center era isto:
Uma antiga lua com 62 quilômetros de diâmetro, capturada por naves de grande
porte que usaram raios de tração, e colocada numa posição estratégica importante. Depois
disso foram usados raios térmicos e desintegradores para escavar a pequena lua até que só
restou uma crosta de rocha de seis quilômetros de espessura. Esta crosta foi reforçada por
meio de vigas de aço terconite, para alcançar a necessária estabilidade estática. Depois
disso o espaço oco com cinquenta quilômetros de diâmetro foi sistematicamente dividido.
O coração do centro de controle principal de Quinto-Center ficava exatamente no
centro geométrico da antiga lua. Era esférico, tinha oitocentos metros de diâmetro e
consistia numa parede de aço terconite de cinco metros de espessura. Em torno dele
tinham sido construídas 38 usinas atômicas, que cercavam a esfera do centro de controle
principal e também estavam dispostas em forma de esfera. Depois dessas instalações
vitais vinha um grande transmissor, que ainda ficava no setor de segurança central e se
necessário podia ser abastecido de energia pelas 38 usinas atômicas.
Na superfície deserta da lua que fora deixada nas condições naturais tinham sido
construídas 3.430 torres blindadas recolhíveis, cada uma guarnecida com três canhões
conversores acoplados. Cada um desses 10.290 canhões conversores possuía uma
capacidade de irradiação equivalente a mil gigatons de TNT. Além dessas torres de
canhões triplos havia duas mil torres quádruplas, também recolhíveis, equipadas com
canhões térmicos, desintegradores e canhões vibratórios.
Era um armamento formidável, que fazia de Quinto-Center a fortaleza mais
poderosa da parte conhecida da Galáxia.
— Não é de admirar que o Almirante Tai Hun faça tudo para tomar posse de tudo
isto — pensou o Coronel Tiesch.
Mas além de ser uma fortaleza inexpugnável, Quinto-Center podia resistir ao sítio
mais prolongado. As reservas de mantimentos eram suficientes para alimentar a
guarnição de oito mil pessoas por vários séculos, e as provisões de energia e oxigênio
davam para muito mais tempo.
Parecia mesmo que Quinto-Center era um lugar sem problemas. Nos quinhentos
conveses principais de cem metros de altura havia depósitos de tudo quanto era material,
arsenais muito bem providos, depósitos de peças sobressalentes, dois grandes estaleiros
supermodernos, hangares de todos os tamanhos, alojamentos para seres humanos,
indivíduos adaptados a um ambiente diferente e todos os seres extraterrestres conhecidos,
estádios, salas de hobby, locais de treinamento e inúmeras possibilidades de dedicar-se
aos mais variados prazeres. Naturalmente também havia laboratório e salas de trabalho
para todas as especialidades científicas e técnicas. Todas essas instalações estavam
interligadas por centenas de elevadores normais e antigravitacionais, escadas rolantes
para serem usadas nas situações de emergência e esteiras rolantes.
A concepção técnica e organizacional de Quinto-Center era perfeita, não faltava
nada, não havia problemas.
Mas isto só se aplicava nos tempos normais. Depois que a onda de deterioração
mental atingiu a Galáxia, tiveram de ser aplicados outros padrões. A ideia de que todos os
especialistas da USO eram mentalmente estabilizados não era verdadeira. Mentalmente
estabilizados e imunes contra a deterioração mental eram quase exclusivamente aqueles
especialistas que faziam serviços externos ou ocupavam posições especiais. No momento
havia 223 desses imunes em Quinto-Center, incluído o Coronel Tiesch. E eles se
defrontavam com perto de oito mil débeis mentais.
Uma pessoa que não estava na mesma situação não era capaz de imaginar os
problemas que isso trazia. Mas apesar disso o Coronel Tiesch tentara resolver o
problema, com a ajuda do umtarense Persaito. Tentavam realizar cursos para incutir os
conhecimentos perdidos nos mentalmente deteriorados em doses homeopáticas,
aproximando-os aos poucos ao QI que possuíam antes. Mas estavam apenas no começo
— e em meio a esta situação estourou a manifestação do Almirante Cadro Tai Hun, com
seus desejos e planos perigosos.
O pior era que o Almirante Tai Hun não estava só. Em sua nave, a Zamorra Thety,
havia 147 seres ao todo — imunes, sem exceção! Fazia sete dias que sitiavam Quinto-
Center.
O Coronel Tiesch sobressaltou-se quando a voz de Persaito Interrompeu seus
pensamentos.
— Acho que é melhor eu me retirar — disse o umtarense. — Imagino que para o
senhor o destino de oito mil débeis mentais não é tão importante.
— Não me deixe ainda mais nervoso com suas indiretas — indignou-se o Coronel
Tiesch. Mas logo recuperou o autocontrole. — Mais tarde conversaremos, Persaito —
acrescentou em voz baixa.
O umtarense mal acabara de sair, quando o intercomunicador deu o sinal de
chamada. Era o chefe do setor de rádio.
— É por causa do Almirante Tai Hun? — perguntou o comandante de Quinto-
Center.
O tenente hesitou.
— Não tenho certeza. Pode ser um pedido de socorro ou uma armadilha.
***
O oficial do setor de rádio informou o Coronel Tiesch a respeito da chegada da
Gatos Bay que, segundo se alegava, trazia a bordo o que restava da guarnição da Central
Estelar Blue-Sul .
— Essa gente vive nos bombardeando com mensagens exigindo permissão de
pousar — prosseguiu o tenente. — Sua porta-voz é uma plofosense chamada Aidala
Montehue.
— Mandou verificar os dados dessas pessoas? — perguntou o Coronel Tiesch.
— Ainda não — confessou o tenente. — Achei que o senhor devia ser informado
primeiro.
— Cuidarei do caso — disse o ertrusiano. — Se a moça voltar a chamar, diga-lhe
que entrarei em contato com ela.
O Coronel Tiesch desligou e digitou o número do setor em que estavam guardados
os bancos de dados e o centro de computação positrônica. Demorou alguns minutos até
que o Cibernético-Chefe Dr. Akot Tantritz atendesse ao chamado.
O Dr. Tantritz assumira as funções de chefe dos robôs e do centro de controle
positrônico depois que a onda de deterioração mental transformou o cibernético-chefe
anterior num débil mental. Tantritz era um indivíduo adaptado a um novo ambiente
natural de Harlancour, o mundo dos extremos. Era especializado em matemática
geofísica. Essa disciplina só existia no planeta Harlancour, onde as condições geofísicas
mudavam constantemente por causa da influência gravitacional de quatro sóis. Os
indivíduos adaptados ao ambiente de Harlancour, conhecidos como lancourenses, eram
capazes de adaptar-se perfeitamente às mudanças extremas de seu mundo. Como a
influência que os quatro sóis exerciam no planeta não seguia um ritmo regular, era
necessário fazer cálculos constantemente, para formular prognósticos que permitissem às
pessoas preparar-se para as mudanças.
Em seu mundo o Dr. Akot Tantritz fora uma espécie de meteorólogo. Usava o título
científico de geofimático. Sua especialidade não tinha muito que ver com a cibernética e
as áreas correlatas, mas ele se adaptara muito bem ao seu novo trabalho.
Nas condições gravitacionais reinantes em Quinto-Center, onde a força da
gravidade era de um gravo, o Dr. Akot era um homem alto e esbelto, mas à medida que
aumentava a gravidade podia fazer encolher seu corpo a ponto de não ter mais de um
metro de altura. Esta capacidade era devida aos chamados ossos telescópicos que
formavam seu esqueleto e se encolhiam ou estendiam segundo a gravidade, regulando
sua altura.
A pele do rosto do Dr. Tantritz estava distendida por causa do alongamento dos
ossos telescópicos, formando uma superfície lisa e sem rugas sobre os maxilares, o nariz
grosso e o queixo saliente. Os dois olhos estavam quase completamente escondidos sob
as pálpebras da córnea.
— Gostaria que retirasse alguns dados dos bancos — principiou o Coronel Tiesch.
— Trata-se de uma base da Segurança Solar conhecida como a Central Estelar Blue-Sul.
Quero os nomes dos membros da guarnição que esteve lá por último e outros detalhes a
respeito da base e do mundo em que ficava. Tenho pressa, Dr. Tantritz.
Enquanto fazia anotações, o lancourense disse:
— Tomara que possa ajudar, Senhor. Como sabe, fomos obrigados a retirar ou
desligar os complementos de plasma atingidos pela onda de deterioração mental. É
verdade que o conjunto positrônico central voltou a funcionar razoavelmente, mas somos
obrigados a dar uma volta para alcançar os bancos de dados que são bloqueados pelos
complementos plasmáticos desativados. Talvez demore um pouco a conseguir as
informações desejadas.
— Faça o que estiver ao seu alcance — pediu o Coronel Tiesch.
Mal acabou de digitar, a sala de rádio chamou.
— Desta vez é o Almirante Cadro Tai Hun que quer falar pessoalmente com o
senhor — informou o oficial.
— Não tem outra coisa a fazer senão esperar as mensagens desse renegado? —
berrou o Coronel Tiesch.
— Tenho, sim — justificou-se o tenente perplexo. — Recebemos constantemente
pedidos de socorro de todas as partes da Galáxia, mantemos contatos com a Intersolar, a
Good Hope II e com a Terra...
— Está bem — interrompeu o Coronel Tiesch. — Transfira a ligação com o
Almirante para a tela principal da sala de comando.
O coronel entesou o corpo, ajeitou o uniforme e saiu do gabinete.
***
No pavilhão gigantesco onde em outros tempos trabalhavam mais de cem técnicos
das mais diversas especialidades só havia vinte pessoas cuidando dos setores mais
importantes e coordenando os processos nas estações externas.
O Coronel Tiesch plantou-se à frente da gigantesca tela principal, que ficava no
centro da galeria panorâmica e fez um sinal para o oficial de rádio, mostrando que estava
preparado.
A tela iluminou-se e nela apareceu um homem baixo com as insígnias de almirante.
Era um terrano de rosto mongolóide e trazia o cabelo negro muito curto. Irradiava força,
vitalidade e decisão.
— Não seria necessário assumir essa pose — principiou o almirante. Sua fala era
rápida e entrecortada. — Não estou disposto a entreter uma conversa prolongada com o
senhor. Já está na hora de ser feita alguma coisa. Temos de criar padrões a serem
observados daqui em diante. Andei brigando sete dias com o senhor e não deu em nada.
Isto vai mudar.
— O senhor me surpreende, almirante — disse o Coronel Tiesch. — Reprova uma
conversa prolongada, mas por enquanto não fez outra coisa senão conversar. Estou
curioso para ver se vai continuar assim.
— Tomei uma decisão — respondeu o Almirante Tai Hun. — Vou agir.
Infelizmente o senhor não me deixa nenhuma alternativa. Serei obrigado a adotar
medidas drásticas. Ouça meu ultimato. Se dentro de dez horas não abrir uma faixa de
entrada para a Zamorra Thety, abriremos caminho a tiros para entrar em Quinto-Center.
Estou falando sério, coronel.
O Coronel Tiesch ficou sem saber o que dizer por alguns segundos. De repente
soltou uma gargalhada tão forte que os vinte homens e mulheres que trabalhavam na sala
de comando foram obrigados a tapar os ouvidos. O rosto do Almirante Tai Hun também
se contraiu numa expressão de dor.
— O senhor está brincando, almirante — disse o coronel finalmente. — Não venha
me dizer que acha que com um couraçado de oitocentos metros pode romper as defesas
de Quinto-Center.
O Almirante Tai Hun exibiu um sorriso cínico.
— O senhor estaria mesmo disposto a acabar com a vida de 147 imunes? Pense em
meu ultimato. Eu lhe dou dez horas, coronel.
A tela escureceu.
O Coronel Tiesch não saiu do lugar. Olhava fixamente para a frente enquanto
refletia sobre as palavras do almirante. Talvez fosse apenas um blefe. Mas se não era, o
Coronel Tiesch enfrentava um dilema difícil.
O Coronel Tiesch ainda estava parado, absorto em pensamentos, quando o
cibernético-chefe forneceu os dados a respeito da Central Estelar Blue-Sul. Depois de ter
as informações, o comandante supremo de Quinto-Center pediu uma ligação com a Gatos
Bay.
***
O Coronel Tiesch passou a usar um videofone comum e espalhou os dados de
maneira a não poderem ser vistos por sua interlocutora. Da mesma forma que fora feito
nos contatos com o oficial de rádio, também desta vez a plofosense exerceu as funções de
porta-voz da tripulação da Gatos Bay.
— Seu nome é Aidala Montehue — disse o Coronel Tiesch, dando início ao
interrogatório. — A senhora atua em alguma área científica específica?
— Sou médica — respondeu Aidala e acrescentou: — Sou especializada em
cirurgia de transplantes.
— Não acha estranho uma médica comandar uma base da Segurança Solar? —
espantou-se o Coronel Tiesch.
— Eu não afirmei isso — respondeu Aidala. — O comandante da Central Estelar
Blue-Sul é Cheborparczete Faynybret e pertence ao povo dos cheborparnenses.
Costumamos chamá-lo de CheFe.
— A senhora se refere ao seu chefe como se ele ainda estivesse vivo — disse o
Coronel Tiesch. — Ele não poderia falar pessoalmente? Será que se transformou num
débil mental?
Aidala percebeu a armadilha e sorriu ironicamente.
— Num débil mental? Ele que é um mentalmente estabilizado? Não. O CheFe está
em perfeitas condições psíquicas. Acontece... bem, acontece que é um cheborparnense.
Sabe como é um cheborparnense?
O Coronel Tiesch examinou os dados que tinha à sua frente.
— Os cheborparnenses descendem de animais de casco. E daí...?
— O CheFe já fez experiências desagradáveis nos contatos com humanos — disse
Aidala. — Algumas pessoas, principalmente os débeis mentais com instintos primitivos
acentuados, vêem nele o diabo em pessoa. Por isso achou que era preferível que eu
fizesse os contatos.
— Não perdi o juízo nem sou supersticioso — disse o Coronel Tiesch em tom
irritado. — Se quiser mesmo descer no planeta, então faça com que seu comandante
apareça no videofone.
Aidala trocou algumas palavras com alguém que se encontrava fora do alcance das
objetivas e voltou a dirigir-se ao Coronel Tiesch.
— Já que faz tanta questão, o CheFe falará pessoalmente com o senhor — disse. —
Talvez seja preferível manter seu pessoal afastado da tela.
O Coronel Tiesch ia ficar aborrecido, mas limitou-se a dizer:
— Não há ninguém por perto.
Achava todo esse estardalhaço simplesmente ridículo.
Mas quando voltou a olhar para a tela prendeu a respiração. Defrontou-se com um
rosto que já tinha visto em ilustrações terranas antigas. Os chifres pontudos, os olhos
vermelhos brilhantes e a boca em V crispada num sorriso “satânico” formavam uma
verdadeira careta do diabo.
— Satisfeito? — perguntou o cheborparnense com uma voz aguda irritante.
— Fiquei estupefato — confessou o Coronel Tiesch. — Mas para mim sua presença
a bordo da Gatos Bay ainda não é uma prova de que não colabora com o Almirante Tai
Hun.
— Coronel — principiou o cheborparnense. — Não sei se suas precauções se
justificam ou se são exageradas. Mas gostaria de apresentar uma sugestão. Permita que a
Gatos Bay desça em Quinto-Center. Trata-se de uma nave cargueira com armamentos
reduzidos. Depois do pouso nos entregaremos ao senhor e ficaremos à disposição para
qualquer interrogatório. O senhor não tem nada a perder. Mas para nós seria um alívio
tremendo se pudéssemos abandonar esta nave quase fora de controle.
O Coronel Tiesch refletiu um instante. Chegou à conclusão de que se concedesse
permissão de pousar não estaria arriscando nada.
— Está bem. Darei ordem ao comando da eclusa para que sua nave seja recolhida
por meio de um raio de tração.
3
Depois de dar o ultimato, o Almirante Cadro Tai Hun dirigiu-se ao grupo de dez
pessoas que estava reunido com ele na sala dos oficiais.
Era uma turma bastante heterogênea, formada por um ertrusiano, um epsalense, um
ara, um siganês, um paronense, uma tliagota, um plofosense, um gadrugiano, um
aconense e um vulponense. Por mais diferente que fossem os povos aos quais pertenciam,
por mais que divergissem suas mentalidades, uma coisa eles tinham em comum: não
tinham sido atingidos pela onda de deterioração mental. Tinham um passado cheio de
aventuras, o destino os reunira através de caminhos diferentes, mas todos tinham
esperança de um futuro comum. Estavam todos obcecados pelo mesmo pensamento:
fugir ao caos que se estabelecera na Via-Láctea.
Não tinham criado esse desejo por iniciativa própria; ele lhes fora incutido pelo
Almirante Cadro Tai Hun. Naquela altura não conseguiam livrar-se mais da ideia de
fundar uma comunidade em algum mundo paradisíaco. O fato de descenderem de povos
tão diferentes não tinha nenhuma importância. Pensavam da mesma maneira, e era o que
importava.
— O senhor blefou muito bem, almirante — disse a tliagota enquanto erguia o
corpo blindado em forma de ameixa em toda a altura de um metro e meio. — Mas receio
que o Coronel Korstan Tiesch não se deixe enganar — prosseguiu. — Se for para valer,
ele nos derrubará. Não pode permitir que desçamos em Quinto-Center. Deve ter medo de
que nossas ideias revolucionárias contaminem seu pessoal.
— Pois eu acho que o Coronel Tiesch é muito humano — disse o Almirante Tai
Hun. — Tenho certeza de que não tocará em nós. Mas a senhora tem razão, Teetla. Ele
tem todo motivo para achar que aliciaremos sua gente. É exatamente o que pretendo
fazer.
— Confio em sua psicologia — chilreou Teetla, uma criatura adaptada ao mundo de
insetos chamado Tliago.
Fazia dois meses que o Almirante Tai Hun recolhera a mulher-inseto no espaço. Sua
história era curta e dramática. Quando a onda de deterioração mental varreu a galáxia, os
tliagotes também foram atingidos. Só as chefes de tribo, sete ao todo, eram imunes.
Viram seus companheiros de espécie transformados em débeis mentais abrirem aos
milhares suas blindagens de cetim e serem esmagados pela tremenda gravitação do
planeta. Teetla e as outras chefes de tribo fugiram numa espaçonave levando as crias que
ainda não tinham saído do ovo. Saíram sem um destino definido. Quando a viagem já
durava três meses, as crias saíram dos ovos. Os jovens tliagotes não apresentavam
nenhum problema genético.
Aí aconteceu uma coisa horrível. A espaçonave aproximou-se do Enxame. Uma das
misteriosas naves-arraias separou-se do grupo, apontou a gigantesca antena em forma de
cauda para a nave — e os jovens transformaram-se em débeis mentais, passaram a agir
como feras sanguinárias e mataram todas as chefes de tribo. Teetla foi a única que
escapou. Recolheu-se a um depósito de onde transmitiu pedidos de socorro através de um
hiper-rádio de reserva.
Assim foi descoberta pelo Almirante Tai Hun.
— Também sou de opinião que o Coronel Tiesch não seria capaz de cometer um
assassínio em massa — mesmo que fosse provocado por nós — observou o ertrusiano
Gorz Yalinor.
Yalinor era natural de um dos mundos pertencentes à Liga Carsuálica e praticara a
espionagem a favor do triunvirato de ertrusianos a bordo da Zamorra Thety. Como agente
naturalmente tinha a mente estabilizada e resistiu à onda de deterioração mental. Quando
viu o caos desabar sobre a humanidade esqueceu sua consciência nacional e juntou-se ao
Almirante Tai Hun.
— Fico me perguntando o que vamos fazer em Quinto-Center — manifestou-se o
vulposense, que pertencia ao povo dos homens-lobo, que descendia de colonos terranos.
Estes colonos tinham descoberto há séculos um mundo sedutor de tão lindo e deixaram-
se levar pelas impressões óticas a ponto de realizarem somente uma investigação
superficial antes de fixar-se no planeta. Quando perceberam que o sol emitia raios
perniciosos que modificavam os fatores genéticos humanos, já era tarde.
A segunda geração de colonos já era pouco parecida com os humanos — eram
lobos caminhando eretos, que possuíam pés e mãos, além de crinas revoltas. E a cada
geração os vulposenses cresciam mais. A geração atual já alcançara o tamanho de quatro
metros e meio — e ainda não se via o fim do processo de crescimento. Nem mesmo os
vulposenses que abandonavam seu mundo e escapavam aos raios do sol escapavam à
megamutação.
Vulgajoche — era este o nome do homem-lobo — fora recolhido pelo Almirante
Tai Hun durante um pouso ligeiro da Zamorra Thety em seu mundo, juntamente com
cinco indivíduos da mesma espécie. Os cinco vulposenses representavam um fenômeno
que provavelmente não tinha igual em toda a Galáxia. Enquanto outros, inclusive seus
companheiros de espécie, sofriam a deterioração mental, sua inteligência crescera
abruptamente. Não havia nenhuma explicação para isso.
— Por que não damos uma volta em tomo de Quinto-Center? — prosseguiu
Vulgajoche. Quando o Almirante Tai Hun quis fazer uma objeção, o homem-lobo
interrompeu-o com um gesto de sua gigantesca mão cabeluda. — Sim, eu sei. O senhor
quer recolher o maior número possível de imunes antes de dirigir-se a um planeta-paraíso
no qual possamos morar. Compreendo perfeitamente, almirante. Mas não vejo por que
não vamos procurar primeiro o mundo paradisíaco para depois sair à procura de seres que
tenham conservado a inteligência. O lobo não sai para caçar enquanto não sabe onde
assar a carne.
— A comparação é um pouco forçada, Vulgajoche — respondeu Tai Hun. Mas do
seu porto de vista o senhor tem razão. Precisamos de uma base da qual possamos operar
para fazer com que pessoas que pensem da mesma maneira se juntem a nós. Mas gostaria
que o senhor me dissesse se existe um lugar melhor para isso que Quinto-Center. Além
disso não devemos esquecer uma coisa. Se quisermos que nossa comunidade cresça,
Quinto Center será um ótimo lugar para isso. Outra coisa. Em Quinto-Center
encontraremos os equipamentos técnicos de que precisamos para começar. Além disso o
quartel-general da USO recebe inúmeros pedidos de socorro de imunes em dificuldades,
que podemos seguir. Considerando tudo isto, acho que vale a pena esperar uma chance de
entrar em Quinto-Center.
Vulgajoche concordou com um aceno de cabeça.
— Nunca encarei o caso dessa forma. Agora que o senhor explicou tudo isso,
concordo plenamente. Temos de chegar a Quinto-Center.
O Almirante Cadro Tai Hun sorriu.
— Sinto-me honrado com sua confiança — disse. — Façam o favor de voltar para
junto de seus irmãos e irmãs e expliquem-lhes por que temos de permanecer neste setor.
O grupo formado por seres tão diferentes foi-se separando aos poucos.
Só ficou o plofosense Vandian Torston.
— Posso falar com o senhor um instante, almirante? — perguntou.
***
O Almirante Tai Hun fitou o plofosense com uma expressão indagadora.
— Se for um assunto de interesse geral, o senhor deveria ter falado à frente dos
outros.
Vandian Torston sacudiu a cabeça.
— Quase chega a ser um problema particular.
O Almirante Tai Hun contemplou o plofosense com certo interesse. Era jovem, de
boa aparência e muita inteligência. Estudara xenologia, mas fora obrigado a interromper
o estudo antes de poder especializar-se na área das xenociências. Mas apesar disso o
Almirante Tai Hun ficara tão impressionado com sua capacidade que fizera dele seu
homem de confiança. Só havia uma coisa que o incomodava em Torston. Era a tendência
de recorrer à violência. Não que fosse violento por natureza, mas ele se deixava levar
pelas emoções e costumava sair de um extremo para cair no extremo oposto.
A ideia de conquistar Quinto-Center num ataque-relâmpago também era de Torston.
O Almirante Tai Hun adaptara-a às suas próprias ideias.
O almirante sabia que Torston representava um fator de risco em seus planos, mas
apesar disso simpatizava muito com ele. Talvez fosse por causa da maneira pela qual se
tinham encontrado pela primeira vez.
Depois da onda de deterioração mental, o Almirante Cadro Tai Hun desembarcara
os tripulantes por ela afetados em um planeta colonial. Em seguida partira com os vinte e
dois tripulantes que restavam numa viagem em ziguezague pela Galáxia.
No início pensara em cooperar nas operações de resgate do Império Solar. Mas
quando percebeu a extensão da catástrofe, chegou à conclusão de que não havia como
ajudar os habitantes da Via-Láctea. O que podiam uns poucos seres que tinham
conservado a inteligência contra um exército de bilhões de criaturas, transformadas em
débeis mentais?
As civilizações da Via-Láctea estavam condenadas a desaparecer. As frases
grandiosas de Reginald Bell, Julian Tifflor, Roi Danton e Galbraith Deighton — e de
algum tempo para cá também do Administrador-Geral Perry Rhodan que voltara de
Gruelfin, não podiam mudar isso.
A humanidade transformara-se num organismo morto, no qual só restavam poucas
células vivas. O Almirante Tai Hun tentava remover estas células vivas e fixá-las num
solo sadio em que pudessem medrar.
Atendia aos pedidos de socorro transmitidos por seres que tinham conservado a
inteligência. Estes pedidos de socorro vinham de planetas, espaçonaves e estações
espaciais. O Almirante Tai Hun resgatava os seres em dificuldade e recolhia-os em sua
nave. Depois explicava-lhes o que pretendia fazer: encontrar um planeta paradisíaco e
criar uma nova civilização. Na maior parte das vezes os indivíduos resgatados aprovavam
entusiasticamente estes planos.
No início o almirante só queria acolher humanóides em sua comunhão dos eleitos.
Mas descobrira que terranos, indivíduos adaptados a ambientes diferentes e não-
humanóides conviviam muito bem nesses tempos de dificuldades. Depois disso resolveu
reunir em seu mundo paradisíaco todos os seres de boa vontade.
Não importava que por motivos biológicos não pudessem multiplicar-se entre si.
Mas isto não chegava a ser um problema. Com exceção da tliagota existia pelo menos um
casal de cada espécie a bordo da Zamorra Thety. Mas o que o levou a tomar essa decisão
foi o fato de os seres inteligentes tão diferentes uns dos outros se darem tão bem.
O Almirante Tai Hun percebeu que deixara vagar o pensamento. Voltou a
concentrar-se em Vandian Torston.
Encontrara o plofosense há nove meses num iate particular que estava à deriva.
Torston entrara com o iate desarmado na área dos blues e fora derrubado. Seu veículo só
não fora destruído completamente porque justamente nesse momento a onda de
deterioração mental atingira a Galáxia. Os blues não tiveram tempo de desferir o golpe
mortal na vítima.
Era uma história quase corriqueira, mas havia certos aspectos que lhe davam um
colorido especial. O motivo que levara Vandian Torston a entrar na área dos blues sem
nenhuma proteção era uma moça. Ele a amava desde a infância, mas acabara perdendo o
contato com ela. Quando finalmente descobriu sua pista interrompeu os estudos e saiu à
sua procura. O caminho que seguiu levou-o diretamente à área dos blues e por pouco não
foi sua perdição.
Isso mostrava como Vandian Torston se guiava pelos sentimentos.
Os pensamentos do Almirante Tai Hun voltaram à realidade.
— Que tem a me dizer, Torston? — perguntou.
— Como sabe — principiou o plofosense — a espaçonave que detectamos a uma
hora-luz de distância entrou em órbita em tomo de Quinto-Center. A tripulação vive
bombardeando o quartel-general da USO com mensagens...
O Almirante Tai Hun fez um gesto contrariado.
— Vá diretamente ao assunto. Ouvimos as mensagens c conhecemos seu conteúdo.
Não existe a menor dúvida de que o Coronel Tiesch concederá licença de pouso a esse
pessoal.
— Não se trata propriamente de mensagens, mas de uma ligação videofônica
bilateral — retificou Torston. Quando notou o ar de reprovação no rosto do almirante,
acrescentou: — Dei uma olhada nos registros magnéticos. Reconheci imediatamente a
moça que conduzia as negociações. Seu nome é Aidala Montehue. Conheço-a
pessoalmente.
O Almirante Tai Hun sentiu um nó garganta.
— Será que se trata da moça que estava procurando? — perguntou em tom
inseguro.
— Sim, senhor almirante.
— Quer dizer que pretende juntar-se a ela?
— Não, almirante. Quero trazê-la para perto de mim — respondeu Torston. —
Quero que me acompanhe quando for ao mundo paradisíaco.
— Como imagina que isso possa ser feito?
Torston sorriu de leve.
— Pensei que talvez pudesse enviar-me a Quinto-Center para entabular
negociações. Oficialmente tentarei quebrar a obstinação do Coronel Tiesch. Além disso
entrarei em contato com Aidala e tentarei convencê-la a acompanhar-nos ao mundo
paradisíaco. Se ela sentir por mim metade do amor que eu sinto por ela, certamente me
acompanhará. Não acha que isso exercerá uma forte influência psicológica sobre a
guarnição de Quinto Center? Muitos, talvez até a maioria, se perguntarão por que não
atenderam à chamada do paraíso. Se conseguirmos isso, praticamente poderemos
considerar-nos donos de Quinto-Center.
— Parece que é uma boa sugestão — opinou o Almirante Tai Hun.
— Quer dizer que pedirá ao Coronel Tiesch que me receba como negociador?
— Está certo. Tomarei as necessárias providências — disse o almirante.
4
Roi Danton estava em seu jato espacial, a 2.000 anos-luz de Quinto-Center, fazendo
a última correção de rota, quando recebeu o pedido de socorro.
Fixou a posição do objeto por meio dos hiper-rastreadores, programou o piloto
automático para a nova rota e partiu para uma pequena etapa linear, que o aproximou a
dez milhões de quilômetros do objeto que transmitia os pedidos de socorro.
Tratava-se de uma pequena espaçonave barnita. Danton levou menos de quinze
minutos para ancorar o jato espacial no casco da nave barnita. Fez o sistema de rádio
automático transmitir uma série de mensagens nas frequências usuais, mas não obteve
resposta Não havia a menor dúvida de que os pedidos de socorro eram transmitidos
automaticamente e não havia ninguém a bordo que pudesse responder a eventuais
mensagens. Até era possível que nenhum dos ocupantes da nave estivesse vivo. Mas
sobre isto Danton queria ter certeza.
Roi enfiou-se num traje voador pressurizado e afivelou os equipamentos de resgate
que mantinha preparados para ocasiões como esta.
Depois de impelir-se da saída do jato espacial, Danton ligou os propulsores do traje
pressurizado e voou numa curva bem aberta para a eclusa de ar da nave barnita.
Descobriu uma coisa apavorante. Tanto a escotilha externa como a eclusa interna
estavam abertas. Depois de um exame superficial do mecanismo de segurança Roi
descobriu que os relês tinham sido destruídos de propósito. Até parecia que a tripulação
da nave, desesperada, escolhera a morte no espaço...
Danton entrou no corredor que ficava atrás da câmara da eclusa, onde reinava a
escuridão e um silêncio absoluto. Roi ligou o farol instalado em seu capacete e recuou
apavorado. Um ser mutilado a ponto de tornar-se irreconhecível estava jogado no chão.
Apesar da mutilação Danton conseguiu distinguir certos detalhes que identificavam a
criatura como um barnita de tromba.
Os barnitas trombudos eram criaturas tipicamente humanóides. Andavam eretos,
possuíam dois braços, duas pernas e cinco dedos em cada mão. Sua pele era de um cinza
dos mais diversos tons, resistente e parecida com couro. Mas não era tão resistente que
pudesse resistir à pressão a que ficava exposto o corpo quando de repente ficava no
vácuo. O barnita trombudo só trajava o uniforme de bordo. A tromba, que saía do rosto
no lugar do nariz e ao qual esse povo devia seu nome, estava inchada e dura.
Danton virou o rosto para outro lado. Seus passos fizeram tremer o corredor,
causando um ruído abafado dentro de seu traje pressurizado. Roi pretendia dirigir-se à
sala de comando, onde esperava ser mais fácil encontrar informações a respeito dos
acontecimentos que tinham sido a causa da catástrofe. Enquanto ia para lá, abria as
escotilhas e dava um olhar nos recintos que ficavam atrás delas. Tinha uma esperança de
descobrir uma sala fechada, na qual houvesse um sobrevivente.
Mas por enquanto só descobrira recintos nos quais reinava o vácuo. Como os
equipamentos que geravam a gravitação artificial ainda estavam funcionando Danton
conseguiu avançar mais depressa que num ambiente de ausência da gravidade.
Quando chegou perto dos alojamentos dos tripulantes, Danton descobriu uma
espécie de pavilhão de treinamento. Iluminou-o com o farol e viu que a sala não era
apenas um lugar de preparo físico. Exercia funções vitais para os barnitas trombudos.
Havia instalações robotizadas junto às paredes, que deviam causar uma expressão
esquisita a qualquer pessoa estranha. No meio das escalas enfileiravam-se lado a lado
várias aberturas na altura do peito. Ficavam mais ou menos a dois metros uma da outra.
De algumas delas saíam pontas de cerdas. À frente das aberturas havia cadeiras.
Danton foi para perto das instalações e estudou o esquema dos controles. Levou
apenas alguns minutos para descobrir como funcionavam as instalações. Moveu algumas
chaves e fez algumas regulagens de precisão nas respectivas rodinhas. No mesmo
instante entrou em funcionamento um dos setores das instalações robotizadas. De uma
das aberturas saiu um braço articulado com uma espécie de escova na ponta. As cerdas da
escova começaram a descrever movimentos de rotação. O braço articulado encolheu-se,
voltou a sair abruptamente, isso num ritmo cada vez mais veloz.
Danton desligou as instalações. Já sabia para que serviam. Sabia que os barnitas
trombudos eram obrigados a escovar regularmente seu órgão parecido com uma tromba
de elefante. Antes de criarem uma tecnologia para isso, a remoção das secreções
acumuladas nas trombas era feita por meio de folhas e galhos, e posteriormente com
outros recursos rudimentares. Mas naquela altura a necessária limpeza era feita por
instalações robotizadas.
No início Danton acreditara que as instalações essenciais à sobrevivência dos
barnitas talvez tivessem sido destruídas e que estes no seu desespero tivessem preferido
uma morte instantânea no espaço a uma lenta agonia. Mas foi obrigado a abandonar a
teoria, uma vez que o sistema de limpeza estava funcionando.
Mais tarde ele se admiraria por não ter dado logo com a solução mais evidente...
Roi saiu da sala de lavagem e usou a escada de emergência para subir ao convés
superior. Mal saiu para o corredor, teve a impressão de ouvir batidas. Eram muito fracas,
porque não havia nenhuma atmosfera que conduzisse o som. Mas este propagava-se pelas
paredes e pelo chão. Danton bateu com o pé no chão, para sinalizar que tinha ouvido as
batidas. Ficou na escuta e voltou a ouvir o sinal.
Dali a pouco deu com uma escotilha fechada à prova de vácuo. Encostou o capacete
a ela e ouviu claramente os ruídos. Tirou a mochila com os equipamentos e pegou os
aparelhos de resgate.
Primeiro espalhou uma lona de plástico, fechou-se nela e soldou as bordas com o
quadro da escotilha. Em seguida bombeou oxigênio tirado de sua reserva até que a lona
hermeticamente fechada inchasse que nem um balão. Só então tentou abrir a escotilha.
Quando entrou na sala que ficava atrás dela, Danton defrontou-se com um barnita
trombudo que mal e mal se aguentava de pé. Estava
com a tromba dura, muito inchada e inflamada.
Danton não perdeu tempo. Tirou uma instalação
de vácuo de seu equipamento, colocou-a no barnita e
envolveu-o num traje de resgate dobrável, em cujo
interior a criatura podia permanecer quinze minutos no
vácuo. Em seguida carregou o barnita
para o convés inferior, levou-o à sala
de lavagem, fechou a escotilha e
regulou o abastecimento de oxigênio.
Assim que a sala ficou cheia de ar
respirável, o barnita trombudo
precipitou-se sobre a instalação
robotizada e iniciou o ritual de limpeza.
***
O resto foi uma simples rotina. Danton procurou no depósito um traje espacial para
o barnita e levou-o à sua nave. Não lhe era possível desmontar e transportar uma das
instalações de limpeza robotizadas. Mas descobriu uma coisa para substituí-la.
Desmontou a escova rotativa de um robô de limpeza e parafusou-a num bastão. Serviria
num caso de emergência.
Os dois estavam no jato espacial que executava a última etapa linear da viagem que
os levaria a Quinto-Center.
Danton esperou algum tempo antes de pedir ao barnita trombudo que lhe contasse o
que tinha acontecido na nave barnita.
Seu nome era Stanch.
Stanch falava um intercosmo impecável.
— Foi uma coisa horrível. De repente percebi que todas as pessoas a bordo da nave,
menos eu, se tinham transformado em débeis mentais. Agiam como crianças indefesas e
nem foram capazes de limpar-se sozinhos. Gastei a maior parte do tempo forçando o
pessoal a submeter-se ao processo de limpeza. Levei algum tempo para descobrir que as
condições psíquicas dos débeis mentais voltavam ao normal quando eles se encontravam
na zona de libração do espaço linear. Não sei por que isso acontecia, mas achei que podia
ser nossa salvação.
— Sobre a causa disso não pode haver a menor dúvida — observou Danton. — O
espaço linear é uma zona energeticamente neutra situada entre o universo normal e o
hiperespaço. Os campos energéticos gerados pelos conversores lineares isolam as
influências das duas zonas. Como o processo de deterioração mental resultou de uma
manipulação da constante da quinta dimensão, ele não produz efeitos no espaço linear. A
deterioração mental acaba.
— Compreendi — disse Stanch e prosseguiu: — De qualquer maneira reconheci a
chance que isso representava. Tomei a decisão de entrar no espaço linear toda vez que
chegava a hora de fazer a limpeza das trombas, para que meu pessoal recuperasse o juízo
e pudesse cuidar da própria limpeza. Deu certo por muito tempo. É verdade que alguns
dos tripulantes exigiram que permanecêssemos de vez no espaço linear, mas expliquei-
lhes que isso era tecnicamente impossível e eles desistiram. Mesmo nos longos períodos
que passamos no espaço normal, durante os quais as pessoas se transformaram em débeis
mentais, eles geralmente mantiveram um comportamento disciplinado. Mas a desgraça
não pôde ser evitada. Um dia o conversor linear se fundiu. E aí houve a catástrofe.
— Já não pude cuidar de todo o pessoal. Houve a primeira morte por infecção da
tromba. Os outros revoltaram-se e me responsabilizaram pela morte do companheiro.
Tentei ensinar-lhes a usar o equipamento de limpeza. Não foi possível. Simplesmente não
compreendiam os controles complicados. Finalmente a rebelião degenerou num
verdadeiro estouro, que acabou resultando na abertura da eclusa e na morte da tripulação.
Quanto a mim, já me tinha refugiado no depósito de mantimentos para não ser linchado.
— Até parece um milagre eu ter sido salvo pelo senhor no último instante, Roi.
— Às vezes dependemos do acaso e de milagres, Stanch — respondeu Danton. —
Se faço uma avaliação geral da situação, chego à conclusão de que só um milagre poderá
salvar a Galáxia.
Roi Danton estava bastante otimista ao partir da Terra. Lá as coisas tinham tomado
um rumo satisfatório. Em Olimpo, em Tahun e em muitos outros mundos a situação
também se estabilizara até certo ponto. O que deixou Danton mais contente foi que a
situação em Quinto-Center ficou mais ou menos sob controle. Roi partira da Terra na
intenção de usar as inúmeras possibilidades que o quartel-general da USO oferecia para a
reconstrução da civilização. Como já foi dito, ele se sentira bastante otimista.
Mas o incidente deixou-o deprimido. O destino de um punhado de barnitas
trombudos mostrava os horrores que ainda aconteciam em todos os cantos da Galáxia. E
não se sentia deprimido somente porque muitas criaturas tinham morrido. O que o deixou
ainda mais deprimido foi ver a humanidade tão fraca e impotente diante da catástrofe que
atingia toda a Galáxia. Parecia não haver nenhum meio de afastar este perigo.
Mas apesar de tudo ainda não era tarde. Havia muitos seres pertencentes aos mais
diversos povos que ainda podiam pensar.
A prova a que estavam sendo submetidos podia servir para que percebessem quanto
precisavam uns dos outros.
Um zumbido fez Danton voltar à realidade. A última etapa linear tinha sido
concluída, o jato espacial retornou ao universo einsteiniano.
Danton expediu imediatamente uma mensagem pelo rádio na qual se identificou e
pediu licença de pouso. Não esperava dificuldades. Antes de partir da Terra falara pelo
hipercomunicador com o Coronel Korstan Tiesch e ficara sabendo que a situação em
Quinto-Center estava sob controle.
Tanto mais surpreso ficou quando viu na tela o rosto do ertrusiano marcado pelas
preocupações.
— Até que enfim o senhor teve tempo de vir para Quinto-Center — disse em tom
de alívio. — Ainda bem. Juntos talvez consigamos afastar a crise.
5
Fazia vinte e quatro horas que a Zamorra Thety tinha chegado a Quinto-Center. Os
calendários registravam o dia 21 de outubro de 3.441.
A atmosfera no quartel-general da USO era bastante tensa.
Grande parte dos arautos do paraíso se encontrava nas salas de recreação.
Permaneciam nas cantinas, nos cassinos, nos estádios, na área de repouso com uma
paisagem natural e um sol artificial e nas salas dedicadas aos hobbies. No início tinham-
se oferecido para discutir com os especialistas, que tinham comparecido por iniciativa
própria.
Os arautos do paraíso achavam bons resultados porque os especialistas da USO
vinham em grandes grupos. Mas esses resultados não se verificaram. As promessas eram
muito vagas — as fantasias a respeito de um novo futuro em algum mundo paradisíaco
não tinham base na realidade. Onde fica esse mundo paradisíaco? Nós o procuraremos.
Como será a nova ordem apregoada por vocês? Criaremos uma ordem completamente
nova. Quando havia uma pergunta concreta os arautos do paraíso se esquivavam. Os
especialistas da USO não se satisfizeram com isso.
Quando o Almirante Cadro Tai Hun foi informado pelos companheiros de que não
estavam conseguindo nada, ele deu o sinal de entrar em ação.
A amabilidade e a paciência dos arautos do paraíso acabaram. No dia 21 de outubro
de 3.441, às 22 horas em ponto, de repente pareciam virados pelo avesso. Provocavam os
especialistas sempre que havia uma oportunidade e provocavam brigas. Mas por
enquanto nem os especialistas de Quinto-Center nem os arautos do paraíso cederam à
exaltação a ponto de pegar as armas paralisantes. Os conflitos foram resolvidos por meio
de palavras ou com os punhos.
Os especialistas da USO afastaram-se dos arautos do paraíso. Enviaram uma
delegação ao Coronel Tiesch para exigir que fossem tomadas medidas contra os intrusos.
Quase no mesmo instante — faltavam cinco minutos para as 24 horas —
apareceram dois ertrusianos junto à entrada da sala de rádio principal.
Os dois guardas barraram-lhes o caminho com as armas paralisantes destravadas.
Explicaram que não tinham o direito de entrar na sala de rádio.
— Que pena — disse um dos ertrusianos com a voz retumbante. — O Almirante
Cadro Tai Hun pediu que preparássemos tudo para uma proclamação dirigida à tripulação
de Quinto-Center.
Os dois guardas começaram a sentir-se inseguros. Sabiam que nada faria recuar os
dois ertrusianos, mas o Coronel Tiesch ainda não revogara a ordem de tratar bem os
arautos do paraíso. Os paralisadores só deviam ser usados numa grande emergência. Por
isso um dos guardas resolveu acionar o alarme para pedir reforços.
— Afaste-se do botão de alarme! — gritou o outro ertrusiano e barrou o guarda.
Quando o homem assustado viu de repente o corpo gigantesco do ertrusiano à sua
frente, perdeu o controle dos nervos. Entortou o dedo encostado ao gatilho da arma
paralisante. O ertrusiano foi atingido em cheio pelos raios paralisantes. Gritou, seu corpo
empinou. Mas antes de dobrar os joelhos, afastou o guarda com um movimento reflexo
das mãos gigantescas.
O outro guarda também reagiu depressa, mas seu adversário lançou o ataque uma
fração de segundo antes dele. O ertrusiano abalroou e derrubou o guarda.
Neste instante a esteira rolante trouxe o Almirante Tai Hun, que veio acompanhado
de mais três ertrusianos e quatro aconenses.
— Abriram fogo contra nós sem aviso — informou o ertrusiano. — Agimos em
legítima defesa. O senhor está vendo. Garlom foi atingido.
O Almirante Tai Hun acenou com a cabeça e deu ordem para que fosse aberta a
escotilha da sala de rádio. Quando os radioperadores de serviço viram os ertrusianos e os
canos das armas paralisantes apontados para eles, nem pensaram em defender-se. Um
deles chegou a acionar o alarme geral. Enquanto a sereia começava a soltar uivos
penetrantes, o radioperador foi derrubado por um raio paralisante.
— Pretendo usar a sala de rádio em meu benefício — disse o Almirante Tai Hun em
voz alta.
Os radioperadores, tomados de surpresa, que tinham visto o que acontecera com seu
companheiro, resignaram-se. Foram expulsos da sala de rádio. A escotilha foi trancada
atrás deles.
***
Roi Danton encontrava-se no escritório do Coronel Tiesch, quando soou o alarme.
Dali a pouco chegou a notícia de que o Almirante Tai Hun acabara de ocupar a sala de
rádio.
O Coronel Tiesch não perdeu tempo. Deu ordem para que o setor residencial no
qual tinham sido alojados os arautos do paraíso fosse bloqueado imediatamente. Além
disso enviou trinta e seis homens fortemente armados ao respectivo setor. Chamou pelo
rádio as pessoas que estavam de folga, para que se apresentassem na sala de comando
principal. Mal acabara de dar essa ordem, quando o sistema de chamada falhou e a rede
de intercomunicação para ligações diretas entrou em colapso.
Não havia a menor dúvida de que o responsável era o Almirante Tai Hun, que da
sala de rádio podia controlar todas as comunicações internas de Quinto-Center. Mas o
Coronel Tiesch não se abalou. Deu ordem para que fossem distribuídos videofones entre
o pessoal.
Mal isso tinha sido feito, chegou a informação de que todos os arautos do paraíso
tinham saído dos alojamentos.
— O almirante deve ter preparado a operação há muito tempo — gritou o Coronel
Tiesch com a voz trêmula de exaltação. — Deve possuir plantas de Quinto-Center, senão
seus homens não poderiam orientar-se tão depressa. Só esperava a oportunidade de ter
acesso à base para agir imediatamente. Nunca teve a intenção de negociar para valer. É
um criminoso!
O Coronel Tiesch bateu com o punho na mesa com tanta força que o revestimento
de plástico rachou.
— Não seja tão duro no julgamento de Tai Hun — advertiu Danton. — Talvez seja
um fanático, é possível que se iluda e que sua mente esteja confusa, mas de forma alguma
se pode dizer que é um criminoso.
O Coronel Tiesch fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— O senhor ainda defende o almirante depois de ver as violências de que é capaz?
— De forma alguma defendo o que ele fez — disse Danton. — Mas compreendo os
motivos que o levaram a agir assim. Estes motivos não são reprováveis. Devemos
reconhecer que o Almirante Tai Hun luta por uma causa louvável, apesar de errar nos
meios.
— Já não compreendo o mundo em que vivemos — gemeu o Coronel Tiesch.
Neste momento ouviu-se um estalo no sistema de chamada geral, seguido pela voz
enérgica do Almirante Tai Hun.
— Atenção, membros da guarnição de Quinto-Center e respectivos chefes. Convoco
os homens e mulheres de todos os povos que têm travado uma luta tão corajosa, mas sem
esperanças, contra o caos, para que deponham as armas. Passem a combater aqueles que
os colocaram nessas posições perdidas. Vocês se deixam levar por um sonho impossível
se acreditarem que as condições reinantes antes do início da onda de deterioração mental
podem ser restabelecidas. Não prometemos a restauração da ordem antiga, o que seria
impossível. Queremos construir um novo mundo, criar uma nova sociedade formada por
membros de todos os povos da Via-Láctea. Na sociedade do futuro que ponho ao seu
alcance seremos todos irmãos — terranos, outros humanóides, pessoas adaptadas a um
novo ambiente e não-humanóides.
“Somos todos irmãos! Abominamos a violência. Se fomos obrigados a usar meios
drásticos foi porque o instinto de auto-conservação nos impede de submeter-nos à
degenerescência generalizada. Queremos viver, não vegetar.
“Quinto-Center só será nossa base. Aqui deverão reunir-se todos os seres que
quiserem juntar-se a nós. Além disso, Quinto-Center será o trampolim do mundo
paradisíaco. Homens e mulheres, irmãos e irmãs — seres humanos — deponham as
armas e juntem-se a nós.”
Enquanto o Almirante Tai Hun fazia seu discurso, Roi Danton tentou fazer uma
ligação de intercomunicação com a sala de rádio. Depois de algum tempo conseguiu
convencer um dos aconenses, que fazia parte do grupo dos arautos do paraíso, de que
precisava falar com o almirante.
Alguns minutos depois de terminar o discurso, o almirante atendeu ao chamado.
Tenho muito prazer em aceitar sua capitulação — principiou.
— Sinto muito que nossas opiniões divirjam tanto e que não podemos chegar a um
acordo por via diplomática — disse Danton com um pesar sincero na voz. — Mas sinto
muito mais que tenha sido usada a força bruta. Cada um de nós poderia aceitar os pontos
de vista do outro e ceder um pouco. Devemos esforçar-nos por uma solução pacífica do
problema.
— Ainda está em tempo — respondeu o almirante. — Garanto ao senhor e a todos
que não querem um futuro feliz num planeta paradisíaco o direito de retirar-se de Quinto-
Center.
— Mundo paradisíaco; isso não passa de um chavão — afirmou Danton em tom de
desprezo. — O senhor acha mesmo que a ordem voltaria a reinar no mundo se o senhor
se retirasse com um grupo de eleitos? Não se esqueça das inúmeras criaturas que ficariam
aqui, praticamente indefesas, sem poder contar com qualquer ajuda. Ao falar na
confraternização dos povos galácticos, o senhor não pode deixar de fora os débeis
mentais, que precisam de nosso auxílio. Quem se deixa levar por um sonho é o senhor,
almirante. Perry Rhodan e seus companheiros enfrentam a realidade. Tenho certeza de
que conseguiremos eliminar os efeitos diretos e indiretos da onda de deterioração mental.
— Pois eu não acho — respondeu o almirante. — Perry Rhodan só pode fracassar.
Ou será que o senhor pode indicar um meio de eliminar o caos? Não pode. Ninguém
pode. Por isso acho mais realista criar uma nova civilização com a elite dos povos
galácticos.
— Parece que não farei o senhor mudar de opinião — disse Danton em tom
deprimido. — Mas como sou de opinião que o senhor tem caráter e senso de
responsabilidade, peço-lhe que também aceite nosso ponto de vista.
— Se fizesse isso estaria renegando minhas convicções — disse o almirante. —
Mantenho minha posição. Colocarei urna nave à sua disposição e garanto a liberdade de
saírem daqui. É a única concessão que posso fazer.
— O senhor não tem esse direito.
— Eu assumo esse direito. Pense em minha proposta.
— Não há o que pensar, almirante.
— Pois então assuma as consequências.
A ligação foi interrompida.
9
Kelvin Armstrong não esperou muito por sua chance. Estava escondido num nicho,
observando o corredor. Uma moça passou por ele, parou à frente do camarote do
cheborparnense e disse seu nome para dentro do porteiro eletrônico. A porta abriu-se e
Armstrong saltou do esconderijo, agarrou a mulher por trás, encostou a arma paralisante
em suas costas e obrigou-a a entrar à sua frente.
Armstrong viu imediatamente que o cheborparnense não estava só. Havia dois
terranos no camarote.
— Fiquem onde estão! — exclamou Armstrong. — Se ficarem bem quietos, nada
acontecerá a vocês e à moça. — Apontando para o cheborparnense, acrescentou: — Só
quero mandar esse diabo para o inferno.
O CheFe levantou do lugar junto à mesa e caminhou devagar na direção de
Armstrong. Seus olhos vermelhos redondos estavam voltados para a frente, as três
narinas tremiam.
— O senhor está fazendo uma bobagem enorme, Armstrong — disse com a voz
estridente. — Deveria saber que sofreu uma recaída depois dos incidentes na divisão
exialística. Precisa de assistência médica com urgência.
— Estou em plena forma psíquica — afirmou Armstrong. — Se agi como um louco
furioso foi porque o ódio que sinto pelo senhor me estava consumindo. Mas chegou a
hora do ajuste de contas.
— Como queira, Armstrong — respondeu o CheFe. — Mas pelo menos deixe a
moça fora disso.
Armstrong hesitou. Deu um empurrão em Aidala, que a fez atravessar metade do
camarote. No mesmo instante levantou a arma paralisante e apontou-a para o rosto de
cheborparnense. Mas antes que tivesse tempo de apertar o gatilho, alguma coisa atingiu
sua nuca paralisando seus centros nervosos. O corpo endureceu. Havia uma surpresa
infinita nos olhos de Armstrong. Ainda tentou apertar o gatilho, mas os dedos não
obedeceram.
O CheFe segurou Armstrong e deitou-o no chão. Voltou a endireitar o corpo. Neste
instante uma coisa aproximou-se voando e sentou em seu ombro. Era Mortom Kalcora.
— Eu agi como devia, CheFe? — quis saber o siganês, cuja voz adquiriu o volume
normal graças a um amplificador acoplado.
— Você interveio bem na hora, Mortom — confirmou o chefe.
Gaddard Pen Tuku e Hotchka Omolore estavam cuidando de Aidala. Levaram-na a
um banco largo e sentaram perto dela.
O CheFe também se aproximou e deixou-se cair num cubo de estofamento macio,
que se adaptou imediatamente a seu corpo.
Soltou uma risada de bode.
— Receio que não tenha sido um bom começo para uma festa de despedida. Estarei
errado se disser que a senhora veio para comunicar sua decisão de viajar a um mundo
paradisíaco em companhia de Vandian Torston?
Aidala ainda parecia abalada.
— Não é bem isso — cochichou. — Vim pedir seu conselho, CheFe. Não sei o que
fazer. Amo Van, mas bem por dentro tenho minhas dúvidas de que esteja no caminho
certo. Não quero confiar-me cegamente a ele para depois talvez ter de recriminar-me por
ter cometido um erro. Pode dar-me um conselho, CheFe?
— Se quiser saber minha opinião — interveio Hotchka Omolore — acho que
Torston é um mau-caráter. Não gosto desse cara.
— Não é o senhor quem vai casar com ele! — gritou Gaddard Pen Tuku. — Não
me atrevo a ter uma opinião a respeito do caráter de Torston. Mas acho a ideia de
escolher um mundo paradisíaco para alguns eleitos, enquanto o resto da humanidade se
acaba, simplesmente condenável.
— Desse jeito não chegaremos a lugar algum — afirmou o CheFe. — Não
ajudaremos Aidala enchendo sua cabeça com palavras sem sentido. Devemos ajudá-la a
tomar uma decisão. Acho que descobri um meio de fazer isso. Vamos esperar que
Armstrong recupere os sentidos. Não deve demorar muito, pois foi atingido por um raio
paralisante de pequena intensidade.
— Que é que Armstrong tem a ver com o problema de Aidala? — perguntou
Hotchka Omolore indignado.
O CheFe procurou esquivar-se.
— Como sabe, peço constantemente a Mortom que faça voos de reconhecimento.
Ele já me trouxe muitas informações interessantes.
Dali a dez minutos Kelvin Armstrong começou a mexer-se. Quando abriu os olhos,
deparou com a abertura do cano de sua arma paralisante.
O CheFe voltou a soltar a risada de bode.
— É claro que o senhor será entregue à clínica psiquiátrica, Armstrong — disse. —
Mas depende do senhor em que estado chegará lá. Um dos enfermeiros-auxiliares foi
encontrado morto; assassinado. Sabemos que o culpado é o senhor. Se fizer uma
confissão espontânea, terá o melhor tratamento médico. Se negar, eu o submeterei a um
tratamento — e depois disso não haverá mais ninguém que possa ajudá-lo.
Naturalmente não era verdade que um dos enfermeiros-auxiliares tivesse sido
assassinado. Mas Armstrong não podia saber disso. Caiu no blefe.
— Morto? Assassinado? — exclamou em tom de incredulidade.
De repente entesou-se e tentou levantar. Mas não conseguiu, porque o peso do
corpo do cheborparnense o mantinha preso ao chão.
— Não matei ninguém — gritou Armstrong. — Se um dos enfermeiros foi
assassinado, só pode ter sido Torston quando se dirigia à minha cela. Não sei nada.
Quando foi proferido o nome de seu bem-amado, Aidala empalideceu.
O CheFe não se contentou com as informações já recebidas; continuou o jogo.
— O senhor mente! Sabemos que ninguém o ajudou a fugir. Não sei como fez para
sair da cela. Mas gostaria de saber por que iria contar justamente com o apoio de Torston,
que é um arauto do paraíso.
— Ele me tirou de lá porque queria que eu tivesse oportunidade de vingar-me do
senhor — afirmou Armstrong. — Ele o odeia pelo menos tanto quanto eu o odeio.
Mesmo que mande prender-me, isso não o salvará. Torston o fará pagar por isso.
— Não é possível — murmurou Aidala em tom de incredulidade. De repente
começou a soluçar. — Não acredito. Torston não seria capaz de fazer isso.
O CheFe pediu que Hotchka Omolore e Gaddard Pen Tuku cuidassem de
Armstrong. Depois foi para perto de Aidala e num gesto paternal colocou o braço sobre
seus ombros.
— Vamos descobrir a verdade — disse. —
Acompanhá-la-ei ao ponto de encontro e interpelarei
Torston. Providenciarei para que sejamos
acompanhados por dois especialistas armados — para
qualquer eventualidade.
***
Aidala o traíra.
Vandian Torston viu de seu lugar atrás do
conversor de gravidade quando a moça entrou na sala
de treinamento em companhia do cheborparnense e de
dois gigantes ertrusianos. Suas mãos tremeram, um
brilho louco cobriu seus olhos.
Torston olhou para o cheborparnense. De repente
teve certeza de que essa criatura estranha, esse bode
que caminhava com duas pernas, era o único culpado.
O cheborparnense devia ter influenciado Aidala.
Mas Torston não aceitaria a derrota.
Aidala e os três homens que a acompanhavam
pararam de repente.
— Torston! — gritou o cheborparnense para
dentro do pavilhão. — Se estiver aqui, saia do esconderijo. Preciso ter uma conversa com
o senhor. É urgente. Aidala também está muito interessada. Responda, Torston!
Torston ergueu uma pequena arma energética, fez pontaria num lugar que ficava à
frente do cheborparnense e apertou o gatilho. O raio energético atingiu o chão dois
metros à frente do cheborparnense e o fez ficar incandescente.
— Eis aqui minha resposta! — gritou Torston.
Foi um sinal para que os dois ertrusianos se abrigassem. O cheborparnense também
se protegeu atrás de um dos aparelhos de treinamento. Mas Aidala não saiu do lugar.
— Torston...!
— Saia daí, Aidala, antes que haja uma desgraça — interrompeu Torston enquanto
recuava de costas para a sala de controle, de onde podiam ser teleguiados os aparelhos de
treinamento.
O chão do pavilhão estava dividido em quadrados de dez metros. Embaixo deles
ficavam os equipamentos que permitiam neutralizar ou aumentar várias vezes a
gravidade. Desta forma os especialistas podiam realizar exercícios em condições
gravitacionais extremamente pesadas ou na ausência da gravidade. Torston pretendia tirar
proveito disso.
Orientou-se ligeiramente no quadro de que constavam todos os quadrados. Os
ertrusianos encontravam-se no quadrado G 17. Torston apertou o botão que acionava o
conjunto e fixou a chave de regulagem na marca dos oito gravos. Torston viu através dos
vidros da sala de controle os dois ertrusianos pararem no meio do movimento, viu eles se
contorcerem e caírem. Mas graças às suas condições físicas eram capazes de, depois de
recuperar-se da surpresa, vencer a força da gravidade e chegar ao quadrado vizinho.
G18!
Torston ativou esse quadrado. Desta vez colocou a chave de regulagem na marca
dos dez gravos. Mas os ertrusianos já tinham chegado ao quadrado seguinte. Torston
começou a transpirar. Não podia mover as chaves tão depressa como os ertrusianos se
movimentavam — e eles estavam a apenas trinta metros dele.
Somente dois quadrados os separavam da sala de controle.
Torston não teve alternativa. Foi obrigado a mover a chave geral que ativava os
equipamentos antigravitacionais de todos os quadrados, acoplando-os uns aos outros.
Lembrou-se de Aidala, mas logo afastou as dúvidas. Devia pensar primeiro em si mesmo.
Se ela sofresse alguma coisa, a culpada era ela mesma. Não deveria tê-lo traído.
Ligou a chave geral e colocou a chave de regulagem da gravidade na marca dos oito
gravos. Os ertrusianos que vinham correndo foram freados de repente por uma barreira
invisível. Os oito gravos vieram tão de surpresa que os fizeram cair.
Mas logo se refizeram e vieram rastejando de quatro.
Estavam a apenas cinco metros da sala de controle. Se alcançassem a entrada,
Torston estaria perdido. Ele sabia disso. Só havia uma saída.
Tinha de liquidar os ertrusianos. Olhou para a arma energética e superou as
inibições.
Os ertrusianos já estavam bem perto. Apareceram quase ao mesmo tempo na porta
da sala de controle.
Torston levantou a arma e apertou o gatilho com toda força.
A porta foi cercada de chamas. Duas sombras gigantescas cambalearam no meio
delas. Torston sentiu um mal-estar. Só então percebeu em toda extensão as consequências
do ato que acabara de praticar.
Mas se estava arrependido já era tarde.
Um dos corpos atléticos veio cambaleando em sua direção, caiu sobre ele e
soterrou-o. Durante a queda os dois corpos roçaram a chave geral e a colocaram na
posição zero...
Quando a pressão terrível de oito gravos desapareceu de repente, o cheborparnense
cuidou primeiro de Aidala, que estava inconsciente. Do nariz, dos ouvidos e da boca saía
sangue, mas não parecia que ela estivesse ferida.
Depois disso foi à sala de controle, onde deparou com um quadro horrível. Nem
Torston nem os dois ertrusianos davam qualquer sinal de vida.
***
Quando a notícia da morte de Vandian Torston chegou ao Almirante Cadro Tai
Hun, ela fora completamente desfigurada.
“Dois ertrusianos sob as ordens do Coronel Korstan Tiesch mataram Vandian
Torston à traição, quando queria fugir com sua amada. Torston ainda conseguiu matar
os dois...”
— Isso não basta — disse o Almirante Tai Hun. — Um ato como este não pode
ficar sem castigo.
A primeira coisa que fez foi fazer uma proclamação à guarnição de Quinto-Center.
Sua voz trêmula de raiva saiu de todos os alto-falantes — e o ultimato foi ouvido em
todos os setores de Quinto-Center.
— Homens de Quinto-Center! Deponham as armas e rendam-se! Minha proposta
continua de pé — todos estarão livres para sair. Mas isto não se aplica mais àqueles que
responderam ao meu apelo de paz usando a violência. Os assassinos de Vandian Torston
devem pagar pelo que fizeram! Os outros não terão nada a temer, desde que se rendam
dentro de uma hora.
O prazo passou sem que um especialista que fosse se tivesse passado para as fileiras
do Almirante Tai Hun.
— Muito bem — disse o almirante e tomou medidas drásticas.
Todos os homens disponíveis foram colocados sob as ordens dos ertrusianos e dos
vulposenses, que receberam ordem de trazer armas de todas as espécies e calibres,
preparar posições de combate e organizar fortes grupos de choque incumbidos de tomar
de assalto as posições dos imunes de Quinto-Center.
Depois disso o almirante entrou em contato com a tliagota Teetla, que continuava a
ocupar o centro de computação positrônica da base.
— Teetla, a senhora é minha maior esperança — disse o almirante. — O centro de
computação positrônica representa uma arma poderosa, contra a qual os inimigos
praticamente não terão nada a opor. A senhora pode controlar todos os processos vitais,
Teetla. Deixo os detalhes por conta de sua criatividade, mas aproveite as oportunidades
da melhor maneira.
11
Eram condenados.
Os arautos, que em sua tremenda ilusão acreditavam que deviam pegar em armas
para defender a própria vida. A guarnição de Quinto-Center, que era de opinião que tinha
de defender-se de conquistadores sem compaixão. E os débeis mentais, que vagavam
pelos corredores sem fim de Quinto-Center sem saber o que estava acontecendo.
Estavam todos condenados.
A morte passou a ser sua companheira fiel.
— Que coisa horrível — disse o Coronel Tiesch enquanto abria o fecho de seu traje
de combate.
— O calor está cada vez mais insuportável — concordou Stanch, o barnita
trombudo.
— É verdade — disse o Coronel Tiesch e enxugou o suor. — A temperatura já está
em mais de trinta graus centígrados e continua a subir. Mas não foi a isso que me referi.
Estava pensando na situação em que nos encontramos. Nesta galáxia existe uma
percentagem insignificante em meio às massas de débeis mentais. E alguns deles se
encontram e quebram as cabeças uns dos outros por causa de uma diferença de opiniões
sem a maior importância.
Não era somente o calor que começava a tomar-se insuportável na sala de comando
principal para a qual a guarnição de Quinto-Center se tinha retirado. O teor de oxigênio
do ar também baixava rapidamente. Os homens sentiram falta de ar. Somente
Cheborparczet Faynybret parecia ter-se adaptado mais ou menos às novas condições.
Mas seu aluno siganês Mortom Kalcora vivia queixando-se de tonturas. Por isso fechara
o capacete de seu traje de combate voador, tornando-se independente quanto ao
suprimento de ar.
— Está na hora de seguirmos seu exemplo, colocando os trajes pressurizados —
disse Roi Danton quando viu que o número de pessoas que sofriam de falta de ar
aumentava constantemente.
A temperatura no interior da sala de comando já chegara a quarenta graus
centígrados. O teor de oxigênio do ar era cada vez mais reduzido; o sistema de
regeneração deixara de funcionar. O nitrogênio que saía dos pulmões das pessoas já não
era removido. O ar insuflado pelas instalações de ventilação continha uma percentagem
perigosamente elevada de dióxido de carbono.
Depois que alguns dos imunes entraram em colapso sob os efeitos da falta de
oxigênio, o Coronel Tiesch mandou distribuir trajes pressurizados.
— Tudo isto é devido a um erro de programação do centro de computação
positrônica — disse o Coronel Tiesch dali a pouco pelo rádio instalado nos capacetes. —
O Almirante Tai Hun quer sufocar-nos para que sejamos obrigados a sair daqui.
— O centro de comando principal forma um sistema completamente independente
dentro de Quinto-Center — contestou Roi Danton. — Aqui existe tudo de que
precisamos para sobreviver, inclusive alguns computadores positrônicos de bom
desempenho. Não seria possível interromper o contato com o centro de processamento de
dados da base para tornar-nos independentes?
— Em outros tempos isso seria possível, mas na situação em que nos encontramos
infelizmente não é — respondeu o Coronel Tiesch. — Depois que teve início o processo
de deterioração mental houve uma falta de mão-de-obra qualificada que nos obrigou a
fazer uma reprogramação. Esta reprogramação nos tornou dependentes do centro de
computação positrônica da base. Como além disso fomos obrigados a desmontar ou
desligar os complementos de plasma atingidos pela onda de deterioração mental, houve
grandes brechas em nosso sistema positrônico. A subordinação ao centro principal trouxe
muitas vantagens. Quem iria imaginar que isso acabaria sendo nossa desgraça? Enquanto
os arautos do paraíso estiverem em condições de manipular o centro de computação,
estaremos a sua mercê.
Pela primeira vez o professor exialista Persaito entrou no debate. Ele, que estava
acostumado a improvisar nas mais diversas situações, não podia acreditar que não havia
esperança.
— Deve haver um meio de escaparmos ao arbítrio dos arautos do paraíso — disse.
— Possuímos armas, ferramentas e peças sobressalentes em quantidade suficiente. As
reservas de mantimento e oxigênio podem abastecer-nos por muito tempo. Já que não
podemos exercer nenhuma influência sobre o centro de computação positrônica, devemos
ser capazes de instalar um sistema provisório de ventilação.
— Teoricamente isso seria possível — confirmou o Coronel Tiesch. — Mas não
dispomos de gente para o trabalho. Meu pessoal está ocupado compensando
manualmente os erros de comando emitidos pelo centro de computação positrônica. Se
não nos esforçássemos ao máximo para neutralizar as manipulações dos arautos do
paraíso, já estaríamos perdidos. Basta considerar os reatores que fornecem energia. Já
estão sobrecarregados e são aquecidos cada vez mais por causa dos erros de
programação. Se não recorrêssemos constantemente a certos truques para reduzir a
velocidade das reações nucleares talvez já teria havido uma explosão atômica que
destroçaria Quinto-Center. Não podemos dedicar-nos a outros tipos de trabalho.
— Nem pensei em tirar seus homens dos postos que ocupam — esclareceu Persaito.
— Estava pensando nos robôs de que dispomos no interior do centro de comando.
Mesmo que se trate de robôs de combate, deve ser possível... Que foi, coronel?
O Coronel Tiesch ficara pálido. Ele e Roi Danton entreolharam-se e o coronel viu
estampado nos olhos do filho de Perry Rhodan o mesmo temor que o afligia.
— Os robôs de combate podem ser controlados a partir do centro de computação
positrônica — exclamou Roi Danton. — Receio que apesar de tudo tenha de tirar alguns
homens dos postos, coronel. Ceda-me vinte especialistas. Tentarei evitar a desgraça.
O Coronel Tiesch pediu aos homens que se oferecessem como voluntários.
Apresentaram-se mais do que Danton precisava. O filho de Rhodan escolheu vinte
lutadores experimentados e entregou-lhes armas térmicas e desintegradores.
O barnita trombudo Stanch, o CheFe e os dois terranos que o acompanhavam
juntaram-se ao grupo.
Mas antes que pudessem entrar em ação apareceram os primeiros robôs. Eram dez
que de repente entraram no pavilhão gigantesco vindos de todos os lados e abriram fogo
imediatamente. E seu número aumentava cada vez mais.
O ataque veio tão de repente que alguns imunes nem tiveram tempo de proteger-se.
Vários deles consumiram-se nas fogueiras energéticas, juntamente com os consoles à
frente dos quais estavam sentados despreocupadamente.
Outros foram alertados pelos gritos de agonia e de pavor que soaram nos
microfones instalados em seus capacetes. Trataram de proteger-se e puseram as mãos
automaticamente nas armas espalhadas pelo
pavilhão, mas alguns não chegaram ao
destino vivos.
O gigantesco pavilhão transformou-se
num inferno de fogo. Pingos de metal
derretido caíam das paredes de instrumentos,
as energias liberadas queimaram fios e
isoladores e geraram descargas elétricas
mortais.
Dentro de alguns segundos morreram
dez imunes, alguns com os tiros energéticos
disparados pelos robôs, outros por causa das
energias desencadeadas pelas instalações
destruídas. Dez seres inteligentes tinham
perdido a vida antes que tombassem os
primeiros robôs.
Danton abrigara-se atrás de uma
saliência. Segurava um desintegrador pesado
embaixo de cada braço e cobria a frente dos
atacantes com seus raios mortíferos.
O caos era tamanho que nem se podia
pensar numa resistência organizada. Era impossível comunicar-se em meio à confusão de
vozes que soavam nos radiocapacetes. Ordens se perdiam sem serem ouvidas, eram
abafadas por gente praguejando e gritando. Cada um só podia contar consigo mesmo. Era
uma luta impiedosa do homem contra os robôs, uma luta implacável de lado a lado. De
um lado o ser humano defendendo sua preciosa vida, do outro lado as máquinas
impelidas por um só comando programado: matar, matar, matar!
Tornava-se cada vez mais difícil para os robôs identificar os alvos. Toda vez que
seus braços armados se ajustavam num objeto, quando os feixes energéticos mortais e os
raios que dissolviam as moléculas caíam sobre um objeto, eles batiam em campos
defensivos impenetráveis. Antes que as estruturas energéticas pudessem ser
sobrecarregadas e entrassem em colapso, os imunes saíam da linha de tiro.
Depois que passou a maior confusão entre os imunes, Roi Danton e o Coronel
Tiesch conseguiram formar dois grupos. Estes grupos cercaram os robôs e abriram fogo
de todos os lados ao mesmo tempo. O fogo concentrado rompeu os campos defensivos e
desmanchou os robôs um após o outro.
A luta terminou tão de repente como tinha começado. Mas os imunes não puderam
gozar o triunfo. Tinham perdido muitos companheiros.
— Nunca vi seres humanos serem obrigados a sacrificar a vida de uma forma tão
absurda — disse Danton em tom deprimido.
Mal acabara de falar, quando uma voz exaltada se fez ouvir no alto-falante instalado
em seu capacete. Todos ouviram um dos especialistas em rastreamento informar:
— Robôs! São centenas deles vindos de todos os lados para o centro de comando.
Os imunes ficaram apavorados.
O Coronel Tiesch logo se recuperou do choque e começou a dar ordens. Mandou
que todas as escotilhas fossem fechadas e que os campos defensivos energéticos fossem
ativados. Como muitos controles tinham sido destruídos durante a luta, as escotilhas
tiveram de ser fechadas manualmente. Além disso tinha sido destruído um dos cabos
principais do sistema de abastecimento de energia. Por isso foi necessário tirar do
depósito as peças necessárias à criação de campos energéticos tubulares, que garantia o
abastecimento sem fio dos campos defensivos.
Kalcora saiu para cumprir sua missão.
***
Os arautos do paraíso mostraram uma despreocupação que beirava a leviandade. Já
se sentiam como donos de Quinto-Center. A maior parte das posições de artilharia por
eles montadas nos corredores que cercavam o centro de comando estava desguarnecida,
as pessoas tinham-se retirado para as salas de recreação. Ao que parecia confiavam que
os robôs resolveriam o problema.
Quando chegou ao centro de computação positrônica da base, Mortom Kalcora viu
que as escotilhas nem sequer tinham sido protegidas. Mas apesar disso teve de esperar até
que aparecesse alguém que abrisse a escotilha para entrar às escondidas nos recintos em
que ficava o centro de computação.
Kalcora voou para as vigas do teto que ficavam a trinta metros de altura, onde não
podia ser visto, mas estava em condições de observar tudo que acontecia. Além disso
ligou o microfone externo de seu traje de combate para acompanhar eventuais conversas.
— Cheguei ao destino — comunicou ao CheFe, com o qual mantinha contato pelo
rádio. — Esperava que o centro de computação estivesse protegido que nem uma
fortaleza. Mas não está. Aqui só há duas pessoas, dois indivíduos adaptados ao ambiente.
Um deles é a mulher-inseto, que veio a Quinto-Center com o Almirante Tai Hun. O outro
é um humanóide masculino de estatura alta, cuja pele de rosto parece ter sido esticada,
dando a impressão de que pode rasgar-se a qualquer momento.
A resposta do CheFe veio dali a pouco, depois que o Coronel Tiesch tinha fornecido
outras informações sobre a identidade do indivíduo adaptado ao ambiente.
— Seu nome é Dr. Akot Tantritz — disse o cheborparnense. — Faz parte da
guarnição de Quinto-Center e ocupa o posto de Cibernético-Chefe. Provavelmente foi
obrigado pelos arautos do paraíso a trabalhar para eles. Tente estabelecer contato com o
Dr. Akot, Mortom.
— Não estou gostando — murmurou Kalcora. —Não parece que o Dr. Tantritz
esteja sendo pressionado. Deve ter ficado só todo o tempo, sem ser vigiado, pois a
tliagota entrou comigo.
E não há ninguém aqui além deles.
— Não é possível que o Dr. Tantritz colabore espontaneamente com os arautos do
paraíso — disse o chefe. — Tenha cuidado, Mortom.
O alerta não teria sido necessário. Mortom Kalcora já sacara a arma paralisante de
dois metros de comprimento. Não acreditava que não houvesse guardas no local. Se havia
e a gente não os via, então...
O microfone externo transmitiu um ruído quase imperceptível vindo da esquerda.
Mortom virou-se com o paralisador em posição de tiro.
Viu dois indivíduos da mesma espécie a menos de um metro de distância.
Tratava-se de siganeses como ele — mas havia algumas diferenças. Usavam armas
energéticas mortais. Além disso não davam a impressão de que se tratava de débeis
mentais.
— Que surpresa — disse um dos siganeses em tom irônico. — Um companheiro
que veio para fazer-nos companhia. Quer dizer que valeu a pena ficarmos aqui em vez de
nos retirarmos com os outros.
Essa observação levou Kalcora a acreditar que não havia outros guardas no centro
de computação além dos dois que estavam a seu lado. Resolveu ficar calado por
enquanto. Só falaria depois que alguém lhe fizesse uma pergunta.
— Como veio parar aqui? — perguntou o outro. — Por acaso, ou por ordem do
Coronel Tiesch?
O primeiro siganês fez um gesto de desprezo.
— Olhe para ele. Seu olhar estúpido diz tudo — observou em tom de pouco-caso.
— É um débil mental.
Kalcora não se sentiu ofendido. A observação mostrava onde estava sua chance —
devia fazer-se de bobo.
— Vocês... vocês falam tão esquisito — disse gaguejando. — Até parece que
sempre estiveram aqui. Não fugiram do diabo e dos lobos?
— Não temos medo do grande lobo mau.
— Que coisa horrível! — murmurou Kalcora, dando a impressão de que ainda
estava assustado. — Caíram sobre nós e tocaram-nos até a periferia de Quinto-Center.
— Por que voltou?
Kalcora ia inventar uma resposta, quando teve a atenção distraída por um incidente
que ocorreu lá embaixo.
Até então a tliagota e o lancourense conversavam normalmente. A única coisa que
Kalcora compreendeu foi que se tratava de fazer certas programações com as quais o Dr.
Tantritz não concordava. A única resposta que a tliagota teve às suas objeções foi uma
risada estridente. Vivia repetindo que depois de ter-lhe explicado os controles mais
importantes estava completamente indefeso.
— Não assistirei mais a tamanha loucura — gritou o Dr. Tantritz de repente, em
tom exaltado. — A senhora ativou os robôs programados para matar. Já mediu as
consequências?
— É claro que sim — respondeu a tliagota com a voz estridente. — Pensei em tudo.
Todos nós carregamos um minúsculo aparelho de rádio que emite impulsos sem parar.
Estes impulsos podem ser captados pelos robôs e produzem um efeito de não-agressão.
Qualquer pessoa que possua um transmissor destes está livre da ação dos robôs.
— Não acredito numa palavra do que diz — afirmou o Dr. Tantritz. — Só quer
acalmar-me. Se todo mundo possui um transmissor desses, para que serve a ativação dos
robôs? Por que eu não recebi nenhum transmissor?
— Naturalmente eu quis dizer que os arautos do paraíso dispõem desse tipo de
transmissor — disse a tliagota com a voz fria. — O senhor não faz parte da guarnição de
Quinto-Center?
— Quer dizer...?
— Sim. Quer dizer isso mesmo.
— O que está acontecendo lá embaixo? — perguntou Kalcora aos siganeses.
Teve de esforçar-se para dar um tom de indiferença à sua pergunta.
— Você não é capaz de compreender — disse um dos siganeses. — Seria melhor
dar o fora.
Kalcora estava satisfeito. Conseguira enganar os guardas. Só faltava descobrir um
meio de pô-los fora de ação. Ainda não tivera oportunidade para isso.
A discussão dramática entre o Dr. Tantritz e a tliagota estava chegando ao auge.
— Exijo que interrompa imediatamente a marcha dos robôs, senão... — gritou o
lancourense.
— E se eu me recusar? — perguntou a tliagota em tom de deboche.
— Eu a previno — disse o Dr. Tantritz, que se esforçava ao máximo para não
perder o autocontrole. — Não me obrigue a tomar medidas extremas. Não ficarei de
braços cruzados vendo-a arriscar levianamente a vida de mais de duzentos seres
inteligentes.
— O que faria se soubesse que já houve combates entre os imunes e os robôs? —
perguntou a tliagota em tom de desafio.
— Diga que não é verdade!
— Para isso eu teria de mentir.
Sem dar atenção à arma apontada para ele, o Dr. Tantritz virou-se abruptamente,
pôs a mão atrás do console e tentou pegar uma arma térmica. No momento em que
apontava a arma foi atingido no peito pelo raio energético saído da pistola da tliagota.
Apertou o gatilho no mesmo instante.
Mortom Kalcora virou o rosto e viu que os dois guardas siganeses estavam atentos
no que acontecia embaixo deles. Aproveitou a oportunidade para imobilizá-los com duas
rajadas rápidas da arma paralisante. Um deles ficou deitado na viga, mas o outro perdeu o
apoio e caiu. Kalcora saiu voando e ainda conseguiu pegá-lo antes que batesse no chão.
Depois de livrar-se da carga, Kalcora voou para junto da tliagota e do Dr. Tantritz.
A mulher-inseto estava morta, mas o lancourense ainda vivia. Apresentava uma ferida
perigosa no peito, mas se tivesse cuidados médicos, sem demora, ainda poderia ser salvo.
— Ainda não vou morrer — garantiu o cibernético-chefe de Quinto-Center, com a
voz fraca. — Primeiro temos de interromper a marcha dos robôs.
O Dr. Tantritz interrompeu-se. Um som gutural passou pelos seus lábios quando viu
que o elemento de entrada por meio do qual os robôs podiam ser reprogramados fora
destruído por tiros energéticos disparados durante a luta.
— Só existe um meio de evitar a desgraça — disse o Dr. Tantritz enquanto fitava o
siganês.
— Diga logo qual é — insistiu Kalcora, que ligara o alto-falante externo no volume
máximo para ser ouvido.
— Só existe uma possibilidade... Alguém do seu tamanho teria de entrar nos
computadores positrônicos e apagar a programação, mexendo diretamente nos bancos de
dados.
***
Os robôs estavam marchando.
Saíam de todos os depósitos, das espaçonaves estacionadas nos hangares, das
oficinas.
Marchavam em direção ao centro de comando. Suas instruções eram bem claras.
Deviam conquistar o centro de comando e combater os inimigos. Um robô de combate
pensava, seguia as instruções recebidas cm forma de impulsos de rádio. Tinham sido
programados para conquistar o centro de comando. O meio de fazerem isso não fora
previamente determinado. Por isso destruíam e matavam qualquer coisa que entrava em
seu caminho.
Só conheciam uma forma de inibição. Se recebessem impulsos de rádio em certa
frequência, ficariam incapacitados de “agir”. Em outras palavras, o impulso de rádio
paralisava a parte de sua programação que, quando avistava um objeto transmitia ordem
de atirar aos braços armados. O bloqueio permanecia enquanto o robô ficasse ao alcance
do transmissor. Depois disso o efeito de não-agressão era anulado.
Toda vez que um robô se defrontava com um arauto do paraíso ele recebia estes
impulsos e o bloqueio era criado. O robô não estava em condições de usar suas armas
mortíferas.
Fora disso não havia nenhuma restrição à ação dos robôs.
Marchavam e destruíam.
Os primeiros alcançaram o centro de comando principal.
Abriram fogo contra o campo defensivo. Vinte, trinta robôs apontaram as armas
para um mesmo ponto, aumentando o efeito dos raios energéticos. Se o centro de
comando fosse protegido por um campo paratron, os robôs não poderiam causar nenhum
estrago. Mas as usinas nucleares sobrecarregadas não estavam em condições de fornecer
energia que bastasse para alimentar um campo hiperenergético. Por causa de um erro de
programação do centro de computação positrônica grande parte da energia gerada pelas
38 usinas nucleares era desviada para os canhões térmicos, desintegradores e canhões
vibratórios, que a lançavam sobre a superfície de Quinto-Center ou para o espaço.
Este desperdício de energia produziu o superaquecimento dos reatores, cuja
temperatura subiu até o limite da tolerância. Desta forma os defensores de Quinto-Center
não tiveram energia para a ativação de um campo defensivo mais eficiente.
O campo defensivo entrou em colapso. Os robôs continuaram sua marcha, abrindo
caminho a tiros energéticos através das escotilhas de aço terconite.
Cerca de duzentos imunes resignaram-se com a ideia de que iam morrer. Era um
quadro fantástico. Milhares de máquinas de guerra interromperam seus movimentos de
repente, os feixes energéticos saídos de seus braços armados cessaram abruptamente.
Acontecera um milagre — um milagre realizado por um siganês de 10,03
centímetros de altura. Pelo siganês Mortom Kalcora, um dos débeis mentais da Galáxia,
que, impelido por uma vontade inquebrantável, aprendera a lidar com aparelhos
complicados. O homem minúsculo de Siga tinha entrado no conjunto de computadores
centrais e mexendo em alguns controles fizera parar o gigantesco exército de robôs.
Cerca de duzentos imunes respiraram aliviados.
Os robôs voltaram a movimentar-se. Só que desta vez não atacaram o centro de
comando, mas espalharam-se em todas as direções. Graças a uma reprogramação
realizada por Mortom Kalcora, já não podiam pôr em perigo a vida de nenhum ser.
Mas os arautos do paraíso não sabiam disso. E não sabiam que os robôs passaram a
reagir aos impulsos de rádio que antes impediam seus movimentos.
12
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http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?rl=cpp&cmm=66731
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?
cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1