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Bantu Steve Biko

15. Sobre a morte


Estas palavras foram tiradas de uma entrevista com um homem de negócios
americano, realizada alguns meses antes da derradeira prisão e morte de Steve, mas que
só foi publicada no New Republic no dia 7 de janeiro de 1978. Elas dispensam qualquer
comentário.

Escrevo o que eu quero.


Sobre a morte

A gente ou está vivo e orgulhoso, ou está morto. E quando se está morto, a gente
não liga mesmo. E o modo como se morre pode ser, por si mesmo, uma coisa que cria
consciência política. Assim, a gente morre nos tumultos. Para um número muito grande, na
verdade, não há realmente muito o que perder – quase que literalmente, dado o tipo de
situações de que provêm. E assim, se a gente puder superar o medo pessoal da morte, que é
uma coisa altamente irracional, sabe, então a gente está a caminho.
E no interrogatório o mesmo tipo de coisa se aplica. Eu estava falando com um
policial e dissa a ele: “Se quer que façamos progresso, a melhor coisa é falarmos. Não tente
nenhum tipo de brutalidade, porque simplesmente não vai funcionar”. E isso também é
absolutamente certo. Porque eu simplesmente não podia imaginar o que poderiam fazer
comigo, que me fizesse de repente ficar mais maleável para eles. Se ele falarem comigo,
bem, certamente vou ser afetado por eles como seres humanos. Mas no minuto em que
usarem de brutalidade, estão imprimindo em minha mente o fato de serem da polícia. E eu
só conheço um modo de tratar com a polícia e é o de colaborar o mínimo possível. E assim
eu me fecho. E eu disse isso a eles: “Depende de vocês”. Tivemos uma luta de boxe no
primeiro dia em que me prenderam. Um cara tentou me dar uma bordoada com um porrete.
Fui para cima dele como um touro. Acho que ele tinha recebido instruções para chegar só
até certo ponto, e não mais, e usando as mãos abertas de modo a não deixar nenhuma marca
no rosto. E naturalmente ele disse exatamente o que o senhor estava dizendo agora há
pouco: “Vou matá-lo”. Ele pretendia me intimidar. E minha resposta foi: “Quanto tempo
você vai levar?”. É claro que eles estavam observando minha reação e eles podiam ver que
eu não estava nem um pouco preocupado. Se eles me espancam, é uma vantagem para mim.
Posso usar isso. Eles tinham acabado de matar alguém na cadeia – um amigo meu -, uns
dez dias antes de eu ter sido preso. Agora, teria sido uma prova tremendamente útil se eles
me espancassem. Pelo menos isso mostraria que tipo de possibilidade havia, que tinham
levado à morte desse cara. Assim, eu queria que eles fossem em frente e fizesse o que
pudessem, para que eu pudesse usar isso. Eu não estava realmente com medo que a
violência deles pudesse me levar a revelar coisas que eu não quisesse, porque eu não tinha
nada a revelar sobre esta questão em particular. Eu estava agindo a partir de uma posição
muito boa, e eles estavam numa posição muito fraca. Minha atitude é: não vou permitir que
eles executem fielmente o programa deles. Se eles querem me surrar cinco vezes, só podem
fazer isso de eu deixar que eles me surrem cinco vezes. Se eu reagir impetuosamente, de
maneira idêntica e oposta, logo no primeiro golpe, eles não vão ser capazes de contar os
quatro golpes seguintes, sabe. É uma luta. De modo que eles pretendiam me surrar só até
um certo ponto e não mais, minha idéia é fazer com que vão além do que eles pretendiam e
devolver o máximo que eu puder, de modo que se torne uma coisa incontrolável. Percebe
qual era o único problema que esse cara tinha comigo? Ele não podia realmente lutar
comigo porque isso queria dizer que ele teria que revidar como homem, mas ele tinha
recebido instruções, sabe, sobre como bater, e agora estas instruções não valiam mais,
porque era uma luta. E assim ele tinha que se retirar e receber outras instruções. Assim, eu
disse para eles: “Escutem, se vocês querem fazer isso do seu modo, vão ter que me algemar
e amarrar meus pés juntos, de modo que eu não possa reagir. Se me deixarem reagir,
certamente vou reagir. E tenho medo de que poderão ter que matar no decorrer do processo,
mesmo que não seja a sua intenção.”

“Sobre a Morte", trecho de uma entrevista com Bantu Steve Biko.


Núcleo de Estudantes Negras “Ubuntu” / Universidade do Estado da Bahia – UNEB

ubuntu_uneb@yahoo.com.br

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