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BARBARA FREITAG A TEORIA CRITICA: ONTEM E HOJE aici Nee omanites Copyright © by Barbra Freitag, 1986, ‘Nenhma parte desta publicagio pode ser gravada, Pesta seer res 1 corp lela eno umes seccene ISBN 85-11-14060.3 Acorn rts: ontom je. Babs Fesig, ~ Sto Paulo: raslense, 2008 rsp: 50 de 1094, |Sbw85-11-14060'3 |. Bicol de rani Soaps 2 Tern ice Titulo ee nes para eatilogy ssemstic: |. Bonde Frit de Ssialogin 301 2 Toca cries Sodolopa al Iivrariabrostense sa. on Enis Mango, 216~ Tetage CEP U8956-000 Sho Palo? "Honan (xi) 665-0188, Indice Introdugao ee 7 Ohistérico da Escola de Frankfurt. 9 Ocontetido programitico da teoria critica 31 'A teoria critica depois deHorkheimere Adorno 105, Conelusbes + 149 Bibliografia 2 157 O contetido programatico da teoria critica octet ed nn de wera, ‘dieine Introdusto ‘Na primeira parte deste trabalho foi dada énfase a dimensao hist6rica da Escola de Frankfurt. Nesta ‘segunda parte sero focalizadas as idéias ¢ temas cen- {rais que movimentaram o debate entre os teéricos de Frankfurt e seus eriticos. Com isso, torna-se possivel transcender 0 nivel meramente descritivo da primeira parte, privilegiando-se a discussio de contedidos e or- sganizando-se 0 material em torno de certos eixos temé- ticos, inicialmente jé relacionados (a dialética da ra- zo, a dupla face da cultura e a questo do Estado). 4A escolha desses entre os muitos temas e problemas ebatidos pelos eriticas de Frankfurt segue alguns eri trios que merecem uma breve explicagio, » Tuan eREETAG Pi primeiro lugar, 6 necessirio delimitar este es- tudo, j@ que seria impossivel em um pequeno volume ddidatico considerar sodos os tomas refletidos e levan- tados pelos frankfurtianos. A selegdo aqui feita ba seou-se, em segundo lugar, no crtétio da persisténcia , © reincidéncia dos temas durante todo 0 periodo de rodugdo dos teéricos criticos filiados & Escola entre 1920 © 1985. Os trés temas acima mencionados — 4 dialética da razto iluminista e a critica & cifncia, 4 dupla face da cultura ¢ a discusso da indstria eul tural, e a questio do Estado e suas formas de legit ‘magio na moderna sociedade de consumo — sempre estiveram presentes nos trabathos dos frankfurtianos Permeando, as vezes em conjunto e as veres de forma isolada, praticamente todos os trabalhos dos autores. Hovve, como veremos a'seguir, um deslocamento do interesse te6rico — inicialmente explicitado por Hor- kkheimer — de problemas diretamente ligados & he- ranga marxista (como as earacteristicas da sociedade capitalist baseada na divisto do trabalho, na produ- eo da mereadoria ¢ da troca no mercado, a organi zagio do poder ¢ a repressio pelo Estado ou a luta de lasses) para uma reflexio centrada em temas da cul: tura, em especial a estética (antes de mais nada a mé- sica), gragas as contribuigées especificas de Adorno, depois da retomada das atividades do Instituto em Frankfurt (depois de 1950). A organizagio do material produzido pelos frank- furtianos em torno de certs eixos teméticas permite fugir A seqiéncia cronol6gica ou A tendéneia indivi dualizada e biografica, evitando assim repetigdes des necessirias. Possibilita, por isso mesmo, a exploracao mais aprofundada de certos temas. A organizagao temitiea do material levanta, con- tudo, uma série de problemas que também deveriam [A TEORIACRITICA:ONTEME HOME » ser conscientizados pelo leitor a fim de que nilo se dei- xe seduzir por simplificagées apressadas e homogenei- zagbes indevidas. ‘A distingtio desses eixos tematicos tem ainda uma funcao didética, embora obedeca por vezes a uma ne ‘cessidade puramente logica. A distingdo proposta & de exclusiva responsabilidade da autora, nao sendo suge- rida por nenhum dos representantes da Escola, se bem «que se encontre implicita na obra de todos eles, Como 8 foi dito, os trés temas se permeiam, entrelagam e confundem, tanto na realidade analisada quanto na obra dos autores. O procedimento analitico sugerido ajuda a distinguir melhor certas dimensbes do real, representadas pela teoria, permitindo uma comproen- slo mais adequada da sociedade analisada, Cabe ainda lembrar que autores tio diferenciados como Adorno, Horkheimer, Benjamin, Marcuse, Ha- bermas, Schmidt, Tiedemann ¢ outros revelam sensi- veis diferencas entre si, tanto em sua postura episte- ‘molégica quanto em suas estratégias polticas, enfati- zando de forma bastante’diversa os aspectos da reali- dade analisada. Essas diferencas serio ilustradas por uum lado com a diseussio em tomo dos conceitos de razio, cultura, ciéncia, arte, Estado, etc., €, por ou- ‘ro, com as diferentes estratégias propostas para pen- sar e modificar a realidade dada. Desta forma, pro- curarse evitar uma falsa homogeneizacao. O termo Es- cola de Frankfurt ou a concepgio de uma “teoria cri- tice” sugerem uma unidade tematica e um consenso epistemol6gico te6rico e politico que raras vezes existin entre os representantes da Escola, O que caracteriza a sua atuacdo conjunta é a sua capacidade intelectual e critica, sua reflexdo dialética, sua competéncia di gica ou aquilo que Habermas viria a chamar de “dis- cur80", OU seja, 0 questionamento radical dos pressu- postos de cada posigiio e teorizagio adotada. O fato de ‘Adorno e Horkheimer terom escrito algumas obras em ‘eo-autoria, como & 0 caso da Dialética do Esclareci- ‘mento, levou muitos intérpretes a identificarem 0 pen- samento dos dois, considerando-os “alma: As diferengas entre um e outro teérico nfo podem ser sempre devidamente consideradas no tratamento te- ‘que se segue, mas no se deve perder a cons: ciéneia de que elas existe, o que se torna evidente para agueles que se aventurarem na leitura dos textos especificos aqui relatados. A dialética da raziioe a critica a ciéncia fio vermelho que trespassa a obra de todos os autores € 0 tema do Iluminismo ou Esclarecimento (Aufklaerung). A Dialética do Esclarecimento descre- ve uma dialética da razdo que em sua trajetéria, oF inalmente concebida como processo emancipatério ‘que conduziria & autonomia e autodeterminagto, se transforma em seu contrério: em um crescente pro- cesso de instrumentalizacdo para a dominagao e re- ppressio do homem. Em seu eflebre artigo "Was ‘Aufklacrung?” ( que o esclarecimento?), Kant ti- nha visto na razio 0 instrumento de liberacao do ho- ‘mem para que aleancasse através dela sua autonomia ‘e Muendigkeit (maioridade). Defendia a necessidade de os homens assumirem com coragem e competéncia © seu proprio destino: reconhecendo que este nao era dlitado por forgas externas (deuses, mitos, leis da i tureza) nem por um karma interior. Ao contririo, os homens deveriam fazer uso da razo para tomarem em ‘mos sua propria historia. Mas essa convicco parti- hada por todos os iluministas revelava-se ilus6ria, A TEORIA CRITICA: TEM HOHE s “0 programa do iluminismo consistia no desen- cantamento do mundo”, inicia Horkheimer seu co- nhecido ensaio sobre o conceito de iluminismo. “Eles ‘queriam dissolver os mitos e fortalecer as impressies, através do saber” (Horkhieimer e Adorno, 1947). Mas © saber produzido pelo Huminismo nio conduzia a femaneipagio e sim a téenica e cigncia moderna que ‘mantém com seu objeto uma relacio ditatorial. Se Kant ainda podia aereditar que a razio humana per- ‘mitiria emancipar os homens dos seus entraves, aux liando-os a dominar e controlar a natureza exterpa ¢ interna, temos de reconhecer hoje que essa razio ilu- rminista foi abortada, A razio que hoje se manifesta na cifncia ena técnica é uma razio instrumental, repres- siva. Enquanto o mito original se transformava em llu- rminismo, a natureza se convertia em cega objetivi dade. Horkheimer denuncia 0 carter alienado da cifncia e técnica positivista, eujo substrato comum é a raziio instrumental. Inicialmente essa razdo tinha sido parte integrante da razao iluminista mas no decorrer do tempo ela se autonomizou, voltando-se inclusive contra as suas tendéncias emancipatorias. Desta forma, a razio, sujeito abstrato da historia individual e coletiva do homem em Kant e Hegel, con- verte-se, na leitura de Horkheimer e Adorno, em um: razlo alienada que se desviou do seu objetivo emanci patério original, transformando-se em seu contrério: a razlio instrumental, 0 controle totalitério da natureza a dominagao ineondicional dos homens. A essénci dda dialética do esclarecimento consiste em mostrar como a razio abrangente e humanistica, posta a ser vigo da liberdade e emancipagio dos homens, se atro- fiou, resultando na razdo instrumental. ‘0 tema da razio em seu movimento dialético no abandonou os frankfurtianos durante os cingtenta, anos de sua produedo; ele reaparece sob vias roupa- ‘gens nos seus diferentes trabalhos e continua preocu- pando as novas geragbes de criticos. [Nas reflexdes que se seguem, serdo destacados tuGs momentos estratégicos desse eixo tematico. ‘Num primeiro momento seri descrita a contra- posigdo de Horkheimer entre “teoria tradicional” € ‘eoria eritica” (1937), isto é, entre pensamento car- tesiano e pensamento marxista. Seguerse, em um se- gundo momento, a disputa em tomo do positivismo e dda dialética, travada entre Popper e Adorno (1961), e, finalmente, em um terceiro momento, o debate sinte- tizado na obra conjunta de Habermas ¢ Luhmann Teo- via da Sociedade ou Tecnologia Social (1972), na qual Mio confrontadas a razio sistEmica e a razao comuni- ceativa, As reflexdes iniciadas neste dltimo momento so retomadas na Teoria da Aco Comunicativa (1981, 1984) na qual é proposta uma mudanga de paradigms, que substitui a filosofia da consciéncia, defendida por Horkheimer e Adorno, por uma teoria da intersubjeti- vidade comunieativa Primeiro momento Em seu artigo ‘Teoria Tradicional e Teoria Cri- tice”, de 1937, reeditado posteriormente nos dois volu- mes intitulados Teoria Critica (1968), Horkheimer abre uma discussio que Tangari 0 moderno pensa- ‘mento sociol6gico em um profundo dilema, bem mais, ‘marcante que a polémica surgida no inicio do século entre Max Weber e Rocher & Knies em torno dos juf- 208 de valores ¢ da neutralidade nas ciéncias sociais. Segundo Horkheimer nao se trata, como no caso de ‘Weber, de distinguir entre juizos categoricos sobre fa- |THORIA ceca: oNTERE HOHE ” tose juizos de valor (Sach- wnd Werturteile), isto 6, de ‘uma questio meramente metodologica. Trata-se para Horkheimer de uma questio em sltima instincia onto- légica. A cigncia ¢ a filosofia moderna nfio podem con- tentarse hoje com uma discussto sobre juzos de fatoe de valor, elas tém que recorrer aos juizos existenciais. Praticarteoraefilosofia € para Horkheimer algo inse- parivel da idéia de nortear a rellexdo com base em {uizos existenciais comprometidos com a liberdade © a aautonomia do homem. Horkheimer tematiza assim, pela primeira ver, oprofundo confitoexistente entre a dialética e o positivism. Ao contrapor a filosofia de Descartes (teoria tradicional) ao pensamento de Marx (Georia ertca) descreve as caracterstcas essenciais de «ada vertente do pensamento, seus objetivos e sua for- ‘mide atuacto, denunciandoocarftersistémica¢ con- ‘grader do prime, csublinhand efaeamente 4 _inensto huranistica,emancipatéra do segan fax Horklciier abu com esse primero ensaio ‘um debate que até hoje nfo se espotou. Em 1942 pu- blicou na Zeitschrift um pés-escrto a exse ensaio. Em sua obra Eclipse da Razdo (1947) que na versa0 alema de 1968 leva 0 titulo sugestvo de Critica @ Razdo Ins- trumental Horkheimer discute, em varios ensais, @ problematica da razto. Pouco antes de sia morte, em 1972, Horkheimer faz duas conferéncas sobre 0 tema ‘Teoria critica, ontem e hoje" (1970), no qual co fronta suas idéias do inicio de sua atuagao como di- retor do Instituto com o momento em que jk se encon tra aposentado e fora de Frankfurt. Nessas conferén- cias, ele se aproxima da teologia e revaloriza a reli gio, tematica ausente em suas reflexes iniciais, Mas E-certamente na Dialdtica do Exelarecimento langada tno mesmo ano de Feipse da Razdo, que as relexses em foro da tazdo e de sua funcionatidade no mundo modermo atingem sua expressto mais angustiads € contraditéria. ‘Ao confrontar 0 pensamento de Descartes e Marx, Horkheimer niio esti querendo invalidar um em favor do outro; em seu pés-escrito ao ensaio Teoria Tradi- cional e Teoria Critica esclarece que nao se propoe a rejeitar 0 pensamento de Descartes em fayor do de ‘Marx e sim de englobar o primeiro no segundo. E.con- frontando a estrutura logica, o objetivo e a finalidade ‘de uma e outra vertente do pensamento que o relacio- ‘namento de ambas pode ser evidenciado. Na interpretagio de Horkheimer, a teoria tradi- cional, que se estende do pensamento filoséfico de Descartes 4 filosofia ciéncia modernas, se preoe! ‘em formar sentengas que definem conceitos universai Para tal procede dedutiva ou indutivamente e defende ‘ principio da identidade, condenando a contradigio. ‘As manifestagées empiricas da natureza e da soci dade devem e podem, segundo essa orientapdo tebrica, ser subsumidas nas sentengas gerais, encaixando-se no sistema tebrico montado qa priori (com auxilio da dedu- ‘¢io) ou a posteriori (através da induglo). Entre as sen- tengas gerais e os fatos empiricos existe uma hierar- quia de familias e expécies de conceitos, & semelhanga dda moderna biologia, estabelecendo-se em todos os ‘momentos uma relagio de subordinagao e integragao. Os fatos se tornam casos singulares, exemplos ou con- cretizagdes do conceito ou da lei geral. Nao ha dife- rengas temporais entre as unidades do sistema. O fato deo homem permanecer idéntico a si mesmo ao trans- formar-se em outro, & um dado que essa logica consegue captar (Horkheimer, 1947, pp. 172-173) ‘Em contrapartida, a estrutura légica da teoriacri- tice consegue perfeitamente captar a dimensio hist6- rica dos fenémenos, dos individuos e das sociedades, ‘Também nessa légica se trabalha inicialmente com eterminagées abstratas. Ao tratar do nosso momento historico, i 6, da sociedade burguesa contemporance, parte de uma concepcao da economia baseada na tro cca, Os conceites marxistas de “mereadoria”, “valor”, ‘dinheiro”, ““acumulagio", ete., podem funcionar como eonctites gerais aos quais uma realidade con- creta pode ser assimilada. Mas a teoria critica no se esgota em relacionar uma realidade dada aos conceitos preestabelecides, Ao analisar 0 efeito regulador dos processos de troca sobre a organizagio da economia >urguesa, Marx — na leitura de Horkheimer — se dei- xaria orientar pelo futuro. A relagao entre realidade & ‘conceitos nao &, por isso mesmo, andloga & que existe ‘entre casos particulares ¢ uma categoria ou espécie, © nido ocorre através de mera indugo ou dedugao como, € 0 easo da teoria tradicional. A teoria critica procura integrar um dado novo no corpo teérico ja elaborado, relacionando-o sempre com 0 conhecimento que jé se tem do homem e da natureza naquele momento histé- rico (Horkheimer, 1947, pp. 173-174). “A teoria er. tica comeca, pois, com uma idéia relativamente geral dda troca simples de mercadorias, representada por is. Pressupondo todo 0 co- thecimento disponivel e assimilando todo o material resultante de pesquisas proprias e alheias, procura mostrar como a economia de troca nas condigSes atual- mente dadas (...) conduz necessariamente a0 agrava- mento das contradigdes na sociedade, o que em nossa poe histérica atual leva a guerras e revolugdes” (ib dem, pp. 174-175). ‘Como se pode ver, Horkheimer se encontra, nessa argumentagao, ainda muito préximo de Marx, como alids todos 05 trabalhos do Instituto publicados na Zeitschrift nessa época. Essa proximidade vai sendo rminada no decorrer dos anos subseqitentes, nos quais Horkheimer perde toda e qualquer esperanga em rela- io & possibilidade e necessidade de uma revolucdo proletdria. Em seu ensaio de 1970, A Teoria Critica, ‘Ontem e Hoje, Horkheimer faz uma revisio de sua po- igo original, mostrando trés grandes equivotos da teoria marnista: 1) a tese da profetarizagdo progressiva da classe operéria nao se confirmou, nao ocorrendo ‘8 revolugio proletiria como se esperava, em conse- ‘qiéncia de uma constante degradagao das condigzes de vida dessa classe. Horkheimer admite que 0 capita- lismo conseguiu produzir um excedente de riquezas ‘que desativou 0 conflite de classes, radicalizando a ideologizagio das consciéneias, cooptadas pelo siste- ma. Também ndo se comprovou 2) a tese das erises ciclieas do capitalismo, decorrentes das alternancias dda produto excessiva ¢ da falta de consumo, por um lado, ¢ de consumo excessivo que leva a falta de pro- utes, por outro, devido a interveneio crescente da atividade estatal sobre a organizagio da economia. E, finalmente, 3) a esperanga de Marx de que a justiga poderia se realizar simultaneamente com a liberdade revelou-seilusGria. Efetivamente, o capitalismo conse- guiu criar riquezas que a longo prazo até podem asse- gurar um grau de justica maior, reduzindo as desi- gualdades materiais entre os homens, mas ao prego da rodugio sistemitica da liberdade. A reprodugzo am- pliada acarretou o aumento — para Marx ainda incon- cebivel — da burocratizacdo, da regulamentagio ideologizagdo da vide, tornando-a administrivel em todos os seus aspectos (Horkheimer, 1970, p. 165). A. maior justiga que conduz a uma homogeneizagio dos individuos e das consciéncias 6 adquirida as custas da liberdade de cada um. A regulamentacdo generalizada da vida, a redugdo da liberdade, a deturpacio das, A TEORIA CRIICA: ONTEMEHOTE o conscifacias e a atrofia da capacidade critica sto com relatos inevitaveis de uma justica social e material am- pligda. A homogencizagao generalizada € o prego que sepaga para assegurar o bem-estar generalizado, (Os dois eventos histéricos que levaram Horkhei- ‘mer ao ceticismo quanto A validade das teses centrais da obra de Marx emergem nevessariametne da vivén- cia do nazismo na Alemanha e do socialismo nos pai- ses do Leste. Para Horkheimer ambos representam re- sgimes (otalitérios que privilegiaram a razdo instru- ‘mental em detrimento da razio emancipatoria, to- Ihendo a liberdade individual em nome do bem geral Mas, apesar da remincia a certasteses centrais do aterialismo histérico, Horkheimer sustenta a neces- sidade da sobrevivéncia da teoria critica. Fla deve vi sar, como no inicio, o futuro de uma humanidade ‘emancipada. Por isso também continuam vilidas as cconsideragSes dos anos 30 em torno da necessidade € 4s fins do trabalho da razao. Enquanto para a teoria tradicional a necessidade do trabalho teérico significa o respeito as regras gerais da légica formal, a0 prinefpio da identidade e da nio- contradigao, a0 procedimento dedutivo ou indutivo, & restrig2o do trabalho te6rico a um campo claramente delimitado, a nogio de necessidade para a teoria cri- tice continua presa a um juizo existencial: libertar a Inumanidade do jugo da represstio, da ignorincia e in- consciéncia. Esse juizo preserva, em sua esséncia, 0 ideal iluminista: usar a razio como instrumento de li bertacdo para realizar a autonomia, a autodetermi- nnagdo do homem. ‘Como se pode ver, o objeto da teoria tradicional e da teoria critica nfo podem coincidir. Enquanto para ‘a primeira o objeto representa um dado externo a0 su- jeito, a teoria critica sugere uma relagdo organica entre sujeito e objeto: 0 sujeito do conhecimento € um su- {cite histérico que se encontra inserido em um proceso igualmente hist6rico que o condiciona e molds. En- ‘quanto 0 tebrico “eritico” sabe dessa sua condiglo, © tw6rico “tradicional”, concebendo-se fora da dindmica hist6rica e social, tem uma percepcdo distorcida de sua atividade cientifiea e de sua fungao. Isso explica a po- sigdo politica distinta de um e outro. Enquanto esse Sltimo se resigna ao imobilismo e ao quietismo, just- ficando-o com a ideologia da neutralidade valorativa, © tebrico nao tradicional assume sua condigao de ana~ lista ecritco da situagdo, procurando colaborar na in tervengio e no redirecionamento do processo histérico ‘em favor da emaneipacio dos homens em uma ordem social justae igualitéria, 4h em seu artigo de 1937 Horkheimer lanca as ba- ses de uma teoria do intelectual organico, visto como alguém que colabora ou na tentativa de cimentar as relagies sociais e de dominagio existentes (tebricos ‘tadicionais) ou na Iuta pela libertagio dos oprimidos « sacrificados pelo sistema social vigente (tedricos eri 0s). Simultaneamente com Gramsci, intelectual marxista que morre em 1937 vitimado pelo fascismo italiano, autor de Os Intelectuais e a Organizagao da Cultura, Horkheimer desenvolve, independentemente do filésofo italiano, uma teoria critica da superestru- (ura ¢ dos seus funcionirios, através da contraposigio ddas duas teorias conflitantes: a tradicional e a eritica. Certamente Gramsci e Horkheimer se desconheciam, ‘mas tinham em comum a mesma experiéneia politica — a perseguigdo faseista — ea mesma conviegio teé- rica: © marxismo, que reinterpretam e enriquecem para torné-lo capaz de abranger e compreender as no- vas tendéncias histéricas. Por isso ambos partem para, ‘uma reformulagao da dindmica histérica, na qual os intelectuais assumem um papel estratégico: a produ: ‘e concretizagio de uma nova concepeao do mundo, de um mundo sem repressdes de classe, baseado na liberdade e na autodeterminagao. O parti pris de Hor kheimer em favor da razo emancipatéria (Parteilich- keit fuer Vernunft) até o final de sua vida se torna cevidente nas palavras pronunciadas pouco antes desua ‘morte: “Nosso principio bisico sempre foi: pessimismo {ebrico e otimismo pratico” (Horkheimer, 1970, p. 175). Segundo momento Em um confronto entre Popper e Adorno organi: alema em Tuebin sgen no ano de 1961, procurou-se promover um debate sobre os fundamentos epistemolégicos do positivismo e da dialética. Popper preparou o texto-base do debate (Sobre a Ligiea das Ciéncias Sociais), desenvolvendo 27 teses, as quais seriam contestadas por Adorno em sua réplica. Posteriormente ao encontro dos socio: g05, 0 debate continuou, sendo ampliado, por parte dos positivistas por René Koenig, Hans Elbert, Ernst Topitsch e outros, e por parte dos teéricos eriticos por Albrecht Wellmer e Juergen Habermas. Assumiram as funcdes de mediadores no debate Ralf Dahrendorf, Fijalkowski, R. Mayntz e outros. E claro que nem 0 seminatio realizado em Tue- ingen, nem os debates que se seguiram poderiam es- gotar o tema. Este continuou sendo discutido parale- lamente em outros trabalhos, no diretamente vincu- lados ao Semindrio. Basta lembrar aqui a contribui de Marcuse em um dos capftulos de A Ideologia da Sociedade Industrial (1964), “A vitoria do pensamento “ BARBARA FREITAG positive: a filosofia unidimensional”, ou as contribu {bes dadas por Adorno a partir da Dialética do Esela~ Teeimento, até a Dialética Negativa (1965) ¢ a Teoria Estética (1970), Em seu texto bésico “Sobre a Logica das Ciéncias Sociais” (1961), posteriormente traduzido pela Tempo Brasileiro com outros ensaios do autor (1978), Popper expe a 27 teses que fundamentaram € ainda funda- ‘mentam 0 pensamento sociolégico moderno. As teses Centrais giram em torno do objeto ¢ do universo do ‘conhecimento (1° tese: “conhecemos muito”; 2° tese: “nossa ignorancia é sbriae ilimitada”), 0 método nas iéncias sociais, a objetividade e neutralidade das cién- tis, os conceitos de “teoria”, “critica”, “verdade”, “Significado” e “compreensio”, da especificidade das relagies socials, e muitos outros temas, entre 0s quais ‘ relagio da sociologia com as ciéncias naturais, a an- tropologia ea psicologia. ‘Originalmente um membro do Circulo de Viena, Popper defende nesse texto um positivismo bastante solisticado. Ao contrario dos seus eolegas americanos (Nagel, Nadel, Hempel e outros) nfo parte da identi- dade das ciéneias naturais e sociais, admitindo uma dliferenca entre o objeto das ciéncias naturais (a natu- tera) €0 das ciéncias sociais (sociedade e relagdes hu- ‘manas). Sua postura “positivista” se manifesta na de- fesa do método, ou seja, naquilo que Horkheimer cha- mara de “estrutura logica da teoria tradicional”. Para Popper « “cientificidade” e “objetividade” do pensa- ‘mento teérico esto asseguradas quando sio respeita- ddos os principios basicos da logica formal cartesiana: © procedimento indutivo ou dedutivo, o principio da identidade, a intersubjetividade e a coeréncia interna dda teoria, ete, Popper esti interessado em uma “teo- fia’" que nada mais que um sistema de sentencas | rConia cRITICA: ONTEMEHONE " hipbteses gerais, nas quais se inserem e integram os casos singulares, Popper enquadra-se, pois, inequivo- tcamente no contexto dos tebrices tradicionais, na ter- Iminologia de Horkheimer. Privilegia, no entanto, 0 procedimento dedutivo, nio atribuindo valor especial fo dado empirico. Distancia-se, assim, dos empiristas lassicose modernos. Para ele o dado empirico serviria mmeramente ao cientista como possivel eritério de fal: ficabilidade de uma “teoria” ou hipétese, construida a partir de um “problema”. Surge, como no caso de Weber, uma nova “teoria” quando buseames solugdes — através da construgio de hipoteses explicativas ~ para problemas até entio nfo solucionados. Assegt rade 0 procedimento metodoldgico deserito e prescito jsto €, respeitadas as regras da logica formal discur- ‘va, garante-se a “objetividade” do trabalho cienti fico, considerando-se como “fatos” as coisas que ocor~ em no mundo da natureza e dos homens, Esses fatos podem, no entanto, ser questionados, eriticados e fal- Bifieados. A critica consiste em demonstrar os erros no pereurso dedutivo, na montagem das hipéteses ou nos Sados empiricos que ilustram a feoria ou a desmen- tem, contradizendo frontalmente uma hipétese. O su jeito do conhecimento ndo se envolve com seu objeto, respeita 0 prineipio da neutralidade das ciéneias, cons fatando “o que é" e silenciando, enquanto cientista, face ao que poderia ou deveria ser. Os juizos de valor indo fazem parte do arcabougo cientifico do pesquisa- dor. Popper admite, contudo, que para as ciéncias so- ‘ais se torna necessirio um'método adicional ao da Tégica formal, que chama de “l6gica situacional”. Esse ‘método também seria objetivo, como jé o reivindicaya Max Weber, pretendendo a “compreensio objetiv dos fatos. “A compreensto objetiva consiste em consi- ‘derar que a aco foi objetivamente apropriada & situa~ ‘lo. Em outras palavras, a situagio € analisada até ue os elementos que parecem inicialmente ser psieo- logicos (como desefos, motives, lembrangas e associa: es) sejam transformados em elementos da situagio. © homem com determinados desejos, portanto, verte: se nuum homem euja situagio pode ser caracterizada pelo fato de que persegue certos alvos, objetives; ¢ um hhomem com determinadas lembrangas ou associagdes converte-se num homem euja situagdo pode ser carac- terizada pelo fato de que ¢ equipado, objetivamente, com outras teorias ou com certas informagies" (Pop- per, 1961, pp. 31-32). Para Popper as explicages da lgica situacional aqui deseritas so “reconstrugses fa- cionais ¢ teorieas”. A légica situacional, além de per- mitir incluir em sua reflexdo lembrangas, deseios, ctc., considera também © mundo fisico, as recursos € as barreiras que ele nos impve, bem como 0 mundo social, habitado por pessoas relacionadas entre sic que se organizam em instituigdes sociais como a igreja, © exército, aescola, @ familia, ete. Essas instituigbes $20 igualmente objeto de estudo das ciéncias sociais, con- forme os concebe Popper. Esse autor diverge, pois, dos neopositivistas americanos, quando inclui em sua re- flexi sociolégica a categoria weberiana da compreen- so, admitindo que os homens orientam suas agies de acordo com certos valores, conviogies e desejos. Por isso mesmo, para que se possa compreender e explicar © comportamento de individuos uns em relagio aos ‘outros, torna-se necessério introduzir, além da logia formal, a situacional, ‘Mas tanto Popper quanto Weber, no qual o pri- ‘meio se inspirou, sto para Adorno “positivistas” pelo ‘mero fato de atribuirem a0 método (isto 6, as regras da ‘ogica formal e situacional) o papel predominante no pprocesso do conhecimento. Respeitado esse método, © ATFORINCRITICA: ONTEME HONE investigador esta fazendo eigneia de forma “*neut “objetiva” e consegue trazer i tona a verdade. Adorno contesta 0 privilégio do método de dar acesso & ver- dade ¢ & objetividade. Em sua réplica ao autor da Open Society, Adorno aio atende a0 pedido dos orga- nizadores do encontro em Tuebingen de elaborar uma fundamentacio tebrica e epistemolégica da teoria eri- ticae da dialética (ef. Dahrendorf, 1961, p. 145) pro- cura contestar as teses centrais de Popper a partir dos conceitos de "teoria”, “critica”, “totalidade”, ‘soci “objetividade” que tém'em seu pensamento outra conotagao. Referindo-se ao texto de Horkheimer, Adorno expressa a preocupagio fund: ‘mental da dialétiea e da teoria erica que nao é m mente formal (como para Popper) mas sim, material, existencial (como para Horkheimer) (Adorno, 1961, p. 135). Por isso mesmo, a coneebida como dialética e critica no pode deixar de guiarse pela perspectiva do todo, ainda quando estuda um objeto particular, vendo esse todo no como sistema estabe- lecido, mas como produto histérico do passado e como aspiragio de realizago no futuro. A sociologia eritica no se reduz a uma autocritica interna da diseiplina, ela estende a sua critica ao proprio objeto de anéli a sociedade contemporanea e também as hipSteses, conceitos € teorias desenvolvidos para representé-la, analisi-la. A critica passa a ser o elemento que per” ‘meia todo processo de conhecimento, mo somente pondo em questio uma hip6tese explicativa de um problema especifico como quer Popper, mas susci- tando uma atitude de desconfianga face ao conheci- mento como tal, cujos objetivas e resultados sto per- manentemente questionados. A critica, compreendida como 0 principio da negatividade, vem a ser 0 ele- ‘mento constituinte do método e da teoriaerftica que se fundem com o objetivo politico e social @ ser alean- ado. OP" Enconteam-se nesse debate os fundamentos do ‘que Adornono futuro tematizaria de forma mais exaus- tiva na Dialética Negativa (1970). Ela consistiia no esforgo permanente de evita as falsas sinteses, de des- confiar de toda e qualquer proposta definitiva para a solugfio de problemas, de rejeigao de toda visio sisté- ‘mica, totalizante da sociedade. A‘“dialética” como mé- ‘todo central da produgZo do conhecimento para uma teoria critica da sociedade nao possui, segundo Ador- xno, nenhum “einone” especifico, nao trabalha segun- doregras definidas e nlo produz um saber que permita, 4 prognose segura e inequivoca da realidade (Adorno, 1961, p. 16). A “dialética negativa” procura salvar ou reconstituir aquilo que no obedece a totalidade, a0 sistEmico, aos fatos verificados. Este conceito encerra fem potencial aquelas dimensbes da realidade social © individual que ainda estio em fase de desdobramento, de revelagiio. Por isso mesmo, a dialétiea, elemento ‘constituinte da teoriaeritica, nunca se contenta com o presente ou ostarus quo, mas representa o esforgo per= ‘manente de superar a realidade cotidiana rotinizada. A dialética negative 6 um movimento permanente da raziona tentativa de resgatar do passado as dimensbes, reprimidas, nlo concretizadas no presente, transferin- do-as para um futuro pacificado em que as limitagSes, dopresente se anulem. A dialética negativa se confunde ‘assim com a raz iluminista na conceituagdo de Kante Hegel, ou seja, em sua versioemancipatoria. Na leitura de Adorno e Horkheimer) a razio iluminista tinha em seu comego (na viagem de Ulisses em busca de Itaca) ambas as dimensbes: aemancipatéria e a instrumental. ‘A sociedade burguesa, herdeira do Iluminismo, privi- legiou o desdobramento da razio instrumental em de~ ATEORIA CRITICA:ONTENE HOHE ° trimento da raziio emancipatéria que fieou reprimida e atrofiada. Ulisses, ao tentar dominar a natureza ex- tena (ocantoe a tentagio dassereias), teve de subjugar sua natureza interna (prendendo-se ao mastro de seu navio). A asticia da razio empregada por Ulises volta- ‘secontra seu idealizador, transformando sua natureza interna: a razio instrumental (evocada para dominar a natureza externa) subjuga a razio emancipatéria. O feitigo se vira contra o feiticeiro. A razio iluminista, que entrou em cena para subjugar o mito, transforma: se, porsuayez, emmito. “Todas as agdes sacrificiais humanss, executadas segundo um plano, logram o deus ao qual sto dirigidas: las o subordinam ao primado dos fins humanos, di solvem seu poderio, €ologro de que ele & objeto se pr Tonga sem ruptura no logro que os sacerdotes incrédh los praticam sobre a comunidade crédula. A asticia tem origem no eulto. O préprio Ulisses atua ao mesmo tempocomo vitima esacerdote. Aocalcular seu proprio sacrificio, ele efetua a negacao da poténcia a que se des- {ina esse sacrificio.” (Adorno e Hokheimer, tradugao brasileira, 1985, p. 58) ‘Adorno e Horkheimer utilizam a narrativa de Ho- ‘mero como metifora para ilustrar a dialética da razao. Resgatando o seu significado no passado, ela permite critica do presente e a projegio de um mundo melhor no futuro, onde os erros do passado possam ser redi midos. Por isso mesmo, a dialética, to contrério dx 16- sica formal, € capaz de incluir em seus conceitos os elementos da contradi¢ao e da transformaczo, ¢ de abarcar 0 nao-idéntico em um mesmo conceito. A r. io iluminista, com sua dupla face de razdo eman patoria e razio instrumental no deixa de ser razio ‘quando se impde e coneretiza como razio instrumen- Mozart Silvano Pereira tal, Mas por isso mesmo gera, pelas Himitagbes a que la propria se condena, sua contradigao, sua critica e ‘egagao, tornando-se nevessério o resgate de seu con- tririo, originalmente nela contido: a razio emancipa- ‘oria, E na dialética do iluminismo e na critica a in- lisria cultural que Adomo exemplifia da forma mais, conereta a “dialética do conceito”: Em Adorno a razao instrumental 6 i seu opositor a competéncia intelectual. O que Adorno procura salientar 6 que a utilizagdo da razio instru- ‘mental pelo positirismomoderno geranecessariamente sua contestaeio, podendo levar & sua autodestruigao. Isso porque o positivismo nao se permite questionar as bases nas quais se assenta a sua “légica”, condenando ‘esse procedimento como “metafisico". Com essa auto- restrigdo o positivismo deixa de refletir a origem hist6- rica do seu pensamento; aceita implicitamente a divi ‘io de trabalho imposta pelas relagies de producio capitalista, refugiando-se em suas subireas do saber. Enquanto busca uma suposta verdade dos fatos, ale- gando uma falsa neutralidade ¢ objetividade, proibe- se de refletir sobre os pressupostos de sua “eiéncia”, ignorando assim as relagbes de troea e os interesses de lucro e domina¢io que condicionam ¢ manipulam sua propria frea de saber. A producto cientifica dessas subiireas — por sua ver manifestagdes da divisio de trabalho reinante na moderna sociedade de troca — nilo se pereebe como saber interessado que atende @ interesses politicos especificos © que se presta & apro- priagao de poderes econsémicos e politicos que deseo- nnhece. Assim procedendo, acigneia positvista natura liza os processos socias, atribuindo & dindmica histé rica um funcionamento sistémico, regido por leis abso- lutas eimutaveis, "A diferenca entre a pervepeio dialética e a p tivista da totalidade se radica no fato de que 0 conceito dialético de totalidade procura ser ‘objetivo’ no sentido ddeintencionar a compreensio de cada fendmeno social singular, enquanto as teorias sistémicas positivistas procuram meramente sintetizar de forma no contra- Gitéria suas afirmagies sobre o real, situando-as em ‘umecontinuo l6gico, sem reconhecer 0s conceitos estru- turais mais elevados como condigdes dos fatos a eles subsumidos. Enguanto o posiivismo critica esse con- ceito de totalidade como retrocesso mitol6gico, pré cientifico, ele proprio mitologiza a ciéncia em sua luta, permanente contra o mito” (Adorno, 1961, p. 21). As ‘mesmas divergéncias que se encontram na conceitua- gio diferencial do que seria a “totalidade” encontram- se também em relagdo aos outros conceitos usados tanto pelos positivistas quanto pelos teéricos eriticos, ‘ou soja: “teoria”, "pratica’, “método”, “erftica”. Na dialética adorniand, 0 conceito de teoria, 30 remeter a um futuro melhor, remete automaticamente A dimensto da pritica; esta, no entanto, é totalmente ‘excluida do racioefnio positivista. A pratica positivista dde Popper se reduz.& pritica do cientista imitada ex- plicitamente & sua frea de especializagio. O mesmo vale para o conceito de ‘critica. Enquanto esta signi- fica para Popper a falsificacao de uma hipotese dada, através de dados empiricos que demonstram 0 contri: rio ou devido a descoberta de erros ldgicos no processo dedutivo, “eritica” significa para Adorno e 0s te6ricos dda Escola de Frankfurt a aceitagZo da contradigio © 0 ‘trabalho permanente da negatividade, presente em ‘qualquer processo do conhecimento, ‘Ao comentar a contribuigao dos dois pensadores ao debate e & fundamentagao tedrica e epistemolégica das cigncias sociais, Dahrendorf constata resignado que a coincidéncia nos termos usados no permite & ‘lus de que tenha havido qualquer aproximacao en: tre as duas posides defendidas, cujas diferengas na ‘esséncia se tornaram mais do que evidentes. Mesmo que esse debate nfo tenha atingico o grau de profun- didado que eventualmente dele se esperasse, deixou claro que a problemética originalmente levantada por Horkheimer continuava viva, tendo sido ainda radica- lizada neste confronto entre Popper ¢ Adorno. Isso porque Adorno de forma alguma acena — ao contri tio de Horkheimer — com a possibilidade de recon: iaglo entre as duas posigdes divergentes, Para Hor- kheimer, como foi mostrado, a teoria eritiea foi conce- ‘ida como uma teoria mais abrangente, englobando a tradicional. No debate entre Popper e Adorno 0 con- fronto 6 de dois posicionamentos incompativeis, anco- rados em fundamentos epistemolégicos diferentes. Oterceiro momento Neste sitimo momento seré relatado um debate travado entre Habermas ¢ Lahmann, reunido no livro Teoria da Sociedade ou Tecnologia Social (1972). Ieitura atenta desse volume nio deixa davidas de que Habermas, ao defender sua teoria da sociedade, revela, ‘uma afinidade eletiva com a teoria eritica, enquanto Luhmann, ao defender uma versio sofisticada da teo- ria sist€mica, se aproxima do moderno pensamento langado nesse momento viirios ‘rabalhos de peso no campo da teoria da cigncia e do conhecimento (A Légiea das Ciéneias Sociais, 196 Conhecimento e Interesse, 1968), tomando claramente partido em favor de Adarno na disputa em torno do

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