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Tae eRe A a) ei a i | ARTE CONCEITUAL Uma IntRopucAo A ARTE ConcEITUAL ‘Como convém a wna ate do pensamento, “arte conceinual” propée problemas desde 0 inicio. O que foi? Quando ocorrea?(Bstars ainda sendo crada, hoje em dia, ou jf ser coisa do “passado”2) Onde ocorrew? Quem a produzi? (Devemos considerac "x um artista conceitual, ou no?) E,enfim, a pergunta central: por qué? Por que produ uma forma de art visual baseads na destregio das daas peincipaiscarateristicas da art tl como ela chegou até nés na cultura ocidental. ou sea, a produsio de objetos que ppuessem ser vstos eo olhar contemplativ, propriamente dito? [Sg] Esse nao & apenas um recurso retrico para iniciar um livro sobre o assunto. Essas {questdiessio reais, Nao est de modo algum claro onde se devem fixar os limites da “arre concetual”, quais os artistas e quals as obras a serem incluios. Se observada a partir de um determinado angulo, a arte concetual acaba por se assemelhar um poco 20 gato Cheshire de Lewis Carroll ~ que 30s poucos se dissolve, até que nada mais teste a aio serum sorriso, ut seja: um punhado de obras feitas num periodo de poucos anos por ui niimero restrto de artists, o mais importante dos quai logo se pos fazer outras coisas. Eno entanto, quando observada sob um outro aspecto, 2 arte concetual pode assomar como o ito em torno do qual o passado se ‘ransformou em presente: o passado modemista da pintura vista como a arte por cxcelénca, o cinone que se estende de Cézanne a Rothko, contrapasta ao presente ppos-moderno em que espagos contemporineos de exposigdes estio tepletos de tudo ede qualquer coisa, de tubardes a forografias, de pilhas de lixo a videos de telas smiltiplas—repletos, 20 que parece, de tudo, exceto de pintura moderna O legado da arte conceitual nio € além disso de modo algum consensual, Grande parte dos envolvidos esta ainda viva e quest6es como status e prioridade ee i so defendidas com extremo zelo, Em meades da década de 90, membros antigos ¢ atuais do grapo inglés Arte & Linguagem promovesam uma guerra verbal na Jmprensa com relagio & hist6ria de suas aividades em meados da década de yo. No catilogo de 1989 dedicado 3 exposigio Arte Conetual no Centre Pompidou, em Paris —a primeita grande exposigio a reconhecer a arte conceal como um fendmeno histérico— 0 artista Joseph Kosuth acusou o historiador Benjamin Buchloh de ser partiirio e endencioso, depois de Buchloh té-lo acusado de :mentir sobte seu verdadeito papel nas origens do movimento. Mas esse no era um fendmeno novo. Jf em 1973, 0 artista americano Mel Bochner recebew a tenativa da critica Lucy Lippard de catalogar os desenvolvimentos da arte conceitual de 1966 1972 em seu liveo Six Kars com uma veemente condenasio, publicada nas paginas da Arforwn, 2 mais importante revista de arte daquele periodo, Segundo Bochner, as se Lippard etam “confusas”e "arbiteirias”, um ato de “mi-fé" cujo resultado se testimia a pouco mais do que uma “parddia” daquilo que realmente acontecera. Muito mais tarde, na década de 90, quando a arte conceitual “histtica” comesou a se tornar objeto de curadatias numa escala maior, a propria Lippatd voltou a sua atengao para aqueles que agora se maltiplicavam para explicar a sua impottncia,afirmando, em um artigo, que nao confiava nem nas memSrias dlaqueles que haviam estado li, nem na suposta visio autorititia dos historiadores ‘que nfo tinham visto de perto 0 movimento. ‘Tampouco sio consensuais os relatos histéricos surgidos, O retrospecto de Lippard narra um conjunto de esforgos ~ em que ésignificativa a participacio de mulheres e artistas latino-americanos — para romper com os protocolos do ‘modernismo, tio, ele proprio, como um bom cliente das amplas estuturis norte- americanas de poder. criticoe historiador Chatles Harrison vé a arte conceituale ‘specialenteo trabalho do grupo Arte & Linguagem nfo comio uma ruptara ém selagio aos principios do modernismo, em nome dem novo engajamento com a smodernidade social, mas como uma necessiia reformulagio dos fundamentos da Independencia critica da arte. Para ele, o engajamento com amodernidade social ea independéncia extética nde sio opostas. Beajamin Buchlah, por sua vez, julgoua ‘obra de pelo menos alguns dos mais importantes artistas que produziam arte conceal como uma “estética de administacio”, ow sje, umn reflexo das estrutitas do capitalism ocidental na sua fase administetiva e pés-industrial; para Buchloh, a Sinica pritica “conceitual” aceitivel seria a de uma critica das instituigdes culturais. Seria ingénuo, em face dessa visbes contrastantes, supor que esse livro tenha a prstensio de constituir uma analise defniiva sobre a arte conceitual Nomes ‘Até mesmo o nome propde, desde o inicio, uma dificuldade. é me utilize’ da expressto “arte conceitual” para fazer referéncia a uma forma historica de vanguarda que loresceu no final da década de 60 e ao longo da década seguinte. © termo era correntemente empregado na época, para designar uma multiplicidade de atvidades ‘com base na linguagem, fotografia ¢ processos, as quais se esquivavam do embate que enti se efetuava entre, de um lado, a arte minimalstae viras priticas “antiformais” «de outto, a insttuisdo do modernismo, num contexto de eescente radicalismo cultural e politico, O artista americano Sol Le Witt publicou os seus “Parigeafos sobre are conceitual” em 1967, seguidos das "Sentengas sobre arte conceitual” em Language 9 sebiulo "Revista de arte coneetual”.Porém o primeito a empieyar ef expresio “arte conceto” foi o escrtore musica Henry Fins, i ean igs, em nei de atividadesassociadas a0 grupo Fluxus de Nova York. Em um ensio preter publicado na Ant tudo uma arte na qual o material io 0 “conestes" gu Fluxus (1963), Flynt escreveu gue “arte conceito” éseima sp Marna vex que ‘os conctitos' so estrtamentevinculados ing rt ‘onceitual é um tipo de arte na qual o materi iguagem’”. No entanto uma gua influente como Lucy Lippard comentaia qu ura de Flyne da “arte Jesoph Rost CORES Be, or in'fa er (Sonic 1 ipo te ape! pad rece 18 coaceito” baseada no Fluxus tinha poucos vinculos com o que ela ered constitu a arte conceitual década de wecimento disto, ¢ de todo modo, aquele onto em questo nao é s tum estudo vanguarda em Nova York, na segunda metade da 'poucos dos artistas com os quais estive envolvida tinham am tipo diferente de ‘conceito’”. 0 uma discussio dos antecedentes deveria ser excluida de rte conceitual, mas sim que mos st vinculagSes historico-artisticas plausveis, que talvez tenham tio, na realidade, menos impacto sobre a real procudo da arte de scree sgostaria de acreditar a0 escrever historias da art, buscar estabe da €poca do que se phot aco (ea ‘oom is ‘ao 1967 atoosinos fein 119 4n tio Ment he E com tais questies em mente que devemos voltar os olhos pata um terceiro termo, que veio a ter ampla circulasao ~0 “conceitualismo” —e que carrega uma satiedade de significados. Tomando, por exemplo, sua conotasio na imprensa:na fase inicial do concurso Turner Prize 2000, na Tate Britain, em Londres, amn dos jornais ingleses (que nio era ur tabl6ide)voltou-se de maneira neglgente e zombeteira 30 sonceitualismo de animal morto e camas desarrumadas” da arte contemporinea. “Conceieualismo”, a0 que parece, passou a ser identificado, em alguns reduos, como qualquer conjunto de priticas contemporiness que nio se conformam a5 expectativas convencionais de exposigdes de arte, isto é, que mostrem objetosfeitos pelo artista e voltados 4 contemplagio estética. Usado neste sentido, *conceitualismo” torna-se uma espécie de rétulo comum para aquilo que os conservadores dos tipos mais variados repudiam na arte contemporinea. Hi ainda um sentido diametralmente oposto do termo. Tornouse um lugse- comum do politicamente correo a idéia de que 0 modernismo se estabeleceu como a arte do Ocidente e, em particular, da América do Norte e da Europa Ocidental, além do mais, uma arte produzica pelos homens desses lugares. E, uma vez que a arte nga tradigio de atividade de vanguards,afastando-se da pompa e do protocolo da “alta cultura” ymum ¢ cotidiano ecoa uma k sinculada dretamente& burguesia, Uma focografa de 1963 mostra Henry Fyne um colega, Jack Sonith, protestando, 20 modo caraeterstico da vanguarda, na porta de entrada do Maseu de Arte Moderna em Nova York, com Frgeis cartazes pendurados em seus pescosos nos quais se liam “Destruam os Museus de Arte!” ¢ “Destruam a Cultura Sit”, George Maciunas, 0 riador de rome Fa ressaltou a implicasSes sociopoliticas dessa atitude em um cexto publicado como 0 Mano do grupo, ex 1965. A juntamente com definigses excraidas ranjado.a manera de uma colagem — do dicionésio para a palavras “flux” - estara o texto de Maciunas [fig 34} We veld of beurgeei? stexrerg professional Se esmmerta etal URGE the worl of dad Liveem o mando da dosnga burguess, Bc sjoe So fail joke det art, daca “inleal pofeione Bomtetcn. ie eas ace 2 peoketood EME WorLD oF “EVROPANISM” | comercilizada. Livre 0 mando da arte ‘morta, da imitagio, da arte axial, da arte absteata...Promovam uma are viv, ‘oma antares, ma validate nfo aristia, a aa para ser compreendida por todos, nio apenas pelos erccos, dileeantes © profisionais.. Aproximem e amalgsmem ‘9s revolucionitis culurais, soca Agr Ty ‘te be politicos en uma frente unida de agi. grasped yo) proplee, ot only Agora que a paraferndlia do Fluxus esti sendo propria, mumificada nas instituiges de alta cultura, muitas das suas atividades parecem ter mais em comum com Monty Python do que ‘uma frente unida de agi revolucionaria, Mas mesmo esse ponto no deveria ser subestimado, pois 0 the cadres of cultoral & politi ite, revelutianaries Hen cexercici lio foi uma eéplicajustad aregimentagio & 3s ara pretensiosas da cultura do pés-guerra, No fim de 196, rabalhando como projetista aForga Area Americana, Maciunas foi para a é de evou 20 palco dlversos eventos baseados em misia e performances, Entre as pessoas com quer {eve contatoestaa o artista coreano Nam June Paik. No festival do Fluxus em ‘Wiesbaden, em i962, Paik apresentou Ze or lad, em que ele astasavaa sua cabesa, «acharceda de tint, 20 longo de um rolo de papel Olivetti para maguin lemanha, of de escrever, ‘endo como pano de fundo uma pesa de miisica composts por La Monte Young A pega foi intivulada Composrio # 10, 1960, tendo como subsivulo a inscrigio A Bub Mors: Young foi também e itor da Antolgia do Fluxus, que publicara a pesa “Arce 6 0 0 2 9 Bi Vera Pugliese 2 conceito”, de Flynt, assim como um texto de Mortis. Entre aqueles que também se ‘eavolveram com o Fluxus, na Alemanha, estava Joseph Beuys [fig 15. Vale a pena citar a descriglo que Troels Andersen fez da agio de Beuys, Exrisia, de 1066 republicada na antologia Six Years de Lippard Aocthando:se, Buys leneamente empurtou duas pequenas crazes que estavam a0 chio em direclo a0 quadeo-negro; sobre cada urna das cruzs, havia um rel6gio com um alarme ajastivel. No quadro-negro, ele desenhou uma cruz que ento apagou, parcalmente;embaixo, escreves “Eurisia”. O resto da pega consstia em Beuys ‘manobrando, 20 longo de uma linha macada, uma bre morta cujas pernaseorethas tinhar sido estendidas por longasefinas varas cobertas de Ik pret. Quando alebre epousava sobre os seus ombros, as varus tocavam 0 solo, Beays moveu-ce da parede para » quadeo-negeo, onde depositou a lebve. No caminho de volta, zfs coisas aconteceram: cle borrfou um pé branco entre a pernas da bre, ps um termémetzo na a boca © sssoprow para dentro de wi tubo, Depo disso, voltow-se pata 0 quadto-negro onde fors desenhada a crun agora parcialmente apagads e permitiu que alebre punasse as suas corglhas enquanto ele proprio deixava tim pé, amarrado a um disco de ferro, Aueas por sobre um prato similar, colocado sobre o chao. Esse foro conteio principal da aco. (Os sitmbolos sto perfetamenteclatos, so, todos ces, pasiveis de tadogao. A visio dla coz é a separagio entre Ocidente¢ Oriente, Roma e Bizincio, A mea cruz é Unio Européia ea Asia, em diregio& qual a lebre esta caminho. O prato de ferro sobre o chio € uma metifora ~ o caminharé dificil eo solo esta congelad or meio de aividades como essa, Beuys logo se tornou um dos mais proeminences artistas da vanguarda internacional. A incorporagio de animais em suas agbes e atividades como a plantario de drvores, combinadas aextensas sessdes de “ensinamento”, ministradas numa forma live, contribuiram também para que ele fosse visto como uma figura significativa da politica cultural, especialmente no que lz eespeito a0 surgimento do movimento “Verde”, na Alemanha. Mas é preciso também reconhecer que, por mais sugestivas eincomuns que sejam as suas atividades, clas possuem um cariter ambivalence. Ainda que a ago Euésia possa funcionar alegoricamente, é duvidosa a afirmagio de que os seus simbolos sejam ““inteiramente claros”. Parte do que ocorteu na modernidade fo a fatura do simbolismo public, cou o seu enfraquecimento diance dos termos ¢ temas da midia de massa. Alegorias como as que foram representadas aqui requerem., para que possam funcionar, que se recorra a uma definisSo previamente estipulada (“A eruz apagada significa "A lebre morta significa.."; "Gordura significa X”; “Pelto significa Y" e assim por ante). Eisso implica uma acvitagio da autoridade ou, mais precisamente, da auroridade do artista concebido como um xami. Beuys talvez oferega, realmente, uma critica a0 materialismo da sociedade de consumo ¢ 3s relagSes de poder No encanto, 20 falar una linguagem de habiltasio ede oportunidade (como no set argumento de que “Nio apenas uns poucos si0 chamados, mas todos”), ele usa uma autoridade carismética para estabelecer 0 sew ponto de vista, Uma das coisas que se podem dizer entZo, calvez de modo “perfetamente claro", é que Beuys pode ser posicionado no interior de uma tendénciairracional da arte e do pensamento lemes que tem as suas raizes no fim do século XVI ou, mais precisamente, na

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