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EV.

BASSIN
F. V. Bassin,
ilustre professor da Universidade de Moscou e cientista de
__
_
renome internacional, expõe-nos em

O PROBLEMA
PROBLEMA
DO
INCONSCIENTE DO
os fundamentos da postura não-freudiana que caracteriza as
pesquisas teóricas e experimentais atualmente em curso, na
URSS e em outros países, socialistas ou não, sobre as formas
não-conscientes da atividade nervosa superior.
IÿCONSCIENTE
Servindo de suporte teórico para uma interpretação ma-
terialista-dialética desse assunto, seu livro faz um balanço
crítico de indiscutível seriedade não apenas das interpretações
As formas não-conscientes
endossadas pelo autor, como também daquelas defendidas pela
psicanálise e pelas diversas correntes do neofreudismo. >sa

Mais um lançamento de categoria da

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

CIVILIZAÇÃO

— BRASILEIRA
SUMÁRIO

Prefácio do autor 1

Capítulo I — Apresentação do problema do "incons¬


ciente" 7
§ 1. As dificuldades de analisar a idéia do "incons¬
ciente" 7
§ 2. A interpretação filosófica especulativa da idéia
do "inconsciente" 8
§ 3. Como Wilhelm "Wundt entende o "inconscien¬
te" 9
§ 4. A penetração da idéia do "inconsciente" nas
concepções clínicas 12
§ 5. As fases de desenvolvimento das representa¬
ções do "inconsciente" 14
§ 6. A importância do problema do "inconsciente"
segundo William James 16
§ 7. Sétchenov e Pavlov e o problema do "incons¬
ciente" 17
§ 8. A análise do problema do "inconsciente" pelos
pesquisadores soviéticos. Seus resultados, difi¬
culdades e perspectivas 19
§ 9. O objetivo essencial da crítica atual da concep¬
ção psicanalítica 23
§ 10. A análise neurocibernética das questões da
teoria fisiológica da atividade cerebral e do
problema da consciência 26
§ 11. As particularidades das concepções neurofisio- § 27. As atitudes em relação às idéias de Freud na
lógicas modernas a respeito da organização ciência russa pré-revolucionária e na ciência so¬
funcional da atividade cerebral 28 viética 64
§ 12. A propósito da interpretação epifenomenalista § 28. As atitudes contraditórias em relação à psica¬
da categoria da consciência 31 nálise no estrangeiro 66
§ 13. As vantagens criadas pela análise neurociber- § 29. O argumento principal dos partidários de um
nética para a teoria do "inconsciente" 33 compromisso com Freud 68
§ 14. Sobre a simulação da função da consciência 36
§ 30. Os argumentos da crítica estrangeira à teoria
§ 15. Plano de exposição ulterior 39 da psicanálise 70
Capítulo II — Formação das concepções do "inconscien¬ § 31 . A psicanálise no julgamento de H. Baruk 72
te" no período que precedeu o surgimento do freu¬ § 32. O que há de positivo no sistema de idéias de
disme e da psicossomática contemporânea 41 Freud 76
§ 16. Sobre a improdutividade da etapa inicial de § 33. Os dois defeitos essenciais da análise psicanalí¬
elaboração da idéia do "inconsciente" 41 tica do problema do "inconsciente" 80
§ 17. O problema do "inconsciente" na filosofia e § 34. O desenvolvimento da tendência psicossomáti¬
psicologia da Europa Ocidental dos séculos ca na medicina 83
xviH-xix 41 § 35. Os objetivos e as principais teses da medicina
§ 18. As causas da popularidade especial do problema psicossomática 85
do "inconsciente" na segunda metade do século § 36. A psicanálise como base metodológica da maio¬
xix 44 ria das pesquisas psicossomáticas 87
§ 19. A discussão do problema do "inconsciente" no § 37. Sobre a diversidade das tendências formadas
Simpósio de Boston em 1910 (Hartmann, nos marcos da concepção psicossomática 94
Brentano, Miinsterberg, Ribot) 47
§ 38. Definição geral do atual estado da medicina
§ 20. A análise do problema do "inconsciente" por psicossomática 97
Janet, Prince, Hart 49
§ 39. A análise dos pesquisadores russos pré-revolu-
§ 21 . Particularidades da interpretação do proble¬ cionários e soviéticos sobre os problemas da uni¬
ma do "inconsciente" no período que precedeu
dade do organismo na enfermidade 98
imediatamente a difusão das idéias da psica¬
nálise 52 § 40. Crítica das representações do caráter simbólico
das síndromes orgânicas 101
Capítulo III — A interpretação do problema do "in¬ § 41 . Sobre a insuficiência de uma justificação ex¬
consciente" na compreensão da concepção psicanalí¬
perimental das idéias iniciais da concepção psi¬
tica e a crítica dessa análise 55 cossomática 103
§ 22. Breves dados biográficos de Sigmund Freud 55 § 42. A apreciação da corrente psicossomática por
§ 23. As fases iniciais do desenvolvimento da teoria seus próprios adeptos 105
clínica da psicanálise 57 § 43. Sobre a utilidade das discussões 106
§ 24. A evolução ulterior das representações psica¬
nalíticas clínicas e sociológicas 58 Capítulo IV —
O problema das formas inconscientes do
§ 25. A cisão da concepção psicanalítica e o surgi¬ psiquismo atividade nervosa superior à luz da
e da
mento do neofreudismo 60 teoria moderna da regulação biológica e da teoria psi¬
§ 26. Os princípios leninistas de uma análise crítica cológica das atitudes 107
das teorias idealistas 62 I. O problema da consciência 107
§ 44. O problema colocado pela neurocibernética § 63. Nível de vigília e inibição nervosa 154
diante da teoria da consciência 107 § 64. Nível de vigília e atividade elétrica do cérebro 156
§ 45. As dificuldades de elaboração do problema da § 65 . O estado funcional do cérebro durante o sono
consciência 108 (segundo os dados do Colóquio de Lyon, de
1963, e do Simpósio de Roma, de 1964) 159
§ 46. As premissas da teoria materialista-dialética da
consciência 111 § 66. Sobre a significação funcional da ativação dos
§ 47 . A unidade do objeto das ciências do cérebro e as neurónios corticais na fase hipnótica (o proble¬
ma dos componentes metabólicos gerais e "in¬
diferenças entre os aspectos de suas análises 114
formativos" específicos da eletrogênese cere¬
§ 48. A crítica da categoria da consciência na filo¬ bral) 164
sofia burguesa do século xx 115
§ 67 . A organização das redes neurônicas e a dinâ¬
§ 49. As últimas discussões sobre o problema da cons¬ mica das excitações (o problema da determi¬
ciência no estrangeiro 116 nação "excessiva" do modelo neurônico) 168
§ 50. O problema da consciência segundo Weins- § 68. Sobre as tendências similares no desenvolvi¬
chenk 117 mento das concepções neurofisiológicas e neu-
§ 51. O problema da consciência segundo Muller 120 rocibernéticas 172
§ 52. As interpretações biologizantes e sociologizan- § 69. Convergência de excitações e caráter polissen-
tes da categoria da consciência 123 sorial dos neurónios 173
§ 53. O problema da consciência nos trabalhos de § 70. A propagação de excitações numa rede nervosa
Fessard 125 organizada de modo estocástico 175
§ 54. O problema da consciência segundo Soukal 129 §71. Mais uma vez sobre a aproximação entre as
§ 55. Algumas observações críticas a propósito da concepções neurofisiológicas e a simulação ge-
discussão na rda sobre o problema da cons¬ notípica das funções cerebrais 178
ciência (1960-1961) 130 § 72. O "inconsciente" como uma das formas de ati¬
vidade gnóstica do cérebro 179
§ 56 . O tema do "inconsciente" como um dos as¬
pecto da teoria geral da consciência 135 § 73 . A corrente heurística na neurocibernética mo¬
derna 182
II. As funções principais das formas não-conscientes
da atividade nervosa superior (elaboração da informa¬
§ 74. A negação do papel ativo da consciência como
resultado da tendência a deduzir as proprieda¬
ção e formação de atitudes) 138
des do todo (o cérebro) das propriedades de
§ 57 . Dados que determinam a necessidade cie uma seus elementos (os neurónios) 185
análise do problema do "inconsciente" 138 § 75. Sobre o reflexo dos princípios de funcionamen-
§ 58. Sobre a estrutura psicológica da experiência vi¬ mento dos computadores modernos no trabalho
vida conscientemente 139 dos conjuntos neurônicos reais 187
§ 59. O fenómeno da "dissociação" psíquica 142 § 76. Dois aspectos principais das manifestações da
$ 60. C) problema da não-apreensibilidade dos fenó¬ atividade do "inconsciente" 190
menos psíquicos pela consciência e da não- § 77. Informação — critérios de preferência — efei¬
to antientrópico 191
I>ei < cptibilidade dos processos de elaboração
lerebral da informação 145 §78. A ligação entre as formas não-conscientes da
M \ (ousciência e o nível de vigília 149 atividade nervosa superior e a formação e uti¬
'
, ii' \ dl ми iação entre o nível de vigília e as fun- lização de atitudes 194
II" . ili см ollia de sinais e de fixação de ves- § 79. A atitude como expressão de uma "emoção não-
iiçii.i 152 vivida" 195
§ 80. Atitude inconsciente e afeto "reprimido" 198 § 95. As questões do "estilo psicanalítico" decorren¬
§ 81 . A representação de D. Uznadze sobre o "incons¬ tes do fato da regulação não-consciente das
ciente" 200 reações somato-vegetativas e do comportamento 252
§ 82. A elaboração teórica e experimental da idéia da § 96. A plasticidade da ação na fase da sua execução
atitude pela escola de D. Uznadze 201 "automática" 255
§ 83. Duas observações criticas em relação à teoria § 97. O "inconsciente" e a hierarquia simultânea das
da atitude de D. Uznadze. A contribuição essen¬ ações 258
cial dessa teoria para a teoria do "incons¬ § 98. Sobre os efeitos psicológicos e fisiológicos da
ciente" 206
aspiração à realização de uma intenção 260
§ 84. A respeito da necessidade de ligar a noção de
§ 99. Sobre a função principal das atitudes 263
atitude à teoria da estrutura psicológica da ação
210 §100. Manifestação não-adequada à situação de ati¬
dirigida para um objetivo tudes não-conscientes 265
§ 85. A insuficiência da definição da atitude como §101 . O antropomorfismo da concepção psicanalítica
"disponibilidade para a ação" 210
da génese dos sonhos 269
§ 86. A idéia da mediação da conexão entre o estí¬
mulo e a reação na neurofisiologia clássica 215 §102. Três correntes principais da elaboração do pro¬
blema dos sonhos 271
§ 87 . Sobre a moderna compreensão do esquema geral
e dos elementos da organização funcional da
§103. Dependência do conteúdo dos sonhos da esti¬
ação 219 mulação experimental e das atitudes pré-for-
madas 272
§ 88. Algumas observações a propósito do esquema
"tote" 222 §104. As causas da deformação no sonho das experiên¬
do cias vividas matizadas de afetividade do esta¬
§ 89. A atitude como unidade da "Imagem" e do de vigília 277
"Plano" 225
§105. O problema do simbolismo e as peripécias da
III. A respeito da inter-relação da consciência com o
sua posição
227 279
"inconsciente"
§106. A interpretação psicanalítica do simbolismo dos
§ 90. A tomada de consciência como "apresentação" sonhos 281
e as vantagens criadas por ela para a regulação
da atividade 227 §107. A utilização de símbolos pela consciência de¬
senvolvida e pela consciência em formação on-
§ 91 . O "inconsciente" fisiológico, estrutural e dinâ¬
mico (segundo Bellak) 234 gênica 284
§ 92. A atitude como expressão da ligação entre os §108. Três fatos fundamentais do domínio da psi¬
cologia genética da consciência 287
aspectos informativo e algorítmico da ação 239
§ 93. A "repressão" e a dialética das relações contra¬ §109. O simbolismo dos sonhos como forma de expres¬
ditórias entre a consciência e o "inconsciente" 241 são das ligações semânticas nas condições do
pensamento por imagens 290
Capítulo V — O papel das formas não-conscientes da ati¬ §110. O método dos "sonhos dirigidos" de Desoille 293
vidade nervosa superior na regulação da atividade
psicofisiológica do organismo e do comportamento do §111. Os sonhos e o mecanismo da dominante 295
homem 244 §112. Sobre os pontos débeis da análise psicológica
e fisiológica moderna do problema do sonho 298
§ 94. A dependência da consciência em relação à
"objetivação" (segundo D. Uznadze) e da rela¬ §113. O problema do caráter específico e não-especí-
ção da ação com o motivo (segundo A. Leon- fico das relações entre o conflito afetivo e a sín¬
tiev) 244 drome clínica 305
§114. Sobre a diferença entre a influência dos fato-
res afetivos na expressão sindromológica e na
dinâmica geral ("o destino") do processo clí¬
nico 309
§115. O fator afetivo, os quadros "autoplástico" e "in¬
terno" da enfermidade (segundo Goldschei-
der e R. Luria) 311
§116. O desejo "somente verbalizado", a atitude
"real" e a enfermidade 315

Capítulo VI — Os resultados e as perspectivas da elabo¬


ração do problema do "inconsciente" 321
Posfácio da edição russa 342
PREFACIO DO AUTOR
Anexos. Extratos das discussões que tiveram lugar en¬
tre 1956 e 1967 com os partidários das correntes psi¬
canalítica e psicossomática 350
Bibliografia 417 Este livro não é apenas uma tentativa de generalização de
número de pesquisas teóricas e experimentais. É tam¬
• certo
bém o resultado de longas controvérsias e de polemicas, por
vezes extremamente apaixonadas.
As circunstâncias foram tais que o autor teve de partici¬
par, durante vários anos, de discussões sobre os diferentes
aspectos da teoria do inconsciente, nas quais eram confronta¬
das as análises psicanalíticas, psicossomáticas e fenomenalistas
dessa teoria, de um lado, e, de outro, a compreensão materialis-
ta-dialética do problema das formas não-conscientes do psiquis¬
mo e da atividade nervosa superior. Na urss; o interesse por tais
confrontações aumentou de maneira notável* após a Sessão Es¬
pecial do Presidium da Academia de Ciências Médicas da urss
consagrada à crítica do freudismo (1958).) No estrangeiro, a
presença de delegados soviéticos nos congressos científicos onde
eram abordadas as questões da teoria da consciência, da teoria
da organização funcional do cérebro, dos distúrbios clínicos da
vida mental, etc., levava, frequentemente, à discussão (às vezes
mesmo fora do programa) do tema do inconsciente como um
domínio no qual se manifesta de forma aguda a diferença
entre as metodologias e os estilos de análise das questões essen¬
ciais da teoria do cérebro.
Tais discussões haviam começado ainda em 1956 por causa
de uma questão fortuita surgida na Sessão Européia de Ele-
troencefalografia (Londres) ; posteriormente, desenvolveram-
. se em 1959, no i Congresso de Psiquiatria da Tcheco-Eslová-

1
quia (Jesenik) , na Conferência Consagrada aos Problemas Me¬ de diversos domínios do conhecimento, como a psicologia, a
todológicos da Psicanálise, convocada por iniciativa do Minis¬ doutrina da atividade nervosa superior, a teoria da regula¬
tério da Saúde e da Academia de Ciências da Hungria (Buda¬ ção biológica, a psiquiatria, a neurologia. As dificuldades
peste, 1960) , no ih Congresso Mundial de Psiquiatria (Mon¬ que surgem na etapa atual, "quando se tenta analisar qualquer
treal, 1961) , na Conferência sobre os Problemas da Teoria- função cerebral, são determinadas principalmente pelo fato
da Regulação Nervosa (Leipzig, 1963) , no ih Congresso In¬ de uma análise desse tipo não poder ser feita sem levar em
ternacional de Medicina Psicossomática e Hipnose (Paris, conta o rápido desenvolvimento geral das nossas representações
1965) , no Simpósio sobre o Problema da Consciência e do- sobre os princípios da organização da atividade cerebral, que
"Inconsciente" (rda, 1967) e em alguns outros casos. caracterizam a neurofisiologia moderna. E, quando se trata do
É compreensível o interesse demonstrado por tais dis¬ problema do inconsciente, essas dificuldades tornam-se parti¬
cussões no estrangeiro. A psicanálise e as diversas correntes. cularmente sensíveis, uma vez que o desenvolvimento, ao qual
que dela se aproximam contam, até hoje, com larga popula¬ acabamos de nos referir, refletindo uma aproximação entre a
ridade no Ocidente. Entretanto, grande número de psicólogos. teoria do cérebro e a cibernética, obriga-nos a mudar em
e de clínicos ocidentais reconhecem os aspectos débeis dessa numerosos pontos a compreensão da essência e do papel do
concepção e a necessidade de rever seus princípios básicos. inconsciente, que prevaleceu durante os últimos decénios.
(128) .* Eis por que desejamos formular imediatamente a tese teórica
Quanto a nós, o que nos parece importante no momento. geral, cujo desenvolvimento constituirá toda a exposição que
atual não é tanto o esclarecimento desses aspectos débeis (esta se segue.
fase da crítica está bem apresentada em numerosos trabalhos- O freudismo esforçou-se no sentido de construir a teoria
importantes publicados durante os últimos anos — 261, 262, do inconsciente separadamente da teoria fisiológica do cérebro.
207, 47, 135, 206, etc.) , mas a justificação teórica de uma inter¬ É possível que essa posição fosse forçada (pela debilidade da
pretação adequada do inconsciente. neurofisiologia do final do século passado) . De qualquer ma¬
A presente obra tenta realizar essa justificação. O autor neira, essa posição foi nefasta. Apesar de a psicanálise ter abor¬
utilizou a experiência por ele acumulada nos congressos men¬ dado certos problemas e fatos de grande importância, não foi
cionados acima, em encontros pessoais com os partidários de capaz de dar uma explicação científicâÿAs construções teóricas
uma compreensão psicanalítica do problema do inconsciente,, da psicanálise são um mito. A concepção da psicanálise foi
assim como os materiais das discussões, num plano análogo, criada para explicar os aspectos reais da atividade do cérebro,
na imprensa periódica estrangeira e soviética, das quais ele- diante dos quais, entretanto, a marcha das pesquisas ficou blo¬
participou (6, 10, 9, 12, 13, 16, 5, 213, 7, 214, 268, 8, 188, 248,. queada por muito tempo pela impossibilidade de explicá-los
11, 186, 123, 78). cientificamente.
Não resta dúvida de que este livro, cujos princípios fun¬ Estamos nós em condições, ao fim de mais de meio século,
damentais se formaram na atmosfera emocional de uma polé¬ de utilizar as representações neurofisiológicas para aprofundar
mica, frequentemente aguda, permanece, ele mesmo, discutível a idéia do inconsciente? Sim, estamos, se considerarmos um
numa série de pontos. O autor não pretende de maneira aspecto definido dessas representações: não tanto a presença
alguma que este livro seja considerado o esboço de uma con¬ nelas de mecanismos cerebrais concretos, como certas tendên¬
cepção constituída e formulada definitivamente. Os obstáculos cias do seu desenvolvimento, que explicam por que somos
(pie se colocarão durante longo tempo ainda no caminho da obrigados a reconhecer a realidade do inconsciente como uma
criação de tal concepção são enormes. A atenção dispensada das formas da atividade cerebral e quais das propriedades das
ao problema do inconsciente foi durante muito tempo débil redes neurônicas se podem (muito hipoteticamente) ligar ao
eiilrc nós por motivos que não dizem respeito apenas ao cará- cumprimento de certas funções do inconsciente.
tei interdisciplinar desse problema, que se coloca na junção-
Mas o importante nessas tentativas de introduzir o pro¬
blema do inconsciente no contexto da teoria geral do cérebro
Todos as números entre parênteses no texto remetem à biblio-- consiste em outra coisa. Abordamos aqui, aparentemente, uma
grafla. nova etapa extremamente importante do desenvolvimento des-

2 3
sa teoria em ligação com a compreensão do fato de que os observadores superficiais podem considerar como recuo diante
processos nervosos (como muitos outros) podem ser estudados das dificuldades de revelar os fundamentos materiais concretos
em dois planos diferentes: a) começando diretamente a anᬠda atividade cerebral. A cibernética já deu numerosos exem¬
lise pelo exame da sua natureza material concreta e das parti¬ plos de que, aprofundando a compreensão do aspecto infor¬
cularidades da sua dinâmica e da sua energia decorrentes dessa mativo da atividade dos mais diversos sistemas auto-reguladores,
natureza (o que é perfeitamente racional na etapa do desen¬ criamos, ao mesmo tempo, as premissas de uma compreensão
volvimento da neurofisiologia clássica, que tem relação com mais profunda do aspecto energético dessa atividade.
sistemas relativamente pouco numerosos e relativamente sim¬ Lembramos essas tendências características porque o pro¬
ples) e b) Cestudando esses processos inicialmente de forma blema do inconsciente integra-se hoje no contexto da teoria
abstraía, apenas como forma original de elaboração da infor¬ geral do cérebro, em consequência da limitação dos métodos
mação, para obter em seguida, graças aos resultados desse atualmente disponíveis para seu estudo, principalmente atra¬
estudo, a possibilidade de decifrar igualmente, de maneira mais vés do plano, recentemente descoberto, de elaboração da infor¬
profunda e precisa, '"-a organização concreta da sua natureza mação e da regulação. É precisamente nesse plano que se re¬
material (a única forma adequada de estudar a interação velam as principais funções do inconsciente, ligadas com as
de uma multiplicidade de sistemas extremamente complexos formas latentes, mas extremamente importantes, da atividade
que se encontram, como ficou agora mais claro, na base do cerebral — sem levá-las em conta, não podemos entender pro¬
comportamento adaptativo) . fundamente qualquer ato de adaptação. Fica claro por si só
uVa segunda abordagem, a atenção é dirigida para as leis que, com tal abordagem, toda colocação do problema do
que regem o comportamento, os métodos de regulação das inconsciente é, em muitos aspectos, totalmente modificada em
funções, os esquemas de organização dos processos e, final¬ comparação com o que se encontra ainda em publicações
recentes.
mente, o substrato material imediato desses processos?4*!) forta¬
lecimento progressivo, na teoria moderna do cérebro", de inter¬ A seguir, nos esforçaremos no sentido de concretizar e
pretações muito características e, em muitos casos, aparentadas justificar essas considerações gerais, puramente declarativas
por enquanto.
depõe em favor da tendência a aplicar de forma mais ampla
este segundo método, devido às vantagens evidentes que cria Após haver assinalado toda a complexidade da elaboração
do problema do inconsciente, gostaríamos de sublinhar a im¬
para a análise. Essas interpretações são: as noções da estrutura
funcional dos movimentos que se apoiam no conceito de "cor- portância particular dessa elaboração no plano da consagração
da filosofia do materialismo dialético. É sabido que a inter¬
reção sensorial" e de "comparação" (N. Bernstein) , a idéia
de "excitação antecipada" e de "aceitador da ação" (P. Anok- pretação idealista do problema do inconsciente, da qual um
hin) , os dados do estudo do papel regulador das atitudes (D. dos aspectos brilhantes é a concepção da psicanálise, influi so¬
Uznadze) , a concepção da tomada de consciência como função bre camadas bastante amplas da intelectualidade não só nos
da "apresentação" da realidade ao sujeito e de "desvio do países capitalistas do Ocidente, como também em alguns países
motivo para o objetivo" (A. Leontiev) , a teoria do comando socialistas; O melhor meio de superar essa influência consiste
de sistemas psicológicos complexos na base da tática da busca numa crítica construtiva das teorias que a nutrem, isto A na
não-local (I. Guelfand) e algumas outras construções teóricas. elaboração de noções mais adequadas no plano científico) Eis
O que une todas essas linhas de pesquisa, aparentemente tão por que um passo adiante, mesmo o mais modesto, no sentido
diferentes, é que, para todas, o objetivo final consiste num de uma elaboração correta do problema do inconsciente, sendo
entendimento mais aprofundado da natureza dos processos ce¬ algo sabidamente difícil, é, ao mesmo tempo, necessário e
rebrais, o qual pode ser atingido pela análise da estrutura importante.
funcional desses processos, pela compreensão da lógica da sua Concluindo, constitui para mim agradável dever expressar
organização, dos princípios da sua regulação e do sëïf comando. meu reconhecimento sincero a meus respeitáveis oponentes, a
Em tal abordagem do problema, em duas etapas, manifes- todos os pesquisadores com os quais a discussão, sob forma
ta-se uma estratégia de pesquisas científicas que é, aparente¬ oral ou epistolar, contribuiu para definir de maneira mais exata
mente, a mais vantajosa no momento atual e que apenas os os princípios teóricos da psicanálise e da medicina psicosso-

4 5
mática modernas, e que contribuíram, assim, para orientar
mais corretamente a discussão crítica dessas concepções; em
particular, ao ex-Presidente da União Psicossomática Inter¬
nacional, E. D. Wittkower (Canadá) , aos Professores C. Mu-
satti (Itália) , Ch. Brisset (França) , H. P. Klotz (França) , H.
Ey (França) , Rey (Inglaterra) , V. Smirnoff (França) , С . CAPÍTULO I
Koupernik (França) , J. H. Masserman (eua) .
Sinto-me particularmente grato aos Professores D. Miiller-
Hegemann (rda) , Gegesi-Kiss-Pál (Hungria) , ao Dr. F. Apresentação do problema do "inconsciente"
Võlgyesi (Hungria) e ao Dr. M. Cerny (Tcheco-Eslováquia) ,
que criaram condições favoráveis à discussão e dirigiram ha¬
bilmente os debates.
Agradeço também cordialmente ao Dr. L. Chertok (Fran¬
ça) . As elucidações que recebi durante muitos anos da parte
desse eminente clínico sobre as particularidades características
das correntes psicossomática e psicanalítica na França encon¬
traram reflexo nas páginas desta obra.
Lembrarei sempre com um sentimento de caloroso reco¬ § 1. As
nhecimento a ajuda que me dispensou durante muito tempo
dificuldades de analisar a ideia do "inconsciente"
a falecida C. Michalova, cientista tcheca, na crítica da cor¬
As questões abordadas na etapa atual pela teoria das
rente psicanalítica.
formas inconscientes da atividade nervosa superior são, na
Esta obra não teria sido realizada sem a colaboração ines¬ realidade, tema muito antigo, que vem preocupando os filó¬
timável e contínua que me concedeu o falecido Professor M. sofos há muitos séculos. No período que precedeu a criação
Konovalov, membro da Academia de Ciências Médicas da das representações científicas da atividade cerebral, esse tema
URSS e ex-Diretor do Instituto de Neurologia da mesma Aca¬
era abordado principalmente a partir das posições da filosofia
demia, o qual durante longos anos orientou minha atividade idealista, transformando-se em elemento tradicional da filoso-
científica. ífia da natureza e das concepções espiritualistas. Só posterior¬
mente atraiu também a atenção dos psicólogos e, mais tarde
ainda, dos neurofisiologistas. Mesmo nessa fase relativamente
tardia, contudo, o pesado fardo das representações especula¬
tivas, solidamente fundidas com a idéia do inconsciente,
entravou de modo violento as tentativas de análise científica.
Considerando-se os últimos 100 anos, a história das re¬
presentações das formas inconscientes da atividade adaptável
•superior do cérebro revela-se como a oscilação entre dois pólos
do pêndulo do pensamento teórico: um irracionalismo aberto
.e, com freqtiência, extremamente retrógrado, de um lado, e,
de outro lado, o que, ao contrário, possui nas representações
do inconsciente um caráter racional e deverá, mais cedo ou
mais tarde, tornar-se parte indissolúvel da doutrina materia-
lista-dialética das leis da atividade do sistema nervoso central
do homem. Assim, para libertar a idéia do inconsciente das
tradições idealistas que pesam sobre ela, foi necessário um pro¬
cesso extremamente longo, durante o qual os períodos de

ft 7

1
avanço eram seguidos de períodos de longa estagnação e até radas por Fichte, Schelling, Schopenhauer, Hegel, Herbart e
mesmo de regressão. Evidentemente, isso não podia deixar de outros (e, principalmente, no sistema criado nos anos 70 do
influir tanto no papel que essa idéia desempenhou na forma¬ século xix por Hartmann. Considerando a duração dessa
ção de diversos domínios do conhecimento, como nas parti¬ tradição e suas raízes profundas, não admira que sua influência
cularidades das atitudes em relação a ela, inerentes aos dife¬ possa ser observada em uma série de obras muito posteriores
rentes períodos históricos. de orientação idealista filosófico-psicológica e filosófico-socio-
Para compreender como, apesar de todas essas dificulda¬ lógica. \Um retorno típico à concepção idealista do inconsciente
des, a idéia do inconsciente integrou-se gradualmente no con¬ revelou-se claramente, por exemplo, na evolução das idéias de
texto das teorias científicas, é igualmente necessário levar em Freud e provocou, no final do primeiro quarto do século xx,
consideração o seguinte: nesta idéia se cruzam, como numa uma mudança brusca nos interesses desse pesquisador, o deslo¬
espécie de foco, linhas muito diferentes—de desenvolvimento camento da sua atenção dos problemas da patogênese das
do pensamento filosófico e científico. Esse cruzamento tem síndromes clínicas para o que se chama de metapsicologia,
como resultado o caráter interdisciplinar das representações onde a tónica era colocada no papel do inconsciente enquanto
do inconsciente, sua ligação com um amplo círculo de domí princípio original da atividade psíquica e vital, dos processos
nios especiais do conhecimento, desde a teoria da regulação de tipo histórico e social, etc. Numa forma não menos clara,
biológica, da neuro e eletrofisiologia, até a psicologia da cria¬ podem-se descobrir tendências análogas quando se acompanha
ção, a teoria da arte, os problemas da psicologia social e, inclu¬ a evolução do pensamento de outros representantes destacados
sive, a teoria da educação. Em condições tão complexas, não da orientação idealista, tais como Bergson, Jung, em parte
se admitindo certa esquematização e certas etapas lógicas do James, Sherrington e outros.
desenvolvimento da idéia que se está acompanhando, as difi¬ Assim, o conceito do inconsciente não se libertou facilmen¬
culdades de análise tornam-se muito grandes. Essas etapas nem
te das tradições da filosofia da natureza. Mas tratava-se
sempre coincidem com as etapas do desenvolvimento em sua
de um processo historicamente irreversível. Já no final do
compreensão cronológica, mas, orientando-nos por elas, pode¬
mos acompanhar melhor a cristalização gradual dos elementos século xix, começaram a modificar-se visivelmente as posições
racionais da teoria do inconsciente e o estabelecimento de la¬ a partir das quais se interpretava essa categoria original, atri-
ços entre essa teoria e os outros domínios do conhecimento buindo-llie acepções diferentes e, frequentemente, de difícil
É precisamente por essa via que nos esforçaremos para avançar. compatibilidade. A progressiva diversificação da noção do
No que diz respeito ao aspecto cronológico, nós nos deteremos inconsciente, a multiplicidade de suas interpretações constituem
nele, especificamente, um pouco adiante. obstáculo nada desprezível quando se tenta acompanhar de
que maneira sua representação se tornou cada vez mais aceitá¬
vel para o pensamento científico.
2. A interpretação filosófica especulativa da idéia do
"inconsciente"
§ 3. Como Wilhelm Wundt entende o "inconsciente"
Quando se assinalam as fases lógicas do desenvolvimento
do conceito do inconsciente, ê necessário, antes de tudo, lem¬ Fazendo-se uma abstração da interpretação original do
brar que esse conceito estava, em suas origens, intimamente inconsciente supracitada, duas compreensões diferentes dessa
ligado às teorias de orientação idealista, que encaravam o idéia se delinearam ainda na psicologia do século xix. Uma
inconsciente como certo princípio cósmico e como a base do delas pode ser chamada de negativa, uma vez que se limitava
processo vital. a entender o inconsciente como uma esfera física ou um domí¬
Exemplos brilhantes de tal interpretação estão presentes nio de emoções, caracterizados apenas por este ou aquele grau
ião numerosos sistemas da filosofia antiga (por exemplo, no de redução de lucidez da consciência. É geralmente a G.
Wd.mia hindu, o conceito do segundo atributo de Brahma), Leibniz (194) que se atribui tal interpretação, quando se
na lilo.oli.i europeia da Idade Média (os ensinamentos de acompanham suas longínquas raízes históricas. Ele foi, apa¬
s.oiio I oui.is ih Aquino), mais tarde nas concepções elabo¬ rentemente, um dos primeiros a expressar a idéia de que, ao

9
lado das percepções distintamente apreendidas pela consciên¬ têm um caráter inconsciente, e apenas seus resultados são
cia, há outras que o são de modo mais ou menos vago, ou acessíveis à consciência (274) Д
mesmo não o são totalmente (as percepções ditas pequenas ou Wundt voltou muitas vezes à idéia dos "processos lógicos
insensíveis*) . Na psicofisiologia da Europa Ocidental, essa não-apreendidos pela consciência", a qual desempenhou —
interpretação negativa foi sustentada durante certo tempo por como veremos depois — papel importante em todo o desen¬
Fechner (na época em que ele estava criando sua teoria dos volvimento ulterior das noções do inconsciente. Eis algumas
limiares da sensação, que depois se tornou amplamente co¬ de suas afirmações, as quais refletem bem o espírito do enten¬
nhecida) e por alguns outros. Entretanto, esse ponto de vista dimento desse problema que prevalecia nos anos 50-60 do
não se manteve por muito tempo sob essa forma estrita, lógica século xix: "A idéia da existência de uma base lógica das
e consequente.
A posição de Wundt oferece grande interesse por sua com-
percepções" — diz Wundt — "não é mais hipotética do que
qualquer outra suposição admitida em relação aos processos
preeiísão da idéia do inconsciente. Wundt formulou uma série objetivos, quando se analisa sua natureza. Essa hipótese satisfaz
de argumentos tanto a favor como contra o entendimento pura¬ a uma exigência essencial que se coloca diante de toda teoria
mente negativo do inconsciente, refletindo assim certa confu¬ solidamente justificada: ela permite generalizar os fatos obser¬
são dos pensadores, mesmo os mais profundos, de meados do vados da maneira mais simples e menos contraditória. Se o
século passado diante da complexidade do tema em questão.
primeiro ato consciente, cujas raízes penetram no inconsciente,
É a esse pesquisador que se deve & comparação da cons¬ tem um caráter de raciocínio, isso mostra a existência de uma
ciência com o campo visual,) no qual existe, como se sabe, uma ligação entre as leis do desenvolvimento lógico do pensamento
região de visão muito nítida cercada de zonas concêntricas, e esse inconsciente; mostra a existência não só do pensamen¬
que são a fonte de sensações cada vez mais difusas. Apoiado to consciente, mas também do pensamento inconsciente. Pode¬
em tal esquema, Wundt tentou justificar a identidade dos
conceitos do psíquico e do consciente, isto é, defender a noção mos recordar que já demonstramos claramente por que a hipó¬
segundo a qual o inconsciente deve ser entendido apenas como tese da existência dos processos lógicos inconscientes explica não
uma espécie de periferia da consciência, que perde as quali¬ apenas a forma final dos atos da percepção, mas ainda coloca
dades do psíquico à medida que passamos às zonas mais afas¬ em evidência a natureza desses atos, inacessível à observação
tadas do domínio das sensações nítidas. Trata-se de uma for¬ imediata" (274) .
mulação de estilo puramente negativo. Ao mesmo tempo, no Wundt estava longe de identificar ingenuamente o incons¬
próprio Wundt encontramos asserções que se aproximam do ciente à consciência, de entender o primeiro como uma ativi¬
tipo oposto (positivo) . Segundo a formulação positiva, o dade subordinada às mesmas leis que determinam a atividade
inconsciente aparece como uma atividade latente e qualitati¬ da segunda, o que constitui o erro cometido por Freud, por
vamente específica do cérebro, capaz de exercer, em condi¬ mais estranho que pareça. Ele assinala que a expressão "racio¬
ções determinadas, influência muito profunda no comporta¬ cínio inconsciente" é inadequada. "O processo psíquico da
mento e nas formas complexas de adaptação. percepção não assume a forma de uma conclusão lógica en¬
Ê difícil de dizer se Wundt levou em consideração certa quanto não é traduzido na linguagem da consciência" (274) .
contradição de seus pontos'dè_vista sobre a natureza do incons¬ Por isso Wundt era inclinado a sublinhar a singularidade qua¬
ciente. Uma coisa é certa: sua compreensão desse problema não litativa e funcional da atividade intelectual inconsciente em
se limitava a uma concepção negativa (apesar das afirmações todos os homens: os processos lógicos inconscientes se desen¬
<ine apareceram em publicações ulteriores) . É suficiente lem¬ rolam, segundo ele, em consequência dessa singularidade, "com
brai- sua tese segundo a qual a percepção e a consciência uma regularidade e uma monotonia que seriam impossíveis
baseiam se inelutavelmente nos "processos lógicos não-apreen- caso se tratasse de construções lógicas conscientes" (274) . Por
« In los pela consciência", sendo que os processos da percepção último ele formula, na linguagem teleológica e espiritualista
característica da psicologia idealista de seu tempo, uma idéia
que, não sendo nova já naquela época, repercutiu em inúmeras

Га I i pUnncH sine appcrceptione seu contientia", 'perceptiones in- das obras escritas a seguir: "Nossa alma está constituída com
sensibiles" . tanta felicidade que, enquanto ela prepara as premissas do

10 11
processo cognoscitivo, não recebemos qualquer informação do formas intensivas de tensão emocional. Contudo, Schilder
sobre o trabalho que preside a essa preparação. Essa alma cria¬ recusou-se a considerar o inconsciente como fenómeno verda¬
dora inconsciente se opõe a nós como um ser estranho, e só nos deiramente psíquico. A partir dessa compreensão singular,
coloca à disposição os frutos maduros do seu trabalho" (274) . tentou ele analisar toda uma série de quadros e síndromes
Essa afirmação contém as principais teses, concretizações e psicopatológicos característicos.
explicações que diversas orientações psicológicas e psicopatoló-
gicas se esforçaram por obter (sem qualquer resultado signi¬ Mas com Schilder (que, repetimos, considera mais a ló¬
ficativo) durante muitos decénios seguintes. gica do que a cronologia do desenvolvimento das concepções)
Detivemo-nos tão detalhadamente na exposição dos pon¬ se dá apenas uma primeira tentativa de introduzir a idéia do
tos de vista de Wundt por serem típicos de um longo período inconsciente no contexto das interpretações psicopatológicas.
da evolução das representações do inconsciente. É bastante Tendo ingressado na via do reconhecimento do inconsciente
interessante que essas opiniões tenham sido sustentadas com como fator não-idêntico à consciência, mas que exerce, contudo,
grande energia por aqueles que se esforçavam no sentido de uma influência sobre o comportamento, não se podia abster
introduzir no domínio da psicologia o espírito das ciências de imaginar que tal influência não se esgota apenas com a
exatas, assim como de justificar o direito do psicólogo à dedu¬ elevação do potencial afetivo, não se reduz somente à criação
ção lógica, seu dever de tratar os problemas com um método de uma tensão emocional não-dirigida. Toda essa marcha do
de análise lógico. Referimo-nos a Helmholtz (170) , Zõllner e
pensamento sugeria que uma ação desse tipo deve ser capaz,
alguns outros. ao menos em condições determinadas, de adquirir o caráter
de uma regulação verdadeira, de um comando verdadeiro do
comportamento, no qual são conservadas a orientação das ações
§ 4. A penetração da ideia do "inconsciente" nas con¬
cepções clínicas dirigidas para um objetivo e a capacidade de uma adaptação
flexível ao meio ambiente.
A segunda etapa do desenvolvimento ou, mais precisa¬ Não surpreende, por isso, o excepcional interesse com
mente, de ampliação das representações do inconsciente está que foram recebidos, há muitos decénios, os dados clínicos que
ligada essencialmente às concepções de ordem clínica. Se para atestavam a existência de formas de regulação complexa do
Wundt e Helmholtz, que dedicaram muita atenção à anᬠcomportamento não-captadas pela consciência. Tais dados fo¬
lise dos processos da percepção, a atividade do inconsciente ram apresentados em abundância pela clínica da histeria, da
manifestava-se principalmente na organização, na preparação
análise das modificações hipnógenas da consciência, das obser¬
latente dos fenómenos psíquicos de ordem mais elementar
(percepção, memorização, trabalho de atenção) , os psicopa- vações acumuladas no estudo dos estados crepusculares na
tologistas de um período mais tardio, cujo interesse estava clínica da epilepsia (por exemplo, os casos repetidamente
voltado para os distúrbios da personalidade, entenderam essa descritos de atividade complexa, objetivamente orientada para
atividade como um fator que participa igualmente da regu¬ um objetivo e dirigida por longo tempo num estado de cons¬
lação e da patologia das manifestações sistémicas mais com¬ ciência dupla, segundo a psiquiatria francesa) , pelas pesquisas
plexas do psiquismo, da motivação e do comportamento sobre os distúrbios pós-traumáticos e pós-infecciosos da memó¬
humano. ria e outras síndromes clínicas de caráter funcional e orgânico.
Tal compreensão é claramente apresentada nos trabalhos Esses dados foram, a seu tempo, estudados em detalhe por
de P . Schilder (237) , por exemplo. A periferia ou zona margi¬ Charcot, um pouco mais tarde por Janet, continuador talen¬
nal da consciência, que passa diretamente para o domínio do toso desse psicopatologista francês eminente, assim como por
inconsciente, é, segundo Schilder, não apenas o receptáculo Miinsterberg, Ribot, Prince, Hart e numerosos outros. E,
original dos componentes difusos e indistintos da atividade evidentemente, essa idéia do papel regulador do inconsciente
intelectual e sensorial (representações e sensações vagas) , no comportamento encontrou sua expressão mais completa nos
mas também dos estados afetivos, das pulsações profundas, que trabalhos de Freud e de seus numerosos adeptos, cujas concep¬
podem ter um potencial dinâmico muito elevado, determinan- ções examinaremos mais de uma vez e detalhadamente.

12 13

Й
§5. As fases de desenvolvimento das representações do mesmo tempo, uma atividade psíquica. Entretanto, naquela
"inconsciente" época, havia muito poucos estudiosos dispostos a resolver essa
alternativa de maneira inteiramente fundamentada.
Assim, vemos que as interpretações irracionais do incons¬ Assim, o que caracteriza o sistema de concepções psicoló¬
ciente e as da filosofia da natureza cederam lugar a uma inter¬ gicas de Wundt é que os nós dos problemas estavam solida¬
pretação negativa (segundo a qual não se pode falar do mente atados, tão bem que nem o autor, nem os numerosos
inconsciente a não ser como a perda, no mais alto nível, da pesquisadores das gerações seguintes puderam desatá-los, ape¬
qualidade do consciente do vivido, se esse vivido se desloca sar de insistentes esforços. O nó principal era saber como se
do centro para a periferia da consciência clara) ; que a essa deve considerar a atividade cerebral latente, que não se torna
interpretação tão prudente quanto vazia de conteúdo sucedeu acessível à consciência a não ser em uma das suas etapas finais
a insistência sobre o papel latente, mas importante, que o (ou permanece mesmo inteiramente fora dos limites da cons¬
inconsciente desempenha na formação de manifestações rela¬ ciência) , se bem que participando da formação (para expres-
tivamente elementares do psiquismo (na organização da per¬ sar-se no idioma de nosso tempo) dos aspectos semânticos e
cepção, na euforia de traços da memória, na formação dos atos informativamente condicionados dos atos humanos dirigidos
intelectuais, etc.) ; que em seguida essa representação se am¬ para um objetivo. As discussões em torno desse problema, em
pliou, após ter postulado a influência do inconsciente não só que se opunham com hesitação as concepções neurológica (que
na dinâmica das funções mentais particulares, mas também no caracterizamos como negativa) e psicológica (positiva) , dura¬
domínio da motivação, das pulsações e emoções, isto é, nos ram decénios. A discussão passava de uma fase do desenvol¬
processos que constituem, segundo a compreensão psiquiátrica vimento do inconsciente a outra, contribuindo em certa me¬
tradicional, a base, o núcleo da personalidade; e que, final¬ dida para sua sucessão. Ao mesmo tempo, mostrou de maneira
mente, no centro das atenções foram colocados fatos que mos¬ convincente que a sucessão dessas fases refletia mais a amplia¬
tram, segundo seus observadores, como o inconsciente pode ção continuada das representações das formas de expressão do
não só determinar os diferentes níveis de tensão emocional, inconsciente do que um aprofundamento real dos conhecimen¬
mas cumprir a função de verdadeiro regulador do comporta¬ tos da natureza de um género de atividade cerebral da maior
mento, concedendo às atitudes do homem em relação ao mundo singularidade e, por isso, particularmente difícil de entender.
um caráter adaptável, que não é menos flexível e dirigido Ao acompanhar a lógica da evolução do conceito de in¬
para um objetivo do que aquele que é alcançado em plena consciente, temos em vista, por enquanto, como é fácil per¬
consciência. ceber, apenas os processos que vêm ocorrendo fora do nosso
Quando se acompanham essas fases em sucessão crono¬ país. Posteriormente vamos deter-nos, e em detalhe, no de¬
lógica, é necessário sublinhar uma característica comum inte¬ senvolvimento das concepções das formas da atividade nervosa
ressante. Já mencionamos uma contradição interna no sistema superior não-apreendidas pela consciência na Rússia pré-revo-
de construções de Wundt: esforçando-se, por um lado, em iden¬ lucionária e na União Soviética. No momento, para encerrar
tificar os conceitos do psíquico e do consciente (o processo a descrição da sucessão de etapas, resta-nos indicar as inter¬
psíquico não pode ser inconsciente) , Wundt via-se obrigado, pretações que substituem a última das fases mencionadas ou
ao mesmo tempo, a falar do "pensamento inconsciente", de que com ela coexistem, concepções que decorrem logicamente
"operações lógicas inconscientes", etc. A maioria dos pesquisa¬ cia noção de subordinação ao inconsciente, entendido de ma¬
dores não via outra saída para essa contradição, que havia sido neira idealista, até mesmo das formas mais complexas do com¬
assinalada ainda no final do século xix: ou, conservando a portamento dirigido para um objetivo.
primeira tese, reconhecer a transformação da informação não- Essas interpretações mostram (e para o historiador da
apreendida pela consciência como atividade puramente ner¬ ciência esse é um fato pleno de profundo interesse) de que
vosa (isto é, privada de modalidade psíquica) , ou mantendo a maneira original o círculo do desenvolvimento do pensamento
segunda tese (isto é, admitindo a existência de uma atividade se fecha quando uma interpretação inadequada do papel regu¬
psíquica inconsciente) , renunciar à primeira tese negativa e lador do inconsciente faz os pesquisadores voltarem às mesmas
explicar de que maneira e em que sentido se pode falar de uma noções iniciais de ordem especulativa de onde parte toda a
atividade do cérebro que, sendo inconsciente, permanece, ao evolução das idéias que acompanhamos. Com efeito, aceitando-

14 15
se ahipótese de que о inconsciente determina as bases do com¬ Nâo suscita dúvida que a lentidão do entendimento do
portamento dirigido do indivíduo, é suficiente, logicamente, íinconsciente não é consequência de uma subestimação da im¬
apenas um passo para admitir a influência desse inconsciente portância do problema. Para convencer-se disso, basta lembrar
nas atividades sociais. E isso já é entrar no caminho que con¬ as palavras de James, que achava impossível não considerar
duz inevitavelmente a uma interpretação idealista do incons¬ •que o avanço mais importante na psicologia, desde que ele,
ciente como força irracional que dirige o desenvolvimento ainda estudante, iniciou o estudo dessa ciência, ocorreu em
histórico dos povos e da humanidade em seu conjunto, como 1886, quando se mostrou que não existe somente um campo
habitual da consciência com seu centro e sua periferia, mas
o "Inconsciente" mítico, capaz de se opor à ação consciente
também um domínio de vestígios da memória, das idéias e
do homem, e até mesmo hostil a essa última.
•dos sentimentos, os quais, situados fora desse campo, devem
Foi exatamente assim que se encerrou a evolução das ser considerados, entretanto, como revelações da consciência
idéias de Freud, cujo ponto de partida foi a obra Estudos ("conscious facts") de um género particular, capazes de mani¬
sobre a Histeria (1895) , de grande interesse clínico, e o final festar de maneira infalível sua realidade. Segundo ele, foi o
lógico, a elaboração de um sistema sócio-filosófico profun¬ passo mais importante porque, diferentemente de outras con¬
damente reacionário. Da mesma maneira se deu a evolução quistas da psicologia, essa descoberta colocava em evidência
de Jung, que começou pelo estudo experimental dos processos um aspecto totalmente inesperado da natureza do homem.
associativos na esquizofrenia e terminou sua obra com os Nenhum outro êxito das pesquisas psicológicas pode preten¬
Arquétipos do Inconsciente Coletivo, Relações entre o "Eu" der o mesmo significado (176) . Citando essas palavras, Jung
e o "Inconsciente" e outros trabalhos de orientação análoga (183) assinala que, ao falar da "descoberta de 1886", James
(181, 182) . Alguns sociólogos burgueses, como Lazarus em tinha em vista a noção da "consciência subliminar" formula¬
sua Psicologia dos Povos, Le Bon (193) , Trotter, Ranker e da naquele ano por F. Myers.
outros seguiram o mesmo caminho, vendo no inconsciente Assim, James, como muitos outros, compreendia todo o
irracional o motor do processo histórico. É supérfluo mostrar •significado do problema do inconsciente. É evidente também
o quanto era vasto o espaço deixado livre para construções que •o talento indiscutível e a grande habilidade experimental dos
nada tinham a ver com os conhecimentos e os métodos cien¬ pesquisadores que, posteriormente, tentaram analisar esse
tíficos. problema.
Entretanto, é natural que tudo isso não tenha compensado
•o erro metodológico dos pontos de partida e — não menos
6. A importância do problema do 'inconsciente" se- importante — a ausência de conceitos de trabalho adequados,
gundo William James sem os quais os problemas colocados não poderiam ser eluci¬
dados de maneira científica.
Fizemos a caracterização das principais etapas do desen¬ Assim se deram as coisas no estrangeiro, nos países capi¬
volvimento das noções do inconsciente fora da União Sovié¬ talistas. Qual foi, na União Soviética, o destino de pesquisas
tica para mostrar, em particular, a que ponto foram parali- análogas desenvolvidas com base em outra compreensão de
santes as influências das colocações metodológicas de muitos todo esse complexo problema?
pesquisadores da Europa Ocidental e dos eua que se deti¬
veram nesse problema complexo. Não resta dúvida de que se
tentou dar insistentemente à questão do inconsciente uma 7. Sétchenov e Pavlov e o problema do "inconsciente"
interpretação idealista. Como resultado, é difícil indicar outro
domínio da psicologia cuja história possa produzir uma im¬ De início, é necessário assinalar a inexatidão das afirma¬
pressão tão forte de lentidão na sua evolução como a história ções segundo as quais a análise materialista, tradicional para
das teorias do inconsciente. A essa história se pode aplicar per, a ciência russa no que diz respeito aos problemas da teoria do
feitamente o ditado francês: "Plus ça change,plus c'est la même cérebro, a preferência dessa ciência pelos métodos objetivos de
chose". pesquisa das funções do sistema nervoso central e a concepção

16 17
1
refletora característica da ciência russa estariam desde o iní¬ leria renunciado ao problema do inconsciente, ou existiria uma
cio ligadas à negação ou, pelo menos, à subestimação da im¬ incompatibilidade entre os conceitos do inconsciente e os pos¬
portância do problema do inconsciente. É possível apresentar tulados fundamentais dessa teoria.
inúmeros argumentos para demonstrar que semelhante ponto
de vista negativo e simplista não era defendido nem pelos
fundadores da teoria dos reflexos, nem pelos que procuraram*
§ 8. A análise do problema do "inconsciente" pelos pes¬
guiar-se por essa teoria em sua prática médica. Entretanto, é
indiscutível que se formou na Rússia uma visão particular do quisadores soviéticos. Seus resultados, dificuldades
problema do inconsciente, diferente em muitos aspectos das.
e perspectivas
visões que predominam no Ocidente.
A análise do problema do inconsciente pela ciência russa
I. Sétchenov voltou mais de uma vez ao problema das-
e, posteriormente, pela ciência soviética foi determinada prin¬
sensações obscuras ou vagas, que entendia como despercebidas
em parte ou na totalidade. Em diversas ocasiões falava de
cipalmente (sem cair nas tentativas simplistas de negar o
diferentes níveis do estado de vigília. Previu também a exis¬
problema) por alguns princípios metodológicos considerados
ainda hoje, com razão, como os únicos adequados para o caso.
tência de "pré-sensaçôes", que se tornaram mais tarde (princi¬
O essencial desses princípios consiste em que as manifestações
palmente nos trabalhos de G. Guerchuni) objeto de uma do inconsciente podem e devem ser estudadas tendo como
análise experimental especial. Em sua obra Quem Deve Ela¬ base a lógica e as categorias que são utilizadas no estudo de
borar a Psicologia e como Fazê-lo?, Sétchenov destacava:
qualquer outra forma de atividade cerebral. Se quisermos per¬
"Antes o 'psíquico' era apenas o 'consciente', isto é, separava- manecer nos marcos do conhecimento puramente científico e
se do processo natural inteiro seu início (que, para as formas. não dos mitos ou das alegorias artísticas*, não devemos subs¬
elementares, era relegado pelos psicólogos ao domínio da fi¬ tituir, no estudo do inconsciente, as demonstrações racionais
siologia) e seu final" (81) . A elaboração das sensações brutas, por qualquer alegoria, as explicações casuais por qualquer
diz em outro trabalho, é feita nos esconderijos da memória,. "penetração pelo sentimento" ou "compreensão" (no sentido
fora da consciência, consequentemente sem qualquer partici¬ atribuído por Dilthey a essa última noção) , a análise determi¬
pação da inteligência e da vontade. Eis por que, segundo Sét¬ nista por dados da introspecção objetivamente incontrolável,
chenov, é ilegítimo, do ponto de vista científico e filosófico,. e assim por diante.
reduzir o "psíquico" somente ao "consciente". Para V. Bekh- Esse princípio de análise racional, determinista e experi¬
térev, a atividade do inconsciente são os "reflexos, cujos ca¬ mental tornou-se apenas um slogan para a ciência soviética ou
minhos são traçados no sistema nervoso, mas cuja reprodução foi encarnado nos estudos concretos? Sem dúvida, a última al¬
num momento dado não depende da personalidade ativa, ra¬ ternativa é a correta. Vamos deter-nos ainda detalhadamente
zão pela qual esses reflexos não são subordinados a essa últi¬ nos trabalhos dos psicólogos, fisiologistas e clínicos soviéticos
ma" (19) . Pertencem a Pavlov as seguintes palavras: "Sabe¬ nos quais as formas do inconsciente foram estudadas justamen¬
mos muito bem até que ponto a vida mental constitui um. te a partir das posições gerais desse tipo. Nesses trabalhos,
conjunto multicor formado pelo consciente e o inconsciente" foram investigados problemas como a percepção inconsciente
(64) . A ele também pertence a comparação do psicólogo- da linguagem na surdez funcional e dos sinais luminosos na
que se limita a estudar apenas os fenómenos conscientes a uma cegueira funcional; a dependência que submete os sonhos ao
pessoa que caminha de noite com uma lanterna que ilumina estado funcional do organismo e aos estímulos exteriores; a pos¬
apenas alguns trechos do caminho. Ora, com semelhante lan¬ sibilidade da percepção da linguagem durante o sono; a
terna, diz Pavlov, é difícil estudar todo o ambiente circundante. possibilidade de um despertar espontâneo num momento mar¬
Poder-se-iam citar outros exemplos de atitudes tomadas cado com antecedência (problema ligado aos horários bioló-
quanto ao problema do inconsciente por aqueles que construí¬
ram os alicerces da teoria dos reflexos. Eis a razão por que é
mais justo lembrar algumas das teses gerais seguintes do que * Insistimos neste ponto porque um dos nossos opositores, Charles
Brisset, pesquisador francês de autoridade (123), expressou opinião
aceitar a idéia superficial, segundo a qual a teoria dos reflexos
contrária. Adiante exporemos a controvérsia que surgiu no caso.

18 19
gicos, questão mais ampla e cuidadosamente estudada na atua- ou, ao contrário, antagónicas, previamente fixadas de maneira
lidade) ; os mais variados efeitos fisiológicos e psicológicos das rígida ou, ao contrário, variando com flexibilidade) que são
influências exercidas no estado de vigília pelos estímulos sub¬ constituídas entre o inconsciente e a atividade da consciência,
liminares; os efeitos exercidos sobre o comportamento por quando esses fatores regulam o comportamento, e que as di¬
uma intenção não-realizada e que cessou de ser percebida versas escolas e correntes teóricas interpretam de modo dife¬
pela consciência; as mudanças provocadas na sensibilidade e rente. Finalmente, a questão dos mecanismos e dos limites
na dinâmica dos processos fisiológicos pela sugestão; o papel das influências exercidas pelo inconsciente na atividade do
que aquilo que chamamos de subconsciente (no sentido atri¬ organismo em toda a gama de suas manifestações, desde os
buído a esse termo por K. Stanislavski) desempenha no pro¬ processos elementares de ordem vegetativa até o comporta¬
cesso da criação científica e artística; as influências que exer¬ mento em suas formas semanticamente mais complexas, pode
cem as formas da atividade nervosa superior não-apreendidas apresentar-se na qualidade de um problema autónomo. Além
pela consciência na dinâmica das reações reflexas condiciona¬ desses três aspectos, existem outros, nos quais não nos detere¬
das e incondicionadas dos mais diferentes tipos; a ligação pro¬ mos por enquanto.
funda que tem a interocepção com todo o domínio do incons¬ Nas condições da vida mental real, esses diferentes planos
ciente; a possibilidade de agir sobre o comportamento pela em que o inconsciente se manifesta estão indissoluvelmente
sugestão pós-hipnótica diferenciada (esta última estando es¬ ligados entre si. Entretanto, na análise experimental e teórica,
quecida) ; o problema da inconsciência da atividade dita auto¬ intervêm frequentemente, diferenciando-se, uma vez que cada
mática; os distúrbios da tomada de consciência das experiên¬ um deles, para ser descoberto, exige métodos e interpretação
cias vividas, características de diferentes formas clínicas de especiais.
confusão mental, e inúmeros outros problemas do mesmo tipo. Nas publicações soviéticas, E. Chorokhova (94) deteve-se
Lançando-se uma vista d'olhos retrospectiva sobre inú¬ nos aspectos diferenciados do problema do inconsciente.
meros trabalhos efetuados durante decénios, pode-se afirmar Seria possível dizer que, nas pesquisas feitas tendo como
que a orientação geral dessas pesquisas, os princípios teóricos base as tradições acima caracterizadas de uma análise objetiva,
essenciais de onde partiam, sempre se mostraram capazes de racional e experimental do problema do inconsciente, a
fazer do problema do inconsciente, não obstante toda a sin¬ atenção devida foi dispensada a cada uma dessas diferentes
gularidade e os paradoxos da sua pré-história, objeto de rigo¬ manifestações do fenómeno essencial estudado? Não, afirmá-lo
rosa análise científica. Entretanto, simultaneamente, e isto
seria um erro.
deve ser também mencionado, vemos agora que os represen¬
tantes dessa orientação geral não foram capazes de esclarecer Nos trabalhos efetuados na União Soviética, assim como
com igual profundidade os aspectos qualitativamente diferen¬ num certo número de pesquisas frequentemente muito impor¬
tes do problema da natureza e das leis do inconsciente. Temos tantes realizadas em outros países a partir de posições meto¬
em vista o seguinte: dológicas análogas, muito foi feito no sentido de aprofundar
a interpretação fisiológica do primeiro dos aspectos supramen¬
Quando se analisa o problema do inconsciente, pode-se cionados (o inconsciente sendo entendido como forma parti¬
concentrar a atenção em diferentes aspectos. Lembraremos
alguns dos planos essenciais evocados aqui, o que permitirá
.
cular do reflexo do mundo exterior) À guisa de exemplo,
colocar em evidência os aspectos mais fortes e mais débeis da podem-se citar os trabalhos efetuados a seu tempo, tendo como
base a teoria da patologia córtico-visceral, com a participação
análise geral que acabamos de caracterizar.
direta de K. Bykov e, num período posterior, por seus adeptos
O inconsciente pode ser estudado como uma forma parti¬ I. Kurtsin, A. Pchonnik, E. Airapetiantz e outros; uma série
cular de reflexo do mundo exterior, isto é, como o domínio de de pesquisas originais dedicadas às questões do subsensorium,
reações fisiológicas e psicológicas através das quais o organismo provenientes do laboratório de G. Guerchuni; a série de pes¬
responde aos sinais, sem que seja tomada consciência de todo quisas do mesmo tipo efetuadas por V. Miassichtchev; a aná¬
esse processo de reação ou de algumas de suas fases. Entre¬ lise da tomada de consciência das diversas fases da atividade
tanto, pode-se estudar o inconsciente sob outro refletora condicionada, cujos resultados foram expostos no
aspecto, no
plano da dinâmica e do caráter das relações (de concordância Congresso Internacional de Medicina Psicossomática e Hipnose
20 21
(Paris, 1965) por Jus (Polónia) ; os trabalhos realizados E, finalmente, o terceiro plano é aquele das influências
dentro da mesma orientação há vários anos por L. Kotlia- exercidas pelo inconsciente na dinâmica dos processos vegeta¬
revski; as pesquisas que chegaram a conclusões muito impor¬
tivos e no aspecto semântico do comportamento. É necessário
tantes de Horvay e Cerny (Tcheco-Eslováquia) , dedicadas
análise das alucinações pós-hipnóticas negativas; as observa¬
à reconhecer francamente que no estrangeiro é precisamente
ções das formas da atividade nervosa superior numa consciên¬ para esse aspecto, particularmente importante para a medi¬
cia modificada pelo sono ou pela hipnose e acumuladas cina, das manifestações do inconsciente que, há muito tempo,
F. Mayorov, I. Volpert, I. Korotkin e M. Suslova, por estão dirigidas as atenções das diversas escolas da medicina
A. psicossomática e de toda a escola psicanalítica (tanto sua ten¬
Sviadochtch, V. Kassatkin e outros. Todas essas pesquisas, apa¬
rentemente orientadas de maneiras muito diferentes, têm em dência ortodoxa como suas inúmeras ramificações modernas) ,
muito
comum o fato de estudarem de modo inadequado
— ou não enquanto os pesquisadores soviéticos permaneceram por
estudarem — as reações inconscientes aos estímulos, os tempo sem se interessar de maneira suficiente por esse aspecto
nismos fisiológicos e as manifestações psicológicas dessesmeca¬ do problema. A análise sistemática do papel que os processos
pro¬
cessos latentes. psíquicos inconscientes desempenham na determinação das
formas complexas do comportamento adaptável não foi
Na urss, dedicamos grande número de efe-
trabalhos experi¬ Soviética, a não ser nos marcos da corrente
mentais ao segundo dos aspectos acima mencionados .tuada na União
(o pro¬
blema das relações entre o inconsciente e a
consciência) . psicológica, cujo fundador foi D. Uznadze. A questão de como no
Entretanto, a tónica recaiu principalmente nos trabalhos .as formas da atividade nervosa superior, não incluídas
de ordem teórica, aos quais estão ligados por muitos campo da consciência, atuam sobre os processos vegetativos
clí¬
nomes de L. Vygotski, S. Rubinstein, A. Leontiev, e
laços os em condições normais, sobre a patogênese das síndromes
nos nicas, assim como sobre os processos da sanogênese (luta contra
quais era feita, a partir das posições da doutrina marxista- trabalhos de
a enfermidade) , foi colocada desde os anos 30 nos
leninista da natureza da consciência, a análise dos fatores apenas em parte, nos de G. Lang, e
que R. Luria, publicados
concedem ao reflexo psíquico a qualidade do consciente
(a aflorada pelos representantes da escola de S. Speranski. Em
análise da relação da atividade mental com o mundo dos todos os outros casos, esse tema foi tocado apenas de passagem
objetos, da generalização e da objetivação dos atos da cons¬
ciência na base da linguagem) . Estão incluídas entre esses
trabalhos igualmente as pesquisas realizadas pela escola de
D. Uznadze, as quais esclarecem o problema dos dois níveis
------
nas publicações soviéticas, sem se dar às pesquisas a
I" - ~
---
--- -V, /-Am Clio
coordena-
/-/-*r»tir>nir!í3rlp

do vivido, o nível das atitudes e o que chamamos de nível da § 9. O objetivo essencial da critica atual da concepção
.
objetivação (87) Esses trabalhos tiveram importância excep¬ psicanalítica
cional para a colocação do problema do inconsciente, uma vez
que, tendo-os como base, tornou-se possível, pela primeira vez, Tal estado de coisas deveria necessariamente acarretar con¬
obter certa clareza na velha controvérsia, que se manteve esté¬ sequências nefastas. Nossa renúncia tácita, durante decénios,
a um estudo aprofundado de todos os aspectos do problema
do
ril por muito tempo e à qual já tivemos oportunidade de nos dialético, con¬
referir, entre os partidários das interpretações neurológica e inconsciente, tendo como base o materialismo
fisiológica da natureza dos processos cerebrais não-incluídos tribuiu decisivamente para que a elucidação desses aspectos
no campo da consciência. Além disso, esses trabalhos contri¬ fosse, no estrangeiro, singularmente dividida entre a escola
buíram em grande medida para o entendimento da unilate- psicanalítica, o existencialismo, assim como o neotomismo e o
ralidade (e por isso do caráter erróneo) do esquema das rela¬
.teilhardismo (doutrinas populares nos meios católicos, sendo
que a segunda foi criada por Teilhard de Chardin, eminente
ções entre a consciência e o inconsciente, que Harry Wells pesquisador na área da antropologia) . A interrupção, até o
considera com razão a pedra de toque da doutrina psicana¬ final dos anos 50, da crítica das concepções psicanalíticas pe¬
lítica e que encontrou sua expressão na concepção conhecida los cientistas soviéticos foi intensamente utilizada por nossos
como deslocamento. .adversários ideológicos com o objetivo de ampliar sua esfera
22 23
de influência. E o resultado foi que nos encontramos, nos-
últimos 20-30 anos, diante do fortalecimento, no estrangeiro,
dequado das noções refutadas para as construções positivas,
não apenas do neofreudismo, mas também de uma série de
para a explicação daquilo que é proposto no lugar das doutri¬
nas por nós refutadas. Seria injusto afirmar que os elementos
concepções ideológicas aparentadas com essa concepção. Isso' ((instrutivos estão totalmente ausentes da nossa crítica atual
é provado claramente não só pelas tendências que
de tempos em tempos nos domínios correspondentes das
aparecem das interpretações idealistas do conceito do inconsciente, mas
pu¬ sua importância (principalmente quando se trata da ligação
blicações estrangeiras, mas principalmente pela experiência
das grandes assembléias internacionais, como о ICongresso' do inconsciente com a regulação das formas complexas do com¬
de Psiquiatria da Tcheco-Eslováquia, em 1959, onde teve lugar portamento adaptável e dos processos de ordem vegetativa,
uma troca de opiniões entre os psiconeurologistas soviéticos e das interconexões entre a consciência e o inconsciente, etc.) é
os pesquisadores mais destacados da orientação ainda indiscutivelmente insuficiente. Contudo, sem uma ampla
psicossomática
e psicanalítica, vindos a esse Congresso do Canadá, dos cxjxisição das representações positivas desse tipo, é, sem dú¬
eua vida, impossível alcançar na discussão uma vitória que não
e da França, as discussões sobre os problemas da psicanálise,
que se desenvolveram em Budapeste em 1960 e no ш Con¬ seja apenas formal, mas que possa realmente persuadir os
adversários da justeza da nossa apreciação*
gresso Mundial de Psiquiatria, em 1961, o intercâmbio de
opiniões no Congresso de Leipzig sobre os problemas da regu¬ Esse é o primeiro ponto específico da etapa atual que se
lação nervosa (rda, 1963) , no ш Congresso Internacional deve ter em vista para que a discussão do problema do incons¬
de Medicina Psicossomática e Hipnose (Paris, 1965) , no iv ciente se desenvolva corretamente e tenha utilidade prática.
Moio m С ОГГГЧГЯ П салгпПяЛ rVMltn.
Congresso Mundial de Psiquiatria (Madri, 1966) , etc.
Certamente, tudo isso sublinha a importância que repre¬
senta na etapa atual uma interpretação adequada do se deve
problema A propósito dos métodos de condução das discussões, não
do inconsciente, questão que, mais do que nunca, em esquecer que a forma sob a qual se realizam os debates desem¬
nossos- respeito,
dias, se tornou interdisciplinar e que, por estranho penha um papel que não pode ser negligenciado. A esse
que possa não se deve deixar passar em silêncio a observação feita recente¬
parecer, continua a suscitar, nos anos 60 do século xx, con¬ tomo
mente por L. Kogan e K. Liubutin (55) em sua resenha do 6.°
trovérsias científicas e filosóficas não menos apaixonadas que filósofos, criti¬
da História da Filosofia • "Os trabalhos de nossos
há 100 anos. Entretanto, quando se toca nesse tema, deve-se cando a filosofia burguesa, estavam frequentemente baseados,
até
entender claramente que, na etapa atual, tarefas totalmente hoje, num esquema pouco elaborado, tomavam-se os 'traços' co¬
muns a todas essas orientações (irracionalismo, ligação com a
particulares e específicas impõem-se à elaboração científica de religião, agnosticismo, etc.) e cada um destes 'traços' era ilustrado
uma análise adequada do problema. por um número mais ou menos grande de exemplos. A análise pro¬
funda e multilateral das teorias dos nossos adversários era fre¬
Durante o decénio decorrido após a Sessão Especial do quentemente substituída por caracterizações primitivas. Os autores
Presidium da Academia de Ciências Médicas da urss, consa¬ da História da Filosofia renunciaram, com razão, a uma análise
grada aos problemas da luta ideológica contra o freudismo, desse tipo. Lênin ensinava que o 'idealismo não é nem uma inven¬
surgiram nas publicações soviéticas numerosos trabalhos cir- ção nem um truque' É absurdo e ridículo apresentar os filósofos
idealistas contemporâneos como charlatães ou pessoas limitadas
cunstanciosos contendo uma crítica vigorosa das concepções [ ] O importante é entender a essência dos sistemas dos apolo¬
idealistas do inconsciente amplamente difundidas na ciência gistas atuais do capitalismo, seus métodos de ação sobre as massas.
estrangeira, revelando os erros dessas concepções e os prejuízos No centro das atenções do existencialismo, da antropologia filo¬
causados por sua aplicação prática. Uma importante literatura sófica e das correntes filosófico-religiosas estão a personalidade
humana, seu mundo espiritual, sua situação social. Essa é uma
de orientação semelhante, incluindo algumas obras escritas das razões da influência dos sistemas filosóficos burgueses sobre
com talento, formou-se nestes últimos anos no estrangeiro. Tal um número importante de pessoas, em particular sobre os inte¬
estado de coisas torna evidente a necessidade de passar, na lectuais burgueses".
discussão, do problema do inconsciente à fase seguinte, na Certamente, a importância das considerações citadas apenas
qual a tónica de nossas declarações deve deslocar-se das afirma¬ é reforçada, quando se trata da crítica de concepções tão enraiza¬
das na ideologia burguesa como a interpretação idealista do incons¬
ções de caráter negativo, das demonstrações do caráter inade- ciente.

24 25
§10. A análise neurocibernética das questões da teoria No momento atual, após longas discussões a respeito da
fisiológica da atividade cerebral e do problema da importância que as idéias da cibernética têm e terão para a
consciência teoria do cérebro, tornou-se bastante claro o seguinte: é in¬
contestável que o surgimento da cibernética não foi apenas o
A análise de qualquer problema e, com mais razão, uma nascimento de um novo ramo do conhecimento dedicado às
análise visando formulações positivas não são imagináveis sem questões especiais da teoria do comando dos mecanismos e das
apoio no conjunto dos dados dos quais emanam e que cons¬ comunicações. Ela não se esgota pela afirmação de um novo
tituem, logicamente, seu ponto de partida. Aparentemente, estilo de análise matematizada, de métodos particulares de
esse princípio geral se aplica ao problema do inconsciente como estudo dos problemas técnicos, fisiológicos, psicológicos e sócio-
a outro qualquer. Mas, no caso presente, coloca problemas teó¬ econômicos. No aspecto que nos interessa, o que é principal¬
ricos de grande complexidade. mente importante é o fato de que a criação da cibernética
Nas etapas anteriores da crítica das concepções idealistas desencadeou uma revisão, extremamente profunda e fecunda
do inconsciente, um ponto de partida desse tipo era, além dos de consequências, das noções relativas aos princípios essenciais
da organização funcional de todas as formas da atividade orien¬
princípios metodológicos comuns e das bases da teoria mar-
tada para um objetivo, quer se trate das mais elementares ou
xista-leninista do reflexo, todo o conjunto de noções sobre as
das mais complexas dessas formas, das atividades que têm uma
leis da atividade cerebral de que dispunham a psicologia e a
expressão fisiológica ou psicológica. É inteiramente evidente
neurofisiologia clássicas. Entretanto, essas noções, que desem¬ que se, ao estudar o problema das formas da atividade nervosa
penharam papel dos mais importantes na crítica negativa dos
anos anteriores, serão suficientes enquanto base para cons¬
superior não-incluídas no campo da consciência, não levarmos
em conta as consequências dessa revisão, estaremos correndo
truções positivas de hoje? Se nos lembrarmos de como se ace¬
lerou, nos últimos 10 a 15 anos, o aprofundamento do conhe¬ o risco de permanecer nos marcos das interpretações ultrapas¬
cimento dos princípios da organização da atividade cerebral sadas e devemos estar preparados para todas as complicações
e das particularidades da estrutura funcional dos processos decorrentes de uma posição conservadora tão maljustificada.
nervosos, a resposta negativa a essa questão não deve parecer Contudo, não nos deteremos, por enquanto, nos detalhes
inesperada. de toda essa evolução do pensamento científico; voltaremos a
Com efeito, poucas pessoas poderão negar, atualmente, este problema a seguir. Citaremos aqui apenas uma única cir¬
que os anos 50 entrarão para a história da teoria do cérebro cunstância, que tem importância de princípio para a coloca¬
como um período de transformação radical das velhas con¬ ção do problema do inconsciente. Temos em vista uma ten¬
cepções e de construção de novos métodos e de novas interpre¬ dência extremamente interessante para aqueles que procuram
tações que modificaram profundamente nossa compreensão analisar a lógica do desenvolvimento das noções científicas,
das leis do funcionamento do sistema nervoso central, princi¬ tendência que apresenta uma nuança paradoxal e muito ca¬
palmente das leis que determinam as formas mais complexas racterística da análise neurocibernética, e que visa excluir a
da atividade nervosa orientada para um objetivo. A definição noção de consciência do conjunto de noções de trabalho, que
das funções da formação reticulada do tronco cerebral e do
tálamo, iniciada a partir do fim dos anos 40, de importância a teoria do cérebro, criada pela neurocibernética moderna,
tão grande para inúmeros domínios da neurofisiologia, mos- tem o direito de utilizar. Aparentemente, para a teoria das
trou-se, na prática, apenas uma espécie de prólogo. A verdadei¬ formas não-conscientes da atividade nervosa superior, quer ela
ra revisão da teoria da estrutura e da dinâmica das funções seja justa ou falsa, essa tendência, um tanto inesperada, apre¬
cerebrais produziu-se pouco mais tarde, estimulada que foi, senta igualmente interesse. Para entender suas raízes lógicas e
em grande parte, pela penetração na neurofisiologia de idéias sua essência, é necessário lembrar alguns detalhes do desenvol¬
novas e novos meios técnicos de análise, estreitamente ligados vimento das noções neurofisiológicas, que pouco a pouco se
ao surgimento da cibernética. tornam domínio da história.

26 27
§11. As particularidades das concepções neurofisioló- Quando esses métodos de interpretação dos mecanismos
gicas modernas a respeito da organização funcional nervosos, bastante estranhos para a neurofisiologia clássica,
da atividade cerebral começaram a ser utilizados na teoria do cérebro, em alguns
trabalhos foram levantadas dúvidas: não é a lógica do processo
Como se sabe, ainda no final dos anos 20 e início dos anos fisiológico (as leis da sucessão das fases) que é colocada em
30 foram realizados na União Soviética estudos a respeito da evidência com esse tipo de análise, em vez dos mecanismos
motricidade do homem e da localização de suas funções ner¬ materiais desse processo? Os partidários de formulações mais
vosas, sob a direção de N. Berstein, eminente fisiologista so¬ categóricas e céticas acrescentavam que todas essas constru¬
viético. Hoje é evidente que os princípios que serviram de ções têm caráter puramente verbal e indemonstrável e, por
base a essas pesquisas (17) , em muitos aspectos, anteciparam isso, não podem ser consideradas como um aprofundamento
as concepções introduzidas um pouco mais tarde na ciência do dos conhecimentos da organização real e dos métodos reais de
cérebro, sob forma mais elaborada, por N. Wiener, funcionamento do cérebro.
Neumann, С. E. Shannon, W. S. McCullock, K. Pribram,
J. von Em seu fundamento, a idéia da ligação entre as concepções
W. R. Ashby e, na União Soviética, por P. Anokhin, D. novas e a lógica do processo fisiológico era correta. Entretanto,
Uznadze, I. Beritachvili, A. Kolmogorov, I. Guelfand e dela não decorria absolutamente a conclusão da esterilidade
seus das concepções novas, para a qual tendiam os críticos. O erro
continuadores, pesquisadores de talento. Graças a essa
pos¬ desses últimos consistia em não levar em consideração certas
sante corrente do pensamento, que pouco a
pouco transformou
a face de mais de uma disciplina científica, ficamos particularidades do desenvolvimento das idéias neurofisioló-
sabendo gicas, que surgiram claramente, e para muitos de maneira ines¬
como era simplista a velha idéia de uma dependência unívoca
entre a reação de efeito e os influxos nervosos que perada, na etapa em que nos encontramos.
provocam
essa reação. Sabemos agora que um movimento orientado Com efeito, um dos traços aparentemente mais caracte¬
para
um objetivo não é provocado por um conjunto previsível de rísticos e determinados por inúmeros fatores históricos do de¬
excitações, mas se forma durante um processo de correção in¬ senvolvimento atual da neurofisiologia, como foi sublinhado
cessante, baseado na informação fornecida ao sistema
nervoso por Bernstein, "[• ••] é que essa última deve passar pela etapa
central pelas vias aferentes a título de feedback. Ao admitir [. . .] das deduções lógicas [. . .] como por uma fase obrigató¬
essa concepção, fomos, contudo, obrigados logicamente a dar ria. Não podemos parar no caminho em que nos engajamos de
novo passo: aceitar a idéia de que existe no cérebro e se ma¬ fato e há vários decénios. Após haver admitido a concepção
nifesta como fator fisiológico um modelo neurodinâmico codi¬ das correções, fundamentada experimentalmente, após haver
ficado do resultado final da reação, o qual antecipa o desdo¬ seguido, um pouco mais tarde, precisamente a lógica do pro¬
bramento dessa reação no tempo. Foi precisamente essa con¬ cesso fisiológico, vemo-nos obrigados a chegar à concepção de
cepção que provocou o aparecimento, na neurofisiologia mo¬ uma 'antecipação' do resultado da ação, à necessidade da exis¬
derna, de noções originais e, entretanto, profundamente apa¬ tência [. . .] de um 'modelo do futuro', etc. Somente mais
rentadas, como a "excitação antecipadora" e o "aceptor da tarde essas representações obtiveram confirmação experimen¬
ação" de Anokhin, a "imagem" de Beritov, o "Soll-Wert" de tal. E hoje, aprofundando a mesma análise metodológica, che¬
Mittelstedt e outros autores alemães, o "modelo do futuro" dos gamos à concepção do caráter matricial da aquisição de há¬
pesquisadores americanos e ingleses (MacKay, George, Walter bitos, da existência de 'hipóteses', etc. Certamente, tal método
e outros) . de desenvolvimento da teoria fisiológica não era habitual
para o período dos trabalhos clássicos [...]. Reflete o cres¬
É inteiramente evidente que, sem essas noções, nenhuma cimento gradual, na fisiologia, do papel de construções pura¬
hipótese de discordância entre o efeito motor, atingido de fato mente teóricas, que comprovam um aprofundamento dos
co¬
na periferia, e o resultado final exigido da reação motriz,
ne¬ nhecimentos. E permite estabelecer uma analogia entre a si¬
nhuma noção de confrontação desses dois elementos, de cor¬ tuação que pouco a pouco vai nascendo na neurofisiologia
reção do primeiro, tendo como base o segundo, pode ser com¬ moderna e a que surgiu no século xix na física, no período
preendida. pós-Faraday, quando, graças aos trabalhos de Maxwell, Boltz-
28 29
mann, Planck e outros, o esqueleto da física teórica se consti¬ scleçâo e da transformação das excitações às leis da lógica ma¬
tuiu como orientação que se atribuía o direito de prognosticar temática, cujas concepções podem ser expressas sob a forma de
as leis da física de maneira autónoma. Certamente, não é esquemas lógicos elétricos ou idealizados. Posteriormente, essa
casual que, na neurofisiologia moderna, da mesma maneira tendência penetrou diretamente na teoria dos mecanismos fisio¬
que na física do século xix, esse crescimento do papel da lógicos concretos do funcionamento do cérebro, obrigando mui¬
teoria venha acompanhado da matematização das principais tos pesquisadores a dedicar grandes esforços à análise dos efei¬
concepções, da sua tradução cada vez mais importante para tos neurodinâmicos observados em um tipo determinado de
o idioma dos conceitos quantitativos e que se encontram organização dos conjuntos celulares.
entre si em relações exatas" (14) .
Não nos podemos deter, por enquanto, nos detalhes dessa
Citamos essa longa passagem porque nela estão destacadas corrente de pensamento que caracteriza, no mais alto grau, o
as tendências que influenciaram fortemente toda a colocação nosso tempo. O que nos importa é que em todos os casos que
moderna do problema do inconsciente. Não gostaríamos de
discutir agora o problema de até que ponto essas tendências são
foram analisados — quer sejam os esquemas neurônicos noto¬
riamente artificiais com conexões rigidamente determinadas
justificadas e fecundas*. No aspecto que nos interessa no mo¬ [McCulloch e Pitts (106)], ou com um determinismo de
mento, é importante dirigir a atenção apenas para uma parti¬ caráter estocástico [Rapoport (228) ], Shimbel (245) , Beurle
cularidade específica dessa análise, entendida por muitos de (114)]; quer as redes neurônicas, que se pode supor que se
seus partidários como uma vantagem significativa: a possi¬
aproximam mais ou menos, por seu plano geral de estrutura,
bilidade que concede de explicar de maneira determinista o das formas de ramificação das vias cerebrais reais [Fessard
caráter razoável e orientado para um objetivo do comporta¬
(243) , Sclieibel (236) ] ou quer ainda os dados ditos histonô-
mento de um sistema material (surgimento de reações sele-
micos, isto é, baseados nas leis matemáticas da estrutura e da
tivas adequadas, afastamento, etc.) , não obstante a análise
disposição relativa das células no neuropilo real [Scholl (246) ,
permanecer encerrada nos marcos de categorias puramente Bok (115)] — o objetivo final permaneceu essencialmente o
físicas, lógico-matemáticas e fisiológicas, isto é, excluir intei¬
mesmo: entender as particularidades do movimento e da trans¬
ramente um apelo à noção de consciência.
formação dos influxos nervosos que, dependendo da organiza¬
Pode-se dizer com certeza que todo o entusiasmo de pes¬ ção das vias nervosas, determinam, por sua vez, as formas mais
quisas como a análise das possibilidades da formação de con¬ complexas de integração nervosa e, no conjunto, uma reação
ceitos por autómatos, efetuada por MacKay (106) , os primei¬ de adaptação. Em sua forma geral, esse objetivo foi formulado
ros trabalhos de Kleene, dedicados ao estudo dos processos que com maior clareza, recentemente, por Fessard (243) .
se desenvolvem nas redes neurônicas (106) , o estudo, efetuado
por von Neumann, das possibilidades da síntese baseada na
lógica probabilística dos organismos confiáveis constituídos 12. A propósito da interpretação epifenomenalista da
de componentes não-confiáveis (106), das construções que pa¬
categoria da consciência
recem hoje já um tanto superadas como o esquema "do ampli¬
ficador das faculdades do pensamento" de Ashby (106) e das
Vemos assim que, ao colocar a questão dos mecanismos
máquinas de "probabilidade aleatória" de Uttley (106), etc.,
consistia principalmente em entender o caráter seletivo das do comportamento orientado para um objetivo, a nova orien¬
reações e a manifestação das formas mais complexas da inte¬ tação na neurofisiologia, cada vez mais frequentemente cha¬
mada nas publicações pelas expressões teóricas do "comando
gração como função de uma estrutura temporal-espacial deter¬
minada dos processos materiais, a fim de ligar as idéias da biológico" ou da "regulação biológica" da tendência cibernéti¬
ca, assumiu diante da psicologia uma posição singular e con¬
traditória. Por um lado, ela utiliza amplamente os métodos,
os dados concretos, a terminologia e as colocações principais
* Se bem que o autor deste livro, que é também co-autor da passa¬
gem citada (14), concorde inteiramente, como é natural, com as da análise psicológica; por outro lado, não deixa lugar para
concepções nela contidas. as categorias propriamente psicológicas como fatores regula-

30 31

ÿ
V
dores dos processos em estudo. Essa tendência foi fortemente ÿnoção .
metafísica como 'consciência', 'ego', etc." (106) É ver¬
destacada por Uttley, por exemplo, em seu discurso sobre a dade que, pouco depois, os autores assinalam que, mesmo que
"Mecanização dos processos do pensamento", na Sessão de En¬ a máquina satisfaça a esse importante critério, sua atividade
cerramento da Conferência "Interdisciplinar" sobre os Sistemas não corresponderá à nossa representação intuitiva, habitual
Auto-Reguladores, que teve lugar em 1959 na Universidade do pensamento. Uma definição mais fundamentada deve, se¬
de Minnesota e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts gundo eles, conter algo relacionado com a maneira como a
(eua) . Após ter indicado que, durante os 10 últimos anos, máquina chega às suas respostas, algo que corresponda à di¬
fomos testemunhas de inúmeras tentativas de simulação e de
ferença existente entre uma pessoa que resolveu um problema
explicação do pensamento no idioma da física e que, assim, através da reflexão e outra que decorou com antecedência as
se chegou a idéias gerais aceitáveis por todos, Uttley diz
que respostas (106) . Entretanto, da sua observação cética, acima
o problema consiste em entender as funções variadas do
cé¬ citada, a respeito da consciência, pode-se tirar, com certa con¬
rebro e, dessa maneira, compreender a si mesmos. Em vez do
vicção, a conclusão de que essa categoria, segundo eles "meta¬
termo inteligência, é preferível utilizar hoje o termo pensa¬
física", pode ajudar muito pouco a elaborar uma definição
mento, que engloba grande número de tipos de atividades dife¬
>mais exata.
rentes ainda pouco estudados, mas já se pode arriscar a em¬
preender a solução do problema do pensamento... e a pala¬ Poderíamos citar facilmente grande número de exemplos
vra consciência pode, da mesma forma que a palavra éter, de¬ •desse tipo, mostrando que a categoria da consciência é, como
saparecer do nosso vocabulário científico, não pela renúncia noção de trabalho, estranha à neurocibernética moderna, não
a fatos evidentes, mas por sua compreensão mais profunda tem ligação lógica com as abstrações que essa corrente intro¬
.
(241) duziu e, consequentemente, não encontra lugar legítimo nos
marcos do quadro geral do funcionamento cerebral criado pela
Inúmeros outros teóricos eminentes da neurocibernética cibernética.
mantêm-se em posições semelhantes. Para A. Kolmogorov, por
exemplo, que fundamentou uma definição puramente funcio¬
nal do pensamento, livre de qualquer limitação no que con¬ § 13. As vantagens criadas pela análise neurocibernética
cerne à natureza dos processos físico-químicos que se encon¬ para a teoria do "inconsciente"
tram na base do ato do pensamento, "um modelo suficiente¬
mente completo do ser pensante deve, com toda justiça, ser Encontramo-nos, afinal, diante de uma virada curiosa e
.
chamado de ser pensante" (41) Kolmogorov não precisa se brusca no desenvolvimento das idéias. Durante decénios, assis¬
a propriedade da consciência entra na noção de "modelo su¬ timos a uma controvérsia sobre a realidade das formas incons¬
ficientemente completo", mas toda a marcha anterior do seu cientes da atividade mental, e houve um número razoável de
pensamento não deixa dúvida de que a presença dessa pro¬ psicólogos, fisiologistas e clínicos que, seguindo Brentano,
priedade não é, segundo ele, indispensável para que o "mo¬ Ribot, Miinsterberg e alguns outros pesquisadores eminen¬
delo" seja "completo". tes da fronteira dos séculos xix e xx, estavam inclinados a
McCarthy e Shannon (106) colocam a questão ainda com ocupar nessa disputa uma posição rigorosamente negativa.
Somos, agora, testemunhas da elaboração de concepções da
maior ênfase. Assinalando que o problema da definição do
atividade cerebral nas quais tem posição de destaque a idéia
pensamento suscitou uma discussão aguda, lembram o critério da realidade e da predominância no comportamento de meca¬
conhecido de Turing (segundo o qual uma máquina é consi¬ nismos capazes de assegurar um comportamento adaptável,
derada capaz de pensar se pode responder a perguntas de mesmo quando está ausente a tomada de consciência dos pro¬
forma tal que quem faz as perguntas permaneça por muito tem¬ cessos nervosos que se encontram na base dessa última. Dessa
po sem supor que diante dele se encontra uma máquina) Se¬ . maneira, se antes o inconsciente procurava obter o direito de
gundo os autores, essa definição tem a vantagem de ser pura¬ ingressar na ciência, agora, por mais paradoxal que pareça, é
mente operacional (behaviorista) e "de não supor
qualquer :a categoria da consciência que se encontra na mesma situação

32 33
difícil, uma vez que é precisamente em relação a ela que surgem- As vantagens que se criaram assim, de uma forma um
dúvidas: reflete ela um fator regulador real da atividade ner¬ tanto inesperada, para a teoria das formas não-conscientes da
vosa ou é apenas uma sombra funcional infecunda, um
epife- atividade nervosa superior devem ser, é claro, totalmente uti¬
nômeno da atividade cerebral que se pode deixar de levar em- lizadas por essa teoria. Ao contrário, o desenvolvimento das
consideração numa análise séria dos mecanismos dessa última? «oncepções cibernéticas colocou diante da teoria da consciência
Tal estado de coisas obriga a dirigir a atenção para o problemas sérios e de difícil solução.
que se
segue. Uma vez que a noção da consciência como fator que influi
A neurocibernética moderna impõe um veto especial ao ativamente no comportamento adaptável, participando direta
emprego da categoria da consciência. Sua teoria dos mecanis¬ e especificamente na organização e regulação do ato dirigido
mos cerebrais não recorre a essa noção. Isso cria a
impressão para um objetivo, está excluída das interpretações neuroci-
de que muito daquilo que foi estabelecido pela neurociberné¬ bernéticas, encontramo-nos diante de uma situação que admite
tica em relação aos princípios da organização e às leis da ati¬ duas possibilidades de desenvolvimento ulterior do pensamen¬
vidade cerebral se refere antes à teoria das formas não-cons- to. Ou aprovamos essas interpretações e, então, a consciência
cientes da atividade nervosa superior do que à teoria da cons¬ deve realmente ser examinada pela teoria da organização fun¬
ciência. A. Kolmogorov insistiu nesse aspecto com a profundi¬ cional do cérebro como um epifenômeno, ou, reconhecendo
dade que lhe é peculiar (41) Tendo assinalado que, no do¬ inteiramente a contribuição valiosa que a teoria do funciona¬
mínio da simulação da atividade nervosa superior do homem, mento do cérebro dá à neurocibernética
moderna, devemos,
a neurocibernética assimilou apenas os mecanismos dos
reflexos entretanto, dirigir nossa atenção para o fato de que, ao criar
condicionados sob a forma mais simples e os mecanismos do- o quadro geral da organização da atividade
cerebral, alguns
pensamento lógico formal, chama a atenção para o fato de dos mais eminentes representantes dessa corrente não têm
que, das
na consciência humana desenvolvida, o aparelho do
pen¬ clareza suficiente quanto às causas do caráter diferenciado
samento lógico formal não desempenha categorias psicológicas criadas durante os decénios passados,
papel decisivo
Trata-se, mais precisamente, como diz ele, de um "dispositivo não levam suficientemente em conta o sentido real dessas cate¬
calculador auxiliar", que entra em atividade na medida das gorias, eis por que, paradoxalmente, perdem de vista alguns
no
necessidades. De maneira semelhante, os reflexos condiciona¬ aspectos muitíssimo importantes e específicos (mesmo
dos em sua forma elementar (isto é, sem a transformação pro¬ sentido cibernético propriamente dito) da atividade cerebral*.
funda da atividade refletora determinada pela conexão a essa
atividade daquela do segundo sistema de sinalização) são de dado, assim como ao
* É necessário sublinhar logo que, no caso
pouca utilidade para a compreensão das formas superiores da longo de toda a exposição que se segue, quando falamos de
ativi¬
atividade mental. Disso decorre conclui A. Kolmogorov — dade e de funções reguladoras da consciência, temos, evidentemen¬
gnoseológica.
que "a análise cibernética do trabalho da consciência humana te, em vista a consciência não como uma noção ideal,
contexto, ela ê para nós uma categoria científica, a
No presente
desenvolvida na sua interação com a esfera do subconsciente simples designação de uma forma da atividade cerebral determi¬
ainda não começou" (41) nada, que surgiu por último nas condições da ontogênese.
Não
conhecemos, por enquanto, grande coisa a respeito dos mecanis¬
Baseado nessa concepção geral, e depois de haver assina¬
mos fisiológicos concretos dessa atividade, mas sabemos o sufi¬
lado a possibilidade de construir, em princípio, máquinas ciente a respeito do fato de que os processos nervosos que se en¬
simuladoras de um tipo particular (calculadoras da ação dita contram em sua base não são idênticos àqueles que estão na base
paralela, que evitam a diminuição do ritmo do trabalho de da função do pensamento compreendida mais amplamente. Essa a
razão por que nossa posição não coincide, como veremos mais
n. log n vezes quando o número de elementos da sua memória adiante, com a de alguns teóricos da cibernética como George
é da ordem de с п. log n) , A. Kolmogorov considera (164), exatamente por isso, temos o direito de reconhecer na
possível consciência funções não apenas ativas, como também específicas.
estabelecer uma analogia direta entre o trabalho dessas má¬
Chamamos a atenção para esse ponto, que pareceria suficien¬
quinas e a atividade mental não-consciente do homem, que se temente evidente, porque a experiência mostra que, às vezes, cons¬
encontra na base dos processos da criação artística titui a causa de um mal-entendido lamentável.
e científica..

34 35
Essa alternativa surgiu claramente na literatura dedicada,
nestes últimos anos, à análise da postura cibernética. Chegou Ainda voltaremos à questão de saber em que grau esst
mesmo a criar uma tradição singular, que consiste em terminar lentativas de simular a função da tomada de consciência pel
a análise de problemas do tipo cérebro e máquina e máquina e ( crebro dos processos de transformação da informação qu
pensamento pelo exame da questão máquina e consciência. nele se desenvolvem permitem reproduzir de maneira exaustiv
P Cossa (126) , P de Latil (190) , o próprio pai da cibernética, is funções reais da consciência humana. Por enquanto, gost;

N. Wiener (58) , e inúmeros outros pagaram tributo a essa ríamos apenas de destacar que nessas pesquisas, mesmo qr
tradição. ainda de maneira tímida, já aparece a tendência a apreendi
o problema da consciência, reconhecendo a essa certo papi
ativo, isto é, revela-se a necessidade de mostrar que a consciêi
( ia não é um epifenômeno funcional infecundo, a sombra di
§ 14 Sobre a simulação da função da consciência
acontecimentos, mas um fator participante específica e ativ
Mas que atitude adotar diante dessa compreensão caracte¬ inente na determinação do comportamento e, por essa razã'
rística do problema da consciência, que reaparece com insis¬ entra necessariamente na estrutura funcional da atividad
tência na literatura neurocibernética moderna? Essa questão Numa monografia coletiva recentemente publicada e qi
é importante para nós, nem que seja pelo fato de que, ao eli¬ apresenta interesse em muitos pontos, intitulada Compute
minar a noção de consciência, anulamos todo o problema and Thought (125), Minsky caracteriza as premissas teóric;
excepcionalmente complexo e interminavelmente debatido dessa corrente que começa a se formar- "Se certo sistema рос
das relações entre a consciência e o inconsciente. Um proce¬ dar resposta a uma questão relativa aos resultados de un
dimento tão resoluto será admissível e útil? experiência hipotética sem ter montado essa experiência,
Se examinarmos mais atentamente as declarações de Uttley resposta deve ser fornecida por algum subsistema situado r
e outros, resumidas acima, verificaremos que não são tanto o interior do sistema dado. A saída desse subsistema (que fc
nece uma resposta justa) e sua entrada (que formula
testemunho da profunda convicção de seus autores quanto ao
caráter epifenomênico da consciência, mas antes a expressão questão) devem ser as descrições codificadas dos fenômen
ou classes de fenómenos exteriores correspondentes.
da intenção de evitar tacitamente a questão do modo como
se pode vincular o tema da consciência com o problema, agora Mas se a experiência prevista supõe o estabelecimento <
relativamente aceito, do pensamento mecânico. É disso que relações determinadas entre o sistema e o meio, o modelo ini
tratam alguns trabalhos dos últimos anos, onde se analisa o rior deve comportar certa representação do próprio sistem
problema das respostas dadas pela máquina mediante a reela¬ Se, chante do sistema, se coloca a questão de por que e
boração das informações relativas aos processos de sua própria reage assim e não de outra maneira (ou se o sistema se colo
reação aos estímulos do mundo exterior Graças aos subsiste¬ a si mesmo essa questão) , a resposta deve ser obtida uti
mas especiais incorporados à máquina, em cuja entrada é for¬ zando-se o modelo anterior Consequentemente, os dados i
necida a informação a respeito das particularidades do tra¬ introspecção encontram-se ligados à criação da sua própi
imagem por aquele que se ocupa dessa introspecção" (125)
balho interno dessa máquina e que, baseados na análise dessa
informação, podem agir sobre os processos que se desenrolam A discussão das propriedades de um modelo interior dei
tipo, prossegue Minsky, conduz a uma conclusão
curiosa.
na saída geral de toda a construção, um modelo original de são apen
máquinas de pensar podem recusar-se a admitir que
introspecção e da consciência de si mesmo é criado. Ao cons¬
truir esse modelo, seus autores tentam evidentemente incluir máquinas. Eis sua argumentação: quando se cria seu própi
entre suas propriedades simuladas o que Valinsin, em sua modelo, esse tem caráter essencialmente dualista, compreen
definição através de uma imagem, citada por P Cossa, consi¬ uma parte em relação com os componentes físicos e mccânit
dera característico de uma consciência em vigília e desenvol¬ do ambiente circundante, com o comportamento dos objei
vida a faculdade do homem de perceber que percebe, de saber inanimados, e uma parte em relação com os elementos psico
que sabe, de pensar que pensa, e de resolver pensar (126) gicos e sociais. Separam-se essas duas esferas, pois não exi
ainda uma teoria mecânica satisfatória da atividade intel
36
f

tuai. Não se pode eliminar essa separação mesmo que se § 15. Plano de exposição ulterior
queira, pois não se encontrará em sua substituição um modelo
monista. Caso se pergunte a tal sistema que tipo de ser ele é, Esforçamo-nos, nas páginas anteriores, por apresentar a
esse não poderá responder diretamente, devendo dirigir-se a descrição das principais etapas lógicas do desenvolvimento das
seu modelo interior. E, consequentemente, será obrigado a res¬ concepções do inconsciente e de algumas particularidades da
ponder que lhe parece ser uma natureza dupla, que tem um análise desse problema, esboçadas nas publicações atuais.
espirito e um corpo. Até mesmo um robô, se não o armamos Tudo que dissemos não representou, entretanto, mais que uma
com uma teoria satisfatória sobre a natureza mecânica da exposição das tendências mais gerais e das questões de prin¬
razão, deverá seguir uma teoria dualista nessa questão (125) . cípio que surgem sobre as formas não-conscientes da atividade
nervosa superior à medida que nossos conhecimentos científi¬
Deixando à responsabilidade do autor a segunda parte do
cos se aprofundam. Mais adiante examinaremos essas questões
raciocínio, apresentado em tom humorístico, não se pode dei¬
xar de reconhecer que a tendência a utilizar, na atividade dos com maior detalhe. De início, vamos deter-nos na evolução das
autómatos, os modelos da sua própria atividade é um passo concepções do inconsciente no período anterior ao surgimento
do freudismo e da teoria psicossomática moderna. Posterior¬
importante em dois sentidos ao mesmo tempo. Em primeiro
mente, caracterizaremos o que, nos trabalhos da escola psica¬
lugar, no sentido cibernético propriamente dito, uma vez que
significa uma ampliação importante das possibilidades opera¬ nalítica e da corrente psicossomática, é inaceitável para nós
cionais que se apoiam nos princípios tanto do algoritmo como devido às bases metodológicas e a uma interpretação errónea
,dos fatos experimentais sobre os quais repousam, e o que, ao
da heurística. Em segundo lugar, em relação às possibilidades
contrário, se justifica nessas correntes (com esse objetivo, uti¬
de análise de certas formas características da atividade psíquica
lizaremos os materiais das discussões realizadas por nós durante
que surgem quando o objeto do pensamento analisado é o pró¬
os últimos anos com os adeptos do neofreudismo e da medicina
prio pensamento.
psicossomática) . Tentaremos, contudo, não nos limitar a tal
Veremos mais adiante que, com tal análise, se torna pos¬ .crítica, mas também caracterizar (e este é nosso objetivo essen¬
sível esboçar, no quadro da própria neurocibernética, deter¬ cial) as particularidades da compreensão materialista-dialética
minadas vias para interpretar as relações entre as formas da do problema das formas não-conscientes da atividade nervosa
atividade cerebral apreendidas e não-apreendidas pela cons¬ •superior. Ao mesmo tempo, iremos deter-nos em algumas ques¬
ciência, entendidas como fatores diferenciados do comporta¬ tões especiais particularmente importantes para uma análise
mento. Tudo isso em seu conjunto permite entender por que não-psicanalítica: a teoria psicológica daquilo que chamamos
as novas tendências, que se esboçam atualmente na interpre¬ de atitudes, elaborada ativamente tanto na União Soviética
tação cibernética do problema da consciência, não podem dei¬ (escola de Uznadze) como pela psicologia da Europa Oci¬
xar de representar um interesse de primeiro plano para a dental e dos eua; na discussão sobre a natureza ativa dos
teoria das formas da atividade nervosa superior não-apreen¬ processos que se desenrolam nas condições de um nível baixo
didas pela consciência*. de vigília, discussão que se tornou especialmente aguda após a
descoberta dos fenómenos singulares denominados "sono rá¬
pido" ("paradoxal" ou "rombencefálico") ; nas tentativas de
Numa forma abstraía e original, o problema das bases estruturais captar a originalidade da atividade do pensamento não-apreen-
e das particularidades da organização da tomada de consciência dido pela consciência, que escapa à análise, se o funciona¬
entendida como um reflexo do reflexo ou como uma auto-relação
mento do cérebro é considerado como se desenrolando apenas
do substrato material foi destacado recentemente na União So¬
viética por V . Kremianski (71) . Esse autor revela tendência a na base dos algoritmos estritos (isto é, o problema da heurís¬
conciliar, quando da análise do problema da tomada de consciên¬ tica) ; no significado que as formas não-conscientes da ativi-»
cia, os princípios clássicos da teoria do reflexo com as concepções dade nervosa superior possuem nos marcos do comportamento
da teoria da regulação biológica, posição ainda pouco elaborada,
mas que, naturalmente, merece séria atenção. comum e do que se chama de automatismos; no papel que

38 39

I
(

desempenham essas formas segundo a teoria pavloviana do*


nervismo, como fatores da regulação das funções somatove-
getativas.
Finalmente, vamos deter-nos um pouco mais nas questões.
relacionadas com o entendimento moderno da base fisiológica
do inconsciente e com a teoria das relações entre a consciência CAPÍTULO II
e as formas não-conscientes da atividade nervosa superior, uma-
vez que é justamente aí que aparece, com maior nitidez, a
linha demarcatória entre a interpretação idealista e a inter¬ Formação das concepções do "inconsciente no
pretação materialista-dialética dos fenómenos que nos preo¬ período que precedeu o surgimento do
cupam. freudismo e da psicossomática л
Nas últimas páginas do livro, tiraremos as conclusões das
discussões, que se prolongam por muitos anos, a respeito da
natureza do inconsciente, e formularemos algumas considera¬
ções sobre as perspectivas da elaboração ulterior desse problema
tão importante quanto complexo.
Essas são as linhas que orientam nossa exposição. § 16. Sobre a improdutividade da etapa inicial de ela¬
boração da idéia do "inconsciente"

Nós nos esforçaremos agora no sentido de caracterizar por¬


menorizadamente a formação das concepções do inconsciente
nas etapas iniciais da história desse problema. Vamos deter-
nos nas concepções que se formaram na filosofia e na psico¬
logia da Europa Ocidental num período que antecedeu de
muito a criação da teoria freudiana, e que coexistiram durante
algum tempo com as idéias da escola psicanalítica para, poste¬
riormente, dissolver-se nessas idéias ou recuar diante delas.
Gostaríamos de mostrar que durante muito tempo esse
movimento do pensamento não teve o caráter de uma verda¬
deira evolução de idéias. Resumia-se, mais precisamente, a
formulação de algumas questões fundamentais, cuja colocação
mudou devido a diversas razões. Apenas no final do século xix
é que se manifesta a tendência a utilizar os métodos experi¬
mentais e as observações clínicas.

§ 17. O problema do "inconsciente" na filosofia e psi¬


cologia da Europa Ocidental dos séculos xvm-xix

A concepção de uma atividade que seja ao mesmo tem¬


po psíquica e inconsciente permaneceu durante muito tempo
totalmente alheia à filosofia européia. Ainda Descartes e
40 41

_
Locke expressavam um ponto de vista diretamente oposto, Mais tarde, a idéia do inconsciente entra como element!
mais aceitável para o entendimento corrente o do bom senso.
Em sua Experiência da Razão Humana, Locke afirma que ter importante em inúmeros sistemas fideístas e idealistas criado
uma representação de qualquer coisa e ser consciente dela é por Fichte, Hartmann, Herder, Jacobi e outros. Desempenh;
a mesma coisa, pode-se pensar num corpo estendido sem pen¬ papel particularmente importante em Schelling. Nessa fast
sar nas partes que o compõem, da mesma maneira que no a representação do inconsciente, entendido como uma das foi
pensamento sem a consciência; se sua hipótese o exige, pode-se mas do psiquismo humano, que se podia seguir, se bem qu
dizer: o homem tem sempre fome, mas nem sempre sente a num aspecto contraditório, em Leibniz e Kant, recua pouco
a sensação da fome. Essas formulações comprovam claramente pouco para um plano posterior É substituída cada vez ma
a fidelidade do seu autor ao ponto de vista corrente. Hart¬ por interpretações que transformam o inconsciente em um
mann, recordando-as, indica que Locke foi aparentemente um base irracional singular do ser. O idealismo objetivo de Hcg
dos primeiros a formular de modo filosófico esse ponto de contribuiu em muito para tal evolução. Esse sublinhava rep
vista e a inaugurar assim a possibilidade de discussão. tidamente (nas Lições da Filosofia da História e em outr;
A posição oposta está ligada ao nome de Leibniz. Ao obras) que se aproximava dos pontos de vista de Schellir
admitir em sua Monadologia a possibilidade de um pensa¬ em tudo que dizia respeito a tal problema. O princípio <
mento não-consciente, atribuiu ao problema do inconsciente "vontade inconsciente", posto na base do seu sistema p
uma tonalidade francamente idealista, uma vez que para ele Schopenhauer, aproxima-se muito das representações dei
o inconsciente se transformou no aspecto principal da ligação tipo, assim como algumas outras idéias formadas nos marc
entre o microcrosmo e o macrocosmo, no mecanismo que asse¬ da filosofia idealista da Europa Ocidental do século xix.
gura o princípio teleológico elaborado por ele mesmo da "har¬ Ê com Herbart que o pêndulo do pensamento filosófi
monia preestabelecida das mônadas" Por outro lado, como começa seu movimento contrário. A idéia do inconscier
Hartmann assinala com perspicácia, Leibniz erigiu toda sua adquire formas, nesse autor, que fazem lembrar de Leibr
teoria psicológica das "pequenas percepções" inconscientes
Herbart fala de representações que, existindo na consciênc
por analogia com sua concepção genial das quantidades infi¬ entretanto, não são percebidas como tais, não são ligadas c<
nitesimais, que se tornou posteriormente a base de um dos
o Eu; de representações fora do limite ("unterhalb
i
ramos mais importantes da matemática superior moderna. Ao mentais dos quais não
Schwelle") da consciência; de atos
elaborar sua teoria das "pequenas percepções", percepções de
toma consciência porque neles encontram sua expressão i
uma intensidade tão débil que escapam à consciência, Leibniz
tanto representações ou sentimentos verdadeiros e constii
tentou de fato, pela primeira vez na filosofia da Europa Oci¬
dos, mas "tendências", as "aspirações" a formar percepç
dental, firmar a idéia da realidade dos processos psíquicos.
Referia-se, nesse caso, às sensações vagas que surgem durante
determinadas (não se poderia deixar de destacar, falando
o sono, etc.
tais tendências, que Herbart se antecipou, de certa mane
a importantes correntes na interpretação do inconsciente
Em Kant, essa idéia assume forma bem mais clara. Na quais não se constituíram na psicologia européia sob foi
Antropologia (§ 5), Kant volta a ela inúmeras vezes e afirma mais clara senão muitos decénios mais tarde)
que ter representações e não ter sua consciência parece contra¬
ditório, pois como se pode saber que se tem semelhantes Não obstante toda a sua indefinição, essas construi
representações se não se tem sua consciência? Entretanto, é significavam certa volta à representação do inconsciente c(
possível convencer-se de maneira mediata de que há certa elemento latente do psiquismo normal, cuja não-considcr;
representação, mesmo que não se tenha consciência dela. Diz levava a muitas incompreensões do que se passa na ativii
ainda que o domínio das percepções e das sensações, dos quais mental. Durante toda a segunda metade do século xix,
não se tem consciência, apesar de incontestavelmente delas se interpretação é introduzida com insistência em toda um;
dispor, ou, em outras palavras, o domínio das representações rie de sistemas psicológicos e psicofisiológicos. Sob uma fc
obscuras ("dunkler Vorstellungen") é imensamente grande. semimecânica, semi-idealista, típica para o seu tempo,

42
í

desenvolvida por G. Fechner em seus Elementos de Psico- inconsciente, a começar pelas primeiras, formadas há muito
física, por Carl Carus em suas obras quase esquecidas Psique tempo nos marcos dos sistemas da filosofia especulativa, e ter¬
e Physis, por B. Perty (219), H. Bastian (109) e outros. minando pelas tentativas apenas esboçadas de interpretação
objetiva e experimental, misturavam-se da maneira mais
estranha na literatura daqueles anos. E todo esse ecletismo
§ 18. As causas da popularidade especial do problema multiforme mostra de maneira espetacular que, tendo esbar¬
do "inconsciente" na segunda metade do rado nas manifestações do inconsciente, os pesquisadores da¬
século xix quele período sentiram, antes, por intuição, que não enten¬
diam claramente haverem tocado em algumas particularidades
No final do século xix, a evolução das representações do importantes da atividade psíquica.
inconsciente complicou-se ainda mais, uma vez que o interesse Nos anos seguintes, isto é, nos anos próximos ao limite dos
por tudo aquilo que tem ligação com essas representações co¬ dois séculos, nos círculos próximos da medicina universitária,
meça a se manifestar não somente nas publicações científicas um movimento contrário delineou-se: o interesse por tudo
especiais, mas também na filosofia e na literatura. Para isso
que dizia respeito ao inconsciente diminuiu e viu-se aparecer
contribuíam os estados de espírito semimísticos, a idéia da
uma atitude um tanto cética diante de tudo que lhe dizia res¬
"busca de Deus", difundidos em alguns círculos de intelec¬
tuais burgueses, a propagação de um encantamento pelo irra-
peito. Semelhante mudança de atitude manifestou-se diante do
método que, sem dúvida, mais havia contribuído para acen¬
cionalismo e o voluntarismo de Nietzsche e Stirner, que carac¬
tuar a atenção em relação a todo o problema da atividade psí¬
terizava a vida espiritual da sociedade da Europa Ocidental
de então; a tónica atribuída por Schnitzler, Maeterlinck e quica não-consciente, o da sugestão hipnótica. Na psicoterapia
outros na literatura de ficção às questões do simbolismo psico¬ da Europa Ocidental, esse ceticismo diante do poder curativo
lógico, dos problemas da intuição, das "atrações inconscientes", da sugestão fortaleceu-se progressivamente e manifestou-se sob
das "profundezas da alma", etc., e principalmente a insatis¬ diferentes formas durante a primeira metade do nosso século*.
fação causada pelo formalismo e pela esterilidade da psicologia
tradicional diante da enorme impressão que produziu, pouco
antes, a descoberta das modificações estranhas do psiquismo No ih Congresso Internacional de Medicina Psicossomática e Hip¬
nose (Paris, 1965) , as atenções estavam especialmente voltadas para
dos hipnotizados e as reações paradoxais dos histéricos (que
esse ponto. Em seu discurso inaugural, L. Chertok destacou que o
se tornaram conhecidas graças aos trabalhos do cirurgião in¬ Congresso de 1965 constituía apenas a terceira assembléia interna¬
glês Braid, da escola clínica de Charcot, das escolas hipnoló- cional sobre o problema da hipnose, convocada 65 (!) anos após o
II Congresso, realizado em 1900. Os nomes dos participantes do
gicas de Salpetrière e de Nancy, etc.) . Congresso de 1900 evocados nessa ocasião (Babinski, Bekhterev, De-
Quando se examinam os documentos científicos, a litera¬ jerine, Korsakov, James, Charcot, Freud, Brown-Séquard, Richet,
tura de ficção, as obras dedicadas às belas-artes, assim como Lombroso, Forel, Janet, Magnan) revelaram bem toda a duração do
intervalo que separou о III Congresso do II, a profunda diferença
os artigos publicados na imprensa daqueles longínquos tem¬ entre ambas as épocas e a solidez da atitude negativa em relação
pos, é impossível não se admirar ante a expansão adquirida à hipnoterapia que surgiu em alguns países no início do século xx.
naquele período pela representação do inconsciente como fator Essa atitude é brilhantemente ilustrada na França, nem que seja
pelo fato de que, após o 25 de fevereiro de 1899, data em que foi
que se deve levar em conta no exame das mais variadas ques¬ apresentada à Sociedade Médico-Psicológiea Francesa uma comu¬
tões da teoria do comportamento, da clínica, da hereditarie¬ nicação de Lvov, "Observação de uma mulher que se tornou doen¬
dade (a teoria das "inclinações inconscientes" de Lombroso) , te mental após a hipnoterapia", foi necessário mais de meio sé¬
culo para que se fizesse de novo (em 1953) uma comunicação ilus¬
na análise da natureza das emoções, das formas das artes plás¬
trando, dessa vez no sentido positivo, as possibilidades que, em
ticas e cénicas, da música, das relações entre os homens nas princípio, são oferecidas pelo uso da terapêutica da hipnose.
pequenas e grandes coletividades e até mesmo da legislação L. Chertok fez uma análise interessante das raízes históricas
social e da história. Todas as representações anteriores do dessa subestimação prolongada da hipnoterapia pela medicina uni-

44 45
t

Entretanto, durante esses mesmos anos, em círculos res¬ § 19. A discussão do problema do "inconsciente" no
tritos de início não-ligados à ciência universitária, surge outra Simpósio de Boston em 1910 (Hartmann, Brentano,
atitude inteiramente diferente em relação ao problema do MUnsterberg, Ribot)
inconsciente, vinculada à difusão das idéias do freudismo.
Ainda trataremos detidamente da oposição encontrada Dispomos de publicações que permitem reconstituir as
pelas idéias de Freud quando das primeiras tentativas feitas principais tendências na compreensão do problema do incons¬
para difundi-las na área da clínica. Entretanto, é necessário ciente que caracterizam as correntes de orientação não-psicana¬
assinalar desde já que essa oposição não tinha caráter total¬ lítica da psicologia e da psicopatologia do início do nosso
mente negativo, não se restringindo somente à rejeição às idéias
século. Em 1910, em Boston, teve lugar um simpósio que refle-
de Freud. Nela havia, frequentemente, interpretações originais
tiu as diferentes análises então existentes sobre esse problema.
Os trabalhos do Simpósio de Boston (18) , completados, quando
do problema do inconsciente que os autores contrapunham às
de sua publicação, por artigos de Hartmann, Brentano e
concepções da psicanálise. Algumas dessas interpretações Schubert-Soldern, traçaram um quadro espetacular da dispa¬
tinham raízes lógicas nas violentas discussões que já se haviam ridade e do caráter contraditório das opiniões predominantes,
travado no período pré-psicanalítico e eram amplamente con¬ nos anos que precederam a guerra, sobre as formas do incons¬
trovertidas nas publicações psicológicas e clínicas de todo o ciente. Ao mesmo tempo, mostraram que as mesmas questões
período que precedeu a i Guerra Mundial; algumas apresen¬ essenciais, que haviam sido colocadas num período ainda ante¬
tam, ainda hoje, interesse científico, sob certos aspectos. rior, continuavam no centro da discussão, mas que os partici¬
Por conseguinte, é útil, antes de passar ao exame do freu¬ pantes do Simpósio de Boston não se haviam aproximado
dismo, determo-nos rapidamente nessas interpretações, que se significativamente de uma solução mais ou menos certa em
esforçam com insistência por transferir para a ciência do comparação com seus antecessores.
século xx as representações que surgiram quando das primei¬ Não nos deteremos por enquanto na interpretação do
ras tentativas feitas para entender cientificamente o problema inconsciente dada por E. Hartmann, apesar de essas idéias
do inconsciente. terem sido muito populares em determinados círculos de inte¬
lectuais burgueses imbuídos do irracionalismo. Sendo um repre¬
sentante típico da concepção idealista do inconsciente, Hart¬
versitária. Sublinhou a unilateralidade e, por isso, o caráter insa¬ mann seguiu o caminho das especulações, que excluíram de
tisfatório das posições em que se mantinham no seu tempo as co¬ saída para ele a possibilidade de uma interpretação adequada
nhecidas escolas hipnológicas de Bernheim a Babinski. A dis¬
cussão entre essas escolas somente acentuou as grandes dificulda¬ para o problema, a cuja análise consagrou de fato toda a vida.
des que se colocavam para pôr em evidência os mecanismos Do ponto de vista histórico, foi ele o último entre os que se
íntimos dos estados hipnóticos e deveria, assim, intensificar o esforçaram para resolver o problema do inconsciente a partir
pessimismo em relação à utilização imediata da hipnose nos das posições do idealismo objetivo hegeliano. Já no Simpósio
casos clínicos. A idade de ouro da hipnoterapia, legitimada em de Boston ele parecia, entre os demais participantes, um filó¬
grande medida pelos trabalhos de Charcot, durou pouco após a sofo da natureza um pouco ultrapassado, admitido no meio
morte desse eminente pesquisador. Já após о II Congresso o inte¬ dos jovens racionalistas céticos e dos materialistas mecanicistas
resse pela hipnose caiu a tal ponto que essa queda provocou da
parte de Janet estas palavras tão amargas quanto proféticas: "O
muito mais por respeito às tradições patriarcais do que pela
hipnotismo está morto... enquanto não ressuscitar" (15). esperança de ouvir dele qualquer palavra realmente nova*.
Na medicina soviética, essa diminuição do interesse pela hipno¬
terapia foi muito menos pronunciada do que se pôde observar em
geral. Graças ao profundo interesse manifestado pelo problema da Alguns contemporâneos de Hartmann fizeram declarações caracte¬
hipnose por V. Bekhterev e K. Platonov e, no plano teórico, pela
*
rísticas a seu respeito. James considerou sua teoria "como uma
escola fisiológica de Pavlov em sua totalidade, a teoria da hipnose arena de fantasias". Hõffding destacou a respeito dessa teoria que
foi, na União Soviética, durante 20 ou 30 anos, objeto de uma se pode dizer a mesma coisa que Galileu disse sobre a explicação
elaboração sistemática e multilateral, e encontrou inúmeras vezes dos fenómenos da natureza pela vontade divina; não explica nada
interessantes aplicações na prática médica. porque explica tudo [citado por Hart (18)].

46 47
cientes da vida mental do que por representações estritas das para o pensamento científico francês — de só empregar noções
propriedades e do papel dessas últimas. exatas e só admitir conclusões estritamente lógicas.
A posição de Pierre Janet é característica desse ponto de M. Prince conheceu a notoriedade no início do século
vista. Colocado diante da necessidade de precisar sua repre¬ graças à sua descrição detalhada de casos análogos àqueles em
sentação do inconsciente, Janet fugiu de fato da crítica dos. que Janet detinha sua atenção, mas nos quais a cisão do
negadores da existência de formas não-conscientes da vida jisiquismo adquiria caráter tão profundo que a dissociação
psíquica. Sustentava não haver utilizado a noção do incons¬ de algumas funções psíquicas tornava-se dissociação de toda a
ciente a não ser para a descrição de distúrbios psíquicos deter¬
minados: síndromes de distúrbios da personalidade, de alie¬ jiersonalidade (223) , condicionando a aparição e a longa
nação de partes do corpo, distúrbios do esquema do corpo coexistência numa mesma pessoa de consciências aparentemente
observados às vezes na histeria. Nesses estados, da mesma autónomas e críticas umas em relação às outras (o caso de
maneira que nas fases profundas do sono hipnótico, é necessᬠ"miss Bewchamp" que fez tanto barulho no início do século
rio, segundo Janet, admitir a existência de formas da atividade xx) Prince observava quadros desse tipo na histeria, nos
psíquica "dissociadas" da consciência normal, "separadas"' estados pós-epilépticos, no sono hipnótico, que provocavam
dela (idéia que nos conduz diretamente a uma das generali¬ naquele tempo grandes divergências de opinião a respeito de
zações mais importantes feitas na etapa inicial das pesquisas sua natureza e génese. Alguns hipnólogos os consideravam
sobre o inconsciente) Janet cita como exemplo as observações como síndromes que seriam, antes de tudo, artefatos originais
clássicas de J Séglas (239) , que descreveu enfermos que afir¬ do método sugestivo. Contudo, os últimos dados fisiológicos
mavam haver perdido a memória e agiam, em certas circuns¬ [particularmente os de Sperry, que obteve quadros do mais
tâncias, como se não se lembrassem de nada, apesar de uma alto interesse de consciência dupla nos epilépticos após sec¬
análise mais cuidadosa ter revelado que, na realidade, não cionar o corpo caloso, a comissura anterior e a do hipocampo
haviam esquecido quase nada. (118)] fazem pensar que, ao reduzir aos artefatos toda a
Janet foi um dos primeiros a renunciar à explicação fácil explicação de semelhantes síndromes, podem-se cometer graves
de tais casos pela simulação vulgar, interpretando-os como. erros.
modificações singulares do psiquismo próprias à histeria. Elemento importante nos trabalhos de Prince é o problema
Entretanto, julgava que o emprego do termo subconsciente se das diferenças entre as noções de consciência e autoconsciência.
justificava para a descrição de síndromes desse tipo, para a Sem se ter ocupado especialmente dos problemas da teoria
designação de elementos da atividade mental destacados dela, psicológica da consciência, Prince, entretanto, recolheu grande
mas que não haviam, por isso, deixado de ser elementos reais número de argumentos favoráveis ao fato de que a autocons¬
da atividade psíquica (177, 178) Essa é a razão por que não ciência (entendida como forma da atividade mental em que
considerava esses dados clínicos suficientes para resolver com as impressões estão ligadas ao Eu do sujeito, são reconhecidas
certeza o problema da existência de componentes não-cons- por este Eu e podem tornar-se para esse último objeto de
cientes do psiquismo normal, isto é, para a solução do problema análise) é um nível particular do trabalho do cérebro, mais
do inconsciente em sua forma mais geral. Janet indicava que, elevado e nem sempre atingido. Segundo Prince, a autocons¬
para uma colocação tão ampla do problema, faltava, antes ciência não é sempre um elemento indispensável da consciên¬
de tudo, uma teoria psicológica e fisiológica da consciência cia Disso decorre logicamente sua interpretação da reali¬
claramente elaborada. dade dos atos psíquicos não-apreendidos pela consciência,
Sabe-se muito bem que, posteriormente, as idéias de Janet interpretação que desempenhou posteriormente um papel de¬
foram superadas pelas interpretações de Freud e, em parte, terminado na concretização da colocação do problema do
perderam a popularidade anterior Entretanto, hoje entende¬ inconsciente
mos muito melhor que antes o quanto foi clarividente esse No início do século xx, Cli. Hart adotou posição original
eminente psicopatologista, e que, com a excessiva prudência diante do paradoxo difícil de resolver do "pensamento não-
de suas formulações, ele expressava a exigência tradicional consciente"

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'
Ao mesmo tempo em que indicava a impossibilidade de traram reflexo na discussão de Boston em 1910 opuseram-se
explicar essa noção, Hart defendia a legitimidade da sua uti¬ firmemente à concepção psicanalítica já formulada àquela
lização. Referia-se, no caso, à produtividade das categorias época. As divergências que as separavam eram menos profun¬
teóricas irracionais na matemática e na física de seu tempo. das e menos categóricas que as que as opunham ao freudismo.
A "idéia do inconsciente", dizia ele, é tão impossível de fato, Talvez esquematizando um pouco, pode-se dizer que seu obje-
como é impossível o éter imponderável e que não provoca tivo comum era defender a legitimidade da representação de
atrito. Não é mais nem menos impensável que a noção mate¬ formas não-conscientes da atividade complexa do cérebro e de
mática da raiz quadrada de —1. Objeções desse tipo (isto é, entender o papel dessas formas como de um fenómeno psico¬
a impossibilidade de representar a idéia) não nos privam,
lógico e de um mecanismo fisiológico que participa de maneira
entretanto, do direito de utilizar na ciência noções que não se
latente no trabalho normal da consciência, e sem a conside¬
relacionam de fato a nada existente. Prova suficiente disso é
ração do qual não podemos entender nem esse próprio traba¬
oferecida pela utilidade de tais noções no campo da física.
lho, nem seus distúrbios clínicos. Entretanto, nenhuma função
É necessário apenas entender claramente que estamos falando
de noções abstratas e não de fatos (18) . antagónica à consciência foi atribuída ao inconsciente, ne¬
nhuma idéia de conflito possível entre a consciência e o incons¬
Sente-se claramente nessas declarações as opiniões filosó¬
ciente na regulação do comportamento foi expressa nos marcos
ficas empírio-criticistas de Hart, a influência do livro de Karl
dessas concepções não-psicanalíticas.
Pearson A Gramática da Ciência, que teve ampla popularida¬
de na época (e foi inúmeras vezes criticado na literatura mar¬ Mais adiante, vamos deter-nos nas particularidades da
xista) , assim como a repercussão de discussões características corrente psicanalítica, que suscitaram inicialmente uma oposi¬
do início do século a respeito da legitimidade da utilização de ção bastante violenta, mas depois contribuíram para sua ampla
noções sabidamente fictícias, mas que permitiam organizar o popularidade em alguns círculos. Por enquanto, lembraremos
conhecimento de acordo com o famoso princípio da "econo¬ apenas que um traço original da teoria da psicanálise, que a
mia do pensamento" de Avenarius (a filosofia chamada de diferencia claramente das outras doutrinas anteriores e que
"ais ob" — "como se") . Segundo Hart, uma justificativa sufi¬ coexistiram com ela durante certo tempo, consiste em entender
ciente da representação dos processos psíquicos não-conscien- o inconsciente como fator dinâmico dotado de uma energia
tes consiste em que, se postulamos a realidade desses processos, libidinosa, de forças de catexe, capaz de agir segundo leis espe¬
se lhes atribuímos certas propriedades e supomos que obede¬ cíficas na atividade da consciência e desempenhando regular¬
cem a certas leis, chegamos em resultado a conclusões que mente, em relação a essa última, um papel antagónico. Ao
coincidem com os dados da experiência concreta. Semelhante mesmo tempo, o que mais inquietava os primeiros pesquisa¬
marcha do pensamento é análoga, segundo Hart, à que se dores desse problema, a começar por Leibniz e Kant — o
encontra na base de todas as construções teóricas das ciências problema de saber o que significa o paradoxo de um "pensa¬
naturais: a teoria dos átomos, a das ondas luminosas, a lei da mento inconsciente", de como entender essa contradição inter¬
atração universal e a teoria da hereditariedade de Mendel (18) . na aparentemente insolúvel —, o freudismo relegava a um
segundo plano, como tema puramente especulativo e de pouca
importância. Os efeitos dinâmicos do inconsciente e não sua
natureza — eis o que estava invariavelmente no centro das
§ 21. Particularidades da interpretação do problema do
"inconsciente" no período que precedeu atenções* do freudismo; por isso não surpreende que, com o
fortalecimento da influência dessa corrente e o deslocamento
imediatamente a difusão das ideias da psicanálise
gradual pelo freudismo da maior parte das análises concorren¬
tes, se tenha produzido na teoria do inconsciente o que se
Os exemplos supracitados mostram bem até que ponto
eram diversas as análises do problema do inconsciente naqueles
que não estavam inclinados a ocupar posição de pura negação A esse respeito, Wells assinala com razão que Freud nunca tentou
de todo esse problema. Apesar disso, as correntes que encon- *
criar uma teoria geral do inconsciente (261).

52 53
F

poderia chamar de mudança geral da decoração. Surgiram


muitas outras questões novas, e o que antes se discutia apai¬
xonadamente pouco a pouco cessou de aparecer na literatura,
se bem que essa superação dos velhos problemas não signifi¬
casse que se tivesse conseguido encontrar sua solução correta.
Tudo isso não podia deixar de conceder à teoria do CAPÍTULO III
inconsciente um caráter muito particular, que aparece com
grande clareza quando se confronta sua história com o desen¬
volvimento das ciências exatas. Se a evolução dessas últimas A interpretação do problema do "inconsciente" na
está ligada, como regra geral, a uma solução mais ou menos compreensão da concepção psicanalítica e a
segura das questões que surgem, e tem, por essa razão, os traços crítica dessa análise
de um movimento progressista, na teoria do inconsciente um
progresso desse tipo esteve praticamente ausente. Tem-se a
impressão de que os estudiosos que se dedicavam à elabora¬
ção dessa teoria no final do século xix tentaram de início
trabalhar obstinadamente, mas, logo convencidos de que
a via por eles escolhida era inacreditavelmente difícil, pouco
a pouco a abandonaram. O resultado foi que, no início do § 22. Breves dados biográficos de Sigmund Freud
século xx, não obstante os enormes esforços das gerações
anteriores de pesquisadores, encontramo-nos diante de uma Para definir o freudismo, examinaremos brevemente tanto
multiplicidade de hipóteses abandonadas, semi-esquecidas, e de •sua história e suas premissas teóricas, como as tentativas feitas
conjecturas não-confirmadas, em lugar de um pequeno número para aplicá-lo no tratamento clínico. Posteriormente exami¬
ou, ao menos, uma concepção experimentalmente válida. Os naremos algumas discussões que tiveram lugar nos últimos
desencontros entre as velhas análises não-psicanalíticas do pro¬ anos sobre osproblemas da psicanálise.
blema do inconsciente e sua imperfeição facilitaram, certamen¬ Em primeiro lugar, algumas palavras sobre o próprio fun¬
te, a aparição e a expansão sem precedentes das representações
dador dessa doutrina que tem causado tanto barulho.
apresentadas na psiconeurologia por Freud.
Sigmund Freud, psicopatologista austríaco, nasceu em
1856. Em 1873, começou seus estudos na Faculdade de Medi¬
cina da Universidade de Viena, onde, ainda estudante, reali¬
zou, sob a direção de E. Briicke, vários trabalhos de anatomia
comparada, de fisiologia e de histologia. A partir de 1882,
trabalhou como médico, de início junto a Nothnagel no servi¬
do de enfermidades internas do Hospital Geral de Viena, e
posteriormente na clínica psiquiátrica dirigida por T. Meinert.
Em 1885, Freud viaja para Paris, onde trabalha com Charcot
na clínica Salpetrière. Em 1886, volta a Viena.
A atenção de Freud volta-se cada vez mais para a pato¬
logia da histeria, não obstante, durante vários anos ainda, os
artigos e monografias que publica dizerem respeito às pesqui-
. sas relativas à teoria da afasia, à localização das funções
cerebrais, à paralisia infantil, às hemianopsias, por ele efetua-
< das na clínica de lesões orgânicas do sistema nervoso central.

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»
Esses trabalhos distinguiam-se, segundo os neuropatolo- assim, autorização para que Freud viajasse para a Inglaterra,
gistas mais eminentes da época, por grande originalidade e onde ele viria a morrer, aos 83 anos.
revelavam uma erudição clínica pouco comum. Esses são os fatos principais da vida de Freud, pensador
A partir de 1886, Freud passou a interessar-se pelo trata¬ cujas obras deixaram, indiscutivelmente, uma marca muito
mento dos distúrbios histéricos através da sugestão, baseando- profunda na história do problema do inconsciente. Agora exa¬
se, numa primeira etapa, na experiência de Bernheim e de minaremos em que consistia a concepção por ele criada e como
Liébeault. Em 1891 1895, juntamente com Breuer, elaborou se desenvolveu.
novo método de hipnoterapia (a catarse) . Seus trabalhos .
orientados nessa direção saíram em 1895 no livro Estudos
sobre a Histeria (121) Em 1895, Freud escreveu uma obra § 23 As fases iniciais do desenvolvimento da teoria
chamada Projeto (que só foi publicada em inglês em 1954) , clinica da psicanálise
na qual tentava elaborar especulativamente as leis da ativi-
dade do cérebro a partir das colocações da fisiologia meca¬ Podem-se distinguir duas fases na evolução da psicanálise.
nicista. Inicialmente, a psicanálise limitava-se a interpretar a origem
A partir de 1895, Freud impõe-se o objetivo de elaborar e o tratamento das enfermidades funcionais. Posteriormente,
sistematicamente a teoria da psicanálise. Em 1900, publicou estendeu sua influência muito além dos limites clínicos, pre¬
sua monografia principal, A Interpretação dos Sonhos (151) e, tendendo também desempenhar o papel de doutrina socio¬
entre 1904 e 1905, a Psicopatologia da Vida Cotidiana (158) , O lógica e filosófica e expressar uma concepção global do mundo.
Espírito e Sua Relação com o Inconsciente (155) , Três Ensaios Para entender a essência da psicanálise e sua incompatibili¬
sobre a Teoria Sexual (149) e algumas outras obras. No pe¬ dade com a compreensão materialista-dialética dos problemas
da biologia e das ciências humanas, acompanharemos, de iní¬
ríodo que precedeu imediatamente a iGuerra Mundial, e sobre¬
cio, seu desenvolvimento de mais de meio século de existência.
tudo no pós-guerra, Freud voltou-se cada vez mais para a
elaboração dos elementos filosóficos e histórico-sociológicos Antes de criar a teoria da psicanálise, Freud, como já
vimos, dedicou muita atenção à neurofisiologia, à histoana-
do sistema por ele criado, que constituíam o núcleo de sua
tomia e à neuropatologia orgânica. Posteriormente, ao concen-
teoria "metapsicológica". É nesse período que aparecem tra¬
trar-se no problema da histeria, elaborou um método de trata¬
balhos seus como Leonardo da Vinci, Estudo sobre a Teoria mento desse mal. Esse método apoiava-se na hipótese segundo
da Sexualidade (150), Totem e Tabu (152), Além do Prin¬
a qual o sintoma histérico é consequência da repressão pelo
cípio do Prazer (156), A Psicologia Coletiva e a Análise do doente de um afeto ou impulso intenso, e substitui simbolica¬
"Eu" (157) , O "Eu" e o "Id" (154) O Mal-estar da Civili¬ mente a ação que não foi realizada em sua conduta. A cura
zação (160) e algumas outras obras de orientação semelhante. é obtida se, com a ajuda da sugestão hipnótica, se consegue
As colocações teóricas de Freud, que adquiriam pouco a obrigar o doente a lembrar e reviver o impulso reprimido.
pouco um caráter cada vez mais pessimista e irracionalista, Essa concepção da catarse já continha muitos dos elementos
obrigaram-no, no início dos anos 30, a adotar também na que, mais tarde, se tornaram o fundamento da teoria psica¬
política uma posição que não correspondia aos interesses do nalítica.
progresso social [essa posição ficou expressa na carta aberta a O decénio seguinte foi inteiramente consagrado por Freud
Einstein, datada de 1932 (141)]. Em 1939, publicou sua últi¬ à elaboração dos princípios dessa teoria. Sua postura metodo¬
ma obra importante, Moisés e o Monoteísmo (159) , na qual lógica nesse período exerceu grande influência nessa elabo¬
continuava a desenvolver suas concepções sobre a cultura e ração. Reconhecendo que a atividade mental é uma função do
cérebro, Freud chegou, ao mesmo tempo, à convicção de que
a história.
a fisiologia, pelo menos aquela que existia no limite dos dois
Após a ocupação nazista da Áustria, Freud foi perseguido. séculos o século xix e o xx — , não era capaz de fornecer
Entretanto, a União Internacional das Sociedades de Psicanálise os pontos de apoio para a análise psicológica e que, por isso,
pagou às autoridades fascistas um vultoso resgate e obteve, . as pesquisas psicopatológicas deveriam prosseguir tendo como

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'
base unicamente hipóteses psicológicas. Outro ponto impor¬ procura, entretanto, voltar para a consciência e, se não pode
tante nesse plano é que Freud jamais procurou dar a seus superar a resistência da "anticatexe", tenta alcançar esse
trabalhos o caráter clínico ou de laboratório. Tanto em suas objetivo por caminhos indiretos, utilizando os sonhos, os lapsos
incursões na neurofisiologia (no Projeto, por exemplo) , como da fala e da escrita, ou provocando o surgimento de uma
no laboratório de histologia e na clínica de neurologia, limi-
síndrome clínica que a substitua simbolicamente. Para elimi¬
tava-se a observações seguidas de deduções, sem passar por
nar o distúrbio provocado pelo afeto reprimido, é necessário
qualquer forma de verificação experimental de suas conjec¬
turas. E essa segunda circunstância desempenhou, a seguir, obrigar o doente a tomar consciência desse afeto. O método
nos destinos do freudismo, papel não menos importante que de revelação daquilo que foi reprimido (isto é, a psicanálise
a primeira. no sentido estrito) consiste no estudo das associações livres,
na elucidação do sentido oculto dos sonhos expresso simboli¬
Outros elementos, que já evocamos de passagem, deixaram
camente e na descodificação da 'transferência" (isto é, da
igualmente sua marca no sistema elaborado por Freud: a
decepção crescente causada pela busca de um substrato ana¬ relação que se estabelece entre a pessoa que efetua o tratamen¬
tómico direto da atividade psíquica (o abandono gradual da to psicanalítico e o doente, sendo que a primeira se torna,
predileção pela "mitologia cerebral", segundo a imagem de pouco a pouco, objeto de reações afetivas, em geral de tendên¬
Nissl) ; a insatisfação causada pelo formalismo da psicologia cia sexual, por parte do doente) .
tradicional e, em contrapartida, o profundo interesse pelas Os principais afetos reprimidos, segundo Freud, são os
modificações do psiquismo durante o sono hipnótico e a his¬ impulsos eróticos, e ele sublinha que o processo de repressão
teria, modificações descobertas pouco antes e das quais Freud é observado desde as primeiras fases da infância, quando se
foi testemunha na clínica de Charcot; a grande popularidade,

I
formam as primeiras noções do que é "interditado". Essa
no final do século xix, das tendências irracionalistas na filo¬
idéia é desenvolvida nos trabalhos de Freud dedicados ao
sofia e na literatura de ficção, com o problema do "destino
da personalidade como expressão de impulsos inconscientes". "erotismo anal" infantil, ao complexo de Édipo (o sentimento
de hostilidade do filho em relação ao pai, que o impede de
Tal era a situação geral em que se desenvolvia a primeira possuir sua mãe com exclusividade) , etc. A energia que ali¬
fase da elaboração da teoria psicanalítica. Evidentemente, essa
menta a sexualidade da criança e do adulto é a "libido",
situação deveria contribuir para que o desenvolvimento ulte¬ motor mais importante da vida psíquica, segundo Freud, que
rior das idéias de Freud seguisse não pelo caminho de um
estudo clínico-psicológico ou clínico-fisiológico rigoroso, obje- de um lado determina toda a riqueza das emoções vividas, e
tivamente controlado, de fatos iniciais interessantes expostos de outro procura eliminar os obstáculos impostos pelo meio
nos Estudos sobre a Histeria, mas pela via da criação de hipó¬ social e os princípios morais, levando à neurose e à histeria,
teses especulativas e da admissão de uma multiplicidade de quando não o consegue.
causalicíades postuladas a priori. Posteriormente, esse esquema assumiu caráter ainda mais
complexo. Além dos impulsos "libidinosos" de afirmação do
"Eu", a tendência destrutiva e agressiva oposta, o "instinto
§ 24. A evolução ulterior das representações psicanalí¬ de morte", é igualmente declarada característica do "incons¬
ticas clínicas e sociológicas ciente". Todo o psiquismo é transformado numa associação
específica de três instâncias: o "inconsciente" (sede dos im¬
Foi da seguinte maneira que Freud complicou as repre¬ pulsos afetivos reprimidos) , o "subconsciente" (que desem¬
sentações iniciais da patogênese da síndrome histérica: o im¬ penha o papel de censura, deixando passar para a consciência
pulso afetivo foi considerado como tendo uma "carga energé¬ apenas o que é aceitável para ela) , e a consciência propria¬
tica específica" (a catexe) . De acordo com a teoria psicana¬ mente dita. Ao lado disso, Freud não cessa de insistir na
lítica, o impulso reprimido não é extinto, somente passa para profunda dependência da consciência em relação às forças
uma esfera psíquica particular — a esfera do "inconsciente", ocultas do "inconsciente" .e de demonstrar que a autonomia e
onde é retido por forças "anticatéxicas". O afeto reprimido o imperativo da consciência não passam de ilusão.

58 59
A etapa seguinte no desenvolvimento da doutrina psica¬ dor Esse processo teve como resultado a formação de diversas
nalítica está ligada à sua transformação gradual de uma teoria tendências no conjunto do quadro multicor do neofreudismo
principalmente médica e psicológica em concepção filosófica contemporâneo.
metapsicológica, que pretende participar da análise das ques¬ O primeiro dos discípulos a se distanciar de Freud foi A.
tões gerais da sociologia, da história, da teoria da arte, da Adler, que criou seu próprio sistema da "psicologia individual".
literatura e de toda sorte de outros domínios do conhecimento
Entre as motivações do comportamento humano, Adler atri¬
teórico e aplicado.
buía a maior importância, não às tendências inatas, mas às
Afirmando que o "instinto de morte" é inerente ao ho¬ relações da personalidade com seu meio social e que refletem
mem, Freud chegou à conclusão da inevitabilidade das guerras os processos de afirmação do Eu (253) Em 1912, C. Jung tam¬
e da violência social; do fato de a educação pressupor a re¬ bém se separou de Freud, tentando formar uma tendência ori¬
pressão dos impulsos instintivos (tratada por Freud como ginal, a da "psicologia analítica" No início da sua atividade,
"repressão" patogênica) , concluiu que a civilização exerce Jung buscava comprovar experimentalmente os princípios es¬
uma influência negativa na saúde mental e lançou idéias pro¬ senciais da psicanálise e elaborou os problemas da tipologia.
fundamente pessimistas a respeito das possibilidades e do Posteriormente, ocupou-se do problema da criação artística, do
valor do progresso social no futuro. O próprio surgimento da folclore e da mitologia, esperando por essa via abordar o pro¬
sociedade humana e da moral não é atribuído à atividade la- blema do "inconsciente", do qual tinha uma noção semi-
borativa, mas aos mesmos impulsos eróticos e agressivos que mítica. Os trabalhos de Jung produzidos mais tarde caracte-
constituem também, segundo Freud, os motores fundamentais rizam-se por uma tendência ao irracionalismo e são aberta¬
da vida mental dos homens civilizados (complexo de Édipo,
mente reacionários do ponto de vista político.
etc.)
Nos anos 20 e 30, alguns dos discípulos de Freud conti¬
A tendência a explicar os mais diversos problemas sociais
nuaram a se separar dele, e essa cisão encontrou expressão na
pela ação de fatores psicológicos profundos levou Freud não
só a considerar que toda a cultura humana (as artes, a ciência, crítica da noção do inconsciente desenvolvida por W Stekel,
as diversas instituições sociais) é a expressão da energia trans¬ na polémica entre os adeptos ortodoxos do freudismo S.
formada da "libido", mas ainda a construir teorias tão singu¬ Ferenozi, E. Jones, O Rank e em numerosas outras dis¬
lares que não encontravam partidários mesmo junto a alguns cussões violentas que tiveram lugar naquela época.
de seus discípulos mais ortodoxos (por exemplo, a teoria de Horney, Fromm, Sullivan são os mais conhecidos dentre os
que a religião teria tido origem no sentimento de culpa cau¬ representantes atuais do neofreudismo. K. Horney distingue-se
sado pela morte dos patriarcas da horda primitiva, perpetrada pela maneira aparentemente radical de rejeitar alguns elemen¬
por motivos sexuais, a teoria da hereditariedade das reminis¬ tos da concepção psicanalítica inicial (a "mitologia dos ins¬
cências ditas raciais; a teoria que explica o papel predomi¬
tintos", a sexualidade infantil, a noção da "libido", etc.) ,
nante do homem na sociedade moderna pelo sentimento de
assim como pela tónica que coloca sobre a importância dos
inferioridade das jovens devido à ausência do falo, etc.) Entre¬
tanto, Freud dedicou muita atenção a esse aspecto sociológico
fatores do meio social. Entretanto, Horney aceita os princí¬
de sua teoria nos últimos anos de vida. pios fundamentais de Freud sobre o papel do inconsciente,
e essa é a razão porque sua crítica das representações teóricas
do freudismo se mostra inconsequente em muitos pontos. Se¬
gundo E. Fromm, não se deve falar da "libido" e do "instinto
§ 25 A cisão da concepção psicanalítica e o surgimento de morte", mas da flexibilidade adaptável do sistema nervoso
do neofreudismo como característica principal do processo vital. Para H. Sulli¬
van, são as "relações interpessoais" que se encontram no cen¬
A coesão interior, sem dúvida inerente às idéias de Freud, tro de suas atenções, isto é, o problema das relações no interior
não impediu, entretanto, uma cisão rápida da teoria psicanalí¬ das "pequenas unidades sociais" (a família, os coletivos de
tica, que se manifestou claramente após a morte do seu funda- produção) estudadas pela microssociologia moderna.

60 61
I
Entretanto, o elemento que melhor caracteriza todas as Justo. Mas o idealismo filosófico é ('mais justamente' e 'além
variantes modernas da concepção psicanalítica é o fato de disso') o caminho para o obscurantismo clerical através de
que, embora oferecendo uma apreciação diferenciada do papel uma das nuanças do conhecimento (dialético) humano infi¬
dos diferentes fatores psicológicos, aceitam a essência desses nitamente complexo [...]. Retidão e unilateralidade, rigidez
últimos a partir de posições teóricas e metodológicas análogas. e ossificação, subjetivismo e cegueira subjetiva — eis as raízes
E isso mostra que o neofreudismo procura antes aplainar os gnoseológicas do idealismo. E o obscurantismo clerical
paradoxos da teoria psicanalítica e romper com algumas de (= idealismo filosófico) tem, naturalmente, raízes gnoseoló'
suas teses claramente inconsistentes do que dar a esses prin¬ gicas, não está desprovido de fundamento; é uma flor estéril,
cípios básicos um desenvolvimento mais justo. Recentemente, incontestavelmente, mas uma flor estéril que cresce na árvore
Harry Wells expôs detalhadamente uma visão semelhante da vivente do conhecimento humano vivo, fecundo, verdadeiro,
evolução moderna do freudismo (262) . vigoroso, todo-poderoso, objetivo e absoluto" (50) .
Essa passagem tirada dos Cadernos Filosóficos de Lênin
tem importância primordial para o entendimento das raízes
§ 26. Os princípios leninistas de uma análise critica das
gnoseológicas de qualquer variante do idealismo. O idealismo
teorias idealistas filosófico "só é um disparate" para "o materialismo grosseiro,
simplista, metafísico", mas não para o dialético. A compreensão
Fizemos uma rápida descrição das principais teses e do do fato de que as concepções idealistas possuem igualmente
destino da teoria psicanalítica a fim de expor de maneira mais raízes de ordem gnoseológica obriga a criticar essas concepções
fundamentada os motivos que explicam nossa atitude nega¬ concretamente, revelando os "pequenos traços, os aspectos, as
tiva diante das idéias de Freud. facetas" reais do conhecimento que, na interpretação idealista,
Antes de empreender a exposição desses motivos, é ne¬ são absolutizados e, por essa razão, erroneamente interpretados.
cessário destacar o seguinte aspecto metodológico: o freudismo
Ao aplicar essas teses metodológicas aos problemas que se
é uma concepção tipicamente idealista. Por isso, ao examiná-lo,
colocam diante de nós, deve-se notar, antes de mais nada, que
é necessário conceder a maior importância à indicação de
o desconhecimento, o silêncio em torno do freudismo, que se
Lênin de que cada variante do idealismo tem dois tipos de
prolongou durante muitos anos em nossa literatura, não é de
raízes: raízes de classe e gnoseológicas. Com essas palavras,
maneira alguma o melhor método de lutar por uma concepção
Lênin chama a atenção para o fato de que as concepções idea¬
materialista-dialética do mundo. Wells assinala com razão que,
listas não existem apenas como consequência do interesse das se nos limitarmos apenas a uma condenação geral ou a ridi¬
classes exploradoras, mas também porque, em certas condi¬
cularizar a tendência psicanalítica e seus inúmeros paradoxos,
ções, essas concepções são engendradas pela complexidade é duvidoso que se possa liquidar a influência ainda muito forte
excepcional do processo do conhecimento, durante o qual um dessa escola em amplas camadas intelectuais nos países capita¬
dos aspectos da realidade assume importância unilateral e pas¬ listas. Deve-se examinar e criticar concreta e seriamente as
sa a ser absolutizado. bases ideológicas da concepção psicanalítica. E para isso é
"O idealismo filosófico" — assinala Lênin — "só é um dis¬ necessário entender em que consiste a verdade objetiva que essa
parate do ponto de vista do materialismo grosseiro, simplista, teoria reflete de modo unilateral e, portanto, deformada; deve-se
metafísico. Ao contrário, do ponto de vista do materialismo saber evidenciar não só as causas sociais e históricas, como
dialético, o idealismo filosófico é o desenvolvimento (inchaço, também as causas psicológicas da popularidade das idéias de
aumento) unilateral, exagerado, Uberschwengliches (Dietzgen) , Freud e mostrar a todos aqueles que ainda hoje não definiram
de um dos pequenos traços, de um dos aspectos, de uma das totalmente sua atitude diante da psicanálise os erros de com¬
facetas do conhecimento em absoluto desligado da matéria, da preensão e as consequências práticas lamentáveis que a difusão
natureza, divinizado. O idealismo é o obscurantismo clerical. dessa doutrina acarreta de maneira inevitável.

62 63
I
§ 27. As atitudes em relação às ideias de Freud na ciên¬ «lo inconsciente) ; o caráter complexo das modificações que
cia russa pré-revolucionária e na ciência soviética acompanham em geral a intervenção psicanalítica, que se torna
evidente quando se tem em conta: a) a ação do fator sugestão
Examinaremos agora os fatores de ordem social, psicoló¬ ÿque vem juntar-se inevitavelmente (de maneira incontrolável!)
gica e clínica que determinaram as atitudes em relação ao a todo procedimento psicanalítico; e b) a influência da dinâ¬
freudismo na Rússia pré-revolucionária, na União Soviética e mica espontânea do distúrbio funcional que se manifesta quase
no estrangeiro, provocando, em certas condições sociais, a acei¬ sempre nos longos meses (e às vezes longos anos) de duração
tação parcial ou até mesmo total dessa doutrina, e, em outras, dos procedimentos psicanalíticos; o prejuízo causado pela psi¬
sua rejeição não menos resoluta. canálise à saúde pública, desviando a atenção das possibili¬
dades reais da medicina e da profilaxia (por estranho que
Na Rússia pré-revolucionária, o freudismo, desde o início,
esbarrou nas tradições (bastante arraigadas na medicina e na pareça, não só naqueles longínquos anos, mas também nos
nossos dias, um número considerável de psicanalistas que pra¬
neurofisiologia russas) da análise experimental e clínica dos
ticam no exterior não tem instrução médica superior) ; a in¬
distúrbios funcionais do sistema nervoso, na influência das
fluência desmoralizante exercida pela promoção do instinto
idéias de Sétchenov, Pavlov, Vedienski, na compreensão do pa¬
ÿsexual à condição de fator social determinante e, consequen¬
pel do fator nervoso sugerida pela teoria do nervismo. Por
temente, pelo incentivo aos estados de espírito doentios na
isso o freudismo não conseguiu exercer séria influência na me¬ interpretação
juventude, nas artes e na literatura decadentes; a
dicina russa, mesmo nos anos de sua maior popularidade. Na
Rússia, antes da Revolução de Outubro, havia apenas alguns
teórica incorreta das manifestações psicológicas e fisiológicas
ÿdo inconsciente, do papel que esse último desempenha na
partidários isolados do método psicanalítico (Ossipov, A.
•conduta normal e patológica e de muitos outros elementos
Feltsman) . Na União Soviética, a psicanálise foi intensamen¬
semelhantes.
te apoiada durante os anos 20 e no início dos anos 30 por I.
Ermakov, V. Kogan e alguns outros, sem ter encontrado, con¬ Quando, em consequência da introdução da teoria psica¬
tudo, repercussão maior nos meios médicos. I. Kannabikh, V. nalítica no domínio da sociologia, sua biologização dos pro¬
Vnukov, V. Konstorum, I. Zalkind fizeram também tentativas blemas sociológicos se tornou flagrante, assim como a concor¬
infrutíferas de conciliação do método psicanalítico com a anᬠdância de muitas de suas teses com a concepção burguesa do
lise materialista-dialética do problema das neuroses. mundo, todas as discussões teóricas dos pesquisadores soviéticos
com os adeptos da psicanálise perderam sentido em razão da
A atitude crítica diante do freudismo, que se formou nos
marcos da psiconeurologia russa, foi engendrada, como o mos¬
divergência total nos pontos de partida. Foi justamente essa
tram os trabalhos correspondentes, não devido a opiniões pre¬
circunstância que constituiu uma das causas da extinção gra¬
dual e, posteriormente, da interrupção total, por longo pe¬
concebidas e superficiais, mas por causa da incompatibilidade,
ríodo, dessas discussões.
inúmeras vezes demonstrada, do método psicanalítico com os
princípios fundamentais da organização das pesquisas cien¬ O período do pós-guerra e, principalmente, os anos 50
tíficas, e pela reduzida eficácia da psicanálise na medicina prᬠestiveram marcados pelo aprofundamento da cisão ideológica
tica. Até hoje não foram esquecidas as inúmeras discussões do freudismo e pela mudança de atitude da concepção psicana¬
que, nos anos 20 e 30, foram dedicadas, na União Soviética, ao lítica em relação às outras correntes da teoria do cérebro: pot
estudo detalhado do freudismo como concepção teórica e clí¬ suas tentativas de aproximação eclética com a doutrina fisio¬
nica. Nessas discussões sublinhavam-se as diferenças existentes lógica de Pavlov, com a teoria das funções da formação reti¬
entre a argumentação psicanalítica e os procedimentos em cular, com as idéias da eletrofisiologia moderna, a cibernética
geral admitidos de demonstração das concepções científicas; o e até mesmo, em alguns casos, com a filosofia do marxismo. Se¬
caráter arbitrário dos dogmas psicanalíticos (por exemplo, a melhantes tendências estão representadas nos trabalhos de J.
ausência de fundamentação experimental com um mínimo de H. Masserman (204), L. Kubie (188) e outros. Essa circuns¬
credibilidade em toda a concepção freudiana do simbolismo tância, assim como a influência estável da concepção psica-

64 65
fj I
nalítica em alguns países, deu, nestes últimos anos, um caráter Austro-Hungria e na Suíça) . Em Salzburgo, realizou-se o pri¬
atual ao problema da luta ideológica contra as últimas varian¬ meiro Congresso Internacional de Psicanálise, e as primeiras
tes do freudismo, sem deixar, ao mesmo tempo, de
complicar revistas psicanalíticas começaram a aparecer. Após a visita de
esse problema e criar inúmeros motivos para discussões filo¬ Freud aos Estados Unidos, em 1909, as idéias psicanalíticas
sóficas e científicas concretas, em razão dos quais, por inicia¬ jjenetram do outro lado do oceano. Após a i Guerra Mundial,
tiva da Academia de Ciências Médicas da urss, a discussão» um período de grande renome se inicia para a psicanálise, e
foi retomada no final dos anos 50. Ela encontrou seu reflexo a influência da doutrina de Freud se propaga no mundo
nas intervenções dos cientistas soviéticos em inúmeros congres¬ inteiro, ultrapassando em muito os limites da própria medicina.
sos internacionais realizados nos últimos anos, assim como na O período dos anos 40 até os dias atuais caracteriza-se por
publicação na imprensa soviética e estrangeira de artigos. tendências contraditórias. De um lado, a psicanálise continua
polémicos. a ser, nos países capitalistas ocidentais, uma das correntes mais
Do lado soviético, destacava-se permanentemente a in¬ importantes, se não predominante, na psicologia, sociologia e
compatibilidade de toda e qualquer nova variante do freudis¬ filosofia. Sua influência se faz sentir cada vez com maior cla¬
mo com a compreensão materialista-dialética e, consequente¬ reza na medicina psicossomática, suas idéias repercutem com
mente, a inconsistência de toda forma de compromisso ideoló¬ vigor nos Congressos Internacionais de Psiquiatria de 1950,
gico com a tendência psicanalítica. Além disso, insistia-se na 1961 e 1966, no Congresso de Estética de I960, no' Congresso de
necessidade de elaborar de maneira permanente as questões da Psicoterapia de Londres, em 1964, e em inúmeras outras assem-
teoria das formas não-conscientes do psiquismo e da ativi-- bléias internacionais. O freudismo busca o reconhecimento até
dade nervosa superior a partir de posições clínicas e experi¬ mesmo dos meios católicos*, influi amplamente na literatura,
mentais adequadas. na arte e no cinema. De outro lado, pouco a pouco, mas de ma¬
neira irresistível, cresce a onda de críticas à concepção psica¬
nalítica .
§ 28. As atitudes contraditórias em relação à psicanálise
no estrangeiro * Uma reunião de personalidades católicas de alto nível, em 1965, no
Vaticano, abordou o tema da atitude a adotar diante das idéias
Como foram acolhidas as idéias de Freud no estrangeiro? de Freud, em relação com a tentativa empreendida pelo Bispo
Gregório para legalizar o emprego da psicanálise nos conventos.
Aqui o quadro é bem mais complexo e contraditório. Durante essa discussão, assinalou-se que "a psicanálise é uma ciên¬
Após curta colaboração com Breuer, Freud elaborou du¬ cia digna desse nome. A descoberta de Freud é genial, da mesma
forma que a de Copérnico ou de Darwin [repetição da
formulação
rante vários anos sua teoria no mais completo isolamento. É feita no Congresso Psicoterapêutico de Londres em 1964
não, deve-se levá-la em consideração,
— F. В.].
pois o incons¬
apenas após 1900 que aparece ao público a repercussão de Queiramos ou
suas idéias. A partir de 1903, começam a se agrupar em torno ciente habita em cada um de nós, condicionando todas as ativi-
[...].
dades humanas, culturais, políticas, económicas, religiosas
dele os primeiros discípulos, dentre os quais os mais eminentes O dogmatismo anticristão de alguns analistas conduziu a Igreja
tempo
eram Adler e Jung. A seguir, a teoria da psicanálise, por um a adotar posições que fazem lembrar o caso Galilei [...]. É
lado, esbarrou na atitude negativa duradoura de psicopatolo- de passar ao diálogo [...]" (192).
Levando em conta a alta autoridade do Vaticano junto às
gistas eminentes [Korsakov (72) , Kraepelin, Wagner von amplas massas de católicos, seria falso subestimar a provável resso¬
regg, Grúhle, Mayer-Gross, Kronfeld], que destacavam a in¬
Jau- nância de tais declarações. Ao mesmo tempo, é necessário dar aten¬
ção a um argumento que forçou o pensamento católico a se voltar
compatibilidade da metodologia do freudismo com os prin¬ para o freudismo. Esse argumento fundamental é a idéia de que
cípios fundamentais de uma compreensão científica, e de é apenas na via da psicanálise que se pode abordar o problema
Jas¬
pers, que dirigia sua atenção para a ligação entre as idéias do do "inconsciente". Falaremos adiante, mais de uma vez, da exten¬
freudismo e a filosofia voluntarista de Nietzsche; por outro são que adquiriu esse erro típico. Pode-se igualmente julgar a
atração singular que o freudismo exerce sobre a filosofia católica
lado, a popularidade das idéias de Freud aumentou tanto que
a partir de inúmeras obras de psicólogos tomistas como Adler,
se viu surgirem as primeiras sociedades psicanalíticas (na Brennan e outros (100, 120, 126, 136).

66 67
A crítica do freudismo assume formas extremamente va¬
riadas.Às vezes, reveste-se de um caráter limitado, apelando Numerosas são as obras literárias e artísticas em que as incur¬
não tanto para a rejeição da tendência psicanalítica, mas para sões psicanalíticas são consideradas as únicas capazes de lançar
o compromisso com ela, para a aceitação de suas teses (prin¬ luz sobre a real psicologia humana. Nestes últimos anos, pes¬
.
cipalmente sua teoria do inconsciente) Por vezes, essa crítica quisadores eminentes como W. G Penfield, um dos maiores
é muito mais intransigente e faz da sua tónica, que conhece¬ neurocirurgiões e neurofisiologistas do Canadá, Bertrand
mos bem, a inconsistência científica e metodológica da psica¬ Russel, líder reconhecido da filosofia moderna do positivismo
nálise, sua ineficácia terapêutica e as consequências indesejᬠlógico, matemático de talento e personalidade política pro¬
veis do seu emprego na sociologia. Essa última tendência, que gressista, assim como alguns dos neurologistas conhecidos da
surgiu no estrangeiro há várias dezenas de anos, foi represen¬ índia, pronunciaram-se a favor da necessidade de um "acordo
tada mais tarde não só nos trabalhos já mencionados de Wells
parcial e seletivo" com Freud. Mesmo O'Connor crítico tão
(261, 262), Michalova (207), Dimitrov (135), Mette (206), rigoroso do freudismo em outros aspectos, estima ser útil des¬
mas também nas monografias de Miiller-Hegemann (212),
tacar dessa concepção alguns pontos que seriam de valor se
Furst (161) , Wortis (273) e nas pesquisas de Võlgyesi (258,
fosse possível, como ele diz, liberá-los da "bruma mística" com
259) , Farrel (144) e outros.
que estão cercados pelos teóricos da psicanálise. E na Confe¬
rência de 1957 em Fribourg-en-Brisgau (rfa) , dedicada es¬
§ 29 O argumento principal dos partidários de um pecialmente ao problema das relações entre a psicanálise e a
compromisso com Freud doutrina pavloviana (205) , o compromisso de uma atitude
sintética foi encarado como justificado nas intervenções de
Tais são os fatos e os textos que mostram claramente o alguns cientistas: Sailer, o presidente da Conferência; Mikorey,
clima muito complexo, diversificado e contraditório existente que afirmou que a psicanálise é tão necessária na clínica das
em relação às idéias de Freud, até hoje, no Ocidente. Exami¬ neuroses como a doutrina pavloviana da inibição na clínica
naremos agora a que se reduzem os pontos de vista, os argu¬ das afecções mentais orgânicas; Tairich, que se esforçou por
mentos e as tendências teóricas daqueles que sustentam umas associar os princípios da terapêutica psicanalítica à teoria do
ou outras posições discordantes. segundo sistema de sinalização. Mesmo Scheinert, que sustenta
com convicção as posições do freudismo, sublinhou ser ne¬
Em primeiro lugar, examinaremos os pontos de vista dos
pesquisadores que, sem aceitar o freudismo como sistema filo- cessário evitar colocar a questão como alternativa, o que seria
sófico-psicológico acabado, estimam, ao mesmo tempo, que menos produtivo.
ele contém um núcleo teórico racional e que seus elementos Declarações semelhantes foram feitas igualmente no Con¬
positivos podem estar ligados, sem contradição, a outras teo¬ gresso da Medicina Psicossomática de Vittel, em 1960 (232)
,
rias que esclareçam de maneira melhor o trabalho do cm inúmeras assembléias internacionais dos últimos anos e
cérebro
e da consciência. Tal apreciação eclética da concepção
psica¬ numa quantidade imensa de trabalhos de tendências clínicas,
nalítica é muito difundida no estrangeiro. psicológicas ou cibernéticas.
Por exemplo, no livro de N Wiener Cibernética e Socie¬ Como definir de forma geral as causas que levam, em
dade (263) , o freudismo é caracterizado como uma corrente todos esse casos, à busca de um compromisso com o freudismo,
da qual se podem aceitar algumas conclusões, na medida em à defesa da combinação da psicanálise com outras teorias? O
que estão de acordo com as idéias da física moderna. Nos argumento central, que é apresentado em diversas variantes,
EUA, na França e em outros países capitalistas ocidentais, consiste em que o método de Freud seria o único caminho de
alguns dos princípios da psicanálise são considerados pela que dispomos para descobrir a natureza dos movimentos ocul¬
corrente médica psicossomática como dignos de serem aceitos, tos da alma e das formas não-conscientes da atividade cere¬
uma vez que estariam indissoluvelmente ligados às bases teó¬ bral complexa, eis a razão por que, não obstante suas defi¬
ricas de importantes tendências da medicina terapêutica (122) . ciências e as dificuldades teóricas a que conduz, não se deve
rejeitá-lo inteiramente.
68
69
Tal é a posição dos críticos, que, ao mesmo tempo, são mente as hipóteses de trabalho. Freud, infringindo essa ten¬
partidários de um compromisso com a psicanálise, mesmo que dência fundamental, utilizou de modo ilegítimo o raciocínio
ao preço de uma solução eclética. A outra corrente crítica, como |x>r analogia, apoiando-se nele para tentar demonstrar não
já destacamos, tem caráter muito mais consequente. só a idéia da significação sexual oculta dos sonhos, mas tam
bém inúmeras outras teses da psicanálise.
Consequentemente, Freud, desde o início, travou de modo
§ 30 Os argumentos da crítica estrangeira à teoria da considerável (se é que não impediu totalmente) toda possi¬
psicanálise bilidade de um exame rigoroso das concepções por ele
apresentadas.
Na Inglaterra e nos eua, verificava-se uma oposição ao Nos últimos anos, a crítica do freudismo no estrangeiro
entusiasmo pelo freudismo, já na década de 30, nos trabalhos começou, em inúmeros casos, a contestar a importância desse
de Kodwell, Bartlett e outros. Já esses autores chamavam a método em sua aplicação à psicoterapia. Nesse plano, os tra¬
atenção para o anti-historicismo característico das teorias de balhos nos quais era discutido o valor terapêutico da psica¬
Freud, que obriga a evocar as concepções semi-esquecidas de nálise com base no estudo de contingentes clínicos maiores
Hobbes e Rousseau, segundo as quais o psiquismo humano representam um interesse particular A pesquisa de O'Connor,
seria, em grande parte, um conjunto de inclinações inatas, publicada em 1953, está incluída entre os trabalhos desse tipo.
pouco dependentes das condições sociais. Esses autores desta Seus resultados colocam os defensores do freudismo em situa¬
caram também a paradoxal ausência, nos trabalhos de Freud, ção difícil. Segundo os dados da literatura psicanalítica, o nú¬
do método geralmente aceito pela ciência moderna de demons¬ mero de curas totais ou parciais, após a aplicação da técnica
tração das teses apresentadas a substituição freqiiente da psicanalítica, atinge cerca de 60% Esse número respeitável
argumentação lógica, experimental e estatística por racio¬ adquire, entretanto, aspecto totalmente diferente quando se
cínios em que a metáfora e a analogia substituem a dedução. consideram os resultados do exame catamnéstico das neuroses
A propósito, num simpósio, os críticos franceses de Freud obser¬ após diversos tipos de terapia e mesmo sem nenhum tratamento.
varam com humor que, desde os tempos de Galileu, tal estilo Segundo os dados de Miles e outros, mencionados por
de raciocínio não era mais encontrado na ciência européia, O'Connor, a generalização de 30 exames catamnésticos desse
sendo, ao contrário, muito característico da filosofia da natu¬
tipo mostrou que o número de curas de distúrbios funcionais
reza na Antiguidade, de maneira geral, e dos trabalhos de
atinge em média 66%, sendo que (e isto é o mais interessante)
Aristóteles, em particular Como exemplo desse método de no grupo dos doentes não-submetidos a tratamento é um pouco
desenvolvimento do pensamento, cita-se seguidamente um ele¬ mais alto que no grupo dos que haviam sido tratados pela
mento importante da teoria psicanalítica, a teoria do sim¬
bolismo sexual dos sonhos, baseada nas semelhanças puramente
psicanálise. Essas cifras mostram de maneira convincente que
os resultados favoráveis observados no tratamento psicanalí¬
exteriores existentes com frequência entre objetos sem qual¬ tico se explicam, aparentemente, por uma cura espontânea,
quer relação com a vida sexual e os componentes das emoções por uma mudança das condições sociais, pelos elementos de
sexuais.
sugestão que inevitavelmente penetram no processo de apli¬
É em analogias semelhantes que se apoiam a hipótese de cação do método psicanalítico e por outros fatores diversos,
Freud sobre a existência de um "instinto de morte" como estranhos a esse método. Contudo, qualquer ligação entre as
tendência autónoma do comportamento e muitas outras cons¬ >curas e a essência da ação psicanalítica permanece sempre
truções teóricas. muito discutível.
A respeito do modo de demonstração, Wells destaca justa¬ Por isso, não surpreende que em 1949, Rémy, um psica¬
mente que, à medida que o pensamento científico amadurecia nalista eminente, tenha reconhecido que a terapêutica psica¬
no decorrer da história, o papel do raciocínio por analogia nalítica se havia transformado em técnica indeterminada, apli¬
hmitava-se progressivamente, até que ficou reduzido à única cável à solução de problemas heterogéneos e com resultados
função que lhe pertence legitimamente a de delinear previa- imprevisíveis.

70 71
! remos preencher essa lacuna, pois, caso contrário, poderão
I Baruk vê o perigo da psicanálise também no fato de que
ela frequentemente liga a génese da neurose às particularida¬
des da vida familiar do doente, pelo que, às vezes, chega a des¬
truir essa vida. Em seu conjunto, a concepção psicanalítica é,
acusar-nos de manter silêncio sobre questões particularmente
difíceis de serem discutidas.
Anteriormente, assinalamos repetidas vezes que a crítica
segundo Baruk, muito mais uma religião do que uma ciência, da psicanálise deixa com frequência transparecer confusão e
uma religião com seus dogmas, seus ritos e, principalmente, seu perde seu tom resoluto assim que surge o problema da atitude
sistema original de interpretações incontroláveis (grifos do a adotar diante da questão teórica central de toda a concepção
autor) . criada por Freud, diante do problema do inconsciente. Aí apa¬
recem as hesitações de parte mesmo daqueles que vêem clara¬
Portanto, não surpreende que, quando todas essas idéias têm uma
mente os aspectos débeis da doutrina psicanalítica e
de Henri Baruk (seu J'accuse, segundo a Nouvelles Littéraires razão desse
de 04-09-65) foram publicadas, tenham provocado não apreciação negativa em relação a essa. Qual a
apenas recuo? Agora, quando muitos anos decorreram desde o apa¬
uma reação dolorosa dos psicanalistas, mas também conside¬ tendências, podemos explicá-la com bastante
recimento dessas
rável repercussão nos mais amplos círculos da opinião públi¬
certeza.
ca francesa. Quanto a nós, preferimos não fazer
qualquer co¬ Certamente, não se trata de que a teoria do inconsciente
mentário. Basta-nos assinalar o quanto essas idéias estão pró¬ razão, das defi¬
ximas de nossa própria posição diante dos aspectos metodo¬ proposta por Freud esteja isenta, por alguma
ciências inerentes aos outros elementos da sua concepção. Tal
lógicos e sociais da psicanálise. E o fato de repetirem os argu¬ relação à ligação
mentos críticos que repercutiram nas publicações soviéticas explicação seria artificial e contraditória em
todo incontestavelmente lógico a obra
há dezenas de anos confere-lhes apenas um peso ainda maior orgânica que une em um
e mostra que, na discussão desse complexo problema, são nu¬ de Freud. A hesitação em rejeitar a representação psicanalítica
merosos os que se aproximam, independentemente uns dos do inconsciente provém principalmente do fato de que, segun¬
outros, de conclusões definitivas mais ou menos
do a opinião de muitos, não existe outra análise desse com¬
concordantes. plexo problema, pois durante os anos em que, a partir das
posições da psicologia materialista-dialética e da teoria da ati-
vidade nervosa superior, a idéia do inconsciente era elaborada
§ 32 . O que há de positivo no sistema de idéias de Freud de maneira inadequada, o freudismo adquiriu a reputação de
ser a única via segundo a qual se poderiam descobrir os meca¬
Encerramos o parágrafo anterior expressando nossa con¬
nismos da atividade psíquica, cujo sujeito não tem consciência.
cordância com as declarações de H. Baruk sobre os aspectos
É justamente essa idéia que aparece em primeiro lugar, como
metodológicos e sociais do problema da psicanálise. Entretan¬
to, será que essas declarações esgotam completamente o
já o destacamos, quando se explica uma atitude favorável
pro¬ diante do freudismo manifestada pelos clínicos e os partidáiios
blema? A essa questão respondemos (talvez para a surpresa
de nossos opositores psicanalistas) de maneira negativa. Apó« da corrente cibernética que mencionamos acima.
haver elucidado de maneira adequada e rigorosa o método e as Entretanto, seria simplificar as coisas pensar que os moti¬
vos daqueles que buscam um compromisso com a psicanálise se
consequências sociais da psicanálise, Baruk, talvez intencional¬
mente, não se deteve em seu aspecto propriamente psicológico esgotam com esse fato particular da história do desenvolvimen¬
to das idéias. A realidade é muito mais complexa e tem causas
(isto é, na sua atitude frente ao problema do inconsciente no
teóricas mais profundas.
sentido estrito e teórico da palavra). Por essa razão, à luz de suas
apreciações insuficientemente completas, um fato permanece in¬ Na história da ciência, não são poucos os casos em que,
compreensível: que é que concede à psicanálise, não obstante os partindo de falsos postulados e utilizando métodos inadequa¬
defeitos evidentes dessa doutrina, uma popularidade que leva dos, chega-se, contudo, a representações aproximadamente
corretas para um número reduzido de fatos. A história da
amplos círculos de seres pensantes em numerosos países a
ouvir, durante decénios, seus paradoxos com interesse? Tenta- medicina popular fornece a esse respeito uma série de exem-

77

! remos preencher essa lacuna, pois, caso contrário, poderão
I Baruk vê o perigo da psicanálise também no fato de que
ela frequentemente liga a génese da neurose às particularida¬
des da vida familiar do doente, pelo que, às vezes, chega a des¬
truir essa vida. Em seu conjunto, a concepção psicanalítica é,
acusar-nos de manter silêncio sobre questões particularmente
difíceis de serem discutidas.
Anteriormente, assinalamos repetidas vezes que a crítica
segundo Baruk, muito mais uma religião do que uma ciência, da psicanálise deixa com frequência transparecer confusão e
uma religião com seus dogmas, seus ritos e, principalmente, seu perde seu tom resoluto assim que surge o problema da atitude
sistema original de interpretações incontroláveis (grifos do a adotar diante da questão teórica central de toda a concepção
autor) . criada por Freud, diante do problema do inconsciente. Aí apa¬
recem as hesitações de parte mesmo daqueles que vêem clara¬
Portanto, não surpreende que, quando todas essas idéias têm uma
mente os aspectos débeis da doutrina psicanalítica e
de Henri Baruk (seu J'accuse, segundo a Nouvelles Littéraires razão desse
de 04-09-65) foram publicadas, tenham provocado não apreciação negativa em relação a essa. Qual a
apenas recuo? Agora, quando muitos anos decorreram desde o apa¬
uma reação dolorosa dos psicanalistas, mas também conside¬ tendências, podemos explicá-la com bastante
recimento dessas
rável repercussão nos mais amplos círculos da opinião públi¬
certeza.
ca francesa. Quanto a nós, preferimos não fazer
qualquer co¬ Certamente, não se trata de que a teoria do inconsciente
mentário. Basta-nos assinalar o quanto essas idéias estão pró¬ razão, das defi¬
ximas de nossa própria posição diante dos aspectos metodo¬ proposta por Freud esteja isenta, por alguma
ciências inerentes aos outros elementos da sua concepção. Tal
lógicos e sociais da psicanálise. E o fato de repetirem os argu¬ relação à ligação
mentos críticos que repercutiram nas publicações soviéticas explicação seria artificial e contraditória em
todo incontestavelmente lógico a obra
há dezenas de anos confere-lhes apenas um peso ainda maior orgânica que une em um
e mostra que, na discussão desse complexo problema, são nu¬ de Freud. A hesitação em rejeitar a representação psicanalítica
merosos os que se aproximam, independentemente uns dos do inconsciente provém principalmente do fato de que, segun¬
outros, de conclusões definitivas mais ou menos
do a opinião de muitos, não existe outra análise desse com¬
concordantes. plexo problema, pois durante os anos em que, a partir das
posições da psicologia materialista-dialética e da teoria da ati-
vidade nervosa superior, a idéia do inconsciente era elaborada
§ 32 . O que há de positivo no sistema de idéias de Freud de maneira inadequada, o freudismo adquiriu a reputação de
ser a única via segundo a qual se poderiam descobrir os meca¬
Encerramos o parágrafo anterior expressando nossa con¬
nismos da atividade psíquica, cujo sujeito não tem consciência.
cordância com as declarações de H. Baruk sobre os aspectos
É justamente essa idéia que aparece em primeiro lugar, como
metodológicos e sociais do problema da psicanálise. Entretan¬
to, será que essas declarações esgotam completamente o
já o destacamos, quando se explica uma atitude favorável
pro¬ diante do freudismo manifestada pelos clínicos e os partidáiios
blema? A essa questão respondemos (talvez para a surpresa
de nossos opositores psicanalistas) de maneira negativa. Apó« da corrente cibernética que mencionamos acima.
haver elucidado de maneira adequada e rigorosa o método e as Entretanto, seria simplificar as coisas pensar que os moti¬
vos daqueles que buscam um compromisso com a psicanálise se
consequências sociais da psicanálise, Baruk, talvez intencional¬
mente, não se deteve em seu aspecto propriamente psicológico esgotam com esse fato particular da história do desenvolvimen¬
to das idéias. A realidade é muito mais complexa e tem causas
(isto é, na sua atitude frente ao problema do inconsciente no
teóricas mais profundas.
sentido estrito e teórico da palavra). Por essa razão, à luz de suas
apreciações insuficientemente completas, um fato permanece in¬ Na história da ciência, não são poucos os casos em que,
compreensível: que é que concede à psicanálise, não obstante os partindo de falsos postulados e utilizando métodos inadequa¬
defeitos evidentes dessa doutrina, uma popularidade que leva dos, chega-se, contudo, a representações aproximadamente
corretas para um número reduzido de fatos. A história da
amplos círculos de seres pensantes em numerosos países a
ouvir, durante decénios, seus paradoxos com interesse? Tenta- medicina popular fornece a esse respeito uma série de exem-

77

I pios clarose convincentes. E algo parecido foi o que ocorreu
com o freudismo*.
Antes de mais nada, é necessário ter em vista seu princípio da
"cura pela tomada de consciência" (o princípio da supressão
Afirma-se com frequência que Freud teria sido o pri¬ da influência patogênica dos elementos do psiquismo disso¬
meiro a indicar o inconsciente como fator que influi sobre a ciados, divididos, ou, na linguagem específica do freudismo,
conduta, e que desempenharia grande papel na organização da reprimidos pela inclusão desses últimos no sistema de impres¬
atividade mental, mas esse mérito não pertence a Freud. O que sões apreendidas pela consciência) , cuja importância Pavlov
foi dito no capítulo precedente sobre a história das represen¬ sublinhou claramente (ver a nota da p. 78) . Ao aceitar esse
tações do inconsciente no período anterior ao aparecimento princípio, estamos admitindo a existência de elementos disso¬
da psicanálise é amplamente suficiente para revelar o erro ciados desse tipo, assim como a possibilidade da sua ação pato¬
radical dessa maneira de pensar. Tal concepção é errónea não gênica na atividade mental consciente*.
só porque a noção do inconsciente é muito mais antiga
que a Mais adiante, responderemos detalhadamente a essas te¬
psicanálise**, mas também porque a doutrina de Freud não é,
de maneira alguma, como já dissemos, uma teoria geral do ses importantes (e, principalmente, à questão de saber sob qual
disso¬
inconsciente. Freud, sem dúvida intencionalmente, não abor¬ forma psicológica é necessário representar os elementos que a
ciados) . Por enquanto, gostaríamos apenas de precisar
dou grande número de questões importantes relacionadas com
essa teoria. realidade desses pontos "isolados" (isto é, portadores de emo¬
é, que
ções "divididas") , que "agem insidiosamente" (isto
Entretanto, não há dúvida de que, em relação a alguns escapam ao controle da consciência) "e sobre os quais não
pontos, Freud chegou a aprofundar bastante a
representação há qualquer controle" (isto é, exercem uma ação desorgani-
do inconsciente em comparação àquela que era zadora e patogênica contra a qual é difícil lutar) e "que devem
defendida por
Munsterberg, Prince, Ribot, Harte e até mesmo Janet e outros. ser transferidos para a consciência" para "colocá-los em
ordem",
Ele descreveu o papel desses
era bem conhecida de Pavlov.
"pontos", o que era inteiramente natural, nos termos que
* Essa circunstância foi assinalada por Pavlov com grande perspi¬
caracterizavam a neurofisiologia do início do século. Via nesses
cácia. É amplamente sabido que o sistema da terapêutica psica¬ disso¬
nalítica concede grande importância à tomada de
consciência pelo "pontos isolados" o substrato material de uma emoção
doente de suas tendências reprimidas e que, por essa razão, ciada e a "passagem para a consciência" como o estabelecimen¬
se
tornaram patogênicas. Eis o que diz Pavlov a respeito desse prin¬
to de uma conexão entre essas zonas funcionalmente
delimi-
cípio fundamental do método terapêutico de
Freud: "Quando um
ponto reprimido está profundamente oculto,
é necessário colo¬
cá-lo em conexão com os demais hemisférios. Isso é,
uma coisa positiva, é o mérito de Freud, e o restantecertamente,
não passa
de tolices e de coisas nocivas. Isso é claro, é um fato
real. Entre¬ que o prin¬
tanto, esses pontos isolados que existem e agem dissimuladamente, Na literatura psicanalítica, frequentemente, pode-se 1er
pela tomada de consciência é central para todo o
e que estão fora de qualquer controle, devem ser
transferidos para cípio da cura
esse princípio,
a consciência, isto é, é necessário colocá-los em
conexão com os sistema teórico criado por Freud e que, ao admitir conjunto.
hemisférios e então, a partir do momento em que esses funcio¬ reconhecemos, assim, todo o sistema psicanalítico em seu
Evidentemente, isso não é assim. Não obstante toda a sua
nem normalmente, estabelecerão a ordem também lá. impor¬
Assim, isso da cura pela tomada de cons¬
está inteiramente claro" (66). tância, o reconhecimento do fato
Esta importante declaração de Pavlov foi citada inúmeras ve¬ da interpretação
ciência não significa nem o reconhecimento metodologia geral
zes em nossa literatura [I. Kurtsin (47), I. Volpert (24) e outros]. concreta desse fato pela psicanálise, nem da suas
Algumas considerações a respeito são expostas
adiante. dessa última, nem das suas noções de trabalho, nem das
"ÿ conclusões. Certamente, é assim que se devem entender as pala¬
* A respeito disso, é interessante lembrar as palavras pronunciadas como um
vras de I. Volpert, quando diz: "É necessário reconhecerBassin]
no ICongresso de Medicina Psicossomática de Língua do
(Vittel, 1960) por Jean Delay. Sublinhava ele que a
Francesa mérito de Freud sua descoberta empírica [grifo de F.
idéia de que fato da ação terapêutica que possui, em certos casos, a
tomada
o conhecimento da psicologia consciente tem sua
chave na região
do inconsciente foi emitida por Carus 10 anos antes do de consciência pelo doente da fonte da sua síndrome neurótica —
fobia, obsessão, etc." (24). Adiante, voltaremos a uma discussão
mento de Freud (232) . nasci¬
mais detalhada dessa questão.

78 79
f

teoria da localização funcional, que insiste na participação em vista quando destacava como traço característico do idealis¬
extremamente ampla (senão global) do cérebro (o papel de suas mo filosófico "o desenvolvimento (inchaço, aumento) unila¬
diferentes partes, evidentemente, permanecendo diferenciado) .
teral, exagerado [. .] de um dos pequenos traços, de um dos
na realização do ato de adaptação, mesmo o mais simples e, mais aspectos, de uma das facetas do conhecimento em absoluto
ainda, na realização de uma experiência mental um tanto desligado da matéria, da natureza, divinizado" (50) .
complexa, assim como na conexão estreita da consciência com
os sistemas neurônicos não somente hemisféricos, mas também
Com efeito, quando Freud, falando da "repressão", intro¬
reticulares do tronco cerebral, não devemos, é claro, tomar ao duz a representação de um antagonismo entre as experiências
pé da letra essa interpretação neurofisiológica feita por Pavlov vividas reprimidas e a consciência como tipo fundamental de
durante uma de suas consultas clínicas. Ela aparece hoje não relações existentes entre a consciência e o inconsciente, encon-
tramo-nos diante de um exemplo típico de interpretação
ina¬
como a indicação de uma delimitação territorial rigorosa das
estruturas morfológicas, das quais umas constituem o subs¬ dequada (devido à unilateralidade indicada) do quadro real
trato das formas dissociadas e as outras, o substrato das formas por parte da concepção idealista. Nós nos esforçaremos por
conscientes da atividade mental, mas antes como um esquema mostrar que é exatamente essa unilateralidade da concepção
de princípio que reflete as relações funcionais dos elementos psicanalítica da repressão que, em muito, impediu Freud de
nervosos à base dessas formas da atividade. Em todo caso, colocar corretamente todos os grandes problemas por ele
quando Pavlov falava, em relação a Freud, do "mérito", "de levantados.
alguma coisa positiva", do "fato real", aparentemente tinha E quando, por fim, foi formulado o princípio terapêutico
em vista, antes de tudo, esse esquema funcional geral, essa
'fundamental da eliminação da patogênese da repressão pela
lógica das relações. Isso é evidente, nem que seja pelo fato tomada de consciência em relação a ela, Freud permanece fun¬
de que as noções empregadas por Freud para formular a mesma
damentalmente nos marcos da psicologia popular da vida
idéia estão completamente privadas de toda nuança neurofi¬ •cotidiana, que está longe de utilizar noções científicas. O siste¬
siológica e extremamente longe de revelar o trabalho das for¬ ma da psicanálise não dá qualquer explicação teórica do que
mações cerebrais concretas.
chama "tomada de consciência" da experiência mental "re¬
primida". Ora, como veremos mais adiante, a tomada de cons¬
ciência, ao desencadear um efeito terapêutico, não é absoluta¬
§ 33. Os dois defeitos essenciais da análise psicanalítica mente equivalente à simples introdução na consciência de in¬
do problema do "inconsciente" formação sobre o acontecimento "reprimido". Antes, significa
a inclusão de uma representação do acontecimento no sistema
Não se deve reprovar Freud por haver acompanhado e
de uma atitude pré-formada, ou cria ela mesma tal atitude,
descrito as manifestações de desintegração do funcionamento
do cérebro através de categorias de ordem puramente psico¬ provocando assim, como consequência secundária, uma mu¬
lógica. Esse procedimento, do qual a psicopatologia se utiliza dança nas relações do doente com o mundo que o cerca. É
somente em tais condições que a tomada de consciência se
até hoje (talvez até com maior frequência que antes, em relação
à tendência à simulação dos processos estudados) , é, numa mostra apta a eliminar a patogênese de uma idéia inaceitável,
determinada etapa do desenvolvimento das representações, e esse quadro reflete, aparentemente, uma lei muito geral que
tão legítimo quanto a tentativa de acompanhar esses mesmos permanece válida não somente para os conteúdos psicológicos
fenómenos no plano neurofisiológico à medida que se acumu¬ reprimidos, mas também para as experiências vividas trauma¬
lam os dados objetivos. Entretanto, deve-se e pode-se dirigir tizantes, claramente apreendidas pela consciência, influindo na
contra Freud outra crítica importante. As interpretações de saúde mental e somática de maneira às vezes ainda mais des¬
Freud apresentavam invariavelmente o defeito que Lênin tinha trutiva, se bem que não tenham sido submetidas previamente

SO 81
a qualquer repressão no sentido conferido a esse termo pela1 Nossa tarefa consiste em mostrar que semelhante posição
psicanálise*. é inadequada e em entender a que conclusões concretas conduz
Contudo, não é o momento de examinar profundamente rigorosa dos fenómenos psicológicos e psicopatológi-
a análise rigorosa
questões tão complexas relativas à teoria da atitude. Nós o cos importantes, que Freud passou a examinar há mais de
faremos mais adiante. Por ora, o que interessa é estabelecer meio século.
que a análise clínica do problema do inconsciente feita por
Freud apresentava realmente traços positivos. Consistiam em!
que Freud esclareceu relações reais e problemas importantes». § 34. O desenvolvimento da tendência psicossomática na
Entretanto, ele não soube dar a essas relações e a esses proble¬ medicina
mas caráter científico e objetivo. Essa a razão pela qual os-
elementos positivos da concepção psicanalítica não decorrem, Antes de passar à parte construtiva da nossa exposição,
por paradoxal que pareça, nem de seus postulados, nem dos
métodos utilizados em sua elaboração. Podem-se considerar acompanharemos criticamente mais uma tendência que se ba¬
esses elementos positivos como o resultado do fino espírito de-
seia na concepção psicanalítica do inconsciente. Trata-se da
teoria da medicina psicossomática moderna, que ilustra de
observação, da intuição aguda e da coerência do pensamento-
de Freud como clínico, mas jamais como o resultado da apli¬ modo brilhante a aplicação das noções e dos métodos da psi¬
canálise na patologia clínica. Recordaremos alguns fatos que
cação de noções e de procedimentos de interpretações espe¬
cíficas recomendadas por ele. É necessário inclusive dizer com dizem respeito à história da corrente psicossomática, para nos
mais firmeza: quanto mais Freud se aprofundava na análise determos em seguida nos argumentos apresentados pelos par¬
teórica e na interpretação dos fatos que havia observado, mais tidários dessa corrente e nas contra-argumentações que é pos¬
obscuro se tornava o sentido desses últimos e mais difícil sua sível formular.
explicação correta. A corrente psicossomática apareceu num quadro de crise
A realidade dos fatos observados por Freud foi, como se da medicina da Europa Ocidental no início do século xx,
sabe, amplamente utilizada por ele mesmo e por seus adeptos causada pela necessidade de explicar o papel desempenhado
a fim de sustentar e fundamentar suas ideias psicológicas e no processo mórbido pelo sistema nervoso e o organismo como
filosóficas gerais. Do ponto de vista da lógica e da polémica,. um todo. A teoria virchowiana da patologia celular, que im¬
esse procedimento era injustificado e inaceitável. Mas deso¬ pediu a colocação desse problema num período anterior, já
rientou alguns dos críticos da corrente psicanalítica e os obri¬ havia perdido muito da sua autoridade nesse período. A com¬
gou, nas discussões, a pender para um compromisso. preensão do problema da unidade do organismo, tendo como
base os princípios pavlovianos do nervismo, permanecia pouco
conhecida e metodologicamente estranha para o pensamento
* A esse respeito, é interessante a declaração de R. Desoille. Assinala- clínico da Europa Ocidental. Foi no bojo da crise assim criada,
ele que, quando Freud estima que a tomada de consciência pelo na busca de uma solução para o problema da unidade do or¬
sujeito da natureza dos conflitos responsáveis pelo aparecimento-
de sintomas é suficiente para que esses últimos desapareçam,.
ganismo, solução que estivesse de acordo com as concepções
entra, aparentemente, em contradição com ele mesmo, pois, pratica¬ filosóficas então em voga, que surgiu a medicina psicossomáti¬
mente, é obrigado a proceder a uma reeducação (132) . Esse pro¬ ca, a qual deveria tornar-se, nos anos seguintes, uma das prin¬
blema da reeducação (como condição prévia da eficácia terapêu¬ cipais correntes da teoria médica geral de tendência idealista.
tica da psicanálise dirigida para o fortalecimento da chamada
"força do Eu") foi levantado pelos psicanalistas e por muitos Ligando ao início do. século o surgimento da corrente
outros (o próprio Freud e, mais tarde, Nunberg, Ferenczi, Anna psicossomática, admitimos conscientemente certa ampliação
Freud, Nacht, Dris e Lõwenstein, Balint e outros) . Recentemente, de sua acepção, pois o termo psicossomático, para designar uma
Haynal publicou interessante resenha sobre o tema (Evol. Psychiatr.,
1967, 32, 3, pp. 617-638). Entretanto, é fácil mostrar a que ponto
postura determinada de análise dos fenómenos clínicos, encon¬
essa tendência do pensamento é logicamente heterogénea em rela¬ trou difusão na literatura somente nos anos 30. Entretanto, as
ção ao sistema geral de construções psicanalíticas (ver F. Bassin, premissas teóricas dessa orientação e suas primeiras mani¬
Sobre a "Força do Eu" e a "Defesa Psicológica". Teses dos informes festações podem ser acompanhadas em trabalhos muito
ao III Congresso Pansoviético de Psicólogos, Kiev, 1968) . anteriores.
82 83
'
Em sua forma geral, a idéia de que os processos somáticos abundante que se transforma, em alguns países, em um dos
dependem de fatores de ordem psíquica e nervosa é encontra¬ ramos importantes da informação médica geral. Lembramos
da em trabalhos de médicos do século xvin, como W Cullen. que o segundo órgão periódico a difundir as idéias psicosso¬
Entretanto, esse nervismo precoce e original permanece, até máticas, o Journal of Psychosomatic Research, começou a sair
os primeiros decénios do século xix, uma orientação pura¬ em Londres em 1956. O terceiro, a Revue de Médecine Psycho¬
mente declaratória do pensamento, que tem com a medicina
somatique, passou a ser publicado em Paris a partir de 1959.
psicossomática posterior e, mais ainda, com as concepções de Trabalhos de tendência psicossomática são também publica¬
Botkin e Pavlov, uma relação puramente formal. Podem-se
considerar como precursores distantes da concepção psicosso¬ dos em inúmeras outras edições periódicas. Como resultado da
mática J Heinroth (169) que, em seus trabalhos, foi sem rápida propagação dessas idéias, pode-se falar, no momento
dúvida o primeiro a empregar o termo "psicossomático", em atual, da existência de uma tendência psicossomática em inú¬
1818, e K. Jacobi (175) , que em 1822 falou da medicina "so- meros domínios especializados da medicina.
matopsíquica" Nos primeiros decénios do nosso século, íniciou-
se no Ocidente a publicação de grande número de pesquisas
tratando sob diversos aspectos do problema da ligação entre § 35. Os objetivos e as principais teses da medicina
os distúrbios somáticos e afetivos e preparando, assim, o ter¬ psicossomática
reno para uma revisão das concepções localistas na patologia*
A ampla difusão das representações propriamente psicossomᬠEm que se resumem, pois, as idéias fundamentais da ten¬
ticas teve início em 1935-1940, após a publicação da obra de dência psicossomática? Que objetivos persegue? Quais são seus
H. F. Dunbar Emotions and Bodily Changes (138) fazendo líderes espirituais?
a generalização de grande número de observações, e de Sketches
m Psychosomatic Medicine de S. D A medicina psicossomática foi constituída em ligação com
Jellife (179) A partir a busca de uma saída para a difícil situação, à qual, afinal,
de 1939, nos eua, o periódico Psychosomatic Medicine co¬
foi levada a medicina ocidental pelos princípios atomísticos
meçou a ser publicado e a promover as idéias dessa tendência.
Durante os anos que se seguiram, o número de trabalhos da patologia celular Por isso, é natural que tenha de início
dedicados à medicina psicossomática cresceu rapidamente. Em dirigido o fogo da sua crítica contra aqueles que subestimavam
1943, apareceu a monografia de E. Weiss e de O S. English a importância do estado geral do organismo para o destino
Psychosomatic Medicine (260) e uma segunda obra de Dun¬ do processo mórbido. E entendia esse estado geral como de¬
.
bar, Psychosomatic Diagnosis (139) São publicadas monogra¬ terminado sobretudo por emoções diversas e por outros fatores
fias por F Alexander (102), E. D. Wittkower (267), С A. de ordem psicológica.
Seguin (240) O ' caso Thomas" (fístula gástrica crónica) , Em 1943, apareceu uma das obras fundamentais da cor¬
descrito em 1943 por H. Wolf e S. "Wolf (271) , obteve ampla rente psicossomática, escrita em conjunto por um clínico geral
notoriedade, assim como o "caso Helena", análogo, publicado
e um psiquiatra, a monografia de Weiss e English Psychoso¬
em 1951 por S. Margolin (202) , as pesquisas sobre a função
secretória do estômago efetuadas por F Hoelzel em si próprio matic Medicine (260) Como epígrafe, os autores escolheram
(172) , a análise das correlações afetivo-vegetativas realizada a seguinte citação de Platão. "O maior erro de nossos dias
por B. Mittelman e H. G. Wolf (209) e alguns outros pesqui¬ consiste em que os médicos separam a alma do corpo". Pode-se,
sadores. Nos anos 50, a literatura psicossomática torna-se tão por acaso, objetar qualquer coisa a esse apelo para não esque¬
cer, ao cuidar das doenças do corpo, do estado d' alma do
paciente? Aprofundando essa tese, Weiss e English escrevem
* Trata-se dos trabalhos de Kempf (184), Draper (137), Heyer (171), que no século da mecanização da medicina e das pesquisas
Alkan (103), McGregor (200), Goring (165) e outros. Sua lista
sistematizada é apresentada na Revue de Médecine Psychosoma¬
eletroquímicas de laboratório dos casos clínicos, frequente¬
tique, 1959, n.° 1. mente se relega ao esquecimento a vida emocional do doente,

84 85
sua personalidade concreta, sua atitude perante os sintomas parte dos trabalhos dessa corrente é principalmente a concep¬
mórbidos que sente... Todo médico, qualquer que seja seu ção do inconsciente elaborada por Freud. A segunda fonte
perfil, deve adquirir uma especialidade complementar: saber teórica à qual se liga em geral essa medicina é o que se chama
entender as particularidades da personalidade do doente e ÿde orientação fenomenológica, alimentada pela filosofia de
aplicar essa capacidade ao tratamento das enfermidades, sejam Husserl e Heidegger e representada pelos trabalhos de
elas agudas ou crónicas (260) . Weizsãker, Mitscherlich, Bergmann, Uexkúll e outros. Segun¬
Tendo em vista a importância das particularidades do do Charles Brisset, um dos mais conhecidos pesquisadores fran¬
caráter do doente e da estrutura de seus afetos para a dinâmica ceses da metodologia médica, existe entre os fenomenólogos e
do processo mórbido, os adeptos da medicina psicossomática ÿos psicanalistas algumas diferenças que não dizem respeito aos

destacam as vantagens de um tratamento aplicado por um princípios (os fenomenólogos recorrem menos às categorias
médico que conheça o doente durante muitos anos e que tenha ÿespecíficas do freudismo como o Id, o Superego, etc., desco¬
estudado bem a situação que o cerca em sua vida privada e nhecem em menor grau as representações médicas habituais e
ÿse dedicam a descrições da história da personalidade do doente,
seu trabalho. A respeito disso, A. Mayer, conhecido psiquiatra
americano, simpatizante da tendência psicossomática, destacou
muito detalhadas e com abundância de metáforas; a patogra-
que a nova fase que se inicia no desenvolvimento dos conhe¬ fias originais no espírito de Binswanger, permitindo, segundo
•seus autores, melhor perceber pelo sentimento as nuanças do
cimentos médicos caracteriza-se por uma atenção maior atri¬
vivido, intransmissíveis pela linguagem comum) . Entretanto,
buída à personalidade humana como fator cuja influência no
essas divergências não excluem, segundo Brisset, uma ligação
desenrolar da moléstia é muitas vezes decisiva. Pode-se encon¬ 'estreita entre as tendências fenomenológica e psicanalítica. O
trar na moderna literatura psicossomática um número ilimi¬
.diálogo entre elas contribuiu para enriquecê-las mutuamente
tado de afirmações desse tipo. юг-i Лo n onrnvimQr-1hp<» t/-\C Hé» л/ictяя /199\

Que atitude assumir diante de tais colocações? Se nos


abstraímos da desconfiança em relação aos métodos de labo¬
ratório aplicados na medicina, e também da superestimação da
nova técnica médica, que de fato contribui para um floresci¬ das pesquisas psicossomáticas
mento maior de uma multiplicidade de ramos da medicina
contemporânea, pode-se protestar contra a idéia de consi¬ Como, entretanto, penetrou a concepção psicanalítica do
derar o organismo como um todo, a respeito da qual insistem inconsciente na clínica de patologia orgânica? Para entendê-lo,
essas considerações, contra a idéia da importância primordial é necessário acompanhar as distintas etapas e formas desse
das particularidades do sistema nervoso e das atitudes afetivas processo singular. Tal análise permitirá, ao mesmo tempo, pôr
do doente para a dinâmica de todo o processo patológico? em evidência algumas divergências na orientação dos pesqui¬
Entretanto, não é por suas teses a respeito da unidade do sadores favoráveis ao desenvolvimento das representações
organismo e do papel por vezes decisivo dos afetos que se psicossomáticas.
deve julgar o método psicossomático, mas pela maneira como
compreende essa unidade, pela teoria dos mecanismos que Quando se afirma que a medicina psicossomática, desde
o início, se encontrou ligada às concepções teóricas de Freud,
utiliza para pôr em evidência as leis da vida afetiva do doente.
destaca-se, mesmo que de maneira ainda insuficiente, toda a
Se colocamos a questão dessa maneira, vemos que nem toda a
violência das tendências que assim se manifestaram. Seria
crítica da patologia localista é obrigatoriamente adequada mais correto dizer que as representações introduzidas por
e progressista.
Freud ("repressão" no inconsciente das experiências vividas
Para entender esse aspecto interno da medicina psicossomᬠque não encontram expressão no comportamento; tensão fun¬
tica, é necessário levar em conta que a base teórica da maior cional e energia patogênica das tendências inconscientes; sig-

86 87
nificado simbólico das síndromes neuróticas e histéricas; "cura' Wittkover e de R. Cleghorn (231) . Também a encontramos
pela tomada de consciência", etc.) foram radicalizadas e inter¬ no interessante livro de R. Muchielli Philosophie de la Méde¬
pretadas de forma mais ampla pela corrente psicossomática, a cine Psychosomatique (211). Nacht fala a respeito dela em
qual as transformou em princípios que determinam a pato- sua Introduction à la Médicine Psychosomatique, assinalando
gênese dos distúrbios mais variados, incluindo os de modali¬ que existem todas as razões para pensar que as questões colo¬
dade orgânica mais grosseira. Essa a razão por que a doutrina cadas pela medicina psicossomática, principalmente os proble¬
psicossomática se apresenta com uma das tentativas mais per¬ mas dos instintos e da psicodinâmica, não podem ser estuda¬
severantes de transformar o freudismo em eixo teórico, em base das a fundo senão aplicando a psicanálise. É defendida na mo¬
metodológica de toda a medicina moderna. nografia publicada sob a organização de F. Deutsch (254) e
por grande número de outras fontes de orientação geral seme¬
Essas tendências foram bem reveladas na monografia de lhante.
J. P. Valabrega Les Théories Psychosomatiques, publicada em
O esquema inicial, que a medicina psicossomática adotou
1954 (256) . O autor assinalou a aproximação profunda entre
de Freud, consistia na idéia conhecida da energia dos impulsos
a teoria psicanalítica e a orientação principal da medicina
primitivos que aspiram a expressar-se através dos efeitos, mas
psicossomática ligada aos nomes de Alexander, Dunbar, Weiss,
que encontram, nessa via de realização, fatores de controle de
English, Cobb, Deutsch, Grinker, Spiegel e outros cientistas.
ordem psíquica. Se esse controle tem como efeito a inibição
norte-americanos. As opiniões dos representantes dessa medi¬ do impulso, constata-se um aumento da tensão afetiva, acom¬
cina na Inglaterra (Halliday e outros) , na França (Nacht, La-
panhado da atividade da imaginação e do trabalho do pensa¬
gache e outros) , na América do Sul (Rascovsky, Seguin e caminho para elimi¬
mento, esforçando-se por encontrar um
outros) e em outros países caracterizam igualmente uma com-. nar esse obstáculo. Quando essa ativação não culmina com
binação estreita das noções psicossomáticas com as idéias de uma descarga, o impulso é reprimido e se transforma em im¬
Freud.
pulsos patogênicos e subconscientes à ação, que se manifestam
De acordo com Brisset, Freud, desde seus primeiros tra¬ por vias ocultas, provocando síndromes clínicas que expressam
balhos dedicados à histeria, dedicou muita atenção às questões o afeto inibido sob uma forma simbólica transformada. Tais
de ordem psicológica ligadas ao problema da conversão. Se¬ eram as premissas bem-conhecidas, a partir das quais o pensa¬
gundo Brisset, ele criou um método que permite entender o mento psicossomático começou seu desenvolvimento. Se com
sintoma como a expressão da história da personalidade do Freud, porém, essas premissas eram utilizadas inicialmente,
doente, encontrar o sentido simbólico dos distúrbios somáti¬ pelo menos, para acompanhar a dinâmica dos impulsos libi¬
cos, a capacidade que tem o corpo de exprimir dramaticamente dinosos (principalmente sexuais) e a transformação desses
as emoções não só através da linguagem, mas também atra¬ últimos em distúrbios de tipo histérico, os representantes da
vés dos órgãos que desempenham diferentes funções vegetati¬ corrente psicossomática os utilizaram com amplitude muito
vas. Ê natural, sublinha Brisset, que a concepção psicanalítica maior. K. Abraham foi, aparentemente, um dos primeiros
sirva de base teórica para a maior parte dos trabalhos dos a aplicar esse esquema na interpretação dos distúrbios que se
partidários contemporâneos da medicina psicossomática (122) . .
manifestam no plano vegetativo (99) Nos anos 20, S. Ferenczi
Essa concepção está claramente exposta na monografia de adotou o mesmo caminho e descreveu os distúrbios específicos
Weiss e English, que assinalam que nenhuma análise no do¬ das funções digestivas como doenças que têm significado "sim¬
mínio da medicina psicossomática pode ser empreendida sem bólico" (145) .
a doutrina biologicamente orientada de Freud (260) . É igual¬ O esquema freudiano original ampliou-se, simultaneamen¬
mente exposta na importante monografia Recent Development te, em diversas direções. Ao lado dos impulsos sexuais inibi¬
in Psychosomatic Medicine, editada sob a organização de E. . dos, passou-se a considerar como patogênicas as experiências

88 89
vividas reprimidas de outro caráter, ligadas principalmente gético, da concepção psicossomática. Mas Dunbar esforçou-se
às manifestações de inclinações agressivas. Essa tendência foi por desenvolver esse aspecto de todas as maneiras, sem hesitar
destacada nos trabalhos de M. Klein (185). Foi também até mesmo em estabelecer uma analogia inteiramente injustifi¬
Klein que formulou a tese geral de que a expressão simbólica cada entre as particularidades da atividade mental e as leis de
dos afetos reprimidos podem ser os distúrbios tanto das fun¬ ordem física*.
ções vegetativas como dos sistemas sensoriomotores controlados Eis alguns exemplos ilustrativos de outra tendência do
pela vontade.
pensamento, não menos típica da corrente psicossomática.
A medicina psicossomática deve a A. Garma, pesquisa¬ Assim, Saul e Lyons (231) explicam da maneira seguinte a
dor americano de renome, a ampliação da representação freu¬ origem dos dirtúrbios da atividade dos órgãos respiratórios:
diana da regressão (162) . Desenvolvendo as tradições da in¬ segundo eles o mecanismo destes distúrbios está ligado a uma
terpretação psicossomática, Garma tentou demonstrar que, em cadeia de acontecimentos que se desenvolvem sucessivamente: a)
consequência de um conflito afetivo e da repressão dos impul¬ nostalgia regressiva do amor maternal; b) tendência a voltar, sob
sos, pode desencadear-se uma regressão também no sentido a influência dessa nostalgia, ao estado intra-uterino; c) reativa-
puramente fisiológico, isto é, reanimar as funções fisiológicas ção por essa tendência do estado fisiológico em que ainda não
relativas a fases da ontogênese já ultrapassadas. Tal interpre¬ há movimentos respiratórios; d) aparecimento em tal estado
tação encontrou aplicação muito ampla nas pesquisas psicos¬ de uma tendência a suprimir a respiração, intervindo na dinâ¬
somáticas posteriores. mica do ato respiratório, desorganizando seu curso normal e
criando uma predisposição para os distúrbios respiratórios.
Como já vimos, as representações psicossomáticas come¬ Os autores consideram que, uma vez que o sistema respirató¬
çaram a ser difundidas nos anos 50 e, em muito, graças ao rio se tornou o órgão que exprime a "nostalgia do amor ma¬
trabalho de H. Flanders Dunbar. Entretanto, a posição teórica ternal", outros impulsos insatisfeitos começam a refletir-se
desse autor distinguia-se por certa originalidade (138, 139). muito facilmente nos distúrbios da sua atividade, de maneira
Por um lado, Dunbar esforçava-se por aprofundar o aspecto que se cria finalmente uma dependência entre os distúr¬
energético das representações freudianas, demonstrando que a bios respiratórios e os mais variados fatores afetivos inibidos.
força não-empregada das aspirações insatisfeitas contribui am¬ O segundo e o terceiro exemplos tomamos da coletânea
plamente para que surjam não só distúrbios do comportamen¬ de citações realizada por Mucchielli. No seu tempo, Weiss e
to e sintomas neuróticos, mas também inúmeras doenças de English escreviam: "O funcionamento do tubo digestivo deixa
tipo puramente somático. Por outro lado, comparando as par¬ marcas no cérebro durante a infância, e essas marcas passam
ticularidades da anamnese e da personalidade com os dados
clínicos, Dunbar nem sempre recorria aos procedimentos tra¬
* Um exemplo de analogia desse género pode ser fornecido pela su¬
dicionais da técnica de investigação psicanalítica. No que diz bordinação, imaginada por Dunbar, da vida mental do homem aos
respeito ao problema do significado simbólico dos distúrbios, princípios da termodinâmica. Segundo Dunbar, a manifestação
ocupou também posição ambígua. Reconhecendo em alguns psicossomática do primeiro princípio da termodinâmica se expressa
pela indestrutibilidade da energia vital dos impulsos afetivos. Em
casos uma ligação entre a patogênese dos distúrbios e a sim- concordância com o segundo princípio, pode-se falar seja de trans¬
bolização (no seu entender, mesmo a localização seletiva de formações reversíveis dessa energia (tratando-se de distúrbios his¬
lesões traumáticas pode ter caráter simbólico) , negava ao téricos e neuróticos elimináveis), seja de transformações irrever¬
síveis (se a dissipação dessa energia acarreta o aparecimento de
mesmo tempo a presença de elementos simbólicos, quaisquer distúrbios morfológicos que seriam um tipo de encarnação orgâ¬
que sejam, em algumas outras doenças de caráter psicosso¬ nica da entropia vital crescente) . Nos anos 30 e 40, não obstante
mático. Essa a razão por que, na história do desenvolvimento seu caráter superficial evidente, tais interpretações, em combinação
da medicina psicossomática, Dunbar ingressou principalmente com as hipóteses da regressão e do simbolismo, eram um meio
bastante difundido de explicar, através da teoria psicossomática,
como o representante de apenas um aspecto, o aspecto ener- a patogênese das síndromes clínicas.

90 91
ao inconsciente. Quando se produz uma excitação, os impulsos inúmeras doenças pode ser explicado tendo como base a "con¬
infantis podem ser transmitidos inconscientemente pelo sis¬ versão em um órgão" (isto é, a manifestação de um impulso re¬
tema nervoso vegetativo. Quando sentimentos como o amor primido no inconsciente sob a forma de distúrbio funcional)
e a necessidade de proteção não são satisfeitos no plano psí¬ Se a conversão em um órgão é reversível, trata-se de histeria;
quico, uma solução mais primitiva é solicitada aos órgãos se, ao contrário, a conversão não se presta a um desenvolvi¬
digestivos e o esforço normal que disso resulta provoca a mento reversível, os distúrbios que advêm adquirem todos os
doença" (211). traços de um processo orgânico*.
Finalmente, o terceiro exemplo (tomado do trabalho de
Garma, igualmente citado por Mucchielli) • "É provável que
o corte prematuro do cordão umbilical, que tem lugar na maio¬ * A análise acima descrita permanece válida para a tendência psica¬
nalítica dos anos 60. Isso é confirmado de maneira convincente
ria dos nascimentos, faça com que o recém-nascido sofra sensa¬ pelas afirmações de um dos representantes notáveis da tendência
ções desagradáveis, que parecem traduzir-se em movimentos, psicanalítica, F P Valabrega, publicadas recentemente sob a
os quais refletem também dificuldades respiratórias. Vestígios forma de entrevista pela redação da Revue de Médecine Psychoso¬
matique. Respondendo à questão de como a histeria, os distúrbios
dessa primeira agressão de parte do meio, que o separa violen¬
funcionais e os tiques são incluídos nos marcos das interpretações
tamente da mãe, devem persistir no psiquismo da criança e ser psicossomáticas, Valabrega insiste novamente na importância es¬
reativados nas condições correspondentes durante sua vida pos¬ sencial da conversão : "Classicamente admitia-se que a conversão
terior Podem, por isso, ser um fator a mais na génese de um histérica [ ] revela-se nos órgãos ou funções de inervação dita
voluntária e que nesse domínio existe um mecanismo de conversão
trauma análogo ao corte umbilical, uma úlcera gástrica ou simbólica, isto é, que o paciente pode exprimir simbolicamente, por
duodenal. Por exemplo, quando se apresentam situações difí¬ meio do corpo, um distúrbio psicológico, particularmente um con¬
ceis que levam o sujeito a romper seus laços com a mãe ou flito inconsciente. Por exemplo, produz uma paralisia histérica a
título simbólico, porque não quer andar, não quer ir a determinado
com a família e lhe recordam seu nascimento [ ] De acordo lugar E para não ir até lá, produz essa paralisia e se paralisa a
com esse ponto de vista, pode-se pensar que, evitando o corte si mesmo. Eis a concepção mais admitida, mais clássica do meca¬
nismo de formação do sintoma histérico." Valabrega insiste na
prematuro do cordão umbilical do recém-nascido, se estaria
necessidade de ampliar essa concepção: "No caso da amenorréia
contribuindo em alguma medida para a profilaxia da úlcera" psicogênica, de que se trata? É necessário admitir que se trata
(211) também aqui de um mecanismo do tipo de conversão, mas que não
segue as vias traçadas de maneira voluntarista, como no esquema
Esses esquemas e outros semelhantes, não obstante tudo clássico; e, entretanto, esse distúrbio pode, neste caso, ser conside¬
que contêm de paradoxal, são extremamente característicos das rado como expressão simbólica ou conversão. Consequentemente,
interpretações propostas pelos partidários da concepção psicos¬ vê-se que o sintoma de conversão pode aparecer não só lá onde o
somática. As tentativas feitas para considerar o vómito, por conheciam até agora, isto é, na histeria, segundo a teoria clássi¬
ca." A seguir, Valabrega faz uma generalização- "Existe, pois, uma
exemplo, como a expressão de uma atitude afetiva negativa, a patologia da conversão no sentido amplo da palavra, que não é
anorexia como sinal de insatisfação sexual, as dores musculares histérica, nos marcos da qual a conversão histérica aparece apenas
como consequência da inibição dos impulsos agressivos, o diabe¬ como caso particular No nível do simbolismo, não há uma forma
tes como uma afecção que caracteriza as pessoas que se ressen¬ única de expressão simbólica, mas diversas. Existe uma pluralidade
tem vivamente de carinho e atenção, as dermatoses como ligadas de expressões simbólicas, de simbolizações possíveis em diferentes
níveis" (257)
aos estados de angústia, cólera, etc. essas tentativas são ape¬ Como revela essa declaração, a expressão somática simbólica de
nas o desenvolvimento consequente de um pensamento que um distúrbio psíquico é, para Valabrega, como para os primeiros es¬
parte das premissas gerais da medicina psicossomática, da for¬ quemas psicossomáticos elaborados há 30 anos, o fenómeno psicosso¬
mulação por essa última de uma lei fundamental específica, mático fundamental. Entretanto, de acordo com o próprio Vala¬
segundo a qual se constituiriam as síndromes clínicas. Eis como brega o que suscita respeito por sua sinceridade como pesquisa¬
dor — , o "mecanismo" desse fenómeno central, para ele, "incluindo
S. E. Jelliffe formula essa lei fundamental: o aparecimento de o mecanismo da conversão histérica, continua nos escapando".

92 93
§ 37. Sobre a diversidade das tendências formadas nos dromes clínicas, os princípios fundamentais da teoria psicana¬
marcos da concepção psicossomática lítica do inconsciente, alguns outros sustentam uma compreen¬
são mais complexa. A. Ivy, por exemplo, encara a repressão de
A análise caracterizada acima pode ser considerada típica um impulso como um fator que não pode adquirir valor pato-
para a maioria dos representantes da tendência psicossomática. gênico a não ser em presença de uma insuficiência constitu¬
Ao lado do método fundamental de interpretação, existem cional dos sistemas funcionais correspondentes. I. Ruesch pro¬
variações próprias a alguns pesquisadores. Alexander (101) , cura ligar as representações psicossomáticas às idéias modernas
por exemplo, mantendo-se em posição semelhante à de Dun¬ da cibernética. Autores como I. Halliday e M. Mead insistem
bar, destacava, ao discutir o problema da simbolização e das
na importância que representam para a saúde, física e somá¬
neuroses orgânicas, a importância das ligações específicas exis¬
tica da criança as relações formadas nos estágios precoces da
tentes, segundo ele, entre os afetos de determinado tipo e
as disfunções vegetativas. Atribui particular importância à ati- ontogênese nos marcos do complexo mãe-criança. Assim,
vação afetogênica dos sistemas nervosos simpático e parassimpᬠHalliday liga as modificações no sistema de aleitamento das
tico, ligando a hiperatividade do primeiro a enfermidades crianças de peito, que tiveram lugar durante duas ou três
como artrites, hipertensão arterial, enxaqueca, diabetes, hiper- gerações, a enfermidades como o reumatismo, a úlcera duode¬
tireoidismo, e a do segundo, às úlceras, colites, asma, etc. nal, a angina pectoris, etc. Federn, assim como Deutsch, es¬
Outro representante notável da tendência psicossomática, força-se por fornecer uma base menos paradoxal à noção
favorita dos médicos psicossomáticos de escolha do órgão (para
H. G. Wolf, chama a atenção para as reações fisiológicas não-
a conversão) , explicando o alcance patológico preferencial de
específicas (inflamação, congestão de órgãos, hipersecreção que
alguns sistemas pela traumatização ou infecção desses sistemas
surge quando da repressão de impulsos e conflitos, aumento da
na primeira infância, etc.
atividade motriz, etc.) . Esse autor, que ocupa na questão do
significado simbólico dos sintomas patológicos posição um Todas essas posições variantes e muitas outras indicam a
tanto diferente da tradicional para a maioria dos médicos psi¬ existência, na literatura psicossomática, de determinadas ten¬
cossomáticos, tende a controlar através de experiências as teses tativas, se bem que faltem conclusões, no sentido de se afastar
que aparecem na literatura psicossomática como postulados dos postulados freudianos. Simultaneamente, em algumas obras
a priori. Esforça-se por esboçar os mecanismos de desenvolvi¬ de tendência psicossomática, expressa-se, ao contrário, o desejo
mento dos distúrbios mais concretos do que aqueles de que de acentuar o mais possível algumas teses psicanalíticas. Esse
falam geralmente os adeptos dessa tendência psicossomática. desejo aparece claramente nas pesquisas em que, ao lado de
Por exemplo, para explicar o aparecimento da úlcera gástrica, problemas de tipo essencialmente psicossomático, são igual¬
Wolf propôs um esquema no qual a idéia da regressão está mente abordadas as questões da metapsicologia freudiana e as
associada à de reações reflexas condicionadas. A criança que interpretações sociológicas que dela decorrem.
tem fome e não recebe a tempo o leite materno reage a esse
atraso com uma intensificação da sua atividade motora e da
Não seria inexato apresentar, mais ou menos como se
secreção gástrica. A seguir, segundo Wolf, essa reação se con¬ segue, o esquema fundamental que, segundo inúmeros repre¬
sentantes da tendência psicossomática (em particular, Mennin-
solida e se generaliza, reproduzindo-se inclusive na presença
de uma insatisfação afetiva de outro tipo. Se um adulto, no ger) , determina o desenvolvimento da criança. Ao nascer, a
cérebro do qual ficou fixado um estereótipo infantil desse criança é um ser mentalmente primitivo, anti-social, descon¬
trolado. Sua personalidade está dotada de apenas duas forças,
tipo, encontra-se em sua vida diante de uma situação difícil,
a estrutura neurodinâmica patológica do tipo condicionado, a agressividade e o erotismo, que se tornarão a seguir tendên¬
que se fixou, é reativada e pode provocar uma afecção orgânica cias destrutivas e tendências criativas, as múltiplas expressões
do tubo digestivo (272) . do ódio e do amor. Mas eis que se inicia a socialização desse
Se a maioria dos partidários da medicina psicossomática esboço humano, isto é, a fase em que são reprimidas e desalo¬
limita-se a utilizar apenas, para a análise da patogênese de sín- jadas para o inconsciente suas inclinações originais primitivas

94
e anti-sociais, e ao mesmo tempo começam a constituir-se fatal¬
mente as causas das enfermidades de que padecerá o adulto. -específico sugerido à tendência psicossomática pelo freudísmo.
с precisamente pela ligação orgânica entre essas construções e
Nessa explicação, o que aparece como fator essencial dos a filosofia idealista e os princípios da concepção burguesa do
distúrbios patológicos de uma idade mais avançada é a energia mundo, a medicina psicossomática foi tão bem recebida em
reprimida, mas não liquidada dos impulsos insatisfeitos que, alguns círculos dos eua e em determinados países da Europa
não podendo manifestar-se imediatamente no comportamento, (Ocidental.
escolhem, de acordo com o esquema freudiano ortodoxo, um
desvio e se expressam através da enfermidade. O meio social
(cujo elemento principal, na infância, são os pais e, mais § 38. Definição geral do atual estado da medicina
tarde, todo o conjunto de fatores sociais educativos) opõe-se
psicossomática
ao homem durante sua formação, engendrando essas enfermi¬
dades por causa da sua incompatibilidade com a essência ori¬ O atual estado da tendência psicossomática pode ser de-
ginal e, ao que parece, profundamente anti-social da alma 'finido, resumindo o que foi dito acima, da seguinte maneira:
humana. Qualquer que seja a maneira como se manifeste a
enfermidade (através de sintomas mentais ou somáticos) , se¬ Iroje, a medicina psicossomática não representa uma orienta¬
gundo os médicos psicossomáticos, são apenas as diversas formas ção claramente delimitada. Dispõe de uma doutrina que cons-
de expressão da atividade reprimida do inconsciente que se «titui urna .espécie de fundamento teórico e cujas raízes penetram
revelam, manifestando-se seja apenas através de idéias ou da profundamente na concepção freudiana do inconsciente. Ao
imesnro .tempo, tem contato estreito e frequentemente se con¬
linguagem, seja pela atividade do sistema nervoso vegetativo,
e criando uma imensa diversidade de síndromes orgânicas. funde com algumas outras tendências do pensamento médico
ique dela se distinguem em alguns pontos pela metodologia e
Que conclusões sociológicas e filosóficas derivam desse objetivos. A medicina biodinâmica, como a entendem Galds-
esquema patogênico? -ton e Masserman, a medicina psicológica de Lengdon-Brown,
O princípio anti-social, que seria próprio ao homem desde a psicobiologia de Mayer, etc., são exemplos comuns deste tipo.
o seu nascimento, não é destruído pela educação, mas apenas A insatisfação crescente suscitada pelos postulados freudianos
inibido, e justamente essa repressão violenta e antinatural so¬ teve pouco a pouco a consequência de que, em torno do
lapa a saúde do homem. Quanto ao meio social, intervém como núcleo dos principais ideólogos psicossomáticos (daqueles que,
fator antagónico em relação às aspirações agressivas inatas e .nos anos 30, montaram com entusiasmo e tenacidade as bases
de um erotismo incontível que as impele para o inconsciente teóricas dessa tendência) , se reúnem atualmente numerosos
e prepara, assim, o terreno para a desagregação do corpo. pesquisadores que adotam apenas parcialmente os princípios
Disso decorre, é óbvio (dedução que sabemos dever-se à teoria psicossomáticos iniciais. Esses pesquisadores compartilham a
freudiana) , uma visão profundamente pessimista sobre o papel idéia da unidade do organismo em sua patologia, mas nem
da civilização e dos valores culturais. Desviando a atenção do sempre estão de acordo com a interpretação psicanalítica do
fato de que as contradições entre as necessidades reais do papel do inconsciente como sustentáculo dessa unidade*.
homem (de estar em segurança, em liberdade, de poder criar,
amar) e a possibilidade de satisfazê-las surgem somente na
'* Es&es avanços encontraram expressão, em particular, nos traba¬
presença de uma ordem social determinada, passível de ser
lhos publicados pelo Journal of Psychosomatic Research (Londres) .
suprimida, esse esquema patogênico nos obriga, ao contrário, A propensão revelada pela redação dessa revista a analisar o
a ver na influência inevitável do social a fonte de tais confli¬ problema do organismo humano através de métodos fisiológicos e
tos. Certamente, não é necessário explicar para que concepção psicológicos objetivos foi acolhida com simpatia por muitos. Essa é
a razão que explica o tom favorável do artigo dedicado, há vários
do mundo conduzem tais conclusões e ao moinho de que filo¬ anos, pela Revue Korsakov de Neurologie et Psychiatrie, às primei¬
sofia a medicina psicossomática leva água, independentemente ras publicações da revista londrina. A Revue de Médecine Psycho¬
das intenções e da boa vontade de seus apologistas. É neces¬ somatique (Paris) procura também esclarecer os problemas abor¬
sário pensar que, precisamente por esse substrato sociológico dados a partir de colocações muito amplas, o que torna muitas
.de suas publicações interessantes e fecundas.

96
91
É interessante que, mesmo a respeito de uma questão tão Nesse período, na Alemanha e em outros países da Europa
fundamental como o caráter científico da medicina psicosso¬ Ocidental, por um lado, e na Rússia, de outro, foram cons¬
mática, seus adeptos dêem respostas extremamente contraditó¬ truídas as bases de duas análises diferentes dos problemas
rias. Se alguns dentre eles consideram que a medicina psicos¬ da patologia geral. Foi nesses anos que, na Alemanha, se for¬
somática é a teoria da patogênese e da terapêutica de um mou e assumiu ampla difusão a teoria de Virchow da pato¬
número bastante restrito de estados mórbidos principalmente
ligados à atividade do inconsciente (as doenças ditas psicosso¬ logia celular. Na base dessa concepção estava a idéia de que
as reações do organismo dependem das particularidades das
máticas) , outros esforçam-se por transformar essa tendência
numa concepção médico-filosófica geral, considerando-a antes estruturas celulares sobre as quais o elemento nocivo age dire-
uma expressão dos princípios fundamentais da análise de tamente. Na época em que essa idéia apareceu, significava,
todas as formas de patologia do organismo humano. Segundo > indiscutivelmente, um progresso enorme no desenvolvimento
a opinião dos adeptos desse segundo ponto de vista, a medi¬ das idéias científicas, pois a teoria de Virchow tomava o lugar
cina psicossomática deverá desaparecer como tendência autó¬ de doutrinas ingénuas dos vitalistas, como Reil e outros, que
noma quando suas teses gerais forem admitidas pelos clínicos, tentavam resolver os problemas fundamentais da medicina
das mais diversas especialidades. tendo como base representações puramente especulativas e que,
Partem, frequentemente, dos próprios psicanalistas obje- na prática, entravam o desenvolvimento ulterior da ciência
çõcs contra a tendência exagerada de explicar os distúrbios. médica. As idéias de Virchow (expressas na imponente fór¬
orgânicos tendo como base somente a psicanálise. Como exem¬ mula: "Toda enfermidade do organismo é a enfermidade de
plo, citaremos as declarações céticas de Madame Bonaparte,. um órgão concreto") pareciam, com toda razão, extremamente
psicanalista francesa das mais conhecidas, a respeito das con¬ progressistas a muitos de seus contemporâneos. Essa a razão
cepções psicossomáticas da patogênese da tuberculose pul¬ por que sua doutrina inaugurou, no desenvolvimento da me¬
monar . dicina, um período singular caracterizado, por um lado, pela
Entretanto, semelhantes desvios da linha principal da acumulação de inúmeros dados científicos importantes e, por
concepção psicossomática não passam, por enquanto, de exce- outro lado, por uma análise intencionalmente localista das
ções. A regra continua sendo essa análise singular que pro¬ manifestações da patologia, pelo desconhecimento da unidade
curamos ilustrar acima através da citação de afirmações de- do organismo e, conseqiientemente, pela incompreensão da
Garna, de Weiss e English, de Saul e Lyons e outros. profunda influência exercida pelos fatores nervosos na evolu¬
ção dos processos mórbidos, influência que se manifestou atra¬
vés do que mais tarde entrou para a ciência sob a forma do
§ 39. A análise dos pesquisadores russos pré-revolucio- "nervismo" (Pavlov, 1883), do "equilíbrio" (Pavlov, 1903),
nários e soviéticos sobre os problemas da unidade: e da "homeostase" (Cannon, 1932) .
do organismo na enfermidade Assim estavam as coisas na Europa Ocidental. Nessa mes¬
ma época, na Rússia, ao mesmo tempo em que se estudavam
Que observações críticas gerais é necessário fazer a res¬ atentamente e se aplicavam as idéias de Virchow, verificava-se
peito da concepção psicossomática, que, sem dúvida, deixou- o desenvolvimento, a um nível original e mais elevado, das re¬
profunda marca na história do pensamento médico ocidental?- presentações insistentemente defendidas desde o início do
Examinaremos, primeiramente, uma questão histórica. século xix por Mudrov, Diadkovski e outros fundadores da
Seria verdade que, na história moderna da medicina européia, . medicina russa. Nessas representações, contrariamente às idéias
a prioridade na colocação do problema da unidade do orga¬ localistas, sublinhavam-se a importância, na patologia, das
nismo em sua patologia pertence à tendência psicossomática? influências centrais, a dependência entre o desenrolar do
Para dar uma resposta correia, recordaremos alguns fatos refe¬ processo mórbido e o estado de todo o organismo. A impor¬
rentes à segunda metade do século xix. tância decisiva que as influências de ordem nervosa e psíquica

98 99

к
и têm para a evolução do processo patológico era já compreen¬ livro O Espírito e o Corpo (85) , apresenta uma quantidade
de fatos ilustrativos da dependência dos processos vegetativos
dida na Rússia mais de um século antes do surgimento da
medicina psicossomática moderna. Para ilustrar o fato de que em relação à atividade mental e à influência do sistema ner¬
a idéia da análise unitária do organismo estava exposta nas voso central. Mais tarde, o mesmo ponto de vista foi externado
obras de eminentes clínicos russos ainda no início do século xix por Bekhterev, Astxatsaturov, Luria, que dedicaram atenção
(com formulações quase idênticas àquelas que são encontradas especial a essa questão na monografia O Quadro Interno da
na literatura psicossomática moderna) , citaremos a seguinte Doença e as Afecções Iatrogênicas (56) , por Lavrentiev e Lang,
passagem de Mudrov: "Para tratar corretamente um doente, é assim como pelos criadores de tendências originais na neuro-
necessário conhecer o doente em todos os seus aspectos, é neces¬ fisiologia soviética como Ukhtomski, Orbeli, Bykov, Speranski,
sário tentar encontrar as causas que agiram sobre seu corpo e e inúmeros outros autores.
sua alma e, finalmente, é necessário abranger toda a doença Todos esses fatos lembram insistentemente que a concep¬
e então ela mesma lhes dirá seu nome, lhes abrirá sua essência
ção do nervismo se constituiu na Rússia mais de 50 anos antes
interna e lhes mostrará seu aspecto exterior" (59) . do aparecimento da medicina psicossomática moderna. A base
O aprofundamento posterior dessas representações está dessa concepção era a afirmação da dependência de qualquer
ligado, em primeiro lugar, à influência crescente das idéias de forma de atividade fisiológica local frente às influências exerci¬
Sétchenov, que destacou que a célula viva do organismo, re¬ das sobre o organismo pelo meio objetivo e integradas pelo
presentando uma unidade no plano anatómico, não tem esse sistema nervoso. Essa interpretação geral, havendo assumido
caráter no plano fisiológico, onde ela é igual ao meio que a a forma da teoria refletora em sua mais ampla compreensão,
cerca, à substância intercelular. Com base nisso, Sétchenov estava de acordo com as tradições da análise unitária que se
conclui que a patologia celular, baseando-se na idéia da auto¬ tinha constituído na ciência russa desde a primeira metade do
nomia fisiológica da célula ou, pelo menos, de sua hegemonia século xix. Posteriormente, deu origem a diversas correntes
no meio que a cerca, é um princípio falso. Essa teoria, na clínico-fisiológicas, que a aprofundaram experimental e teori¬
opinião dele, representa apenas o limite extremo da tendência camente, imprimindo assim à medicina soviética, desde os pri¬
anatómica na patologia. É pouco provável que seja preciso ex¬
meiros anos da sua existência, uma orientação antilocalista cla¬
plicar a que ponto tal compreensão destacava o caráter inade¬
ramente definida.
quado do princípio fundamental da patologia celular e a ne¬
cessidade de estabelecer uma diferença entre o que deve ser
considerado somente como estrutura morfológica e o que se
apresenta como o substrato real da função fisiológica do § 40. Crítica das representações do caráter simbólico das
organismo. síndromes orgânicas
A crítica das idéias de Virchow fortaleceu-se durante a
segunda metada do século xix. No Ocidente, essa crítica foi O segundo elemento em que gostaríamos de nos deter no
desenvolvida por numerosos representantes tanto do pensa¬ exame crítico da tendência psicossomática está ligado ao aspec¬
mento clínico e fisiológico como do pensamento filosófico (ver, to propriamente científico da questão. O núcleo teórico da
por exemplo, 142) , em cujos trabalhos não nos deteremos. Na doutrina psicossomática consiste na idéia das ligações semân¬
Rússia, a base ideológica da crítica a Virchow foi a concepção ticas específicas que existiriam entre o caráter do afeto repri¬
do nervismo, que já havia sido criada, nessa época, por Sétche¬ mido e o tipo da síndrome orgânica formada ou, em outros
nov, Botkin e Pavlov. Opiniões, desenvolvendo e aprofundan¬ termos, o princípio da expressão simbólica por um distúrbio
do sob diversos aspectos a teoria do papel dos fatores integra¬ somático das particularidades do desvio psicológico que desen¬
dores nervosos e psíquicos na patologia, foram expressas por cadeou esse distúrbio. É exatamente aí que passa a linha de-
Zakharin, Mislavski, Danilevski e por Tarkhanov, o qual, no marcatória entre as interpretações que dão às consequências

100 101
Orgânicas dos conflitos afctivos a doutrina psicossomática e a bar, Alexander e outros) limitam a importância e aplicabi¬
Concepção pavloviana do nervismo, assim como a teoria da lidade prática dessa idéia. Entretanto, uma rejeição conse¬
patologia córtico-visceral de Bykov e seus discípulos. É sabido quente da idéia do caráter simbólico das síndromes somato-
(jue a teoria do nervismo reconhece inteiramente o papel pa- vegetativas tornaria necessária a revisão radical das interpre¬
togênico de alguns fatores psíquicos, mas explica as conse¬ tações feitas pela medicina psicossomática da patogênese de
quências desses fatores tendo como base os mecanismos fisio¬ alguns distúrbios clínicos. Talvez por essa razão não tenha
lógicos sem relação específica com o conteúdo psicológico con¬ sido claramente proclamada dentro dos marcos da corrente
creto da tendência reprimida. A esse respeito, surge inevita- psicossomática. As tentativas acima mencionadas, feitas por
velmente uma questão: como provar a justeza do princípio Alexander, de buscar as ligações legítimas não tanto entre o
fundamental em que se baseiam todas as interpretações expli¬ ÿconteúdo psicológico do conflito e a reação somática que o
cativas da medicina psicossomática e todo o conjunto de me¬ expressa, como entre o caráter geral do distúrbio afetivo e o
didas terapêuticas que ela preconiza? Encontramo-nos aqui •sistema fisiológico prioritariamente ativado (órgãos respira¬
diante de uma situação singular, que, incontestavelmente, não tórios, circulatórios, endócrinos, etc.) , representam aparente¬
Sf> repete com frequência na história da ciência.
mente um primeiro passo interessante no sentido de uma mu¬
Sem dúvida, não existem hoje em dia provas convincentes, dança de toda a colocação do problema do simbolismo. É pos¬
experimentais ou ao menos estatísticas, de que a síndrome sível que esse passo seja seguido por outros se, entre os parti¬
orgânica possa exprimir simbolicamente as particularidades dários da corrente psicossomática, predominar a tendência à
Psicológicas concretas do conflito afetivo que estaria em sua «renúncia aos princípios psicanalíticos ortodoxos.
base. A idéia da linguagem simbólica dos órgãos foi, no seu
tÿmpo, tomada dos psicanalistas pelos médicos psicossomáticos.
Has se, em alguns casos, pode-se falar, na clínica da histeria, § 41 . Sobre a insuficiência de uma justificação experi¬
d«г ligações lógicas entre o caráter do distúrbio funcional e o mental das idéias iniciais da concepção psicosso¬
d<) conflito afetivo (e dos que aparecem na base dos meca¬ mática
nismos estudados particularmente pela escola pavloviana) , é
apenas revelando muito pouca exigência na comprovação das Já assinalamos antes que seria bastante difícil buscar, nas
teses apresentadas que se pode defender a existência de liga¬ publicações relativas à medicina psicossomática, um estudo
ções lógicas semelhantes na clínica de doenças internas, de experimental rigoroso do problema da significação simbólica
ÿdas síndromes orgânicas. Em ligação com isso, queremos citar
distúrbios metabólicos, de afecções dermatológicas ou gine¬
um fato demonstrativo, que reforça esse ponto de vista.
cológicas*.
A obra fundamental Recent Development in Psychosoma¬
A ausência de provas objetivas do caráter adequado da
idtjia da linguagem simbólica dos órgãos é tão evidente que tic Medicine, publicada em 1954, com a organização de
at(§ alguns adeptos convictos da corrente psicossomática (Dun- Wittkower e Gleghorn (231) , contém dois artigos (de Wolf e
de Malmo) relativos especialmente à justificação experimen¬
tal dos princípios fundamentais da concepção psicossomática.
A confusão dos aspectos da análise que é feita em cada um
* Até mesmo um pesquisador como Mucchielli, que demonstra sim¬
desses trabalhos é bastante típica. Seria natural esperar que
patia pela psicanálise, observa: "Mas a psicanálise torna-se peri¬
gosa como método de 'explicação' na maioria dos escritos atuais as pesquisas realizadas por Wolf e Malmo fossem dedicadas
da psicossomática na medida em que se permite 'saltar' para o sin¬ exatamente ao estudo experimental dos princípios gerais es¬
toma orgânico a partir de qualquer impulso profundo ou conflito pecíficos da medicina psicossomática e, em primeiro lugar, ao
de impulsos. Um leitor objetivo não pode deixar de perder a fé
[grifos de P. Bassin] quando se encontra diante de textos desse
do problema da significação simbólica dos distúrbios provo¬
tipo [...]" (211). cados por alguns desvios. Na realidade, a análise experimental

m 103
efetuada por Wolf, assim como por Malmo, abandona esse de confirmação experimental. E isso, mais que qualquer outra
plano lógico, aparentemente o mais importante para a medi¬ coisa, revela a ausência total de rigor científico*.
cina psicossomática, para expor o fato indiscutível de que as
tensões afetivas são responsáveis pelos desvios vegetativos. O
estudo das modificações psicologicamente não-específicas, cer¬ § 42. A apreciação da corrente psicossomática por seus
tamente, merece a maior atenção, mas é incapaz de servir de próprios adeptos.
sustentáculo para a corrente psicossomática*. Semelhante
recuo perante o problema experimental, que é central para a Para concluir esta exposição da história e dos princípios
tendência psicossomática, é muito significativo. fundamentais da concepção psicossomática, resta recordar como
os próprios adeptos dessa corrente a avaliam. A esse respeito,
Para generalizar, podemos repetir que a tese do caráter a mensagem publicada há vários anos por E. D. Wittkower,
simbólico das síndromes orgânicas não tem fundamentação ex¬ Presidente da Associação Psicossomática Americana, fazendo
perimental com um mínimo de seriedade nas publicações um balanço dos resultados obtidos por essa organização du¬
atuais. Uma vez que essa tese serve de base à concepção psi¬ rante seus 20 anos de atividade, é bem característica (269) .
cossomática, o aspecto mais importante dessa doutrina carece Essa mensagem assinala a queda de influência da medicina
psicossomática e a profunda crise ideológica que lhe ameaça
a própria existência. Sem deter-se na análise pormenorizada
* Em seu artigo, Wolf apresenta provas experimentais de uma mu¬ das causas dessa crise, o autor dessa mensagem não vê saída
dança de estado do mesmo tipo nas mucosas nasais (hiperemia,
hipersecreção, inchação) tanto sob a influência de excitações olfa-
para a situação existente fora da ampliação dos métodos uti¬
tivas específicas como sob a influência de estímulos não-adequados lizados na investigação psicossomática (em sua análise multi¬
(compressão da cabeça e excitação afetiva) num doente que sofre disciplinar) . Entretanto, é muito sintomático que o próprio
de rinite crónica. O autor, aparentemente, considera que os dis¬ autor seja forçado a colocar a pergunta: com uma análise mul¬
túrbios provocados por excitações não-adequadas revestem-se de tidisciplinar se justificará a manutenção do nome psicosso¬
um "caráter simbólico". Essa conclusão é infundada, nem que seja mática? Essa questão permanece sem resposta na mensagem.
pela razão de que as excitações não-adequadas empregadas pelo
autor estão acompanhadas de modificações pronunciadas da cir¬ A história da medicina psicossomática ficará como uma
culação cefálica, que devem obrigatoriamente repercutir no estadoÿ brilhante ilustração do fato de que constitui vã tentativa pro¬
das mucosas nasais. Para ter o direito de falar da natureza simbó¬ curar resolver sob o aspecto clínico o problema da unidade
lica de uma alteração determinada, é necessário, evidentemente,,
provar que essa depende do conteúdo psicológico concreto das expe¬
do organismo, se tais tentativas se encontram desligadas de
riências vividas e não das reações vegetativas grosseiras e não- uma metodologia válida e das exigências de uma análise rigo¬
específicas do ponto de vista psicológico, que acompanham essas rosamente científica. Entretanto, essa história mostra que um
experiências. Após haver revelado essa última dependência, o autor, trabalho realmente imenso foi realizado pela corrente psicosso¬
na realidade, ignora totalmente a primeira. mática (e continua a ser) para acumular fatos reveladores da
Pode-se acrescentar ao que já foi dito que a pesquisa em ação exercida pelos fatores psíquicos e nervosos sobre os pro¬
questão foi efetuada em um grupo de pessoas selecionadas, que cessos somato-vegetativos. Não obstante nosso desacordo com
tinham, segundo o autor, um estrutura mental específica, que dei¬
xa uma marca determinada no caráter das reações da mucosa na¬
sal. Uma condição importante para que tal experiência seja rigo¬
rosa consiste, ao que parece, em mostrar que, nas pessoas que têm * É exatamente nesse caso que convém recordar as palavras do
outra estrutura mental, a reação da mucosa nasal seria diferente. grande francês a que se referem os autores de Recent Development
Entretanto, isso não é feito pelo autor. Realizando as experiências in Psychosomatic Medicine: "Devemos crer em nossas observações
dessa maneira, qualificar de simbólicas as alterações da mucosa somente após sua confirmação experimental. Se somos excessiva¬
nasal é, certamente, pouco convincente. mente crédulos, nossa razão estará amarrada, caindo nas malhas
de suas próprias deduções" (Claude Bernard). Essas palavras, pro¬
O artigo de Malmo apresenta observações de grande interesse nunciadas por um mestre de todos nós, expressando um dos prin¬
a respeito das modificações dos miogramas na presença de tensões cípios essenciais do método científico, soam, em nossa opinião,
afetivas diversas, mas o problema do simbolismo não é, na reali¬ como severa advertência para toda a medicina psicossomática mo¬
dade, abordado. derna.

104 105
as interpretações teóricas defendidas pela medicina psicosso¬
mática, não podemos deixar de reconhecer a enorme importân¬
cia desse trabalho, fonte de dados concretos extremamente va¬
liosos que serão ainda repetidas vezes utilizados nas pesquisas
dos próximos anos.
CAPÍTULO IV
§ 43. Sobre a utilidade das discussões

No que expusemos acima, tentamos caracterizar as prin¬


O problema das formas inconscientes do psiquismo e
cipais teses das teorias psicanalítica e psicossomática, e reali¬ da atividade nervosa superior à luz da teoria
zar sua crítica. Gostaríamos que essa crítica fosse convincente moderna da regulação biológica e da teoria
não só para quem compartilha dos seus princípios básicos, mas psicológica das atitudes
também para quem ainda não optou definitivamente por uma
concepção médico-biológica e ocupa, por essa razão, uma posi¬
ção hesitante em nossa discussão com a escola psicanalítica
(sem dúvida, o número dessas pessoas ainda é elevado no es¬
trangeiro) .
I. O PROBLEMA DA CONSCIÊNCIA
O melhor meio de aumentar a capacidade de convenci¬
mento da nossa argumentação consiste em examinar as respos¬ O problema colocado pela neurocibernética diante
§ 44.
tas que lhe apresentam nossos oponentes. Com esse objetivo, da teoria da consciência
publicamos (nos Anexos) os dados de alguns debates que
tiveram lugar nestes últimos anos entre o autor deste livro e os
Procuraremos definir a maneira como se resolve o proble¬
adeptos da psicanálise e da medicina psicossomática. Esses de¬
bates desenvolveram-se por ocasião de assembléias internacio¬
ma do inconsciente quando esse é abordado a partir das posi¬
nais, e também na imprensa. A maior parte não foi publicada ções do materialismo dialético. Com tal objetivo, vamos deter-
na União Soviética. Para que intervenções científicas desse tipo nos na interpretação materialista-dialética do problema da
sejam convincentes, é evidentemente necessário que não con¬ consciência. O problema do inconsciente representa apenas um
tenham qualquer simplificação involuntária e, com mais razão, aspecto particular do problema mais geral da consciência, e
qualquer tergiversação das posições dos interlocutores. Essa a maneira como é tratado depende em grande medida da inter¬
a razão por que citamos os textos autênticos dos discursos dos pretação atribuída a esse tema mais geral.
participantes das discussões, resumindo-os somente nos casos No exame do problema da consciência, após haver recor¬
em que isso é necessário por motivos técnicos, ou por um afasta¬ dado algumas análises existentes na psicologia e fisiologia es¬
mento muito evidente da discussão dos problemas que nos
trangeiras, concentraremos nossa atenção nos novos aspectos
interessam. Os debates são encerrados com um artigo de Henry
que foram introduzidos pela penetração das modernas idéias
Ey (França) , publicado na íntegra. cibernéticas na teoria da consciência. Já nos detivemos no pa¬
radoxo a que levou essa penetração: o estudo dos mecanismos
da atividade intelectual do cérebro conduziu numerosos estu¬
diosos da neurocibernética a traçar quadros da atividade cere¬
bral nos quais o papel concedido à consciência é o de um epi-
fenômeno funcionalmente indiferente. O papel da consciência
como fator ativo da reflexão e da transformação do mundo
exterior não se inscreve nessas concepções, a não ser com gran¬
de esforço.

106 107
Semelhante situação tem seu lado débil e, por mais ines¬ blema reside em sua própria essência. No que diz respeito à
perado que seja, seu lado forte. Esse último consiste em que as falta de clareza, é aí que se manifestam algumas particulari¬
representações das leis da atividade cerebral amplamente em¬ dades da análise que se formou historicamente da teoria da
pregadas na neurocibernética (subordinação dessa atividade
aos princípios da organização estocástica das conexões, previ¬ consciência. A seguir explicaremos em que consiste a primeira
são da probabilidade dos acontecimentos, algoritmização dos dessas particularidades.
processos nervosos, descoberta heurística das soluções ótimas, O problema da consciência foi elaborado, durante inúme¬
etc.) fornecem material abundante para uma compreensão ros decénios, a partir de diferentes posições teóricas e clínicas:
mais aprofundada da maneira como é realizada a conduta ra¬ da psicologia e da sociologia, da biologia e da neurofisiologia,
cional não-dirigida pela consciência, assim como as ligações da psiquiatria e da neurologia. Ê também um dos temas fun¬
nervosas e as relações de sistemas nos quais essa realização se damentais da filosofia. Ë inteiramente evidente que as diver¬
baseia. Pode-se, pois, afirmar, para acentuar os paradoxos, que sas pesquisas feitas sobre esse assunto esclarecem aspectos dife¬
a cibernética, ao estudar a atividade mental do homem apreen¬
rentes do problema da consciência e conduzem a examiná-lo
dida pela consciência, mostrou-se tão produtiva na teoria do
com a ajuda de noções relativas a diferentes disciplinas. Exata-
inconsciente quão inútil (esperemos que apenas provisoria¬
mente por isso, a explicação dos dados científicos e clínico-psi-
mente) na teoria da consciência.
cológicos concretos obtidos através da análise desse problema
O aspecto débil da situação assim criada pode ser defi¬
encontrou grandes dificuldades e ainda não pôde ser feita de
nido como a ausência surpreendente, em todos os esquemas
forma satisfatória.
neurocibernéticos do funcionamento do cérebro, da represen¬
tação dos processos nervosos que se encontram na base da cons¬ Ademais, pode-se acrescentar que, entre as pesquisas sobre
ciência, isto é, do fator que não só está indissoluvelmente a natureza da consciência, efetuadas nos marcos de uma mesma
ligado à atividade clos níveis superiores do sistema nervoso disciplina, verifica-se seguidamente a existência de divergên¬
central do homem, mas que participa também dessa atividade, cias nas interpretações, devidas ao fato de que escolas e cor¬
na qual assume papel complexo e específico. rentes diferentes concedem, aos mesmos termos, sentidos diver¬
Essa situação singular e um tanto inesperada obriga a sos. Essas divergências assumem, por motivos fáceis de entender,
teoria materialista-dialética da consciência a novamente reto¬ caráter particularmente profundo quando se examina o pro¬
mar o problema da objetividade da própria função da cons¬ blema da consciência sob seu aspecto filosófico, que é o mais
ciência e fundamentar a solução positiva desse problema, mos¬ geral.
trando simultaneamente por que são inadequados os argu¬
A segunda particularidade que complica a análise do pro¬
mentos em favor da epifenomenalidade da consciência apre¬
sentados pela neurocibernética. Como veremos mais adiante, blema da consciência consiste em que um domínio muito im¬
ao precisar as representações da função da consciência, elu- portante da teoria geral da consciência, o do inconsciente ou,
cida-se também o papel do inconsciente e as relações entre o mais precisamente, o das formas não-conscientes da atividade
inconsciente e a consciência. nervosa superior (isto é, dos processos cerebrais nervosos que,
determinando as formas complexas do comportamento adap¬
tável, não só não vêm acompanhados de uma tomada de cons¬
§ 45. As dificuldades de elaboração do problema da ciência dos fenómenos psíquicos que os provocam, mas ainda
consciência não encontram reflexo no sistema das "experiências vividas"
do sujeito) , não teve, durante muito tempo, nas publicações
O problema da consciência é dos mais complexos, daqueles soviéticas, a atenção que merece. Essa subestimação foi uma
que, em muitos pontos, ainda não estão suficientemente escla¬ reação exagerada e, consequentemente, inadequada ao caráter
recidos. Sua solução será decisiva para definir nossas idéias a atribuído à teoria do inconsciente pela filosofia idealista.
respeito das funções fundamentais do cérebro humano e das Essa reação teve como consequência, como no ditado
relações entre o homem e seu meio. A complexidade desse pro- inglês, que junto com a água foi jogada fora a criança. Por
108
109
essa razão, o desenvolvimento desse importante capítulo da 46. As premissas da teoria materialista-dialética da
teoria da atividade cerebral foi não só retardado por muitos consciência
anos como também, em certa medida, abandonado ao freu-
dismo. Hoje começamos apenas a compreender em sua justa Os pesquisadores soviéticos, na elaboração do problema
dimensão o prejuízo causado à teoria científica da consciência da consciência, partem dos princípios fundamentais da filoso¬
por essa abstenção injustificada dos pesquisadores de tendência fia marxista-leninista. Em Marx, o interesse pelo problema dos
materialista-dialética no estudo dos componentes e dos meca¬ fatores que formam a consciência humana pode ser acompa¬
nismos muito importantes das formas superiores da atividade nhado desde uma de suas primeiras obras, os Manuscritos de
adaptável do sistema nervoso central. 1844 (Economia Política e Filosófica). Já nessa obra do jovem
Finalmente, há uma terceira razão, pela qual é difícil de Marx estava presente, como princípio essencial, a idéia da fun¬
tratar o problema da consciência em que gostaríamos de nos ção determinante da atividade prática na formação da consciên¬
deter. A filosofia marxista-leninista coloca como tese funda¬ cia humana, da dependência em que se encontra a consciência
mental a idéia de que a consciência tem um caráter ativo e em relação à práxis humana e à história do homem como "pro¬
está em ligação indissolúvel com a atividade. A consciência, duto das relações sociais". Nas obras que vieram à luz mais
tarde, em particular em A Ideologia Alemã, Marx e Engels
segundo Engels, é formada pela atividade e, por sua vez, aquela
retornam inúmeras vezes a essa tese fundamental da natureza
influi sobre essa última, determinanda-a. Por outro lado, duas
social da consciência, aprofundando-a e desenvolvendo-a. Na
circunstâncias importantes decorrem do princípio da ligação Dialética da Natureza, assim como em Anti-Diihring, Engels
estreita entre a consciência e a atividade, do fato de se apresen¬ concretiza essa tese geral, desenvolvendo sua importância para
tar a consciência não como reflexo passivo, mas como atitude
a compreensão da antropogênese e do papel da prática na
ativa frente ao meio, que compreende um sistema complexo formação da consciência. Destaca a dependência em que se
de motivações e apreciações, de necessidades e interesses subje- encontra a consciência em relação aos modos de produção e à
tivos, refletindo a influência da realidade objetiva. sucessão histórica desses modos, sublinhando igualmente o
Em primeiro lugar, esse princípio permite delimitar clara¬ processo inverso, a influência exercida pela consciência, uma
mente a concepção materialista-dialética da natureza da cons¬ vez formada, sobre o ser social que a gerou. Marx também
ciência da interpretação que lhe dão inúmeras correntes psico¬ retornou mais de uma vez a essas questões fundamentais em
lógicas idealistas (a noção da consciência como "receptáculo" O Capital e outras obras. Finalmente, nos trabalhos de Lênin
do vivido, neutra do ponto de vista funcional e afetivo, como dedicados à teoria do reflexo e nos fragmentos que tratam dos
"cena" segundo Karl Jaspers, "écran" impassível e mais ou problemas gnoseológicos, principalmente no Materialismo e
menos luminoso segundo Ladd, "campo" indiferente ou "vazio Empiriocriticismo e nos Cadernos Filosóficos, toda essa con¬
psíquico" nos marcos do qual as experiências vividas plenas de cepção da génese da consciência no trabalho social encontra
tensão afetiva se movem, entram em conflitos, nascem e mor¬ sua expressão mais desenvolvida.
rem) . Em segundo lugar, a interpretação materialista-dialé¬ Essa teoria constituiu, para a ciência soviética, a base me¬
tica da consciência como atitude ativa frente ao meio revela-se todológica que predeterminou a essência das representações da
estreitamente ligada ao problema da estrutura da atividade do consciência, que foram, entre nós, inúmeras vezes, objeto de
comportamento e da regulação da conduta. É por isso que, discussão pormenorizada*. Uma tentativa séria nesse sentido
na etapa atual, a análise do problema da consciência se con¬
verte inevitavelmente no exame de questões especiais, levan¬
* As questões discutíveis da teoria da consciência foram elucidadas
tadas tanto pela teoria da regulação biológica como pelo de¬ sob diversos aspectos na Sessão Pansoviética sobre as Questões
senvolvimento recente da teoria dos reflexos. Evidentemente, Filosóficas da Atividade Nervosa Superior e da Psicologia, organi¬
isso aprofunda de modo considerável toda a colocação do pro¬ zada pela Academia de Ciências da URSS em 1962 (90), no Simpó¬
sio de Moscou sobre o Problema da Consciência de 1966 (71), assim
blema da consciência, mas, ao mesmo tempo, complica sua como em inúmeras obras de peso que foram publicadas ultimamen¬
justa compreensão, introduzindo nessa uma série de novas te, analisando essas questões em seus aspectos filosóficos, psicoló¬
categorias. gicos, neurofisiológicos e clínicos (94, 84, 34, 58, 1, etc.).

110 Ill
consciência individual e a consciência social podem variar
foi feita, na União Soviética, por S. Rubinstein. De acordo com dentro de ampla margem.
sua opinião, a consciência é principalmente a "apreensão pelo
sujeito da realidade objetiva" (74) . Mas nesse caso, continua - ÿ Em quarto lugar, a concepção materialista-dialética da
ele, "a consciência é o conhecimento de alguma coisa que se natureza da consciência está longe de esgotar-se com a idéia
ÿda determinação social dessa última. O reconhecimento do fato
opõe como objeto ao sujeito cognoscitivo" (grifos de F. Bassin) .
de que a tomada de consciência da realidade pelo sujeito nunca
S. Rubinstein destaca aqui uma tese de princípio, realmente
fudamental, da qual decorrem inúmeras consequências impor¬ tem, como Lênin assinala, o caráter de uma reflexão passiva,
tantes*. de um reflexo de espelho inanimado, não é menos importante
para a interpretação marxista. O fato mesmo da tomada de
Em primeiro lugar, decorre a não-identidade do consciente consciência dos objetos do mundo exterior como objetos liga¬
(ou do apreendido pela consciência) e do psíquico no sentido dos à atividade subjetiva expressa por si só a existência de
amplo. O consciente é uma forma particular, superior do psi¬ uma relação particular entre o sujeito que toma conhecimento
quismo, que só aparece no homem quando este se destaca do deles e esses objetos, e, conseqiientemente, de uma ligação in¬
mundo dos objetos que o circundam. Por isso, a consciência dissolúvel entre a tomada de consciência e essa relação. É exa-
precisa de um desenvolvimento ontogênico complexo e de tamente nesse sentido que se deve entender a tese inicial de
longa duração. Marx: "Minha consciência é minha relação com o que me
Em segundo lugar, a tomada de consciência pelo sujeito cerca" (203) , que afirma o caráter real e vivo da consciência,
do mundo exterior, "como objeto que se opõe ao sujeito que a fusão dessa última com todo o conjunto de necessidades
toma conhecimento dele", está ligada à passagem a formas concretas e de motivações da atividade do homem.
determinadas de generalização e de fixação dessas generali- Em quinto lugar, se a consciência é a apreensão da rea¬
zações na linguagem. Mas isso significa que ela só é possível lidade objetiva que expressa uma atitude determinada perante
tendo como base a utilização de produtos do processo histórico ÿessa última, sua função principal torna-se clara, pois a atitude
e social, como as noções desenvolvidas e a linguagem. Nesse
perante o mundo só pode manifestar-se na atividade transfor¬
sentido, todo ato da consciência, mesmo que ligado ao con¬
madora do mundo. Assim, a consciência é, por um lado, o re¬
teúdo mais natural (extra-social) , é um fenómeno socialmente
determinado, que se apóia de modo oculto em toda a pré- flexo do ser e, por outro, está indissoluvelmente ligada ao ser
história da sociedade humana e é inconcebível fora dessa his¬ social, pois cumpre a função de regulador da atividade huma¬
tória anterior. na. Refletir o mundo exterior por uma tomada de consciên¬
cia objetiva e, graças a essa tomada de consciência, transformar
Em terceiro lugar, a determinação social inevitável de ÿo mundo através de ações (e não por simples reações) — tais
toda manifestação individual da consciência não pressupõe são as funções específicas do homem como produto do proces¬
qualquer identidade dessa consciência individual e da cons¬ so histórico universal ou, como disse Rubinstein, recorrendo
ciência social, isto é, do conjunto das idéias que caracterizam a uma imagem, é essa a "característica do modo de existência
não o indivíduo, mas a formação social (se bem que, eviden¬
•original próprio ao homem" (74) .
temente, a consciência social sempre se manifeste através da
consciência individual) . A consciência social influi na cons¬ É somente a partir dessas posições filosóficas gerais que
ciência individual, mas o grau dessa influência pode variar podemos entender corretamente o papel desempenhado pela
segundo o caso e, já por essa razão, as divergências entre a consciência na vida do homem desde que essa brilhou como
pálida centelha na bruma matinal da história da humanidade.
E é somente a partir dessas posições, como veremos mais adian¬
É necessário assinalar que essas formulações de S. Rubinstein se te, que se podem esclarecer corretamente as relações entre a
*
baseiam nas teses filosóficas já formuladas por Hegel na Ciência consciência e as formas do psiquismo e da atividade nervosa
da Lógica, às quais Lênin dá uma apreciação positiva em seus não-apreendidas por ela.
Cadernos Filosóficos.

113
112
recusar, em nome de uma concepção científica coerente do
mundo, o dualismo cartesiano ultrapassado (ao qual se atri¬ pantes da Conferência de São Lourenço, neurologistas estran¬
buía a oposição gnoseológica da matéria e da consciência) , geiros de renome, realizaram novo encontro, onde discutiram
etc. É assim que se explica a atenção permanente que a filo¬ as mesmas questões fundamentais da teoria da consciência
sofia burguesa e a psicologia idealista atribuíram, durante (118). A comparação dessas duas importantes reuniões inter¬
quase toda a primeira metade do século xx, ao problema da nacionais fornece um quadro nítido da evolução atual das idéias
consciência, e que encontrou sua expressão em um artigo de relativas à natureza da consciência no estrangeiro.
W. James que teve muita repercussão no seu tempo, "Existe a Uma terceira discussão interessante sobre o problema da
consciência?", numa obra de tendência neo-realista publicada consciência, realizada de maneira sistemática, durou cinco anos
por Holt em 1914, "A Noção da Consciência" no Tratado Ló- (de 1950 a 1954) e teve lugar nos eua, tendo sido resumida
gico-Filosófico de L. Wittgenstein, na Analysis of Mind e Hu¬ em cinco volumes, cujo conteúdo ainda não pode ser conside¬
man Knowledge de В. Russell (234) , assim como em grande rado superado (225) . Além dos trabalhos dessas conferências,
número de outros trabalhos semelhantes. forneceram dados que caracterizam as análises do problema da
Talvez não seja necessário mostrar que, por trás de um consciência predominantes no estrangeiro o manual de fisio¬
aspecto aparentemente disparatado dessas correntes, se esconde logia, em vários tomos (167) , editado pela Sociedade de Fisio¬
a mesma essência idealista. Esses ataques contra a noção de logia dos Estados Unidos, algumas comunicações feitas no
consciência exigem uma resposta baseada em uma análise filo¬ ICongresso Internacional de Ciências Neurológicas (Bruxelas,
sófica especial que, naturalmente, não será apresentada nos 1957), nos III e IV Congressos Internacionais de Psiquiatria
marcos desta obra. Recordamos essa crítica apenas para mos¬ (Montreal, 1961; Madri, 1966), no III Congresso de Medicina
trar, a seguir, como ela repercutiu nas análises do problema Psicossomática e Hipnose ( Paris, 1965) , em dois colóquios
da consciência existentes hoje no estrangeiro em uma série de franceses dedicados ao problema do sono "rápido" (Lyon,
disciplinas científicas concretas. Um exame mais detalhado 1963 e 1966) , no XVIII Congresso Internacional de Psicologia
nos afastaria para um domínio distante daquele que é para (Moscou, 1966) , no Simpósio de Detroit sobre a Formação Re¬
ticulada, e nos simpósios intitulados The Nature of Sleep (Siba
nós o principal.
Foundation, Londres, 1960) e Brain Mechanisms (Amsterdã,
1960) , etc.
§ 49. As últimas discussões sobre o problema da cons¬ A seguir, examinaremos apenas um pequeno número de
ciência no estrangeiro pesquisas desse círculo, que nossa literatura permitiu que se
conhecesse menos e que ajudarão a entender por que o estudo
Para melhor compreender quais são as questões que se das manifestações complexas do comportamento conduz ine¬
encontram no centro das controvérsias atuais com a corrente vitavelmente à representação das formas não-conscientes da
idealista a respeito da natureza da consciência como fenómeno atividade nervosa superior como o mecanismo mais importan¬
biológico e social e da ligação entre a consciência e o incons¬ te do trabalho cerebral, sem a consideração do qual não sabe¬
ciente, examinaremos as discussões que se desenvolveram ulti¬ remos explicar esse trabalho.
mamente em torno desse tema. Uma dessas discussões teve
lugar há alguns anos no órgão central neuropsicológico da rda,
Psychiatrie, Neurologie und medizinische Psychologie (226) . § 50. O problema da consciência segundo Weinschenk
Outra, que encontrou reflexo na célebre coletânea Brain. Me¬
chanism and Consciousness (117), teve lugar na Conferência Na discussão alemã de 1966, apresenta interesse o artigo
.
de São Lourenço, no Canadá (1953) Essa última discussão de Weinschenk publicado em Psychiatrie, Neurologie und me¬
tem interesse por duas razões: em primeiro lugar, foram for¬ dizinische Psychologie (226, a) ; suas teses fundamentais são
mulados inúmeros princípios que, ainda hoje, não perderam típicas para um grupo bastante grande de autores estrangei¬
sua importância como característicos das posições teóricas cor¬ ros contemporâneos, que se encontram concomitantemente sob
respondentes; em segundo lugar, em 1964, numerosos partici- a influência das idéias da fisiologia pavloviana e das represen¬
tações desenvolvidas, a partir dos anos 50, pelos pesquisadores
116
117
que estudam as funções da formação reticular do tronco cere¬ •o anatomista Sommering e o filósofo Kant, dos quais o pri¬
bral e do tálamo. meiro estimava que o órgão da consciência seria o líquido cé-
falo-raquidiano e o segundo, de acordo com sua concepção
O autor do artigo começa a análise indicando —
o que já
se tornou quase uma tradição — que é difícil examinar o filosófica geral, afirmava que a consciência poderia ser loca¬
problema da consciência devido à imprecisão de sua noção lizada no tempo, mas não no espaço. Weinschenk assinala a
central. A seguir, expõe uma concepção original, pretendendo ingenuidade das idéias admitidas por Sommering e, ao mesmo
explicar a função principal da consciência. O fato principal •tempo, pronuncia-se contra as posições de Kant. Sua argumen¬
que, segundo o autor, deve ser interpretado consiste em que o tação é significativa. Uma vez que a consciência — diz ele — de¬
processo de aferência, que leva a modificações fisiológicas nas pende de processos tais como a circulação cerebral, por exem¬
estruturas nervosas, é percebido pelo sujeito não tanto como plo, e que o sangue está localizado nos vasos do cérebro, deve-se
tal, mas como a expressão de transformações ocorridas no mun¬ concluir que a consciência também está localizada no espaço,
do objetivo. Para que o processo de tal exteriorização, da trans¬ pois é impensável representar-se uma dependência causal entre
formação de um dado cerebral imediato num quadro do mundo •o que ocupa certo lugar no espaço e o que não possui extensão
exterior possa realizar-se, é necessária a presença de um meca¬ espacial.
nismo ou de um órgão especial no cérebro. Segundo o autor, Mais adiante, Weinschenk discute a seguinte questão:
esse órgão seria a consciência. exatamente a que parte do cérebro se deve ligar a consciência
Weinschenk caracteriza a seguir as principais proprie¬ (na sua opinião, o caráter diferenciado das influências exerci¬
dades desse órgão. Recusa-se a examinar a consciência como das sobre a consciência por lesões cerebrais de localização di¬
epifenômeno da atividade nervosa e destaca sua inclusão na versa, assim como o fato de que o conteúdo da consciência é
cadeia de mecanismos, ligados por laços de causa e efeito, que .constituído apenas pelos resultados finais de um processo ce¬
elaboram a informação nas estruturas cerebrais. Entretanto, a rebral complexo, e não por todo o processo, são provas sufi¬
dependência que liga a consciência às diferentes modificações cientes de que a consciência não está ligada ao cérebro em
do estado funcional do sistema nervoso obriga o autor a con¬ «eu todo) .
siderá-la, em princípio, como manifestação da atividade vital
As antigas experiências de Holtz e Rotmann com cães, dos
semelhante ao funcionamento do coração ou a outro processo
vegetativo qualquer. •quais foram extirpados os dois grandes hemisférios cerebrais
•e, principalmente, como destaca Weinschenk, as experiências
O papel da consciência como fator do comportamento de Pavlov permitiram precisar a relação entre a consciência
consiste, segundo Weinschenk, na regulação da comutação das e as formações corticais. Como se sabe, foi estabelecido que os
excitações das vias centrípetas para as vias centrífugas e, dessa cães hemisferectomizados conservam, em determinado grau, a
maneira, na regulação dos processos de adaptação. A consciên¬
faculdade de adaptar-se ao meio ambiente, faculdade que se
cia pode desempenhar essa regulação porque seu conteúdo é baseia na utilização de mecanismos inatos. Ao mesmo tempo,
constituído somente dos resultados finais de uma atividade
perdem a possibilidade de empregar a experiência adquirida
nervosa complexa que, no fundamental, se desenrola sem sua
na ontogênese. Segundo o autor, essas observações permitem
participação. Nesse sentido, o "consciente", destaca Weins¬ concluir que a extirpação do córtex não põe fim à função da
chenk, não passa de uma "ilhota" no oceano da atividade ner¬
consciência como tal, não obstante modificar sensivelmente
vosa não-consciente. Entretanto, a consciência pode igualmente
seu conteúdo concreto e o papel que desempenha nos proces¬
exercer influência determinada sobre esses processos não-cons-
sos de adaptação. Disso decorre, conclui Weinschenk, que a
cientes, que a ela não estão diretamente ligados.
consciência não pode localizar-se em outra parte que não no
No que diz respeito à localização da consciência, Wein¬ subcortex, nos limites da formação reticulada do tronco
schenk adota a posição típica descrita a seguir. cerebral.
Após ter examinado rapidamente as primeiras etapas da Weinschenk considera que a teoria do sistema centrence-
história das representações a respeito da localização, o autor fálico de Penfield apenas confirma as observações de Pavlov e
detém-se na discussão que surgiu no final do século xvin entre Holtz, as quais mostraram, segundo ele, que a presença do

118 119
córtex não é necessária para a existência da consciência. Se¬ reconhecer, nesse caso, em todo distúrbio mental um distúrbio
gundo Weinschenk, os dados de Pavlov obrigam a rejeitar até da consciência (o que contradiria as tradições clínicas) , a ne¬
as idéias de French (167), de acordo com as quais o funda¬ cessidade de admitir igualmente, em tal identificação, a exis¬
mento da consciência seria a interconexão da atividade das- tência da consciência nos animais (o que introduziria a con¬
estruturas corticais e subcorticais, uma vez que uma hemisfe- fusão nos dados da zoopsicologia) , a liquidação, quando se
rectomia bilateral pode destruir essa interconexão. identificam as noções de consciência e de psiquismo, da cate¬
goria que reflete a originalidade qualitativa da atividade psí¬
quica do homem, etc. Assim, a noção de consciência se trans¬
§ 51 . O problema da consciência segundo Muller forma, na interpretação de Muller, em um termo específico,
que exige ser definido com precisão e delimitado em relação a
O artigo de Weinschenk é interessante não só por apre¬ outras categorias psicológicas. Vimos que Weinschenk não
sentar uma interpretação característica de determinado grupo se deteve nesse importante aspecto da questão.
de neurologistas estrangeiros, mas também porque nele estão
Outro fato que atraiu, em particular, a atenção de Muller
expostos os aspectos do problema da consciência que mais.
chamam a atenção nas discussões atuais: a multiplicidade de é o problema das dificuldades de ordem lógica que acompa¬
nham a representação de uma consciência localizável e a con-
acepções do conceito de consciência e, consequentemente, sua
falta de precisão; o problema da função assumida pela cons¬ seqiiência decorrente, segundo ele, de que tal representação
só pode ser, em princípio inadequada. Essa linha de análise,
ciência no reflexo do mundo objetivo e o papel da atividade
ausente também em Weinschenk, é traçada por Muller com
nervosa que está em sua base; o problema da legitimidade das
analogias estabelecidas entre a consciência e as manifestações especial insistência.
vegetativas puramente fisiológicas da atividade vital do orga¬ Miiller levanta uma questão de princípio: de maneira
nismo; a questão da localização da consciência resolvida por geral, a idéia de uma zona de localização da função seria capaz
Weinschenck na base de uma delimitação estrita entre as estru¬ de esclarecer as relações existentes entre o substrato, a ativida¬
turas que asseguram o conteúdo objetivo da consciência (cór¬ de do substrato e o produto dessa atividade, quando se trata
tex dos grandes hemisférios) e as formações cuja atividade se da consciência? A resposta é negativa pelas razões que expo¬
encontra na base da função da consciência no seu sentido mais. remos a seguir.
estrito (no sentido "próprio", segundo Weinschenk) e, final¬ Muller sublinha não existir qualquer fundamento para
mente, a questão fundamental para nós das relações entre a considerar certas estruturas cerebrais circunscritas como zonas
consciência e o inconsciente, isto é, os processos nervosos que de localização da consciência somente porque são necessárias
participam das formas superiores da atividade cerebral, mas para que se realize a atividade da consciência. Colocando-se na
permanecem fora do limiar da consciência. base da definição de zona de localização da consciência, esse
Examinemos agora que posição é contraposta à interpre¬ princípio da necessidade para a sim realização, será necessário,
tação de Weinschenk. Vejamos, com esse objetivo, o artigo de diz Muller, estender a noção de substrato material da consciên¬
Muller, publicado na mesma revista (226, a) e que merece cia até o próprio sangue, pois, como se sabe, determinada taxa
nossa atenção, particularmente, porque seu autor submete a de açúcar e de potássio no sangue é também necessária para a
uma discussão crítica noções de trabalho e princípios cuja legi¬ existência da consciência. Segundo Muller, a idéia de que
timidade não suscita, aparentemente, qualquer dúvida para existe uma zona específica qualquer, na qual estaria localiza¬
Weinschenk. da a consciência, equivale a uma volta às antigas noções da
fisiologia atomística dos centros funcionais delimitados, que
Tendo destacado a imprecisão da noção de consciência, desempenhariam o papel de microórgãos especializados do cé¬
Muller chama a atenção para uma questão que escapa clara¬ rebro. Semelhante interpretação que, como o revelou o desen¬
mente à análise de Weinschenk, a questão da legitimidade de volvimento recente da teoria das localizações, é incoerente
uma delimitação entre as noções de consciência e de psiquismo. mesmo em relação a inúmeras funções vegetativas puramente
Assinala, com razão, as dificuldades que surgem, quando se fisiológicas, é particularmente imprópria quando se trata da
consideram essas duas noções como idênticas, a necessidade de: base material da consciência. Indica uma tendência a recorrer

120 121
a esquemas descritivos primários, semelhantes aos que elabo¬ relações de produção e outros fatores de ordem social. Sua
rou Descartes há vários séculos, e caracteriza a biologização da forma é o pensamento; seu conteúdo, o reflexo do ser social.
análise do problema da consciência. Ignora também, na opinião As premissas fisiológicas da consciência podem ter seus centros,
de Muller, uma importante lei geral estabelecida pela fisio¬ mas seria incorreto do ponto de vista metodológico considerar
logia comparada e que mostra que as mais novas funções filo¬ esses centros como a região em que se localiza a consciência.
genéticas, que surgem na base dos processos de encefalização
Na parte final do artigo, Muller volta à questão das rela¬
progressiva, distinguem-se por representações centrais mais
ções entre as noções de consciência e de psiquismo e sublinha,
extensas e mais difusas do ponto de vista espacial. Tudo isso
numa análise filosófica, que a idéia da consciência como mani¬
obriga Muller a colocar objeções à tese fundamental de Wein¬
schenk, de acordo com a qual a consciência estaria localizada festação superior qualitativamente original do psíquico só se
nos limites das formações do tronco cerebral.
justifica se é utilizada no plano das ciências naturais, no
plano ontológico, enquanto no plano gnoseológico é utilizada
Essa é a argumentação crítica de Muller. Tal crítica baseia- como antítese do conceito de matéria, e, consequentemente,
se em considerações não tanto experimentais e fisiológicas, como sinónimo de psíquico. A existência simultânea de duas
mas antes teóricas, e não seria, pelo visto, retirada pelo autor, acepções diferentes da noção de consciência, ontológica e gno-
mesmo no caso de Weinschenk ter escolhido para zona de loca¬ seológica, não encerra uma contradição interna, pois essas
lização da consciência não o tronco, mas qualquer outra for¬ acepções são, tanto uma como a outra, aplicadas quando se
mação cerebral. No que diz respeito à parte construtiva do examina a consciência sob diferentes aspectos. A confusão só
artigo de Muller, examinemos o fundamental. aparece quando a acepção gnoseológica é introduzida no plano
Muller leva em consideração os dados obtidos pelas pes¬ da análise científica (ou inversamente) e quando, em conse¬
quisas modernas a respeito das funções da formação reticulada qiiência desse desvio lógico, se começa a discutir em que nível
do tronco cerebral e do tálamo, mas, diferentemente de da filogênese a consciência aparece pela primeira vez: nas es¬
Weinschenk, considera que a atividade dessa formação não ponjas, segundo Lucas; nos vermes, segundo Dall; nos peixes,
está ligada à da consciência como tal, mas apenas à da regula¬ segundo Edinger, etc.
ção do nível de excitabilidade dos sistemas cerebrais que estão Muller observa também (e, do ponto de vista que nos
mais diretamente ligados à atividade da consciência. Os efeitos interessa, isto é particularmente importante) não estar de
dessa regulação tónica manifestam-se subjetivamente também acordo com a afirmação de Weinschenk segundo a qual a
no comportamento como modificações do grau de clareza da
consciência só tem a ver com os resultados prontos da atividade
consciência, isto é, como modificações de uma característica
cerebral não-consciente. Segundo Muller, semelhante ponto
próxima daquela que Head propôs chamar "nível de vigilância". de vista subestima o papel ativo da consciência. E a idéia de
Por isso, quando se fala da existência de uma conexão especial
que o vivido apreendido pela consciência é apenas uma "ilho¬
entre as funções da formação reticulada e da consciência, ela
ta no oceano do inconsciente" o obriga a recordar as concep¬
só pode consistir, segundo Muller, na regulação das premissas
ções reacionárias de Nietzsche, que também falava, como se
fisiológicas importantes da consciência. Mas não é possível sabe, do "fino véu" que representa a consciência em relação
identificar essas premissas com a própria consciência sem bio- aos impulsos profundos, aos instintos obscuros que encobre,
logizar grosseiramente toda a colocação do problema. etc. Essa a razão por que, de acordo com Muller, a interpreta¬
Ao desenvolver essa maneira de pensar, Muller justifica a ção do inconsciente proposta por Weinschenk se aproxima das
seguir a representação da consciência como categoria, em representações filosóficas do idealismo subjetivo.
princípio, de ordem social e não biológica. A consciência, su¬
blinha ele, surgiu (evidentemente, na presença de premissas
cerebrais apropriadas) como conseqiiência clo processo de tra¬ § 52. As interpretações biologizantes e sociologizantes da
balho inerente ao homem e, no decorrer da história da huma¬ categoria da consciência
nidade, dependeu principalmente das particularidades desse
processo social de trabalho. Por isso, não é produto fisiológico, Os princípios defendidos por Weinschenk e Muller ilus¬
primário, mas produto social, secundário, determinado pelas tram bem as duas análises do problema da consciência mais

122 123
Magoun e seus discípulos; as bases clínicas por Penfield. Nos todo é rejeitada por ele como sendo improdutiva e subestima-
informes apresentados na Conferência de São Lourenço, em dora dos dados mais recentes sobre a importância diferenciada,
1953 (117), no Colóquio de Moscou sobre a Eletrofisiologia para o trabalho do cérebro, da lesão dos seus diversos sistemas
da Atividade Nervosa Superior, em 1958 (98), e na Confe¬ condutores. Fessard tem em vista os trabalhos conhecidos de
rência do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 1959, Sperry, Lashley, Evarts e outros, que mostram o efeito para¬
dedicada aos Problemas da Conexão nos Sistemas Sensoriais doxalmente ínfimo, em alguns casos, das lesões das vias nervo¬
(243) , Fessard procurou analisar cuidadosamente a questão sas intracorticais e do corpo caloso e, ao contrário, as conse¬
das premissas fisiológicas da consciência e formulou a esse res¬ quências destrutivas de lesões de volume mesmo insignificante
peito algumas conclusões gerais interessantes. das vias cerebrais verticais*.
Fessard destaca que a grande maioria dos pesquisadores Segundo Fessard, duas outras possibilidades são bem mais
não tem dúvida de que uma premissa muito importante da prováveis: a consciência está relacionada com os processos lo¬
consciência é a capacidade de integrar a experiência. Mas, ao calizados predominantemente nas estruturas corticais, ou, ao
mesmo tempo, ele não dá uma definição da noção de integração. contrário, com os processos localizados na formação reticulada
Entretanto, é bastante claro que, ao empregar esse termo, do tronco cerebral e no diencéfalo.
Fessard tem em vista a faculdade de diferenciar, de confron¬ Ë muito significativo que Fessard seja mais prudente em
tar e de generalizar os elementos da experiência adquirida in¬ sua apreciação do papel das formações subcorticais como subs¬
dividualmente. Ao mesmo tempo, diz ele, é precisamente a trato da consciência do que o são outros autores, que expõem
atividade de integração que constitui a forma fundamental de maneira simplista a teoria do "sistema centrencefálico" de
da atividade dos níveis superiores do sistema nervoso central. Penfield**. Fessard considera que nossos conhecimentos dos
O cérebro apresenta-se como órgão cuja função específica con¬ efeitos de secessão das vias intracorticais são ainda insuficien¬
siste tanto em produzir excitações centrífugas como integrar tes para excluir toda possibilidade de realização das formas
os influxos que lhe chegam continuamente, utilizar esses sinais
complexas de integração exatamente na base dessas vias. Por
cerebrípetos para a organização das estruturas nervosas fun¬
cionais temporal-espaciais, que têm importância para a ativi¬
dade. Essa ligação da atividade integrante com a consciência,
* Lamentavelmente, Fessard não se detém nas pesquisas que foram
de um lado, e com a dinâmica das correntes de influxos sina¬ realizadas na União Soviética por A. Kogan, O. Adrianov, N.
lizadores de outro, obriga a colocar uma questão: que substra¬ Dzidzichvili e outros, com o objetivo de analisar o papel dos sis¬
to nervoso é o mais apropriado para realizar semelhante ati¬ temas cerebrais verticais e horizontais, e que conduziram a uma
interpretação desse complexo problema diferente da que predo¬
vidade? A resposta a essa questão nos permitirá julgar, como mina no Ocidente.
defende Fessard, qual substrato nervoso deve ser considerado
como predominantemente ligado à atividade da consciência. * * A existência na literatura de uma tendência a expor de maneira
um tanto simplificada (ou, pelo menos, um tanto superada) as
Fessard prevê que se possa levantar, contra a idéia da representações de Penfield a respeito da localização das funções
localização da consciência, uma crítica de princípio semelhante cerebrais superiores torna-se evidente quando se examina a forma
à que foi desenvolvida por Muller. Entretanto, ele a refuta, como seu autor compreende a idéia principal da teoria do sistema
centrencefálico. Em seu informe ao Simpósio de Roma sobre o Pro¬
assinalando ser possível destacar, no cérebro, zonas em que se blema da Consciência (1964) , Penfield pronunciou-se a esse respeito
desenvolvem processos que determinam as "particularidades claramente, sublinhando que o sistema centrencefálico é somente
essenciais" da consciência, se bem que esses processos não re¬ um meio de comunicação, de coordenação e de integração, que
reúne as regiões di-, pro- e mesencefálica em uma unidade fun¬
presentem, certamente, de maneira exaustiva, todas as condi¬ cional. De acordo com Penfield, pensar que há uma região do
ções necessárias à realização da consciência. Na controvérsia cérebro onde estaria localizada a consciência é um apelo a "andar
entre Muller e Weinschenk a respeito da legitimidade de uma para trás, em direção a Descartes". Após о ICongresso Interna¬
localização da consciência, Fessard toma, em certa medida, o cional de Ciências Neurológicas (Bruxelas, 1957), Penfield definiu
da mesma forma, inúmeras vezes, a essência das representações
partido de Weinschenk. Levanta a questão fundamental: a por ele elaboradas sobre os problemas das localizações. É difícil
qual substrato se deve ligar a consciência? A idéia geral da não perceber o quanto tal compreensão difere daquela que, por
localização da consciência no cérebro considerado como um tradição, vem sendo atribuída a esse autor.

126 127
outro lado, destaca ser possível uma interação entre os diversos
irenças, são análogos em muitos aspectos de princípio: para
segmentos do córtex através das estruturas subcorticais e da ambos, a consciência aparece como fenómeno puramente fi¬
formação reticulada. Ao se admitir esse último esquema, diz siológico; ambos admitem a possibilidade de sua localização em
Fessard, deve-se, entretanto, levar em consideração a probabi¬
•estruturas cerebrais determinadas e, para os dois, a questão da
lidade extremamente pequena de que as formações não-espe-
cíficas do tálamo e do tronco cerebral intervenham como sim¬
dependência da consciência em relação aos fatores de ordem
social e da necessidade de estabelecer-se uma delimitação entre
ples relê, como canais indiferentes de ligação entre os influxos. a consciência e o psíquico não são importantes. Apesar de
É muito mais provável que essas formações participem ativa-
Weinschenk resolver apenas em traços gerais a questão da
mente da elaboração das correntes de influxos transmitidos e
localização da consciência, negando somente toda ligação entre
que tomem parte, assim, da regulação dessas correntes. a consciência e o córtex, e em Fessard encontrarmos uma
Semelhante regulação pode revestir-se de formas diferen¬ interpretação mais prudente, nenhum deles supera uma análise
tes.Pode reduzir-se às influências de ordem puramente tónica, puramente biológica do problema, nem suprime o exclusivis¬
que exercem no córtex as formações da parte superior do mo da interpretação que decorre da estreiteza de princípio de
tronco cerebral, as estruturas talâmicas e o hipotálamo. Nesse semelhante análise. Contudo, Fessard apresenta, numa forma
caso, pode-se falar da participação das estruturas subcorticais 'bem mais elaborada, sua representação dos mecanismos fisioló¬
na determinação do estado funcional do córtex, mas não se gicos da atividade da consciência. Foi precisamente essa evolu¬
pode dizer que essas estruturas estejam realmente incluídas ção que tivemos em vista, quando falamos da tónica que foi
na atividade integrativa do córtex. Entretanto, outra interpre¬ singularmente concedida às representações que podem ser acom¬
tação também é possível. Segundo Fessard, essa última é pro¬ panhadas em cada uma dessas duas análises antagónicas do
vável, de vez que inúmeras pesquisas mostraram toda a com¬ problema da consciência predominantes no estrangeiro*.
plexidade das influências corticais nas células da formação
reticulada e a tendência à convergência dos influxos gerados
em diferentes regiões do córtex. § 54. O problema da consciência segundo Soukal
Constitui fato altamente significativo que, levando em Se as considerações de Fessard acima mencionadas ilustram
conta a importância do fenómeno de convergência dos influxos
bem o desenvolvimento das idéias dos pesquisadores estran¬
corticais no tronco cerebral e tirando conclusões ousadas a geiros a respeito dos mecanismos fisiológicos da consciência
respeito da participação da formação reticulada nos processos nos anos 50 e início dos anos 60, as de Soukal, que participou
de integração nervosa, Fessard não considere que se deva, da discussão na rda, não são menos significativas das tendên¬
assim, rejeitar a idéia da ligação do córtex com a consciência cias de acordo com as quais se desenvolvem as interpretações
(117). Uma vez que a zona de convergência está ligada ao sociológicas da consciência no estrangeiro.
córtex por um sistema de vias bilaterais (corticofugas e corti-
copetas) , é sempre possível, de acordo com Fessard, que o Soukal (226, b) chama a atenção para um sentido parti¬
efeito principal da atividade de toda essa estrutura condutora cular da noção de consciência que os outros participantes da
complexa se revele em ações tónicas sobre o córtex. A bilatera- discussão não haviam levado suficientemente em conta: a in¬
lidade das conexões córtico-subcorticais sugere ainda a idéia terpretação da consciência como fenómeno que caracteriza não
da grande importância da ligação funcional existente entre só os indivíduos, mas também determinadas formações sociais.
os diferentes níveis do cérebro; por isso, Fessard (da mesma No que diz respeito ao problema da consciência indi¬
maneira que Penfield nos trabalhos mais recentes) tende para vidual, Soukal, adepto consequente da interpretação sociológica,
a representação segundo a qual no "substrato da consciência"
entrariam tanto as formações cerebrais corticais como as
"centrencefálicas". * A maior parte das obras de Fessard mencionadas precedeu as de
Weinschenk. Ao confrontar esses trabalhos, temos em vista, con¬
Se fizermos a contraposição dos pontos de vista de Fessard sequentemente, não sua ligação cronológica, mas somente uma
e de Weinschenk, veremos que, não obstante todas as dife- relação lógica entre as interpretações que neles encontraram sua
expressão típica.

128 129
destaca a necessidade de uma delimitação de princípio entre'
Hi iro, dos métodos de análise dessas questões e das causas por
o nível de clareza da consciência, que determina a possibili¬ que o desenvolvimento lógico de toda essa corrente do pensa¬
dade de uma reação psíquica, e a consciência em sua acepção mento leva inevitavelmente, como veremos mais adiante, a co-
gnóstica como conteúdo do reflexo da realidade. Segundo a hк .и o problema da existência e das funções das formas do
opinião de Soukal e da maioria dos pesquisadores, a necessi¬ psiquismo e da atividade nervosa superior não-apreendidas
dade de semelhante delimitação justifica a volta, de certa pela consciência.
forma, à concepção dos níveis de vigília de Head, reforçada
pelos dados da moderna eletroencefalografia. Segundo Soukal, Se nos voltarmos para alguns outros dados relativos ao
para aprofundar a teoria da consciência individual, é neces¬ mesmo tema, como a discussão do problema da consciência,
sário superar a concepção da consciência como corrente inin¬ «pie teve lugar sistematicamente durante vários anos nos eua,
п.I Josiah Macy Foundation (225) , observaremos facilmente
terrupta de experiências vividas, concepção que remonta ainda
a James; passar a uma compreensão mais ampla, segundo a «pie, em princípio, não ocorre uma ampliação temática*. As
qual a estrutura da consciência individual encerra elementos discussões organizadas pela Josiah Macy Foundation trataram
não só atuais, mas também potenciais (conteúdos vividos sem de algumas questões particulares importantes, como a depen¬
apreensão pela consciência no momento dado, mas incluídos dência das particularidades da consciência em relação ao ritmo
no fundo da experiência individual adquirida) ; aceitar uma das reações bioquímicas do tecido cerebral, as relações recí¬
representação da consciência não como reflexo passivo, mas procas entre a consciência e as emoções, a ligação entre a cons¬
como relação ativa com o mundo, indissoluvelmente ligada à ciência e os fenómenos da hipnose e do sono, o papel do
prática. c órtex na manutenção do estado de vigília em diferentes níveis

Apoiado em semelhante concepção da consciência indi¬ da ontogênese, etc. Entretanto, quando se colocava a questão
vidual, Soukal considera que a interpretação de Muller é inte¬ de uma compreensão mais geral do problema, os participantes
lectualizada e baseada na confusão das noções de consciência dessas discussões não saíam dos marcos das duas análises prin¬
individual e consciência social, de consciência como categoria cipais esboçadas acima ou (o que predominava) procuravam,
de ordem histórica e social. Segundo a opinião de Soukal, isso na medida do possível, não aprofundar essa interpretação ge¬
decorre do fato de que, para Muller, somente as relações sociais ral. Essas mesmas tendências manifestavam-se, sob forma não
constituem o conteúdo da consciência. Quanto à consciência menos nítida, em inúmeros outros casos.
individual, reflete também, sublinha Soukal, alguns fatores Antes de passar ao exame das questões ligadas mais dire-
extra-sociais. O ser social cria as premissas da formação da tamente ao problema do inconsciente, gostaríamos de formular
consciência individual; ao mesmo tempo, é indiscutível que algumas observações críticas a propósito das discussões expos¬
esse próprio ser social é uma dessas premissas primordiais. Mas- tas acima, em particular sobre o debate que teve lugar na rda.
identificar a consciência individual com suas premissas so¬ Não podemos excluir inteiramente a possibilidade de que nos¬
ciais, segundo ele, é tão injustificável como identificá-la com sas observações sejam causadas por um entendimento insufi¬
suas premissas fisiológicas (o erro cometido por Weinschenk, cientemente claro do ponto de vista do autor criticado. Se é
na opinião de Muller) . assim, desculpamo-nos antecipadamente diante de nossos co¬
legas estrangeiros por essas possíveis imprecisões na caracte¬
rização de suas posições.
§ 55. Algumas observações criticas a propósito da dis¬ Weinschenk, ao refutar a representação da consciência
cussão na RDA sobre o problema da consciência como epifenômeno da atividade fisiológica, considera essa úl¬
(1960-1961) tima como um elo na cadeia de determinações causais dos acon-

As teses enunciadas acima dão uma idéia das principais


questões tratadas durante as discussões do problema da cons¬ * Evidentemente, excluímos as interpretações psicanalítica e psicos¬
ciência que tiveram lugar durante estes últimos anos no estran- somática da consciência, já por nós examinadas, e que são adotadas
como lema em quase todas as discussões desse tipo no estrangeiro.

130 131
tecimentos que conduzem a efeitos adaptáveis finais da ativi- m I . que podem, entretanto, permanecer fora de seus limites,
dade cerebral. Entretanto, mais adiante comete um erro impor¬ I ihI.i voltaremos a elas mais adiante.
tante de caráter mecanicista. Do fato de a consciência exigir ( !om semelhante apreciação da posição de Weinschenk, é
para sua realização algumas condições fisiológicas em par¬ a análise diferente dos mesmos problemas
ticular, uma circulação cerebral normal —, tira a conclusão de • i i o natural quesuscite
1 1 11iI
simpatia. Miiller reconhece inteira-
li por Muller
que a consciência é, em princípio, uma manifestação da ativi- inciite o sentido específico que se deve atribuir à noção de
dade vital do mesmo tipo que qualquer outro processo vegeta¬ uma confusão lógica. Subh-
I iiiisí iência, caso se queira evitar
tivo. Todo o problema da determinação social da consciência
n i.i a dependência que liga a consciência aos fatores sociais e
encontra-se, assim, excluído, o que permite supor que, para ciências natu-
,i diferença entre a análise gnoseológica e a das
Weinschenk, a consciência não passa de uma função fisiológica interpretação biologizante de
Iл is. Dessa forma, rejeita a
do cérebro, que pode ser considerada abstraindo-se inteiramen¬
te do conteúdo psicológico ao qual está ligada. A análise do
Weinschenk e aprofunda o exame de todo o problema. En-
iirianto, tanto quanto podemos julgar, comete uma série de
problema da localização apresentada por Weinschenk con¬
vencemos de que é realmente disso que se trata. imprecisões típicas.
Responde ele negativamente à questão da possibilidade de
Depois de fazer essa análise e de precisar corretamente, localização da consciência. Segundo sua opinião, reservar para
no nosso entender, que, em princípio, a consciência é locali-
essa localização uma zona correspondente, com base no fato
zável, Weinschenk chega à conclusão de que a zona mais pro¬
de que seria indispensável para a realização da consciência,
vável para essa localização são as formações subcorticais, uma
vez que, após a hemisferectomia, os animais não
implica uma ampliação ilimitada dessa zona. Segundo Muller,
perdem a essa deve ter uma amplitude indefinida também porque, se¬
faculdade elementar de reagir e de adaptar-se, etc. Semelhante gundo a fisiologia evolutiva, a representação cerebral de fun¬
conclusão torna evidente que, para Weinschenk, a consciência ções fisiológicas nòvas tem uma extensão crescente. Levando
nada mais é que a faculdade subjetiva de experimentar sensa¬
em consideração essas circunstâncias, pode-se, do ponto de vista
ções, podendo existir como função potencial do substrato ce¬ de Muller, falar de uma localização cerebral das premissas
rebral e não dependendo, em princípio, daquilo que precisa¬ fisiológicas da consciência, mas não da própria consciência.
mente é sentido. Com semelhante interpretação, a consciência
Entretanto, essa argumentação não nos parece suficiente¬
fica desprovida de sua génese social e de fato é identificada à
mente rigorosa. Se, realmente, a zona de localização das con¬
noção de psiquismo, ocorrendo uma penetração injustificada
da representação gnoseológica da consciência em sua concep¬ dições indispensáveis à realização da consciência é dificilmente
dclimitável, a da localização dos fatores que determinam as
ção puramente ontológica, o que confunde toda a análise
ulterior. propriedades essenciais da consciência pode, contrariamente,
ser bastante estreita. Fessard sublinha justamente essa circuns¬
Consequentemente, não poderíamos estar de acordo com tância, na qual vê precisamente uma razão para destacar uma
a análise proposta por Weinschenk. Seu defeito principal con¬ categoria determinada de estruturas cerebrais e de processos
siste no que se chama de biologização de todo o problema da nervosos em relação particular com a consciência. Pode-se facil¬
consciência, na compreensão simplista dessa como função pu¬ mente responder ao segundo argumento de Muller, indicando
ramente fisiológica, na redução de toda a questão da natureza que a extensão crescente da representação cerebral de funções
social da consciência ao problema apenas dos conteúdos con¬ mais novas, do ponto de vista filogênico, oculta quase sempre
cretos dessa última em uma palavra, na volta ao antigo en¬ uma complicação, que não é difícil de detectar, do caráter sis¬
tendimento da consciência como certa forma ou modo de témico dessas funções, complicação que em nada suprime a
experiências vividas, tão indiferentes ao que realmente foi questão de princípio essas funções são localizáveis? Final¬
vivido como o são os tonéis em relação ao vinho que contêm, mente, ao que nos parece, a formulação final de Miiller de que
como assinala ironicamente L. Vygotsk. No que diz respeito às "somente são localizáveis as premissas da consciência, mas
ídéias interessantes de Weinschenk sobre a relação entre a cons¬ não essa última como tal" é extremamente típica de muitos
ciência e os processos nervosos que preparam sua atividade, dos adeptos da tendência sociológica na interpretação do pro-

132 133
blema da consciência. Ela conduz inevitavelmente à ruptura Por fim, algumas palavras sobre o trabalho de Fessard,
entre a idéia da consciência e a representação de um substrato que já foi caracterizado mais acima. Da mesma forma que
cerebral concreto, uma vez que repousa num desvio lógico Weinschenk, Fessard resolve positivamente o problema da lo-
cometido por Muller, e que Soukal assinala com justeza, a subs¬ i .ilização da consciência. Mas, diferentemente
de Weinschenk,
tituição da noção de consciência individual pela de consciên¬ não liga essa última somente à atividade da formação reticulada
cia social. do tronco cerebral, admitindo a possibilidade de uma inter¬
Não podemos concordar com a tese de que a consciência venção direta de sistemas cerebrais mais amplamente difundi¬
individual não é localizável, se queremos ser consequentes do dos, entre os quais os sistemas corticais, na atividade da cons-
ponto de vista dos princípios metodológicos iniciais. Se é a I iência. Fessard questiona também se o papel
desempenhado
própria atividade nervosa superior que se encontra na base na atividade da consciência pelas estruturas extracorticais se
da consciência individual, somos obrigados logicamente a re¬ esgota nos efeitos que facilitam ou inibem, e em que medida.
conhecer que a consciência é localizável e realizável pelo mes¬ Seus argumentos, que apresentam incontestável interesse no
mo substrato cerebral que cumpre a atividade nervosa
supe¬ plano neurofisiológico, apóiam-se na análise das propriedades
rior A interpretação contrária (segundo a qual somente a finas da estrutura das redes neurônicas e levam a admitir que
atividade nervosa é localizável, mas não a consciência indi¬ esse papel se reveste de caráter muito mais complexo (o de
vidual) será logicamente incompatível com a idéia da unidade uma "participação direta na integração") Esses argumentos
da consciência e da atividade nervosa superior, e se aproxima refletem o espírito das interpretações que se vêm consolidando
indiscutivelmente da ruptura idealista típica entre a teoria da cada vez mais na neurofisiologia atual, destacando a depen¬
consciência e a teoria do cérebro evocada anteriormente. dência das particularidades do psiquismo e da atividade ner¬
vosa superior em relação à interação funcional das estruturas
Essa a razão por que Soukal está totalmente certo quando
nervosas localizadas em diferentes níveis do eixo cerebral.
indica que a idéia de Muller, segundo a qual a consciência não
é localizável, só é válida subentendendo-se a consciência social.
Como Weinschenk, Fessard não aborda a questão da de¬
terminação social da consciência. Sua análise do problema da
Aplicar essa tese à consciência individual significa condenar-se consciência permanece puramente fisiológica e, por isso,
à confusão filosófica*. Disso decorre que não podemos tam¬
é obrigado a examinar apenas um aspecto particular desse
bém estar de acordo com a maneira como Muller aborda o pro¬ vasto tema. Seus dados referem-se ao nível de lucidez da
blema. Entretanto, não há dúvida de que sua interpretação, consciência, aos mecanismos do "nível de vigília", à conexão
em muitos pontos, é interessante e bem-fundamentada.
Quanto entre os processos de integração e a estrutura das redes nervo¬
aos fatos que suscitaram objeções críticas por parte de Muller, sas, etc. Mas esses têm uma relação apenas indireta com o
a respeito do problema do inconsciente, assim como
quanto às problema da consciência entendido como um problema de
considerações de Weinschenk a esse respeito, ainda voltaremos relação. Por isso, a questão fundamental da teoria da consciên¬
mais adiante. cia a síntese dos dados da fisiologia e da psicologia, a de¬
pendência do conteúdo da consciência como relação do estado
do "nível de vigília" e, inversamente, a influência dos conteú¬
* Entretanto, Soukal desenvolve essa justa crítica baseado num pre¬ dos da consciência nos processos e propriedades da atividade
texto mal-escolhido. Imagina que o erro de Muller é
revelado pelo cerebral essa questão não foi sequer colocada nos trabalhos
fato de que, segundo ele o conteúdo da consciência seria
do por relações de caráter somente social, enquanto o
constituí¬ ale Fessard e da corrente que ele representa.
conteúdo da
consciência individual pode ser, igualmente, de acordo com Soukal,
os elementos anti-sociais. Muller poderia objetar a Soukal,
mos¬
trando que qualquer conteúdo da consciência individual já é, em § 56 O tema do "inconsciente'' como um dos aspectos
virtude da sua verbalização, um produto social e, consequente¬ da teoria geral da consciência
mente, não se justifica dividir os conteúdos da consciência indi¬
vidual em conteúdos que refletem ou que não refletem as rela¬
ções sociais. Assim, Soukal tem razão no que diz respeito à Podemos, agora, resumir as causas que nos induziram a
essên¬
cia da discussão, mas a escolha do pretexto para sua crítica
é
•examinar o problema do inconsciente antes de analisar o da
evidentemente errónea. consciência.

134 135
O breve resumo feito acima não deixa lugar a dúvida no de geração de modelos do cérebro, de reflexo da realidade pela
que diz respeito à extensão assumida pela análise biologizante consciência na base da sua presença a essa última*, a inter¬
do problema da consciência, análise em que a noção de cons¬ pretação biologizante perde irremediavelmente todo acesso ao
ciência é identificada essencialmente com a de "formas com¬ que há de mais característico na categoria da consciência. De
plexas de integração da experiência" Os trabalhos dos adep¬ lato, o problema da consciência é substituído por outro muito
tos dessa forma de abordar o problema encerram numerosos mais complexo, o dos mecanismos da integração nervosa, sendo
dados preciosos referentes aos mecanismos fisiológicos em que que essa confusão de categorias permanece, frequentemente,
repousa a atividade integrante do cérebro; entretanto, relegam (Ies percebida. Diante dessa visão, a questão do inconsciente
sempre a segundo plano, quando não excluem totalmente, o lambém desaparece é inteiramente evidente que não se pode
problema da consciência como relação, a questão das funções falar das particularidades do inconsciente a não ser no caso
reguladoras específicas da consciência e, da mesma forma, a em que essas particularidades são opostas às da atividade cere¬
da relação da consciência com os fenómenos psíquicos e as bral que determina a tomada de consciência.
formas da atividade nervosa superior que se desenvolvem sem
No que concerne à abordagem sociológica do problema
a tomada de consciência.
tia consciência, do mesmo tipo daquela que é apresentada na
O Simpósio de Roma (118) dedicado ao exame do pro¬
obra de Muller, por exemplo, vemos que seu aspecto débil
blema dos Mecanismos Cerebrais da Experiência Consciente
consiste numa demarcação insuficientemente clara entre as
("Brain and Conscious Experience") forneceu inúmeras pro¬
concepções da consciência individual e social. Nessas condi¬
vas convincentes. Diversos informes apresentaram dados novos.
e interessantes a respeito dos mecanismos fisiológicos e morfo¬
ções, o problema do inconsciente encontra-se igualmente afas¬
tado, se bem que devido a outra causa a representação do
lógicos da atividade cerebral, mas muito mais raramente as
inconsciente não pode penetrar nas teorias sociologizantes da
discussões levantavam a questão do papel diferenciado desses consciência, a não ser em sua tónica idealista extremada,
mecanismos no trabalho consciente e inconsciente do cérebro.
fazendo-a perder, naturalmente, todo valor científico.
Em consequência, toda a discussão a respeito dos mecanismos
cerebrais da "experiência consciente" ("conscious experience") Assim, vemos a que ponto o destino do probelma do in¬
desenvolveu-se sem que se destacassem claramente os elemen¬ consciente está ligado ao da consciência em seu sentido mais
tos que, nessa atividade consciente do cérebro, são os mais amplo. O problema do inconsciente, em suma, só aparece como
típicos. Tendências semelhantes podem ser acompanhadas nas tema particular numa abordagem determinada do problema
comunicações feitas no Simpósio pelos morfologistas Coton¬ da consciência, e sua solução depende em muito da maneira
nier e Andersen, nos informes de generalização de Eccles e como esse problema mais geral é entendido Essa circunstância
Adrina, nas comunicações muito importantes para a teoria revelou-se claramente, em particular, no Simpósio de Moscou
a respeito do Problema da Consciência, de 1966 (71) . Como
geral do trabalho cerebral de Bremer, Mountcastle, Creutzfeld,
o ponto de partida metodológico da grande maioria dos infor¬
Phillips e outros. Apenas o informe de MacKey, refletindo cla¬
ramente uma abordagem do problema da consciência a partir
mes desse Simpósio era a concepção da consciência como rela¬
das posições da teoria moderna da regulação biológica, assim ção, as análises biologizantes do problema da consciência quase
como as comunicações de Jasper, Sperry e co-autores conti¬
nham tentativas mais insistentes de esclarecimento dos elemen¬
* A presença do real à consciência é um termo conveniente
tos suscetíveis de participar, em certa medida, da determinação introduzido por Leontiev e que sublinha que, quando da tomada
do caráter consciente ou, ao contrário, inconsciente do traba¬ de consciência, o conteúdo do vivido constitui não só o reflexo
lho cerebral. imediato do real, mas também a atitude do sujeito diante do pro¬
cesso desse reflexo. A tomada de consciência tem como conse¬
Tais são as dificuldades com que esbarra inevitavelmente quência, de alguma forma, uma duplicação singular do refletido
a análise biologizante do problema da consciência. Se não se (a percepção do real em sua separação do sujeito), permitindo
coloca esse problema como um problema de relação e se não se regular a ação através da utilização prévia do modelo interno
(psíquico) dessa ação presentada à consciência. Voltaremos a todas
liga sua análise às representações modernas gerais da atividade essas noções complexas, mas necessárias.

136 137
não encontraram eco. Isso determinou, na maioria dos casos, formas nervosas que participam da realização do comporta¬
uma colocação adequada, do ponto de vista metodológico, do mento de adaptação; c) sugeridos pelas representações moder-
problema dos mecanismos fisiológicos da consciência. Os in¬ I nas da organização funcional da ação.
formes de N Grachtchenkov e L. Latache, assim como os de
V. Kremianski e outros, mostraram que era possível elaborar
esse problema de maneira interessante, sem desvios lamentá¬
§ 58 Sobre a estrutura psicológica da experiência vivida
veis da teoria geral dos mecanismos da integração cerebral, e,
conscientemente
ao contrário, destacaram os aspectos específicos da interpre¬
tação fisiológica da consciência. Com isso ficou facilitada a
possibilidade de uma interpretação correta do problema do Antes de tudo, procuraremos entender por que e em que
inconsciente, que facilmente foi inscrita nos marcos das inter¬ medida a colocação do problema do inconsciente decorre da
pretações teóricas gerais que predominaram no Simpósio. maneira atual de entender a estrutura psicológica do vivido
conscientemente.
S. Rubinstein destacou (74) que o vivido apreendido pela
consciência só aparece quando o homem se considera separado
II. AS FUNÇÕES PRINCIPAIS DAS FORMAS NÃO- do mundo dos objetos que o cerca. O vivido conscientemente
CONSCIENTES DA ATIVIDADE NERVOSA SU¬ está indissoluvelmente ligado à contraposição do sujeito ao
PERIOR (ELABORAÇAO DA INFORMAÇÃO E mundo circundante como a uma espécie de realidade exterior
FORMAÇÃO DE ATITUDES) É um vivido baseado na transformação, na consciência do su¬
jeito, dessa realidade em objeto, isto é, em algo separado do
sujeito, que o percebe, algo que não coincide com ele. Dentro
§ 57 Dados que determinam a necessidade de uma dessa visão, o vivido conscientemente intervém, ao que parece,
análise do problema do "inconsciente" como uma forma altamente complexa da atividade psíquica,
que só aparece na presença de premissas determinadas. A mais
Detivemo-nos no problema da consciência a fim de me¬ importante dessas premissas é um desenvolvimento suficiente
lhor entender o que, na teoria geral da consciência, nos obriga da faculdade de generalização e de fixar na linguagem as gene¬
exatamente a voltar-nos para a idéia do inconsciente Está per¬ ralizações que atingiram o nível de conceitos verdadeiros (L.
feitamente claro que a teoria das formas do psiquismo e da Vygotski)
atividade nervosa superior não-conscientes não pode pretender Mas se é assim, torna-se incontestável que o vivido cons¬
uma atenção maior, merecendo uma elaboração cuidadosa so¬
cientemente é uma forma do psiquismo, cujas premissas ama¬
mente no caso em que o estudo geral da consciência nos con¬
durecem longamente não só durante a evolução filogênica, mas
duza a essa teoria como parte indispensável desse estudo, no
caso em que não haja dúvida alguma de que, ao fazer abstração
também durante a ontogênese do homem. Graças principal¬
mente às profundas pesquisas de Vygotski e de sua escola (26,
das representações do inconsciente, não possamos entender a
27, 28, 52) , a psicologia soviética pôde mostrar de maneira
fundo a atividade do cérebro.
convincente toda a complexidade da passagem do nível de
Agrupemos agora os dados que constituem, atualmente, idade em que ainda está ausente essa delimitação entre o su¬
motivo para colocar o problema do inconsciente. Esses são, jeito que percebe e o mundo circundante ao nível de idade em
incontestavelmente, de caráter muito mais profundo do que que essa delimitação já existe. E essa passagem é, ao mesmo
os que serviam de base para a discussão da questão do incons¬ tempo, uma transição do período da atividade psíquica incons¬
ciente no final do século passado e início deste. Examinaremos ciente à fase em que os fenómenos psíquicos são apreendidos
três de seus aspectos, mais exatamente, os dados, a) que de¬ pela consciência primeiro de modo confuso, e depois com
correm da representação moderna da estrutura psicológica do uma clareza cada vez maior No estrangeiro, Binet, Claparède
vivido apreendido pela consciência, b) postos à nossa disposi¬ e, mais tarde, Piaget, Wallon e outros deram grande atenção
ção, ultimamente, para as pesquisas sobre a atividade das à análise psicológica experimental dessa transição.

138 139
Dessa postura decorre uma conclusão de grande impor¬ excitação executar determinada instrução. Se, em relação ao
tância. Uma vez que os fenómenos psíquicos não se tornam sinal dado, assim como em relação a inúmeras outras excita¬
conscientes simplesmente porque ocorrem devido a alguma ções simultâneas, esse homem se destaca de seu meio circun¬
qualidade imanente, mas somente na presença de determinadas dante e, consequentemente, percebe esse meio como uma rea¬
condições fisiológicas e psicológicas, isso significa que deve¬ lidade objetiva que se opõe a ele, percebe igualmente o sinal
mos considerar a inconsciência dos fenómenos psíquicos como acústico dado como um elemento dessa realidade em correlação
uma particularidade extremamente importante de uma com outros elementos. Em outras palavras, nesse caso o homem
determinada do desenvolvimento do psiquismo normal numa
fase
não só ouve esse sinal, como também sabe que o ouve. E isso
certa idade. Entretanto, ao tirar essa conclusão, enveredamos
significa que o sinal está presente na consciência, que é perce¬
por um caminho no qual não é possível dar apenas um passo. bido de maneira consciente, que, para empregar os termos de
Com efeito, admitindo a existência de formas não-cons- Rubinstein, "se destaca da vida a reflexão a seu respeito" ou,
cientes do psiquismo em etapas determinadas da ontogênese para expressar-se como Leontiev, que se produz o fenómeno do
normal, encontramo-nos logo diante de questões inevitáveis: "estar presente" à consciência dos conteúdos psicológicos.
quadros análogos (das formas não-conscientes do psiquismo) Mas outra variante é possível. Um homem percebe um
não podem ser igualmente observados em certas condições excitante acústico e age de acordo com o sentido do que ouve,
objetivas, num estado funcional determinado do sistema ner¬ sem se desprender, enquanto sujeito da ação, da realidade
voso central, mesmo após estar terminado o processo da onto¬ objetiva. Nesse caso, não toma consciência desse sinal; esse
gênese normal das estruturas cerebrais? E se formas seme¬ sinal não entra no sistema do reflexo consciente da realidade
lhantes da atividade psíquica surgem, em condições normais, objetiva*. A análise psicológica sistemática de tais fatos de¬
como a expressão de um desenvolvimento inacabado, sua apa¬ monstrou que os excitantes podem agir sobre o indivíduo na
rição não se torna antecipadamente provável, sob a forma qualidade de sinais que provocam em resposta uma atividade
de uma regressão patológica em condições clínicas? E, para complexa sem que esse tenha tomado a consciência clara a) do
terminar, se existem fenómenos psíquicos inconscientes (isto estímulo em ação; b) do motivo que suscita a realização da
é, se existem estados em que o psiquismo do sujeito, refletindo reação; c) da realização dessa própria reação.
o mundo exterior, se torna ele próprio o conteúdo de um re¬
Essa dissociação singular entre a ação do excitante e o
flexo apenas de maneira deformada, ou não se torna em abso¬ reflexo desse último na consciência (dissociação entre a rea¬
luto) , não significa isso que, em semelhantes casos, surja so¬ ção ao sinal e sua tomada de consciência) não é observada só
mente um dano psíquico local, somente uma redução limitada no início da ontogênese, muito pelo contrário. Os trabalhos de
das possibilidades de refletir ou que, antes, se observe um dis¬ A. Leontiev revelaram, de modo preciso, que se produz igual¬
túrbio da função refletora em seu todo, em razão do qual se mente em numerosos casos como função da estrutura psicoló¬
modificam inúmeras características do psiquismo e do com¬ gica da ação (como função do "deslocamento do motivo para
portamento? o objetivo", etc.) , quando a atividade psíquica normal está
Numerosas pesquisas experimentais psicológicas e clí¬ inteiramente constituída. Mas, sob forma muito mais pronun¬
nicas, efetuadas com o recurso a diversos métodos, por A. ciada, é observada nas mais diversas variantes da patologia
Leontiev e seus colaboradores (52) , assim como por L. Perel-
man (67) , L. Kotliarevski (44) , V. Fadccva (89) e muitos
outros, permitem-nos responder, em certa medida, a essas
tões, não obstante toda a sua complexidade.
ques¬
clínica da consciência.

С 1
'
_____
Não há dúvida de que a existência no homem de reações

---
provocadas por estímulos inconscientes e que se desenrolam
1 1. Л

Essas pesquisas, que tinham por objetivo elucidar as par¬


ticularidades de diversos fenómenos psíquicos inconscientes,
revelaram que os sinais podem ser percebidos do ponto de "A esfera do psíquico, não entrando na consciência, é constituída
vista psicológico de duas maneiras. Por exemplo, um homem por fenómenos psíquicos que funcionam como sinais, sem ser as
imagens dos objetos apreendidos pela consciência por seu inter¬
pode perceber uma excitação acústica e, sob a influência dessa médio" (73).

140 141
notório que a grande maioria dos processos vegetativos se atos que nao são suficientemente opostos com clareza ao Eu
relaciona a essa categoria das formas inconscientes da ativi- como elementos da realidade objetiva. Se a dissociação é mais
dade fisiológica. Mas dois fatores conferem ao fenómeno de brusca (como se observa, por exemplo, nos afetos plenos de
dissociação um interesse particular Observando-os, vemos, em lensão patológica, que exigem uma descarga imediata) , surgem
primeiro lugar, que a função sinalizadora pode conservar-se formas de conduta que não têm ou quase não têm reflexo ade¬
sem a participação da consciência, mesmo para os excitantes quado na consciência.
de natureza mais complexa, que se incluem na categoria dos Entretanto, em sua realização, tomam parte às vezes as
estímulos semânticos. Em segundo lugar, convencemo-nos de formas mais complexas da atividade nervosa superior, de que
que as reações provocadas por semelhantes excitantes, e que é capaz o indivíduo em questão.
se apóiam de maneira evidente nas formas superiores da ativi- Enfim, é sem dúvida na clínica psiquiátrica que se podem
dade analítica e sintética, podem, em certas condições, não observar os quadros mais claros e variados.
exigir, para realizar-se normalmente, uma tomada de consciên¬ Na literatura, há inúmeras descrições de atos que objeti-
cia dos verdadeiros motivos que se encontram em sua base, vamente têm uma finalidade rigorosa, levados a cabo por
como é o caso, por exemplo, nas experiências de Horvay e
epilépticos em estados crepusculares típicos do seu mal (isto
Cerny (173) com as alucinações pós-hipnóticas negativas, ou é, em condições de distúrbio profundo da tomada de consciên¬
nas de autodespertar de Marguerite. Tudo isso mostra que cia do seu comportamento por parte do doente) , lembremos,
mesmo as formas mais complexas da atividade cerebral, consi¬ por exemplo, o caso clássico de Legrand du Saulle (36) Pavlov
deradas por tradição como ligadas indissoluvelmente à cons¬ construiu, baseado na análise de estados semelhantes observa¬
ciência, podem transcorrer em dissociação em relação a essa dos na histeria, sua concepção das inter-relações córtico-sub-
(fora dos seus limites) corticais nessa afecção (63) Em numerosas outras enfermida¬
des que vêm acompanhadas de um distúrbio seletivo do "es¬
quema corporal" (91) , de uma alienação dos elementos do
§ 59 O fenómeno da "dissociação" psíquica
próprio psiquismo do enfermo o que é observado principal¬
mente em algumas síndromes orgânicas locais (34, 92, 45, 93,
A dissociação entre a atividade psíquica e a consciência
127, 46) —, de uma tendência à desagregação da representa¬
pode manifestar-se em diferentes níveis. S. Rubinstein mostra
ção normal das relações entre o Eu e o mundo objetivo, isto
o que significa um nível mais débil, incompleto, de tal disso¬
é, de uma confusão das principais projeções das experiências
ciação Pode ela ser observada, diz ele, quando nascem emoções
vividas que caracterizam a esquizofrenia, em todos esses esta¬
complexas em certas etapas da maturação ontogênica, nos esta¬ dos depara-se com distúrbios muito semelhantes, que se expres¬
dos afetivos mais diversos, nos impulsos d'alma que em certas sam através da impossibilidade ou da perturbação da apreen¬
ocasiões constituem a base da criação e que inspiram a pena, são das experiências vividas pelo sujeito.
o pincel ou o buril do artista. Em tais casos, a imperfeição da
Generalizando, pode-se dizer que é necessário levar em
tomada de consciência do afeto nascente não consiste, certa¬
consideração não só o fenómeno mesmo de dissociação, mas
mente, no fato de que os sentimentos e os estados de espírito
também, pelo menos, três dos seus níveis. No primeiro, a
que lhe correspondem não sejam percebidos subjetivamente, dissociação é pouco pronunciada, e, por isso, se expressa pela
mas em que não estão claramente apreendidos pelo sujeito existência de experiências vividas que estão insuficientemente
como tais, isto é, não são percebidos como estados subjetivos colocadas em relação com outros conteúdos psíquicos e situa¬
que se encontram numa relação determinada com os outros ções objetivas. No nível seguinte, são os distúrbios não tanto do
estados subjetivos e o mundo dos objetos. grau como da qualidade da tomada de consciência que apa¬
Pode-se observar ainda a mesma dissociação nos atos im¬ recem em primeiro plano. O sujeito toma consciência do
pulsivos. Manifesta-se nos atos que o sujeito lembra ter reali¬ vivido, mas sua oposição normal à realidade objetiva é pertur¬
zado, mas que ao mesmo tempo não se expressam através das bada, os limites entre o Eu e o mundo circundante são estra¬
suas conseqiiências no momento do seu cumprimento, nos nhamente confundidos, a "separação da vida da reflexão dessa

142 143
vida" (S. Rubinstein) se produz, mas essa reflexão se reveste síndromes psicopatológicas. Seu aspecto forte é a definição
de formas monstruosas, grotescas, mórbidas, que podem ser precisa do conjunto dos estados que podemos considerar como
observadas em abundância tanto na clínica de distúrbios fun¬ manifestações das formas normais, não-apreendidas pela cons¬
cionais como nas psicoses orgânicas. O terceiro nível carac- ciência, da atividade psíquica.
teriza-se pelo grau mais profundo do distúrbio da tomada de
consciência, no qual a dissociação é mais acentuada, é um
divórcio completo entre o conteúdo atual das experiências vi¬
vidas e a atividade cerebral, que permanece, entretanto, adap¬ § 60. O problema da não-apreensibilidade dos fenóme¬
tável sem ser diretamente controlada pela consciência. nos psíquicos pela consciência e da não-perceptibi-
lidade dos processos de elaboração cerebral da
Para cada um desses níveis, é importante levar em con¬
informação
sideração a singularidade da sua relação com a clínica e a
norma. Se o primeiro desses níveis pode intervir claramente
nas condições da norma psíquica completa e caracteriza as A análise dos diversos níveis de expressão do fenómeno da
fases de início do desenvolvimento dos afetos, o momento do dissociação e das diversas formas clínicas de perturbação da
surgimento das emoções, etc., e se o segundo é especifico dos tomada de consciência permite melhor entender muitos outros
distúrbios mentais e nervosos, o terceiro (o que parece ini¬ aspectos relativos à essência do problema do inconsciente. Os
cialmente um tanto inesperado) pode manifestar-se tanto na -dados dessa análise destacam, antes de tudo (por mais sur¬
patologia clínica como nas condições de plena normalidade. preendente que isso possa parecer a nossos opositores psicana¬
A diferença entre a norma e a patologia consiste, nesse caso, listas) , o esquematismo simplista da solução proposta, no seu
em que, nas condições clínicas (as formas clássicas da disso¬ tempo, pelo freudismo para o problema do inconsciente. Com
ciação epiléptica, por exemplo) , a dissociação intervém como efeito, a concepção psicanalítica só prevê uma alternativa es¬
fenómeno inerte, que pouco se modifica, seguindo o caráter e trita seja uma tomada de consciência adequada do vivido, seja
a ausência de toda tomada de consciência (a repressão) . Con¬
a estrutura psicológica da ação, ou é até irreversível, enquanto
que, na norma, conserva invariavelmente formas muito dinâ¬
micas e reversíveis, que funcionam como um dos mecanismos
sequentemente, toda a imensa gama de estados transitórios
mais importantes da atividade de adaptação e dão a essa, em entre esses dois pólos, representada por modalidades clínicas
algumas fases do seu desenvolvimento, o caráter de auto¬ variadas da perturbação da tomada de consciência (isto é, o
matismo. -conjunto de estados em que seria tão inexato falar de uma
Vamos deter-nos ainda nesse papel normal da dissociação tomada de consciência adequada dos fenómenos psíquicos
pronunciada, quando examinarmos a participação do incons¬ • como de uma ausência total de semelhante tomada de cons¬
ciente na organização funcional da ação. ciência) , está excluída do esquema psicanalítico fundamental.
Essa maneira de entender a consciência normal como rela¬ Evidentemente, semelhante exclusão só leva a um empobre¬
ção adequada entre o sujeito e o mundo objetivo e a cons¬ cimento lamentável do verdadeiro quadro de relações exis¬
ciência patológica como a expressão e a consequência da desa¬ tente.
gregação dessa função complexa, que só aparece progressiva¬
Podem-sc formular muitos outros argumentos em favor
mente durante a ontogênese normal, se diferencia em vários
do fato de que a clínica de toda função cerebral revela sempre
pontos das análises do problema dos distúrbios da consciência,
tradicionais na psiquiatria clínica e ditadas principalmente a existência de inúmeras variantes de uma afecção parcial,
pelas necessidades do diagnóstico prático (71, 34, 1) Entre¬ alteração mórbida ou perturbação dessa função, variantes que
tanto, semelhante entendimento apresenta uma vantagem im¬ precedem seu desaparecimento total. O polimorfismo do
portante liga-se logicamente à teoria psicológica da onto¬ quadro de semelhantes alterações patológicas é tão mais pro¬
gênese normal e, talvez em virtude disso, merece ser aplicado nunciado quanto mais complicada é a função em sua estru¬
(se não preferencialmente) como critério na classificação das tura. Mas, ao aceitar a postura psicanalítica, somos obrigados

144 145
a admitir que a função mais complexa
— a tomada de cons-
ciência — constitui, não se sabe por quê, a única exceção a essa
tomo manifestações singulares da atividade nervosa superior,
que asseguram os processos complexos de adaptação, baseados
regra extremamente ampla. É pouco provável que seja neces¬ muna sutil apreciação das particularidades da situação obje¬
sário fundamentar o quanto de simplista tem semelhante com¬ tiva, enquanto o vivido desses processos, como dado subjetivo,
preensão. Ao se contentar com essa alternativa pouco compli¬
pode, aparentemente, ser reduzido ao extremo ou até mesmo
cada "ou a tomada de consciência, ou a repressão", o freu- estar ausente.
dismo deixa escapar, de fato, toda a patologia clínica dos pro¬
cessos de tomada de consciência. Por isso, não é surpreendente Aceitando essa interpretação, devemos ter claro que ela
que, ao tratar dessa patologia, tenha chegado a conclusões se baseia unicamente numa extrapolação lógica. Não temos a
gerais e unilaterais e, consequentemente, incorretas. possibilidade de analisar diretamente as impressões vividas,
por exemplo, por um epiléptico que executa um ato objeti¬
Essa é a primeira circunstância que queremos destacar. A
va mentedirigido para um objetivo e seguido de amnésia. En¬
segunda é relativa ao caráter psicológico e à natureza fisio¬
tretanto, em casos semelhantes, estamos diante de uma ativi¬
lógica dos processos que intervêm na dissociação, assim como
dade que indica que, em seu desdobramento, o cérebro do
às questões de terminologia.
doente intervém como mecanismo capaz de assimilar a infor¬
Em uma dissociação pronunciada, encontramo-nos diante mação e elaborá-la logicamente. Graças aos progressos da simu¬
de uma atividade cerebral muito original. Essa atividade apa¬ lação cibernética das funções psíquicas, até mesmo as formas
rece, numa análise objetiva, como pertencendo incontestavel¬ mais complexas da elaboração lógica da informação podem,
mente à atividade nervosa superior, pois utiliza os elementos
agora, ser realizadas por estruturas materiais cuja atividade
da experiência adquirida individualmente e, às vezes, os mais de modo algum vem acompanhada de uma tonalidade subje¬
complexos métodos de elaboração da informação de que dis¬ tiva (da faculdade de sentir as impressões vividas); essa a
põe seu sujeito. E, contudo, não é tão fácil responder à ques¬ razão por que extrapolamos essa representação para o que
tão de saber em que nível essa atividade é psíquica, isto é, diz respeito ao cérebro.
em que medida está acompanhada, no momento de sua reali¬
Pode-se acrescentar a isso que, independentemente de
zação, de impressões vividas definidas, mesmo que não sejam
apreensíveis. A hipótese mais provável é que, em diferentes
qualquer analogia com os modelos dos dispositivos técnicos,
devemos levar em conta os fatos postos em evidência, nestes
níveis de dissociação, a expressão da modalidade subjetiva do
últimos anos, graças ao estudo dos processos da criação cien¬
vivido deve também variar.
tífica ou artística e, particularmente, graças à análise da lógica
Semelhante entendimento põe em evidência toda a com¬ da atividade do pensamento realizada pela corrente heurística
plexidade da natureza do inconsciente e nos obriga a admitir contemporânea*. Esses dados indicam-nos de maneira convin¬
formas qualitativamente diferentes de sua manifestação. Como cente que na base de inúmeras formas da atividade intelectual
o destaca, com razão, S. Rubinstein, quando a dissociação é
.se encontram processos nervosos cujo desdobramento perma¬
pouco marcada, a não-apreensibilidade de formas definidas da nece, durante essa elaboração, "fora dos limites da consciên-
atividade cerebral não está absolutamente associada à sua não- ( ia". É necessário reconhecer como uma das conquistas mais

perceptibilidade como dado subjetivo. Essa a razão por que, marcantes da neurofisiologia, nos últimos anos, o fato de que,
em tais condições, estamos indiscutivelmente diante de uma
cm certa medida, ela tenha avançado na simulação de algumas
atividade psíquica que não se distingue da habitual, a não
particularidades dessa base nervosa latente muito complexa
ser por faltar, em seu desdobramento, uma correlação adequa¬
da consciência.
da das impressões vividas com o mundo dos objetos. Se, ao con¬
trário, a dissociação se reveste de formas brutais, encontramo-
nos na presença de processos nervosos que apenas intervêm (§ 73).
* Mais adiante daremos a característica dessa corrente
146 147
Tudo isso nos faz voltar repetidamente à idéia de que as A consciência e o nível de vigília
61
alternativas do esquema de Freud estavam bem distantes da
indizível complexidade das relações com que esbarramos (tostaríamos agora de nos deter em algumas conjecturas
quando começamos a analisar as manifestações qualitativa¬ и I.uivas aos processos fisiológicos que determinam a
ativida¬
mente diferentes do inconsciente Essa análise mostra
osten¬ de cerebral, permanecendo fora dos limites da consciência.
sivamente que é necessário entender por inconsciente os pro¬ f. necessário assinalar, desde o início, que certamente
cessos cerebrais que, para diferentes níveis de dissociação, não < nula estamos longe do conhecimento da organização
neurô-
podem aspirar, na mesma medida, ao título de fenómenos iiii.i concreta das formas não-conscientes da atividade nervosa
psíquicos. Precisamente por isso, é útil conservar, para desig¬ superior e do psiquismo. Permanece obscuro até mesmo em
nar uma categoria definida de processos similares, a expressão que medida se pode falar de uma diferenciação dos processos
formas da atividaãe nervosa superior não-apreendidas pela icicbrais que realizam as formas conscientes e não-conscientes
consciência (como A. Snejnevski propôs no seu tempo) Essa ÿ l.i atividade cerebral. Não temos ainda uma idéia do que
Icpresenta o suplemento fisiológico específico, graças
ao qual
designação mostra, aliás, mais uma vez, a circunstância im¬ segundas e vice-
primeiras dessas formas transformam-se nas
portante (principalmente na controvérsia com o freudismo) I
brumas espes¬
vrrsa. Nesse ponto, tudo ainda está envolto em
de que, em quase todas as condições, a única forma de mani¬ de igno-
sas (esperemos que sejam as que precedem a aurora)
festação do inconsciente é constituída pelas reações objetivas que, há meio século,
IЛ ucia, quase tão espessas quanto aquelas,
que o exprimem*
levaram Freud às suas idéias pessimistas respeito da impro¬
a
dutividade das categorias fisiológicas como meios para ela¬
1
borar as concepções psicológicas.
Na Sessão Pansoviética Relativa a Questões
Filosóficas da Ativi-
dade Nervosa Superior e de Psicologia, em 1962, B. Teplov e Apesar de tudo, cometeríamos grande erro se, ao examinar
outros o inconsciente, perdêssemos de vista a análise de
suas bases
externaram a opinião de que a expressão "atividade nervosa su¬
perior não-apreendida pela consciência" seria fisiológicas. Devemos somente apresentar o aspecto específico
imprópria, pois a
atividade nervosa superior como tal é sempre inconsciente (é a rea¬ no qual essa análise deve repousar
lidade circundante que é apreendida pela consciência,
No caso em exame, deve-se, por enquanto, tratar não
não os tan¬
processos nervosos que asseguram a percepção
dessa realidade) fisiológicos concretos, que realizam as
Do ponto de vista formal, essa crítica é justa. to de certos mecanismos
Entretanto, pensa¬ de tendências de¬
mos que o emprego da expressão "forma da atividade
nervosa su¬ manifestações que nos interessam, quanto
perior não-apreendida pela consciência" é útil
caso se subentendam terminadas no desenvolvimento atual das representações fisio¬
lógicas. Essas tendências explicam por que somos obrigados a
por isso as formas superiores da atividade de adaptação
do cérebro,
caracterizadas pela ausência não somente da sua tomada de inconsciente como
I cconhecer a realidade do fenómeno do
consciência, mas da sua reflexão no sistema de impressões vivi¬ estabelecem, ao mesmo
das do sujeito. Essa ausência de "modalidade do uma das formas da atividade cerebral e
vivido" permite teóricas gerais para esclarecer a base neuro-
distinguir as "formas não-conscientes da
atividade nervosa supe¬ tempo, as premissas
rior" das "formas não-conscientes do psiquismo", que
são o resulta¬ dinâmica desse fenómeno e para sua interpretação neurofisio-
do de uma atividade cerebral na qual a lógica mais aprofundada.
modalidade do vivido é, ao
contrário, conservada, sem tomada de consciência da própria
atividade. Entendendo assim o papel que a análise neurofisiológica
na
A ausência de um termo especial para essa categoria deve cumprir na elaboração do problema do inconsciente,
diante de nós vasto
processos, que designamos como "forma de atividade
de (
tapa atual, vemos imediatamente abrir-se
perior não-apreendida pela consciência", é,
nervosa su¬
há muito tempo, uma campo de pesquisas indispensáveis. É importante examinar
lacuna da terminologia científica que freia o desenvolvimento as conexões entre a tomada de consciência dos fenómenos psí¬
das
representações. Não se pode deixar de saudar a proposta
de um quicos e as variações do nível de vigília do cérebro, submeter
termo mais adequado para designar essa forma de atividade
cere¬ à análise a realidade da dissociação como particularidade da
bral. Mas não se pode continuar por mais tempo sem qualquer
noção correspondente.
dinâmica não só dos conteúdos psicológicos, mas também de
diferentes formas da atividade funcional do cérebro, que inter-
148 149
vém em geral sob a forma de um conjunto bem-organizado; A ampliação de nossos conhecimentos sobre os sistemas
formular hipóteses a respeito das relações entre a atividade do durante os
• < icbrais ativantes não-específicos, que se produziu
inconsciente e os processos de elaboração da informação nas till imos 15 a 20 anos, novamente atraiu a atenção para essa
estruturas neurônicas organizadas de maneira apropriada e, к li i.i geral (do nível de vigília), que havia sido incorporada
|.i há bastante tempo ao uso cotidiano da neurologia,
consequentemente, apresentar argumentos complementares e con¬
para a crítica das interpretações neurofisiológicas superadas, tei i/ou-a consideravelmente. Desenvolveu-se, em seguida,
que durante muito tempo impediram a compreensão das for¬ quando se constatou que a gradação das mudanças do estado
mas não-conscientes da atividade nervosa superior como
ativi¬ Jo c érebro, que é julgada pelo caráter do comportamento, está
dade que participa da organização do comportamento
de • licitamente ligada à gradação dos estados da atividade elé-
adaptação. IIк a dos neurónios corticais, posta em evidência pela eletroen-
os di-
Ao expor, mais acima, a discussão que teve lugar na rda « Halografia, e que reflete também de maneira evidente
sobre a natureza da consciência (226) , chamamos a da atividade funcional das formações
( I Isos graus ou níveis 5
atenção O
métodos eletrofisiológicos permitiram ve-
para o fato de que as correntes tradicionais da análise filosó¬ nervosas centrais. Os
fica e psicológica já conduzem, por si próprias, e iificar que essa escala observada de variações do estado fun-
por muitos
caminhos, ao problema do inconsciente. A simples delimi¬ • к mal do cérebro reflete uma sucessão de estados, típica não
tação das noções de consciência e de psiquismo coloca a ques¬ somente da vigília, mas que perduram também após o ador¬
tão da existência de formas do psiquismo que
existem inde¬ mecimento (167)
pendentemente da consciência, fora de seus limites. No que A introdução na teoria do cérebro da concepção dos níveis
concerne à teoria neurofisiológica da consciência, seu consequências
papel
justificação do problema do inconsciente manifestou-se, prin¬
na • le vigília teve, para a teoria da consciência,
contraditórias e de grande alcance. Por um lado, condicionou
cipalmente, no fato de que a representação do inconsciente um aprofundamento incontestável das representações de uma
cessou de ser uma categoria puramente psicológica e encon- consciência, por
trou-se ligada, em certa medida, à concepção dos • las premissas fisiológicas fundamentais da
mecanismos outro, contribuiu para que alguns pesquisadores cometessem
fisiológicos concretos da atividade cerebral. Foi a representa¬ idéia da vigília com a da consciência
o erro de identificar a
ção dos níveis de vigília do cérebro que marcou o início dessa circunstância ao discutir a abordagem do
inclusão da idéia do inconsciente no contexto das interpre¬ (já assinalamos esta

tações fisiológicas. problema da consciência por alguns pesquisadores, como


l essard, Weinschenk e outros (117, 226a)
Por nível de vigília (representação que, em muito, deve¬
A identificação da idéia de consciência à de vigília, erro
mos a Head) entende-se, às vezes, a mesma coisa que se tem difícil, em
em vista quando se fala, numa linguagem mais comum próprio ao materialismo vulgar, tornou igualmente inconsciente,
para muitos aspectos, o entendimento do papel do
a clínica, de um nível definido de lucidez da duas
consciência, e,
às vezes, o que se subentende quando se utiliza a idéia uma vez que não permitia levantar de maneira adequada
de que maneira e
mente admitida pela neurologia clássica, se bem
ampla¬ questões importantes, em primeiro lugar, compatível
que não de¬ cm cjue condições um nível de vigília elevado é
finida muito claramente, de nível funcional de repouso ou conscientes, mas tam¬
de tônus do córtex. Entretanto, qualquer que seja o sentido <<>m o desdobramento não só das formas
bém das formas inconscientes da atividade nervosa superior,
e,
que lhe é atribuído nesse caso, destaca-se a existência de certa sentido um rebaixamento
cm segundo lugar, por que e em que
hierarquia, de uma escala original de variações do estado fun¬ do nível de vigília significa necessariamente uma baixa corres¬
cional das estruturas corticais.
pondente da atividade de adaptação do cérebro no sentido
A cada nível dessa escala, as possibilidades e o tipo da .1 m pio. Em lugar de uma representação
da possibilidade (e
atividade da consciência têm um caráter particular; por isso, ilé, em alguns casos, da necessidade, como o veremos mais
quando se acompanha a sucessão de estados que se manifesta adiante) de semelhantes dissociações (nível de vigília elevado
aqui, se podem detectar claramente a profundidade e as for¬ <• ausência de tomada de consciência de algumas formas
com¬
mas de dependência das características psicológicas da cons¬ plexas da atividade cerebral e, ao contrário, baixo nível de vi¬
ciência em relação ao estado fisiológico do cérebro. gília e conservação de uma intensidade elevada das formas

150 151
específicas da atividade de adaptação do cérebro) , a concepção» a única condição fisiológica desse último. Consideram como
da identificação (da idéia de vigília com a de consciência) la tores não menos importantes da formação de uma tomada
conduziu ao esquema oposto, simples, mas erróneo, do desen¬ de consciência adequada da realidade a atividade dos meca¬
volvimento simultâneo de deslocamentos orientados da mesma
nismos cerebrais que asseguram o caráter ativo dos processos
maneira, isto é, a um esquema, segundo o qual uma baixa do
aferentes e de efetuação (que se expressa por uma escolha sele-
nível de vigília se conjuga com uma baixa obrigatória da
liva dos sinais, aos quais respondem as reações, e pela regulação
atividade de adaptação do córtex (em consequência da inten¬
dirigida para um objetivo das respostas correspondentes, rea¬
sificação dos processos de inibição nesse último), enquanto um lizada na base de mecanismos de comparação e de correção
nível de vigília elevado também está ligado obrigatoriamente
sensorial) , assim como o trabalho dos sistemas cerebrais de
à repressão dos processos da atividade nervosa
superior que estocagem e de utilização da experiência anterior. Apoiados
se desenrolam sem a tomada de consciência. A
possibilidade nessa interpretação poligenética, descrevem dissociações carac¬
de encontrar um fundamento neurofisiológico só se terísticas, que surgem graças ao fato de que os sistemas cere¬
colocou
perante a representação das formas não-conscientes da ativi¬ brais responsáveis por essas diferentes premissas da consciência
dade nervosa superior após esse esquema da identificação ter cerebral,
sido inicialmente abalado e posteriormente demolido em sua; não são idênticos e que, nas condições da patologia
medida, independentemente uns
totalidade pelo esquema antagónico das dissociações. Iiodem desligar-se, em certa
dos outros.
Na qualidade de exemplo de dissociações desse tipo, N.
§ 62 A dissociação entre o nível de vigília e as funções Grachtchenkov e L. Latache citam a assimilação da informa¬
de escolha de sinais e de fixação de vestígios ção durante algumas fases do sono normal, cuja possibilidade
Soviética, o
foi demonstrada nesses últimos anos. Na União
Na literatura clínica, como na filosófica e psicológica, o estudo dessa possibilidade foi iniciado por A. Sviadosch (80)
caráter infundado de identificar a idéia da consciência (en¬ e, no estrangeiro, por Simon e Emmons (247) , posteriormente
tendida como relação, como oposição adequada do Eu ao prosseguido numa série de trabalhos que levantam o prohle- de
ma da hipnopédia, que, lamentavelmente, não está isento
ÿ

mundo das coisas, como o conhecimento do objeto


contraposto Ultimamente, voltou-se à análise
ao sujeito cognoscitivo) com a da vigília está demonstrado há deplorável sensacionalismo. sólidas, quan¬
muito tempo. Essa fundamentação foi facilitada pela imensa desses fatos a partir de posições teoricamente mais
do do estudo do sono rápido (paradoxal,
experiência acumulada na clínica psiquiátrica e neurológica rombencefálico)
no estudo de distúrbios patológicos da consciência, (105)
que se razão,
desenvolvem no estado de vigília e mostram, assim, de ma¬ N Grachtchenkov e L. Latache interpretam, com
neira convincente, a não-identidade das relações entre esses esses dados como forma particular de dissociação entre o nível
dois parâmetros da atividade cerebral. Entretanto, a partir de de vigília e a atividade do mecanismo de fixação de traços.
posições neurofisiológicas, esse problema, até bem pouco tem¬
Uma dissociação entre o nível de vigília e a atividade do
po, foi abordado de modo mais pobre. Nessas condições, o traços ("eeforia dos engramas",
informe de N. Grachtchenkov e de L. Latache "Sobre a base mecanismo de reprodução de
de acordo com a velha terminologia de Simon) é observada,
fisiológica da consciência" (71) , apresentado no Simpósio de já na litera¬
Moscou dedicado ao Problema da Consciência (1966) , é digno por exemplo, nos casos descritos inúmeras vezes
memória,
tura clínica antiga, de restabelecimento
da em con¬
de atenção especial. Pela primeira vez, esse interessante tra¬ narcose, na amnésia retrógrada pós-
dições de sugestão ou de
balho acentua, a partir das posições da neurofisiologia moder¬
na, a idéia de relações complexas e contraditórias entre o nível traumática. Os trabalhos de Segundo, aos quais se referem N.
de vigília e o caráter da consciência, e mostra também Grachtchenkov e L. Latache, assim como os últimos trabalhos
são possíveis as mais variadas dissociações entre elas.
que de Williams e outros (266) a respeito da discriminação de
sinais acústicos durante o sono, indicam que uma reação estri-
Os autores desse informe indicam com toda razão que,
Ia mente seletiva aos excitantes é igualmente possível
nas
sendo a premissa necessária de uma consciência lúcida, a exis¬ do sono (fases delta) Aprofun¬
fases relativamente profundas
tência de determinado nível de vigília não é absolutamente
dando a concepção pavloviana clássica dos pontos de guarda,
152 155
esses trabalhos oferecem, ao mesmo tempo, quadros brilhantes
ib .se (orretamente a duas questões importantes, em primeiro
das dissociações que surgem entre o nível de vigília, de um
lugar, de que maneira um nível elevado de vigília é compatível
lado, e a atividade de percepção, o caráter seletivo do conscientes,
trabalho пин o exercício não só das formas de psiquismo
dos analisadores corticais na base do aprendizado, de outro inconscientes, e, em segundo lugar, por
mino também com as
lado. nível de vigília não está obrigatoriamente
que uma baixa do
Examinemos essas observações, pois permitem estabelecer ligada a uma baixa correspondente da atividade de adaptação
um fato muito importante: as diversas formas de atividade tio cérebro em seu sentido mais amplo? Para aqueles que par¬
cerebral com as quais se relaciona a atividade da consciência tilham dos princípios fundamentais da teoria materialista-
normal conservam, ao mesmo tempo, uma independência rela¬
tiva em relação ao nível de vigília. Essa circunstância é de ilialética da consciência, esteve sempre bastante claro que essa
nlentificação (da noção de consciência com a de vigília) não
interesse evidente para a teoria do inconsciente. Se os processos soviéticos,
de seleção ativa de sinais, de elaboração da • satisfatória. Por isso, nas pesquisas dos psicólogos
informação rece¬ pi incipalmente daqueles que trabalharam
nas questões de psi-
bida, de estocagem e de reprodução de traços, etc., se
produzem
até nos níveis mais baixos da hierarquia dos estados de vigília inlogia genética, uma resposta metodicamente adequada à pri¬
(nos níveis do sono delta e do sono rápido) , há, portanto, meira questão colocada já foi dada há muitos anos. No que
razões para admitir a existência de processos semelhantes nos «имеете à segunda questão, orientada principalmente no
con¬
estados caracterizados por uma oposição insuficientemente ní¬ plano neurofisiológico, não pôde encontrar uma resposta
tida do Eu do sujeito à realidade objetiva (isto é, pela ausên¬ tida, a não ser um pouco mais tarde, e ficou estreitamente
cia exclusiva de uma tomada de consciência adequada ligada ao desenvolvimento da idéia do caráter ativo dos pro-
por
parte do sujeito de sua própria atividade mental) , assim como ii ssos de inibição nervosa.
nas dissociações mais profundas. À luz dos dados
supracitados Atualmente, a ciência dispõe de grande quantidade de
a respeito das diferentes dissociações patológicas, a
conserva¬ dados, minuciosamente estudados, os quais revelam que a pas¬
ção paradoxal de formas de reação objetiva dirigidas para um de
objetivo numa dissociação desse tipo é, em todo caso, mais sagem, no interior da hierarquia dos estados de vigília,
uiveis superiores para níveis inferiores não corresponde obri¬
compreensível.
Por outro lado, os fatos de caráter oposto, que gatoriamente à passagem de estados caracterizados por uma
indicam a
possibilidade de modificação de algumas propriedades da atividade mais intensa e uma excitabilidade mais forte dos
consciência a um nível de vigília bastante elevado e que se neurónios corticais às fases em que apenas se vê surgir em pri¬
dos
observam, de diferentes formas, num número muito meiro plano os sinais de uma baixa difusa da reatividade
grande de intensificação dos processos de
estados psicopatológicos e de síndromes neurológicas (71) , não elementos nervosos e de uma
são menos importantes para a teoria do inconsciente. inibição*
Os estados clínicos em que, sendo conservado o estado de Esses dados indicam, igualmente, que as formas não-cons-
vigília, é, por exemplo, atingida a possibilidade de escolher Iientes da atividade nervosa superior estão estreitamente
liga¬
ativamente os conteúdos da consciência, distinguem-se, em funcional circular dos processos de for¬
das à mesma estrutura
muitos pontos, certamente, das formas de não-apreensibilidade aos mesmos mecanismos de feed-back, de
mação das excitações,
normal da atividade mental nas primeiras etapas da ontogê-
comparação, de correção, e do fator regulador da atitude, que
as formas conscientes. É justamente por isso que, mesmo quan¬
nese; entretanto, refletem a desagregação da própria faculdade
"de fazer do vivido objeto de uma impressão vivida" e, por tomada
isso, podem ser encarados como modelos clínicos originais das do se modificam bruscamente o grau e a qualidade da
de consciência pelo sujeito de sua própria atividade mental
propriedades mais típicas do inconsciente. as impressões vividas"
с quando a função "de experimentar
"" " ----
- ---
-Л л nnnnrviivnv ЛР

§ 63 Nivel de vigília e inibição nervosa


Recordamos que a identificação da idéia de consciência postos em
com a de vigília durante muito tempo impediu Os sinais da existência da tendência oposta foram
que se respon- evidência por Evarts, Rossi e outros.

154 155
processos de adaptação mais complexos (elaboração lógica da (dessincronizadas e sincronizadas) estão representadas em di¬
informação, utilização de traços, etc.*) . versos níveis da formação reticulada do tronco cerebral, in-
A seguir examinaremos os dados mais importantes rela¬ < luindo o tálamo. Foi estabelecido que o efeito de excitação
tivos a esse domínio e que permitem emitir algumas conside¬ depende, em grande parte, não só do ponto de impacto da cor¬
rações (mesmo que muito hipotéticas) a respeito das bases rente estimulante, mas também da qualidade do estímulo (ex¬
neurofisiológicas do inconsciente. citações de baixa freqúência e débeis ligadas principalmente
à sincronização do eletroencefalograma e o sono comportamen¬
tal, e excitações de alta frequência, mais intensas, ligadas à
§ 64 Nível de vigília e atividade elétrica do cérebro dessincronização e ao despertar) Ao mesmo tempo, apesar
desse papel de máscara desempenhado pela qualidade do es¬
A neurofisiologia clássica dedicou atenção muito grande tímulo, descobriu-se uma série de zonas tónicas específicas loca¬
às particularidades do estado funcional das formações nervosas lizadas igualmente fora da zona de repartição das formações
corticais e subcorticais ligadas às variações do nível de vigí¬ reticuladas estimulantes e bloqueadoras, previamente estabe¬
lia (63 e inúmeras outras fontes) Nos últimos 20 anos, esse
lecidas. Graças principalmente aos trabalhos de P Anokhin,
problema esteve estreitamente ligado ao estudo das funções
da formação reticulada do cérebro. Quando se acompanha o M. Livanov, V Russinov, S. Narikachvili e outros pesquisa¬
aprofundamento das representações dos sistemas cerebrais, dores soviéticos, correções essenciais foram introduzidas na
principalmente dos responsáveis pela dinâmica da alternân¬ representação da ligação entre a tonificação retículo-cortical e
cia "sono estado de vigília", podem-se destacar algumas as formas diferenciadas da atividade funcional do organismo, e
etapas sucessivas da evolução das idéias. na da dependência do estado funcional das formações reticula¬
Inicialmente, a atenção estava dirigida para o fato, já das em relação às influências reguladoras que se propagam na
esclarecido ainda nos anos 40 por R. Morrison e D. Dempsey direção córtico-reticular descendente* Por fim, foi descoberto
(210), de que as influências retículo-corticais tónicas são exer¬
cidas pelos elementos da formação reticulada situados nas par¬ Essas pesquisas forneceram numerosos argumentos em favor das
*
tes caudais e médias do tronco cerebral. Passou-se a considerar idéias de Pavlov sobre o papel das variações somnogênicas primá¬
essas influências como um mecanismo que desempenha pa¬ rias do córtex, isto é, das modificações do tônus cerebral, que
pel importante na manutenção do estado de vigília. O rebai¬ emanam do córtex e se baseiam na propagação de correntes de
influxos corticofugas por vias cerebrais diversas de orientação ver¬
xamento do estado de vigília e a chegada do sono foram poste¬ tical. A importância dessas pesquisas para a teoria da consciência
riormente tratados como expressão da inibição do sistema, consistia em que revelavam ser possível entender mais profun¬
suscitada pela atividade de mecanismos sincronizados parti¬ damente as variações do nível de vigília condicionadas pela ativi¬
culares, localizados em diversos níveis do cérebro. Logo depois, dade do substrato cerebral da consciência. Experimentalmente,
esse problema das influências córtico-reticuladas foi estudado nos
esse esquema relativamente simples viu-se complicado pela anos 50 por P Bremer e C. Terzuolo (119) , que mostraram o im¬
descoberta de que, a partir do nível das estruturas reticuladas portante papel assumido pelo córtex na alternância do sono e do
talâmicas, se chega a obter manifestações do estímulo cortical estado de vigília. Na União Soviética, S Narikachvili (61) de¬
muito mais diferenciadas e mais localizadas que a partir do monstrou brilhantemente as influências complexas exercidas pelo
córtex na atividade elétrica das formações não-específicas do dien-
nível bulbar (117). Foi aproximadamente essa compreensão céfalo e do mesencéfalo. Foi estabelecido, a seguir, que diversas
geral que se constituiu na época da convocação da Conferência funções consideradas durante certo tempo como funções específi¬
de São Lourenço, em 1953. cas da formação reticulada (influências estimulantes ascendentes,
Nos anos seguintes, produziu-se uma diferenciação, e esse regulação da condução dos influxos aferentes, etc.) encontram-se
igualmente sob a influência reguladora das formações corticais. No
primeiro esquema, pouco a pouco, perdeu a nitidez. Desco- que concerne às influências ascendentes, o fato foi mencionado por
bnu-se que estruturas neurônicas estimulantes e inibidoras French, Hernández-Peón e Livingston, Segundo, Naquet e Buser
(1955) e quanto à ação na propagação dos influxos aferentes, por
Alguns autores estimam que o caráter racional das manifestações do Hernández-Peón (1959) Jouvet e Laprasse (1959) e outros. Esses
inconsciente exige que este seja considerado como uma "forma trabalhos mostraram claramente que a impulsão cortical é um dos
particular" da consciência. Entretanto, semelhante posição leva a meios de estímulo dia formação reticulada e que essa última inter¬
confusões. vém como estrutura que assegura, sob a influência de excitações

156 157
um fato da maior importância: a existência de uma atividade idéias gerais aparecem, às vezes claramente, às vezes sob forma
elétrica elevada, frequentemente observada, das estruturas neu- velada, nos marcos de numerosas representações e concepções
rônicas nos níveis de vigília mais baixos do ponto de vista do fisiológicas concretas.
comportamento e até no sono profundo*.
Depois dessa ampliação das representações iniciais, a neu- § 65 O estado funcional do cérebro durante o sono (se¬
rofisiologia se revelou preparada para assimilar duas idéias gundo os dados do Colóquio de Lyon, de 1963, e
gerais, em primeiro lugar, a idéia de que os neurónios cor- do Simpósio de Roma, de 1964)
ticais são ativos durante o sono (e, consequentemente, que os
mecanismos do sono não poderiam ser reduzidos somente à O quadro que apresentamos ficou evidente em consequên¬
inibição difusa do córtex, entendida como a inativação geral cia dos trabalhos efetuados nos anos 50. As pesquisas ulterio¬
dos elementos celulares) e, em segundo lugar, a idéia do papel res, principalmente as que foram discutidas no Colóquio de
primordial desempenhado nas mais diversas formas de ativi¬ Lyon de 1963 (105) e no Simpósio de Roma de 1964 (118) , o
dade cerebral pelas inter-relações complexas (às vezes concor¬ tornaram bem mais preciso. Para obter uma idéia mais concreta
dantes, às vezes antagónicas) de sistemas cerebrais concretos. dessas formulações, vamos examinar algumas tendências carac¬
São justamente essas duas idéias que se encontram no centro terísticas que se manifestaram no Colóquio de Lyon.
das discussões neurofisiológicas mais importantes desses últi¬ No centro das atenções do Colóquio de Lyon estava uma
mos anos. Elas condicionaram, mais que quaisquer outras, a questão que se colocou recentemente na neurofisiologia a
originalidade das representações mais recentes sobre a ativi¬ da existência de dois tipos diferentes de sono, o sono lento
dade cerebral, e por isso devem ser examinadas em primeiro (ou sincronizado) e o sono rápido (ou paradoxal) , que se
lugar, caso se queira encontrar o acesso ao problema do incons¬ distinguem marcadamente por sua expressão eletroencefalo-
ciente, que se esboça nos marcos da neurofisiologia moderna. gráfica, pelas modificações fisiológicas que os acompanham,
A seguir, nos esforçaremos no sentido de discernir como essas pelos mecanismos cerebrais que os realizam e, provavelmente,
também pela sua significação funcional. Entretanto, não foi
apenas esse problema particular que despertou interesse nos
exteriores e da atividade cortical, o desdobramento normal dos informes feitos nesse Colóquio (por Jouvet, Moruzzi, Deli,
processos nervosos nos mais diferentes níveis, inclusive os mais Rossi, Hernández-Peón, Ingvar, Evarts, Albe-Fessard, Adey e
elevados.
outros) Em muitos desses informes destacam-se nitidamente
* Esse fato foi revelado claramente nos trabalhos amplamente co¬
nhecidos de Jasper, dedicados à análise comparada dos poten¬ dois princípios gerais interligados: a conservação dos sinais de
ciais elétricos do cérebro registrados simultaneamente por deri¬ uma alta atividade elétrica das estruturas neurônicas mesmo
vações a partir de macro e microeletrodos. Foi também posto em nos níveis inferiores de vigília e a importância que têm as
destaque na tentativa de estudar detalhadamente as dissociações
interconexões e a organização interna de sistemas neurônicos
entre a "reação bioelétrica do despertar" (isto é, o fenómeno de
dessincronização dos potenciais cerebrais que revelam o estímulo concretos para o exercício das mais diversas funções cerebrais.
reticular do córtex) e o despertar comportamental, que ocorre no Por exemplo, Mandel e Godin chamam a atenção para
animal sob a influência de incitações exteriores diversas. As pes¬ o fato de que, durante o sono, a circulação cerebral não só não
quisas nessa direção, às quais Anokhin e seus discípulos dedicaram
grande atenção na União Soviética, revelam, após bastante tem¬ diminui, mas até se reforça, que a atividade metabólica dos
po, que se podem produzir, durante um sono prolongado, modifi¬ neurónios sofre globalmente poucas transformações, que o con¬
cações profundas do estado funcional das estruturas corticais (3) sumo de oxigénio pelo cérebro se mantém, na fase hipnótica,
Trata-se do que se chama paradoxo fisostigmínico (116, 265), e
alguns outros dados se relacionam com esse grupo de observações.
mais ou menos no mesmo nível que no estado de vigília. Os
Não obstante todos esses fatos terem sido descobertos principal¬ autores vêem nesses fatos uma indicação direta da necessidade
mente em animais, existem razões para considerá-los como mode¬ de apelar, na análise dos mecanismos do sono, não tanto para
los neurofisiológicos de dissociações que existem igualmente no a idéia de uma modificação geral do metabolismo dos neuró¬
homem, entre a atividade de adaptação do cérebro e os proces¬ nios corticais ou de uma mudança difusa do estado funcional
sos de elaboração da informação, de um lado, e as variações do
nível de vigília, de outro. cerebral das estruturas do tipo inibição, como para a idéia de

158 159
uma redistribuição das relações entre os sistemas cerebrais , nu ionizado, podendo explicar alguns aspectos do que se deno¬
diferentes, mais ou menos específicos no sentido funcional. mina sono pavloviano (isto é, da inibição hipnogênica des-
Hernández-Peón apresentou dados ainda mais precisos a I cndente*)
respeito das mesmas tendências gerais. Desenvolvendo os resul¬
tados de seus trabalhos anteriores, esse pesquisador procurou Evarts formulou com clareza outra questão interessante-
fundamentar a idéia de que o sono, não importa em qual de o sono está ligado a uma redução geral das descargas neurôni-
suas formas, é um processo ativo que surge das influências ini¬ « .is no córtex (isto é, a uma inibição cortical difusa) , ou antes
I uma reorganização temporal e espacial da estrutura dessas
bidoras exercidas sobre os neurónios do sistema de despertar
por outro sistema de neurónios (o sistema hipnogênico) . Hipo¬ descargas, na qual o papel da excitação não é menos essencial
teticamente, esses dois sistemas, intimamente entrelaçados em que o da inibição? Esse autor estudou a atividade dos neuró¬
diversas zonas anatómicas, têm, entretanto, localizações dife¬ nios piramidais e da sinuosidade pré-central do cérebro do
rentes. Segundo Hernández-Peón, as diversas formas do sono macaco durante o estado de vigília, o sono lento e o sono
são apenas a expressão de diferentes níveis de inibição pelo nípido Pôs em evidência o enfraquecimento dessas descargas
sistema hipnogênico do sistema mesodiencefálico da vigília. durante o sono lento e seu reforçamento no sono rápido (quase
io nível de vigília) Entretanto, a estrutura temporal e a
Os fusos e os eletroencefalogramas sincronizados, que caracte¬
rizam a fase do sono lento, surgem se a inibição não se propaga repartição espacial durante o sono rápido distinguem-se de
aos núcleos talâmicos de recrutamento e ao córtex. Em caso maneira característica das observadas no estado de vigília.
contrário, os fusos desaparecem e são substituídos por poten¬ Apoiado nesses fatos, Evarts criticou igualmente a idéia de
ciais de baixa voltagem da fase rápida*. que o sono é a expressão de uma inibição cortical difusa.
A importância primordial das relações intersistêmicas
como fatores que fazem variar o nível de vigília foi destacada Um ano depois, num importante informe de generalização no Sim¬
pósio de Roma, em 1964 (118) , Moruzzi qualificou a situação criada
por inúmeros outros pesquisadores. Por exemplo, Moruzzi vol¬ hoje na teoria do sono de "crise alarmante" e destacou novamente
tou à análise das causas que rebaixam o tônus do sistema de a importância da intensificação da atividade elétrica dos neurónios
despertar. Refutando a hipótese da fadiga, forneceu argumentos corticais durante o sono, revelada por inúmeros trabalhos dos
complementares favoráveis ao caráter ativo de semelhante re¬ últimos anos (principalmente pelos de Evarts) Segundo Moruzzi,
é apenas ao nível da medula que uma inibição ativa se manifesta
baixamento, ligando-o à atividade de estruturas inibidoras durante o sono. Na sua opinião, não foi ainda demonstrado, até
particulares localizadas na parte inferior do tronco cerebral. agora, que a inibição ativa se expresse nas mesmas condições ao
Como o sono começa pela sincronização do eletroencefalogra- nível do córtex. Generalizando, Moruzzi destaca que a inibição em
ma, suas estruturas são chamadas sincronizadas. O resfriamento massa dos neurónios corticais postulada por Pavlov não existe em
absoluto, mas que não se deve negar que se pode observar uma
do fundo do quarto ventrículo, que paralisa esse sistema ini¬ inibição das formações neurônicas intercaladas, condicionada ao
bidor, conduz a uma reação de despertar, pondo assim em evi¬ nível pré ou pós-sináptico, e que se relaciona com o sono. Por
dência o caráter oposto das influências exercidas pelas forma¬ outro lado (e é um traço que caracteriza bem Moruzzi esse esforço
de considerar as tendências contraditórias e esclarecer toda a
ções mesodiencefálicas sincronizadas e ativas. Entretanto, se¬ complexidade dos fenómenos analisados), se a idéia da inibição
ÿ

gundo Moruzzi, esses fatos não retiram absolutamente a im¬ ativa é supérflua para explicar a incapacidade dos organismos de
portância das influências corticofugas sobre o sistema bulbar permanecer por muito tempo em vigília, sem admitir a existência
de sistemas neurônicos de orientação antagónica em relação ao
sistema reticulado ascendente, seria impossível, segundo ele, enten¬
der bem as coisas.
Baseado nesses dados, Hernández-Péon criticou a concepção pav- Essas colocações de Moruzzi refletem as transformações extre¬
loviana do sono como inibição que surge no córtex e se propaga, mamente profundas que se produzem atualmente nas representa¬
em seguida, a todo o cérebro. Entretanto, não contestou a partici¬ ções dos mecanismos do sono. Não obstante essas transformações
pação do neocortex na formação da fase sincronizada do sono e estarem longe de terminar as duas idéias gerais que destacamos
admitiu a existência de influências fronto-temporais corticofugas (o caráter inadequado das representações de uma inibição cor¬
sobre o sistema hipnogênico. Apesar de Hernández-Peón não o in¬ tical hipnótica difusa e a acentuação das interações complexas de
dicar, parece que semelhante reconhecimento faz com que perca sistemas cerebrais diferenciados no sentido funcional) recebem,
grande parte da sua importância a oposição que estabeleceu entre •com toda evidência, a cada ano uma confirmação experimental
seu esquema e a interpretação pavloviana clássica. mais conclusiva.

160 161
Os dados de Rossi e colaboradores são particularmente
r dos sonhos. Os participantes do Colóquio de Lyon não apoia-
importantes (105) . Esses pesquisadores estudaram (em gatos
i

ÿ a interpretação f eita na literatura psicanalítica


.1111 entretanto,
portadores de eletrodos implantados no estado de vigília, no- (.1 idéia de que os sonhos seriam necessários para
a reação aos
sono ligeiro e no sono profundo) as afetivos, etc.), preferindo a hipótese de que as fases
respostas do córtex ótico complexos
à excitação da radiação ótica do corpo geniculado, e do sono rápido são necessárias para neutralizar a ação de um
as res¬
postas do córtex sensorimotor ao estímulo do feixe crente ainda desconhecido, cuja influência se acumula no orga¬
piramidal aos mo¬
e do núcleo ventrolateral posterior do tálamo. A nismo durante os períodos de vigília. No que concerne
análise das eletrooculografia
amplitudes das respostas e da duração dos ciclos de regeneração vimentos oculares postos em evidência pela
da excitabilidade dos neurónios revelou um - (Imante o sono rápido, Dement os liga ao conteúdo dos
sonhos,
aumento nitida¬ centrífugas
mente pronunciado da excitabilidade dos mas estima que o sonho apenas modula as descargas
neurónios corticais Segun¬
durante o sono, fato que está de acordo com o outro — durante que provocam a contração dos músculos oculomotores. diferentes
as fases profundas do sono, observa-se uma
atividade elétrica dei Dement, essas descargas são engendradas por
intensa dos neurónios corticais e se produz, aparentemente, la (ores da atividade dos sonhos.
não uma inibição desses, mas antes sua liberação de Na discussão geral de encerramento do Colóquio
de Lyon,
influências. das
inibidoras de origem ainda obscura, que agem durante o estado dois temas estiveram no centro das atenções a questão
de vigília. Para confirmar esse ponto de vista, Rossi
refere-se inlcr-relações entre a teoria descendente (teoria pavloviana
sono
aos trabalhos de Jasper, Arduini, Moruzzi, os quais mostram lássica) e a última variante da teoria ascendente do
(

igualmente que as fases profundas do sono estão relacionadas sono é a influência exer-
(segundo a qual o principal fator do
com uma intensidade, às vezes, acentuadamente
acrescida de c ida pelas estruturas bulhares sobre o
sistema retículo-cortical
descargas das células corticais, com uma facilidade maior das aiivador), assim como a questão da modificação da excita¬
respostas corticais, com um aumento da dessincronização dos . bilidade cortical na fase do sono rápido. Dell, Cordeau e outros
potenciais, com um encurtamento dos ciclos de regeneração, a favor da teoria ascendente. Moruzzi, em
pionunciaram-se
etc. Nos debates sobre esse informe,
Hernández-Peón defen¬ doca, assinalou a inevitável simplificação
do problema quando
deu energicamente essa concepção de uma с colocado de modo alternativo, isto é, quando
se levam em
"desinibição hipnó¬ as descen¬
tica do córtex" conta apenas as influências ascendentes, ou apenas
Finalmente, os pesquisadores que tentam estudar as ma¬ dentes, e pronunciou-se em favor da necessidade de sintetizar
nifestações do sono rápido no homem chegaram igualmente a .is duas concepções, a concepção pavloviana clássica e a que
esse problema da alta atividade das formações cerebrais a níveis destaca o papel particular dos centros bulbares sincronizados.
baixos de vigília. Para resolver essa questão, Dement e outros. |ouvet, Faure, Passouant e outros (105) tendiam igualmente
realizaram pesquisas em voluntários, nos quais reprimiam, a essa interpretação mais ampla.
durante inúmeras noites consecutivas, as fases do sono rápido,
No que diz respeito ao caráter da transformação que surge
provocando seu despertar aos primeiros sintomas eletroóculo,
na excitabilidade do córtex na fase do sono rápido, grande
eletroencéfalo e eletromiográficos dessas fases. Esses traba¬
número de pesquisadores (Cordeau, Cadilhac, Faure e, prin¬
lhos evidenciaram dois tipos de modificações, em primeiro
lugar, um aumento brusco da frequência, como que compensa¬ cipalmente, Rossi) introduziu novamente argumentos em fa¬
dora, das fases do sono rápido (que surgem regularmente vor de um aumento da excitabilidade dos neurónios corticais
após lio sono rápido e chamou a atenção para o fato
de que esse
uma repressão experimental um tanto prolongada dessas nos critérios eletrofisio-
fases) , aumento é constatado com base tanto
em segundo lugar, o aparecimento, em determinadas condi¬ frequência das descargas espontâneas
lógicos habituais (maior
ções, de sinais de distúrbios da atividade mental nas pessoas . nos neurónios corticais óticos, atividade intensa da via pirami¬
submetidas durante muito tempo a uma repressão desse tipo. dal, amplitudes elevadas dos potenciais evocados no córtex
Esses fatos colocaram a questão da necessidade vital do sono sensorimotor, encurtamento dos ciclos de regeneração dos neu¬
rápido. E, como é o sono rápido que está aparentemente mais . rónios corticais, aumento da frequência das descargas epilép-
ligado aos sonhos, foi levantada a questão de uma função análo-
licas na zona do foco) , quanto na análise dos processos de dis-
162 163
criminação de estímulos (o que é particularmente interessante
para o aspecto que nos interessa) .
in .iis — isto é, que se desenvolve obrigatoriamente uma inibi-
ÿ .10 difusa nas estruturas corticais, quando o nível de vigília
Assim, por um lado se discutiu a exatidão da concepção b.lixa. Com efeito, se a modificação onírica da consciência é
clássica sobre a importante função das influências corticais des¬ iprnas o reflexo de uma inibição difusa, enquanto que as di-
cendentes e, de outro, se ampliou consideravelmente a noção vnsas expressões de uma consciência lúcida, de uma atenção

........
dos sistemas hipnogêmcos de nível bulbar, que exercem ação m.nítida, de uma baixa eletiva dos limiares da excitabilidade
inibidora sobre o sistema de vigília mesodiencefálico. Conse¬ (que se manifesta, por exemplo, segundo o tipo de pontos de
quentemente, foram introduzidas correções no enfoque habitual riiarda) são, ao contrário, condicionadas por um tônus fun-
do sono como inibição cortical difusa, sendo destacada a im¬ elevado, uma hiperexcitabilidade dos elementos celu-
portância de um princípio, evidentemente muito geral, segundo l.ncs; se, em outras palavras, o deslocamento numa escala de
o qual, quando se consideram as formas mais diversas da ativi¬ níveis de vigília é, ao mesmo tempo, um deslocamento numa
dade cerebral, deve-se recorrer cada vez mais à análise dos siste¬ ем ala identicamente orientada de níveis de atividade funcio-
mas cerebrais funcionais concretos antagónicos (ou conjugados), ii.i I dos sistemas neurônicos corticais, uma dúvida
se coloca
em vez de levar em consideração somente as modificações globais naturalmente: deve-se, de maneira geral, admitir a realidade de
do estado funcional de tais ou quais formações cerebrais. quaisquer processos complexos de elaboração da informação
nas células tomadas por uma inibição difusa e que se encon-
liam, por essa razão, num estado inativo (do ponto
de vista
§ 66 Sobre a significação funcional da ativação dos neu¬ do comportamento)? Não seria mais justo estimar que um
rónios corticais na fase hipnótica (o problema dos и baixamento do nível de vigília, acompanhado de um rebai-
componentes metabólicos gerais e "informativos" Imento do nível de atividade fisiológica das formações
cor-
específicos da eletrogénese cerebral) I ii ais, reflete a inativação global dessas últimas, isto é, a inibi-
como inconscientes)

...
• lo cie todas as formas (tanto conscientes
Em que consiste, então, a importância dos trabalhos do da sua atividade de adaptação e que, consequentemente, con-
Colóquio de Lyon para a teoria do inconsciente'} Aqui, gosta¬ aderados os dados da neurofisiologia, não se pode absoluta¬
ríamos de destacar o que segue. mente falar de quaisquer formas latentes de elaboração não-
Os partidários da existência de processos inconscientes sciente da informação durante o sono?
de elaboração da informação, ainda há dezenas de anos, apre¬ Considerações semelhantes, em certas épocas, soavam bas-
sentaram como argumentos fatos que revelam ser o cérebro I.inte convincentes, e as obras antigas as citavam repetidamen-
capaz de cumprir durante o sono um trabalho útil e extrema¬ ie. Hoje, toda a situação mudou consideravelmente. Os dados
mente complexo (encontrar a solução de um problema, etc.) . experimentais mencionados acima não deixam dúvida a res¬
Em obras posteriores, a respeito de múltiplas pesquisas rela¬ peito do fato de que, durante o sono, se podem observar as
tivas à aptidão do cérebro adormecido para discriminar os mais diversas manifestações de uma intensa atividade elétrica
estímulos e conservar os traços, as observações desse tipo en¬ iliis neurónios corticais (maior frequência de suas descargas
contraram difusão ainda maior No início, tratava-se de dados espontâneas, aumento das amplitudes dos potenciais gerados,
arrebanhados principalmente no estudo de biografias. Poste¬ icdução de suas fases refratárias, etc.) Essa ativação torna-se
is vezes tão pronunciada que se tem realmente a impressão de
riormente, assumiram caráter muito mais preciso, e passaram
a ter a qualidade de verificação experimental. uma ligação da baixa do nível de vigília, não com a inibição
global das funções das estruturas corticais, mas, ao contrário,
Entretanto, as tentativas feitas para entender teoricamente
< « >111 uma desinibição eletrofisiológica somnogênica dessas úl¬
as idéias desse tipo esbarraram em grandes dificuldades. Até
timas. Não é surpreendente que essa circunstância bastante
recentemente, ainda, um dos obstáculos era a convicção de
singular tenha sido energicamente utilizada para explicar as
alguns pesquisadores de que existiria uma correlação direta, lortnas da atividade de adaptação do cérebro durante o sono.
uma conexão rígida entre o rebaixamento do nível de vigília ( )s |>esquisadores que estudam o problema do sono rápido
e o rebaixamento da atividade funcional das estruturas cor-
avançaram muito nesse sentido. Alguns dentre eles estão incli-
164 165
nados a encarar os efeitos dessincronizados observados durante Л o sono), é necessário considerá-la, segundo Moruzzi, como a
as fases do sono rápido como a expressão direta da elaboração
• s I>i cssão exterior dos processos regeneradores, que se distin¬
pelo cérebro de excitações internas e externas, de formas com¬ guem qualitativamente de manifestações mais elementares,
plexas de reação às emoções ligadas à formação de sonhos, мимо o trabalho da bomba de potássio ou de soda, a atividade
etc. (255) Л.is enzimas, a ressíntese dos mediadores químicos, etc. Esses
Em que medida semelhantes tentativas são justificadas? piocessos lentos são necessários, segundo Moruzzi, para a rege¬
Os sinais inesperados de uma alta atividade elétrica dos neu¬ neração do estado funcional de sinapses altamente especiali-
rónios durante o sono podem ser considerados realmente como nlas, responsáveis pela acumulação da experiência no estado
a expressão objetiva de processos inconscientes da elaboração de vigília (aqui Moruzzi aproxima-se, aparentemente, em gran¬
realizada pelo cérebro com a informação que lhe chega ou de medida, da concepção de sinapses "suscetíveis de aprender"
que lhe chegou anteriormente? Semelhante modificação de po¬ de Eccles)
sições não seria um tanto imprudente e prematura? No que concerne ao reforçamento das descargas da ativi-
É desnecessário sublinhar a prudência que se deve obser¬ dade elétrica dos neurónios corticais periodicamente observada
var quanto a essa questão tão complexa.
Queremos lembrar durante o sono, Moruzzi recorda a hipótese de Evarts, segundo
que a idéia da conservação de um nível elevado de atividade a qual esse reforçamento é explicado pela depressão de estru¬
nos neurónios corticais, mesmo quando da sua passagem ao turas neurônicas intracor ticais especiais, que exercem uma ini¬
estado de inibição, foi expressa repetidas vezes também em bição no estado de vigília. Sem considerar essa hipótese pro¬
obras relativamente antigas (23) , bem antes da publicação das vada, Moruzzi estima, contudo, que semelhante depressão po¬
pesquisas eletrocorticográficas destes últimos anos. Entretanto, deria ser considerada como uma das condições dos processos
nesses trabalhos predominava a idéia de que a atividade dos postulados por ele de regeneração "lenta" do estado funcional
neurónios corticais, nos degraus inferiores da hierarquia dos de sinapses "suscetíveis de aprender"
níveis de vigília, reflete os processos de tipo principalmente Vemos assim o quanto é complicado o problema da signi-
metabólico, diretamente relacionados às formas vegetativas licação funcional dos sinais de ativação das formações cord¬
fundamentais da atividade vital dos elementos nervosos, e não iais durante o sono. Dificilmente se pode duvidar de que, con-
à elaboração da informação, à regulação latente da adaptação, siderando-se essa questão no plano biológico, a função prin-
etc. Os argumentos em que se baseavam tais ( ipal do sono é criar as condições ótimas para que se desenvol¬
representações
eram bastante coerentes. va a atividade regeneradora. Pode-se discutir com Moruzzi a
Os apelos à prudência na interpretação funcional dos si¬ respeito de se esses processos regeneradores se estendem a todos
nais eletrofisiológicos de uma ativação das formações
corticais os sistemas neurônicos do cérebro ou apenas a alguns deles,
e da conexão dessa ativação com as formas de adaptação com¬ muito esgotados durante o estado de vigília. Entretanto, a idéia-
plexas do trabalho do cérebro se fizeram ouvir, igualmente, no inestra, isto é, a representação da ligação do sono com a ativi¬
Colóquio de Lyon, em algumas intervenções (Albe-Fessard e dade regeneradora, não é objeto de discussão séria nem nas
outros) . Nesse sentido, a posição de Moruzzi é extremamente obras mais antigas, nem na literatura recente. Por outro lado,
significativa. No Simpósio de Roma (118) , esse autor voltou à como o destaca ainda Moruzzi, não é nada fácil, a partir das
questão do caráter dos processos que se desenvolvem nos sis¬ representações eletrofisiológicas existentes, explicar o reforça¬
temas neurônicos do cérebro durante o sono. Chamou ele a mento da atividade bioelétrica de alta frequência como expres¬
atenção para o fato de que, em numerosas microestruturas neu- são imediata desses processos regeneradores.
rônicas (centros respiratórios e vasomotores, centros medula¬ Por isso, o mais justo seria dizer que a teoria dos meca¬
res, etc.) , a regeneração da reatividade após as fases de ativi¬
nismos fisiológicos e das manifestações do sono se ressente,
dade se faz muito rapidamente, em microintervalos da ordem realmente, no momento atual, de uma crise que, entretanto,
de milissegundos entre as descargas consecutivas das excitações. não qualificaremos de "alarmante", como o faz Moruzzi, mas
Quanto à inatividade prolongada de grandes populações de de crise de crescimento. Muitos dos fatos evidenciados não são
neurónios, que se manifesta no plano do comportamento (isto .tinda suficientemente compreensíveis. Mas, de toda maneira,
166 167
devemos renunciar à idéia do sono como a expressão de uma- neurônicos concretos estão na base da dinâmica das funções
simples inativação global dos elementos corticais, que se de¬ nervosas. Exemplos de variações desse tipo são dados pela ini
senvolve independentemente da pertinência desses a um ou a I lição de sistemas cerebrais funcionais determinados, que re¬
outro sistema neurônico. A questão de saber quais
funções sultam da ligação de sistemas antagónicos (relações entre o
dos elementos celulares são reprimidas durante o sono e quais sistema de "manutenção do apetite" e o sistema da "sacieda¬
são, ao contrário, ativadas é igualmente confusa e, até agora, de" descritos por Brobeck (167)), ou pela ligação entre os sis¬
não está definitivamente resolvida. Apoiando-se em inúmeras temas ativante e somnogênico acima mencionados (de acordo
observações, que depõem favoravelmente com relação à con¬ com Hernández-Peón e outros) , que refletem, segundo
servação, pelo cérebro adormecido, da faculdade de, sob algu¬ Konorski (98) , um dos princípios essenciais da organização
mas formas, receber e analisar a informação, assim como no da atividade cerebral, o princípio dos "semicentros" nervosos
quadro de variações vegetativas muito singulares, que acom¬ (centros, que se encontram em relações recíprocas) .
panham o sono rápido, pode-se pensar que os fenómenos ele- Semelhante compreensão lançou para um primeiro plano
trofisiológicos que acompanham os estados oníricos da cons¬ o problema (que, mesmo tendo se apresentado na neurofisio-
ciência refletem não só a atividade metabólica essencial, vital¬
logia clássica, só o foi na forma mais geral) das leis da dinâ¬
mente indispensável do tecido nervoso, mas alguns dos seus
mica das excitações como função das particularidades da orga¬
componentes têm relação com a elaboração não-consciente da nização dos sistemas neurônicos correspondentes. Essa circuns¬
informação. tância marcou fortemente o desenvolvimento da teoria do cé¬
Lamentavelmente, devemos, por ora, contentar-nos com rebro durante esses últimos 15 anos.
essa constatação genérica. Se tentássemos estabelecer uma de¬
Ê útil acompanhar como foi colocado e elaborado esse pro¬
marcação mais precisa entre semelhantes componentes propria¬ blema da dependência do destino da função nervosa em rela¬
mente metabólicos e informativos da eletrogênese cerebral, na
ção aos detalhes da estrutura das formações nervosas, pois foi
etapa atual da evolução das idéias, estaríamos dando um passo exatamente aí que se descobriram interessantes coincidências
infundado e nada convincente. Contudo, deve-se pensar que entre as análises neurofisiológica e neurocibernética, direta-
não será necessário esperar muito para que seja elucidado esse mente relacionadas com o problema das bases estruturais do
problema interessante, que vem amadurecendo rapidamente inconsciente
para uma pesquisa precisa. A idéia de que a estrutura das vias ao longo das quais a
excitação se propaga nas formações nervosas centrais deixa
uma marca determinada na dinâmica dessas excitações, e con¬
§ 67 A organização das redes neurônicas e a dinâmica
das excitações (o problema da determinação "ex¬ sequentemente intervém como um dos fatores da integração,
induziu inúmeros pesquisadores a estudar minuciosamente os
cessiva" do modelo neurônico)
efeitos neurodinâmicos que surgem num tipo determinado de
estrutura das redes nervosas As tentativas de analisar seme¬
Tudo que foi dito nos dois parágrafos precedentes refe- lhantes correlações morfofuncionais são atestadas por nume¬
re-se a um aspecto determinado, sob o qual as representações rosos textos. Seu interesse principal reside em que põem em
atuais das particularidades da organização funcional e dos evidência a modificação muito característica, que vem ocor¬
mecanismos do trabalho do cérebro podem ser colocadas em
rendo gradualmente nos últimos anos, na maneira de entender
conexão com o problema das bases fisiológicas das formas alguns princípios das inter-relações entre o substrato e as fun¬
da atividade nervosa superior não-apreendidas pela consciên¬ ções do cérebro.
cia. Entretanto, existe outro aspecto semelhante que merece
ser considerado de modo mais pormenorizado. As primeiras tentativas de estudar as propriedades fun¬
cionais das redes neurônicas remontam aos anos 30 e 40 e
A crítica da teoria do sono como processo que reflete a estão ligadas aos trabalhos de N Raschevsky, A. S. Householder
inibição difusa do córtex está baseada na representação se¬ e outros (174, 230), que se baseavam, em muitos aspectos, nas
gundo a qual as variações nas inter-relações entre os sistemas. pesquisas matemáticas de Turing. De uma forma precisa, o
168 169
primeiro modelo acabado da rede constituída de neurónios particularidades estruturais da rede neurônica são previstas
formalizados e, em princípio, capazes, segundo seus autores, com um certo grau de indeterminação (são-lhe aplicadas al¬
de reproduzir qualquer forma de atividade posta em evidên¬ gumas restrições e atribuídas funções de repartição das proba¬
cia por uma análise psicológica foi
proposto por W S. Mc- bilidades) Consequentemente, como Rosenblatt formula com
Culloch e W. Pitts (106) . Graças ao interesse despertado por precisão, a análise genotípica conduz à atribuição de classes de
esse modelo e às imitações que suscitou, é possível encará-lo, sistemas e não de um esquema concreto, está ligada às proprie¬
atualmente, não como uma construção lógica única, mas antes dades dos sistemas que se submetem às leis de organização que
como representando toda uma classe de modelos com as carac¬ foram atribuídas e não a uma certa função lógica, realizada
terísticas fundamentais do mesmo tipo. por um sistema concreto (233)
Quanto ao destino dos modelos dessa classe e do papel A diferença de natureza dos modelos monotípicos e geno-
lí picos está ligada à diferença dos métodos com a ajuda
que desempenharam na evolução das representações dos prin¬ dos
cípios da organização funcional do cérebro, F Rosenblatt « Inais esses modelos podem ser construídos e analisados. Rosen¬
(233) assinala que, não obstante as grandes esperanças que blatt destaca que a teoria das probabilidades tem pouca utili¬
suscitaram semelhantes construções, logo decepcionaram os dade para analisar as características de um modelo monotí-
cpie esperavam que elas pudessem constituir o meio de elucidar pico, utiliza-se aqui o cálculo das enunciações, uma vez que
a natureza dos fenómenos que se desenvolvem no se considera um sistema isolado inteiramente
determinado,
substrato
cerebral real. A análise das causas que, segundo Rosenblatt, que pode tanto satisfazer como não satisfazer as equações fun¬
suscitaram essa queda de interesse é edificante. A principal cionais exigidas. Por outro lado, a lógica simbólica pode mos-
irar-se muito inconveniente ou mesmo totalmente inaplicável
consiste na "excessiva determinação" do modelo, em razão da
qual é suficiente um só passo incorreto no movimento dos im¬ para os modelos genotípicos. Na análise de semelhantes mo¬
pulsos para impedir todo o sistema de funcionar delos, são as propriedades da classe de sistemas, cuja estrutura
Ao formular essa conclusão, Rosenblatt aborda um fato
de é determinada pelos algoritmos introduzidos, que apresentam
importância excepcional para a neurofisiologia. Como veremos o interesse principal. Essas propriedades são descritas de ma¬
um pouco mais adiante, o progresso mais
importante realizado, neira melhor pelos métodos estatísticos. Por isso, nessa análise,
nestes últimos anos, na teoria da localização das
funções cere¬ o papel principal é desempenhado pela teoria das probabi¬
brais é a revisão de uma representação já superada, a da de¬ lidades (233).
terminação rígida (excessiva) das conexões entre as caracte¬ A idéia de que uma determinação rígida dos processos
rísticas estruturais e funcionais das formações nervosas. A aná¬
lise neurocibernética, que se baseia numa ampla simulação que se desenvolvem na rede neurônica limita a importância
dessa última como modelo do cérebro determinou o caráter de
dos processos estudados, entretanto, ultrapassou nesse campo,
um número muito grande de trabalhos efetuados nestes últimos
evidentemente, a análise neurofisiológica, como que lhe pre¬
anos. Rosenblatt lembra que os próprios autores do modelo
parando o caminho e criando, assim, toda uma série de pontos
de apoio úteis. monotípico inicial, McCulloch e Pitts, já tinham publicado,
juntamente com Landahl (190) , ao mesmo tempo em que
Rosenblatt qualifica de "monotípica" a classe de modelos criavam seu modelo, uma obra em que se descartavam da
representados pelo de McCulloch e Pitts, que desempenhou, determinação rígida cios acontecimentos na rede (indetermina¬
no seu tempo, papel importante, e lhe contrapõe os modelos ções eram admitidas no momento do aparecimento dos influ¬
de uma outra classe ("genotípica") , os quais apresentam, se¬ xos em propagação) Posteriormente, muitos foram os que
gundo ele, vantagens substanciais em relação aos primeiros. empreenderam o caminho do reforçamento de indeterminações,
Na simulação monotípica são apresentadas com antecedência desse tipo Schimbel e Rapaport (244) , Farley e Clark (143)
não só todas as propriedades dos elementos lógicos da rede de Beurle (114), Taylor (251), Uttley (106) e outros. Essa evo¬
do
neurónios, que assumem alternativamente dois estados tudo lução teve como consequência que os princípios iniciais
ou nada —, como também todas as particularidades
topoló¬ problema da organização das redes neurônicas se viram, pouco
gicas dessa rede. Quando um modelo genotípico é criado, as a pouco, profundamente transformados. Se antes se supunha

170 171
que a rede deve funcionar na base de um algoritmo rígido da atividade nervosa superior não-apreendidas pela consciência
atribuído com antecedência e que os processos estocásticos não torna-se mais clara quando se leva em consideração que, nos
podem desempenhar um papel um tanto ou quanto significa¬ últimos tempos, a neurofisiologia e a neurocibernética mar¬
tivo em sua atividade, com o surgimento de modelos da classe charam, em suma, na mesma direção geral, não obstante se
genotipica, os algoritmos rígidos cederam lugar às restrições de apoiarem em fatos diferentes.
caráter bastante geral, "às tendências a uma reação" segundo
um modelo determinado, à hierarquia das "regras de prefe¬
rência", etc. Atribuía-se, assim, a todo o sistema de conexões § 69 Convergência de excitações e caráter pohssensorial
no interior da rede neurônica um caráter estatístico, o prog¬
dos neurónios
nóstico do trabalho das redes passava a ser determinado na
base de critérios probabilísticos e as próprias redes (e isto é,
Os autores que estudaram as particularidades da propaga¬
sem dúvida, o essencial para a compreensão de todos esses
trabalhos do ponto de vista neurofisiológico) transformaram- ção das excitações na formação reticulada do tronco cerebral
já haviam descoberto, há muitos anos, o fenómeno singular
se, de sistemas rígidos e unívocos de neurónios formalizados,
em representantes de classes determinadas de estruturas da convergência, no interior das próprias estruturas reticula¬
topo¬ das, dos impulsos engendrados pela excitação das formações
lógicas. No interior de cada uma dessas classes, pode existir
uma multiplicidade de diferentes variantes topológicas
de centrais e dos receptores, impulsos que se relacionam às moda¬
conexão, que funcionam de maneira similar, apesar da dife¬ lidades sensoriais não-idênticas. Em 1952-1953, Bremer e Ter-
rença nos detalhes de sua organização neurônica concreta. zuolo (119), French, Amerongen e Magoun (147), French,
Verzeano e Magoun (148) e inúmeros outros descreveram fa¬
tos semelhantes. Quando as projeções reticuladas eram exci¬
§ 68 Sobre as tendências similares no desenvolvimento tadas por estímulos que se sucediam a intervalos distintos,
das concepções neurofisiológicas e neurociber podiam-se observar, nas formações reticuladas aonde chega¬
nèticas vam as correntes de impulsos, formas variadas de influências
recíprocas entre as excitações que lá chegavam (facilitação,
Uma vez que as redes neurônicas foram consideradas, des¬ fenómenos de bloqueio, etc.) Pesquisas posteriores mais pre¬
de o início, por seus autores como modelos mais ou menos cisas, através de microeletrodos, revelaram que essas influên¬
exatos do cérebro real, é natural que seu desenvolvimento
cias recíprocas são condicionadas por uma verdadeira con¬
estivesse determinado, por muito tempo, em grande parte, por
vergência de impulsos de modalidade diferente nos neurónios
considerações a respeito do grau de sua similitude funcional e reticulados isolados (Baumgarten e Mollica (110), Palestini,
morfológica com as estruturas neurônicas concretas do cére¬
bro. Seria exagerado dizer que a passagem dos modelos mono-
Rossi e Zanchetti (217) e inúmeros outros)
típicos para os modelos genotípicos só se fez sob a influência Ao mesmo tempo, foi demonstrado que a grande capaci¬
do desenvolvimento dos esquemas neurofisiológicos da organi¬ dade das estruturas reticuladas de dar ampla gama de res¬
zação funcional do cérebro; mas foi facilitada e consolidada postas aos estímulos de modalidade diferente não deve, absolu¬
pelo fato característico de que a crítica da determinação rígida tamente, ser entendida como a expressão de uma simples
das conexões neurônicas do cérebro e os argumentos em favor difusão de ondas de excitação que se propagam de maneira
da natureza estocástica dessas últimas apareceram na litera¬ não-diferenciada num substrato pouco estruturado. A con¬
tura neurofisiológica de maneira completamente independente vergência dos impulsos aferentes numa célula isolada da for¬
da linha de simulação neurocibernética. mação reticulada mostrou-se amplamente observável, mas sem
Recordamos essa evolução das idéias propriamente neuro¬ constituir uma lei universal. M. Scheibel, A. Scheibel, Mollica
fisiológicas porque sua significação para a teoria das formas e Moruzzi (235) mostraram, por exemplo, que a convergência

172 173
de impulsos aferentes heterogéneos é observada em diversos aos nomes de Anokhin, Fessard e de seus discípulos. E a
neurónios reticulados a um nível diferente. Os mesmos autores influência que essa corrente exerceu, nos anos mais recentes,
descobriram células nas quais agiam a polarização do cerebelo, sobre a teoria da localização das funções cerebrais foi, sem
as excitações tácteis, a percussão dos tendões das extremidades dúvida, muito profunda*
e o estímulo elétrico do córtex sensorimotor, mas nas quais
não agiam absolutamente os sons e as excitações do pneumo-
gástrico. Fatos similares de um comportamento diferenciado § 70. A propagação de excitações numa rede nervosa
dos neurónios reticulados frente às excitações de tipo diferente organizada de modo estocástico
foram igualmente revelados por inúmeros outros autores, o
mais interessante foi a existência de grande quantidade (50% Detivemo-nos na convergência de correntes de impulsos e
no ponto de Varole e 60% no mesencéfalo) de células reti¬ na reação diferenciada nos neurónios do córtex e na formação
culadas mudas, isto é, de neurónios cuja atividade elétrica não reticulada porque esses fenómenos desempenham papel à parte
variava nem sob a influência de excitações sensoriais adequa¬ na explicação das relações entre as funções cerebrais e seu
das nem em resposta às correntes de impulsos córtico-reticula- substrato cerebral, em particular na interpretação do proble¬
dos e cérebro-reticulados, nem mesmo sob o efeito de forte ma dos mecanismos nervosos das formas não-conscientes da
atividade nervosa superior.
excitação elétrica dos nervos aferentes (201)
Não há dúvida de que ainda entendemos mal as leis e,
Assim, esses numerosos trabalhos colocaram em evidência
pior ainda, o sentido fisiológico do caráter polissensorial dos
duas circunstâncias características em primeiro lugar, um neurónios. Fessard, por exemplo, assinalou (98) traços de simi-
modo particular de propagação, na formação reticulada, das
excitações heterossensonais, que utilizam, em condições deter¬
minadas, as mesmas estruturas neurônicas condutoras e trans¬ Pesquisas eletrofisiológicas revelaram, por exemplo, que sinais
*
formadoras, em segundo lugar, a atitude seletiva dos neurónios heterogéneos, tanto sensoriais como de origem central, convergem
reticulados frente às excitações atuantes e, consequentemente, no neocortex em áreas bastante grandes. Essa circunstância im¬
portante pôde ser descoberta pelo estudo dos potenciais evocados
o papel diferente dessas formações nos processos de integração
secundários ou irradiantes, que surgem no córtex cerebral em
nervosa. resposta a uma excitação de modalidade determinada, longe dos
limites do campo de projeção correspondente.
Posteriormente, a análise das manifestações de convergên¬ Buser e Ember (243) mostraram que, nos neurónios do córtex
cia dos impulsos nervosos e do caráter diferenciado das reações sensorimotor dos gatos, além das reações de origem somestésica,
de neurónios aos diferentes parâmetros da estimulação foi constatam-se também as respostas aos excitantes óticos e acústicos
(com as derivações a partir de microeletrodos extracelulares) Os
amplamente efetuada por Grússer (166), Jung (243), Lettvin neurónios que respondem a todas as formas de ação utilizadas —
e co-autores (243) , e permitiu a separação de uma série de estímulos somáticos, óticos e acústicos eram considerados por
esses autores como "polissensoriais" Os neurónios que respondem
populações originais e neurónios específicos do ponto de vista apenas aos excitantes somáticos, independentemente, contudo, da
funcional (os neurónios da "novidade" e da "identidade", parte do corpo excitada, eram denominados "polivalentes" e "atí¬
segundo Lettvin, os neurónios do tipo A, B, C, D, E, de acordo picos" Finalmente, os neurónios cuja ativação surgia apenas sob a
com Jung, etc.) Ficou estabelecido, igualmente, que todas influência de excitantes somáticos e de pleno acordo com os prin¬
cípios clássicos de organização das vias condutoras somáticas fo¬
essas relações funcionais e estruturais complexas manifestam-se ram designados como "territorialmente específicos" Estudou-se a
nas mais diferentes partes do cérebro (nos núcleos subcorticais, seguir a topografia dessas células funcionalmente heterogéneas.
no sistema límbico, no neocortex) , refletindo certo princípio Ocorreu que 92% dos neurónios da circunvolução sigmóide anterior
e da parte rostral da sigmóide posterior pertencem ao tipo polis¬
de organização e de funcionamento dos sistemas cerebrais sensorial, 8% ao tipo polivalente e nem 1% ao tipo territorial¬
ainda não muito bem compreendido, mas, aparentemente, mente específico.
É desnecessário destacar a que conclusões importantes a res¬
muito geral. As pesquisas teóricas graças às quais essa amplia¬ peito das particularidades da localização cerebral conduzem fatos
ção das interpretações pôde ser feita ligam-se principalmente desse tipo

174 175
litude e de sincronismo das variações de potencial provocadas Essa circunstância deve dar aos processos de propagação dos
por dois excitantes somáticos heterotópicos num neurônio do impulsos no substrato nervoso e às leis dessa propagação traços
núcleo médio do tálamo e num neurônio do córtex. Isso for¬ •extremamente específicos.
neceu pretexto para se supor a existência de alguma conexão As pesquisas referentes aos detalhes minuciosos da estru¬
projetável especial das estruturas polissensoriais, cujo meca¬ tura das populações neurônicas revelaram repetidas vezes (22)
nismo, por enquanto, é inteiramente obscuro. Pode-se, além que as particularidades da estrutura concreta do neuropilo
disso, admitir que a convergência de excitações heterogéneas dependem de fatores de dois tipos. Primeiramente, é certo que
num único e mesmo neurônio tem uma significação particular o esquema geral da estrutura da rede nervosa é geneticamente
para a realização de diferentes formas do processo associativo determinado. Entretanto, à medida que passamos desse esque¬
Mas é difícil afirmar com certeza se é assim mesmo que ocorre ma geral aos detalhes da organização das conexões nervosas,
na realidade. Entretanto, o fato mesmo, hoje indiscutível, da •cresce cada vez mais a importância do fator casualidade, isto
existência de neurónios polissensoriais em diferentes forma¬ é, a importância das variações individuais do crescimento e da
ções do córtex e do tronco cerebral permite externar algumas repartição das ramificações e das sinapses neurônicas, as quais
considerações complementares a respeito das particularidades refletem as influências imprevistas do meio interno e externo
da localização das funções cerebrais. A capacidade que têm os que atuam inevitavelmente desde as fases mais precoces da
neurónios polissensoriais de dar uma resposta diferenciada às • embriogênese.
diferentes espécies de estímulos obriga-nos, uma vez que essas Esse traço típico da estrutura das redes neurônicas é uma
estruturas estão representadas em massa no sistema nervoso, a manifestação particular de uma lei biológica muito mais geral
renunciar imediatamente à idéia de que existiria, para cada que N. Bernstein pôs em evidência (90) Essa lei consiste no
um desses neurónios, um sistema próprio, rigidamente deter¬ caráter intransigente ao extremo do organismo, quando se
minado, de conexões com cada um dos receptores suscetíveis trata dos traços essenciais da sua estrutura e, ao contrário, de
de conectar-se com ele através de uma multiplicidade incon¬ sua condescendência extrema em relação aos traços secundá¬
cebível desses receptores* A única alternativa é o esquema de rios, que são sempre por isso, muito individuais e extremamen¬
uma rede neurônica, que compreende grande quantidade de te variáveis* No caso da rede neurônica, semelhante conju¬
nós de comutação das correntes de impulsos. gação, em sua estrutura, de relações geneticamente consolida¬
Nessa rede, os impulsos heterogéneos podem propagar-se das e ocasionais adquire significação fisiológica totalmente
em momentos distintos, tanto por diferentes vias como pelas particular e põe em evidência os princípios funcionais que de¬
mesmas vias neurônicas (isto é, nessa rede, ocorre a supressão terminam a propagação das excitações nessa rede.
da especificidade funcional das cadeias neurônicas, que é £ fácil compreender (ver § 67) que, num sistema com¬
observada como princípio fundamental nos níveis mais peri¬ posto de conexões funcionais rígidas, de tipo não-estalistica-
féricos do sistema nervoso) Graças a isso, para cada uma das mente determinado, o elemento de casualidade mais insignifi¬
descargas da excitação em semelhante disponíveis em potencial cante na repartição das ramificações e dos contatos deverá
tiplicidade de vias eventualmente disponíveis em potencial tornar-se fonte ameaçadora de distúrbios funcionais irreme¬
pela propagação de impulsos para o ponto final necessário. diáveis. Ao mesmo tempo, os elementos inevitáveis de casua¬
lidade na estruturação das dendrites e dos axônios não podem
constituir obstáculo ao funcionamento de uma rede nervosa
Seria possível demonstrar matematicamente — como disse uma organizada de maneira estocástica, isto é, de um substrato no
vez, em tom humorístico, N Bernstein que um sistema de co¬
municações tão rígido, extremamente pesado, absurdamente não-
econômico e vulnerável, constituído de uma multiplicidade de vias
neurônicas lineares funcionalmente especializadas (isto é, de vias * Exemplo dessa lei universal é dado pelo fato de que duas
que não se cruzam, cada uma delas estaria destinada à condução pétalas quaisquer de uma planta são invariavelmente similares em
de excitações suscitadas por estímulos de uma só modalidade de¬ características principais, isto é, específicas, e, ao mesmo tempo,
terminada) deveria ocupar um volume muito superior à capaci¬ não representam jamais uma cópia estrutural exata uma da
dade das cavidades do crânio e da coluna vertebral. outra (não são mutuamente congruentes)

176 177
qual o movimento das correntes de impulsos obedece não a- lísticas dos impulsos que, assim, se opõem à tendência à ini¬
algoritmos rígidos, mas a uma determinação probabilística, às
regras flexíveis da preferência e que, consequentemente, de bição e ao amortecimento da atividade rítmica; que um quarto
acordo com as particularidades da sua organização interna, lipo (cadeias neurônicas reverberantes de Lorente de No e
I ni bes) deve ser responsável, como já era previsto há muito
aproxima-se, em grande medida, da classe de modelos deno¬
minados genotipicos por Rosenblatt. Icmpo, pela manutenção de estados funcionais prolongados
tios neurónios.
Graças à pluralidade de vias eventualmente disponíveis-
para as correntes de impulsos existentes nessa rede, à quan¬ A corrente, à qual já nos referimos, da chamada análise
tidade enorme de contatos e ramificações neurônicas, entram histonômica está diretamente ligada a esse tipo de pesquisas.
em vigor as leis estatísticas de repartição das variantes pos¬
Representa um esforço para ampliar, na base da combinação
síveis de propagação das excitações. E essas leis asseguram a de métodos eletrofisiológicos e óticos, as representações das
existência de inter-relações entre os neurónios particularmente
leis matemáticas formalizadas da estrutura e da disposição recí¬
importantes para o funcionamento normal do cérebro, as quais»
decorrem da lei dos grandes números e da teoria da probabi¬ proca das células no neuropilo real [Sholl (246) , Bok (115)], a
lidade. fim de utilizar, a seguir, esses dados sob o aspecto da simu-
bl/in/\ rr0\0 f\ + 1 Ал1 S'il

§ 71 Mais uma vez sobre a aproximação entre as con¬


cepções neurofisiológicas e a simulação genotípica § 72 O "inconsciente" como uma das formas da ativida¬
das funções cerebrais de gnóstica do cérebro
Essas representações das particularidades da neurodinâ- Entretanto, em que medida a teoria das redes neurônicas
mica das excitações na rede nervosa, que refletem a grande
artificiais, a simulação genotípica dos processos nervosos, a
experiência acumulada durante estes últimos anos pela ele-
trofisiologia, penetraram profundamente na neurologia mo¬ noção da natureza estocástica das conexões nervosas intercen-
derna. Conduziram gradualmente ao mesmo esquema geral da (rais, etc., têm relação com as formas não-conscientes da ati¬
organização funcional do cérebro, à mesma representação do vidade nervosa superior? Semelhante questão pode ser levan-
caráter das conexões nervosas intercentrais, que a simulação tada por muitos. Caracterizando a colocação do problema do
genotípica das funções cerebrais. Essa aproximação de duas inconsciente na literatura psicológica antiga, chamamos a aten¬
grandes correntes que se desenvolvem, em muitos pontos, in¬
ção repetidas vezes para um argumento de peso apresentado no
dependentemente uma da outra é muito significativa e cons¬
titui, por si própria, um argumento a mais para que cada uma final do último século e no início deste pelos partidários da
dessas análises seja adequada. Posteriormente, foi desenvol¬ realidade do inconsciente Esse argumento consistia em que a
vida nas pesquisas em que a teoria das redes neurônicas foi análise psicológica colocaria frequentemente em evidência a
elaborada no sentido de uma aproximação máxima do plane existência de um "trabalho lógico" do cérebro, não obstante
geral da estrutura e das formas de ramificação das vias cere¬ esse trabalho desenvolver-se sem uma tomada de consciência
brais reais [Fessard (243) M. Scheibel e A. Scheibel (236N ]
Essas pesquisas mostraram, por exemplo, que determinados
(pelo menos, em sua fase de desenvolvimento incompleto)
sistemas de ramificações neurônicas devem, ao que parece, con¬
Traduzindo-se para uma linguagem mais moderna esse pensa¬
tribuir para a sincronização das excitações propagadas, que mento de nossos predecessores, bastante clarividentes em nu¬
outro tipo de estrutura e de disposição recíproca das vias deve, merosos domínios, pode-se dizer que, às vezes, o inconsciente
ao contrário, provocar efeitos contrastantes (crescimento das se faz conhecer, pois é capaz de elaborar a informação recebida,
diferenças) entre as particularidades de diversas correntes de apesar de esse processo escapar ao controle da consciência. O
impulsos, que um terceiro tipo deve intensificar as caracte- inconsciente apresenta-se, nesse caso, como um termo que sig-

178 179
nifica apenas uma forma singular da atividade gnóstica ordi¬
nária do cérebro* Icgulam o processo de assimilação da informação, a categoria
de consciência quase nunca é mencionada pelas concepções
Já observamos que todo o desenvolvimento das repre¬ neurocibernéticas.
sentações neurocibernéticas e neurofisiológicas que definimos,
toda a corrente de simulação monotípica e genotípica das fun¬ Poder-se-iam citar inúmeros exemplos que revelam, de
ções cerebrais estão orientados de maneira a tornar mais com¬ maneira convincente, que é exatamente esse problema da ela¬
preensível a forma pela qual as particularidades topológicas boração da teoria do mecanismo neurônico, apto a elaborar
do substrato nervoso, que se expressam através da especifici¬ a informação sem participação da consciência, que se encontra
dade da estrutura das redes neurônicas, podem, na presença no centro das pesquisas neurocibernéticas atuais. É precisa¬
da determinação probabilística das interconexões entre os ele¬ mente nesse sentido que estavam orientados os primeiros traba¬
mentos nervosos, dar às estruturas materiais, ligadas ao mundo lhos de W Pitts, dedicados à teoria linear das redes neurônicas,
exterior de maneira definida, a possibilidade de receber e ela¬ publicados ainda no início dos anos 40 (220, 221) , a obra de
borar a informação a respeito desse mundo. Chamamos, em Л. S. Householder e H. D. Landahl (174) , a de I. T. Culbert-
particular, a atenção para o fato (primordial do ponto de vista son (130) , cujo título, Consciousness and Behavior, não deve
que nos interessa no momento) de que, entre os fatores que absolutamente criar a ilusão de que seu autor considera real¬
mente a consciência como um fator que participa da determi-

Como exemplo dos argumentos em que se baseou, no século xix,


a noção de trabalho lógico não-consciente do cérebro e do papel e não sucessivamente, por partes, como será feito posteriormente,
desse trabalho na criação artística e científica, apresentamos uma quando a reproduzirei na minha imaginação, mas como um
passagem interessante de uma carta de Mozart. Nessa carta, Mo¬ todo, numa só vez. É um verdadeiro festim! Encontra-se tudo
zart procura explicar como nele nascem as imagens musicais e isso e cria-se como se estivesse num sonho maravilhoso. A per¬
sublinha seu término quando ocorre a tomada de consciência em cepção como um todo da obra musical em seu conjunto é o mais
relação ao processo. Quanto ao processo da formação gradual dessas belo. O que criei dessa maneira não esqueço facilmente e constitui,
imagens, que, ao que parece, também deve ter lugar sob alguma certamente, o melhor dom que recebi de Deus. Quando passo, em
forma, permanece, segundo Mozart, inteiramente oculto da sua seguida, a escrever, retiro da despensa do meu cérebro tudo que
consciência (168) estava previamente arrumado como o descrevi. Por isso, tudo vai
"Agora passo à questão mais difícil da sua carta, à qual eu para o papel relativamente depressa. A obra já está pronta, como
evitaria responder, uma vez que não domino bem a pena. Mas, de o disse, e raramente se distingue do que havia sido composto na
qualquer maneira, farei uma tentativa, mesmo que isso lhe faça cabeça. É por isso que, quando escrevo, podem me incomodar, an¬
rir Qual é o meu método de escrever e elaborar coisas importantes dar em torno de mim, que isso não me impede de escrever Posso
e ainda em estado bruto? mesmo falar de uma série de coisas. Mas de que forma minhas
Não posso, na realidade, dizer mais do que digo a seguir, pois obras adquirem um caráter precisamente mozartiano e não são
eu mesmo não sei mais e não posso saber compostas da maneira de qualquer outra? Como não me ligo a
uma particularidade qualquer, não poderia descrever a minha em
Se estou me sentindo bem e com boa disposição de espírito, como detalhe. Se bem que, de outro lado, seja inteiramente natural
acontece frequentemente durante uma viagem ou um passeio após que pessoas que têm determinada aparência se distinguam umas
um bom jantar, ou à noite, quando não se tem sono, as idéias me das outras tanto exteriormente como interiormente. Pelo menos,
chegam claras e aos borbotões. De onde e como vêm? Isso eu não
sei que me atribuí o primeiro tão pouco quanto o segundo.
sei e nada posso fazer para sabê-lo. As que me agradam, guardo Aqui, permita-me terminar, caro amigo, para sempre e para
na minha memória e as cantarolo baixinho para mim mesmo, a eternidade, e creia-me que me interrompo pela única razão de
como, pelo menos, me dizem os outros. Se as guardo bem, imedia¬ que não sei mais nada. O senhor que é cientista não imagina como
tamente me vem ao espírito como posso utilizar algum fragmento tudo isso é difícil para mim."
para o acomodar no conjunto em relação com o contraponto, com
Esse trecho exprime de modo brilhante a não-apreensibilidade
o som de diversos instrumentos, etc. de uma parte aparentemente importante do trabalho que o cérebro
Esse processo me emociona profundamente, se, entretanto, cumpre quando cria novas imagens musicais. É possível que este¬
não vem me incomodar Minha inspiração vai num crescendo, eu jamos aqui diante de um processo que se distingue, em certo senti¬
a desenvolvo e a faço mais clara, de maneira que se torna orga¬ do, da elaboração lógica não-consciente da informação (G Voro-
nizada na minha cabeça de forma quase acabada, mesmo quando nin) mas, em todo caso, um fato fundamental aparece claramente
adquire grandes dimensões. Posso contemplá-la depois mentalmen¬ os processos do pensamento apreendidos pela consciência revelam-
te, em seu conjunto, como um quadro magnífico ou uma bela pessoa, se invariavelmente desviados para as últimas fases da atividade
do pensamento.
180
181
nação do comportamento. A monografia amplamente conhe¬ Nas pesquisas empreendidas pelo grupo de Newell, não
cida de Ashby (104) foi escrita no mesmo espírito, mas de ma¬ ;era tanto diretamente para o mecanismo de elaboração da in¬
neira consequente. Os grandes conhecimentos desse autor a formação que a atenção estava fundamentalmente dirigida,
respeito da patologia clínica da consciência não o impediram como para os princípios da busca (' estratégia da decisão") , não
de construir um esquema de organização funcional do cérebro tanto para os algoritmos rígidos, como para as "regras gerais"
em processo de conhecimento no qual nenhum lugar foi reser¬ ("heurísticas") que, baseadas num mínimo de informação, sem
vado para a atividade cerebral, que está na base da tomada garantir o êxito da decisão, o asseguram, entretanto, na maio¬
de consciência. Rosenblatt declara ser primordial esse mesmo ria dos casos. Essa a razão por que a corrente heurística se opõe,
problema básico para toda a classe de modelos que se referem num certo sentido, às tentativas de entender a atividade auto-
ao tipo das percepções. Poderíamos prolongar a lista de refe¬ reguladora dos sistemas cognoscitivos como função das carac¬
rências desse género. terísticas da rede neurônica baseada em critérios probabi¬
lísticos. Pondo em evidência os fatores de sucesso da decisão,
desloca claramente a tónica da análise das particularidades da
§ 73 A corrente heurística na neurocibernética moderna topologia e da determinação para a análise das leis lógicas e
ÿda ordem de elaboração dos dados da informação*.

Entretanto, o problema fundamental que acima formula¬ Nos métodos de pesquisa, a corrente heurística segue tam¬
mos não é a única característica da moderna corrente neuro¬ bém sua própria via, apoiando-se não tanto na análise dos
cibernética na análise da atividade cerebral. Não é menos problemas evidenciados pela teoria das redes neurônicas e na
típico o método empregado para superar as dificuldades que elaboração técnica de novas construções de autómatos, como
se fizeram sentir claramente nestes últimos anos nas tentativas na pesquisa psicológica formalizada e na programação de pro¬
de simular as formas complexas de elaboração da informação cessos de informação concretos. A formalização é aqui alcan¬
do cérebro real a partir apenas das propriedades das redes çada decompondo-se os processos complexos de elaboração da
neurônicas organizadas de modo probabilista. O problema informação em seus passos elementares determinados, cujo con¬
dessas dificuldades foi levantado no ISimpósio de Teddington junto sistematizado é possível, mais tarde, reproduzir tecnica¬
mente. Se, graças a semelhante análise, a estrutura funcional da
(Inglaterra) , em 1958, dedicado aos Problemas da Mecaniza¬
atividade de elaboração da informação é posta em evidência de
ção da Atividade Mental. Os informes de Minsky, MacKay e
maneira suficientemente completa e se reflete no programa,
outros nesse Simpósio destacavam a necessidade de encontrar
lornecem-se ao computador que executa semelhante programa
os meios para simular não só os processos intelectuais de ordem
formal e lógica, mas também as formas de atividade ilógicas
como a intuição, a previsão, a atividade mental numa situação A respeito desse deslocamento, do qual revelam o caráter progressi¬
em que, para tomar uma decisão segundo um algoritmo pre¬ vo, A Napalkov e У Orfeev (60) recordam que, com a ajuda dos
ciso, seria necessário elaborar grande quantidade de informa¬ computadores já existentes, é possível simular qualquer forma de
ções, etc. Foi, em suma, a primeira oportunidade em que se trabalho do cérebro fornecendo apenas seus algoritmos ou suas
heurísticas. Eis a razão por que, segundo eles, não são tanto as
emitiu a idéia de que, uma vez que se tenta descobrir os me¬ possibilidades técnicas limitadas das máquinas que constituem obs¬
canismos que condicionam o processo de elaboração da infor¬ táculo ao progresso da simulação da atividade do pensamento, como
mação pelo cérebro, é necessário levar em conta não só as nosso conhecimento insuficiente da estrutura funcional da ativida¬
de cerebral de elaboração da informação.
características topológicas e os princípios de organização din⬠Uma modificação introduzida no programa guardado na me¬
mica das redes neurônicas, mas também as particularidades da mória de um computador é, em casos determinados, equivalente
estrutura funcional desse processo de informação propriamente a uma modificação na estrutura material do autómato calculador
(A. Kolmogorov V Uspenski) Napalkov e Orfeev estimam que o
dito. Essa idéia que, em geral, está ligada aos trabalhos de
principal nos sistemas suscetíveis de se auto-organizar é a pre¬
Ncwell, Shaw, Simon, publicados ainda nos anos 50 (241), sença neles de determinada hierarquia de programas, no interior
exerceu, nestes últimos tempos, influência muito forte na tco- da qual a correção dos programas de nível inferior é feita por
lia da simulação da atividade do (X'nsamcnto. programas de nível mais elevado.

183
quase as mesmas possibilidades de que dispõe, para a solução* § 74 A negação do papel atwo da consciência como
dos problemas da classe correspondente, uma máquina que resultado da tendência a deduzir as propriedades
funciona na base de programas de tipo algorítmico comum. do todo (o cérebro) das propriedades de seus ele¬
Por isso, na programação heurística, não é indispensável' mentos (os neurónios)
criar um modelo matemático preliminar do trabalho do cére¬
bro. Basta empregar a linguagem especial dos processos de Para explicar essa última idéia, voltaremos rapidamente
informação (acessível às máquinas de tipo especial com elabo¬ ao método da simulação da atividade cerebral, relacionado
ração da informação, levando em conta o sinal), que reflete com a teoria das redes neurônicas. À luz daquilo que dissemos
os dados de uma análise que antes se considerava especifica¬ a respeito da corrente heurística, tornam-se mais claros alguns
defeitos característicos da aplicação desse método, que apare¬
mente psicológica. Sua capacidade de revelar os mecanismos,
cem nas publicações modernas, e que no entanto não devem
da atividade estudada foi vista, entretanto, com grande ceti-
ser considerados como defeitos do próprio método.
cismo. Quando se estudam seus dados, a corrente heurística'
permanece, com efeito, dentro dos limites daquilo que se pode Apenas em casos muito raros, chega-se, na ciência, a for¬
mar uma idéia adequada das funções do todo a partir das pro¬
denominar fenomenologia lógico-psicológica, mas revela a que-
ponto era injusta a subestimação de longa data das possibili¬
priedades dos elementos, previamente avançados ou postula¬
dos, desse todo. Em geral, essa abordagem não leva em conta,
dades da análise lógico-psicológica, e que. é necessário introdu¬
de maneira exaustiva, todas as qualidades novas que surgem,
zir importantes correções nas representações que existem at às vezes, de forma inteiramente imprevista, quando os ele¬
esse respeito. mentos são agrupados em sistemas. A simulação das funções do
Na União Soviética, essa corrente continua, nestes últimos. cérebro, pela qual as propriedades desse órgão são deduzidas
anos, a ser desenvolvida pelos interessantes trabalhos de O. das características da estrutura topológica da rede neurônica
Tikhomirov, V Terekhov, V Puchkin, D Zavalichina, A. e dos algoritmos que regem a regeneração e a transmissão dos
Bruchlinski, D Pospelov e outros (86, 95) sinais, assim como a transformação das propriedades da rede
de trabalho, pertence à categoria dessas abordagens simplifi¬
Em suma, pode-se dizer que a corrente heurística desta¬ cadoras. Uma vez que nenhum dos eminentes neurologistas
ca a importância das conexões entre a estrutura do processo . modernos com exceção, talvez, de Eccles (140) considera
de informação, o problema para cuja solução esse processo está que os processos que se desenvolvem no nível neurônico sejam
voltado, e as características lógico-psicológicas da atividade do. determinados não materialmente, mas psiquicamente, seria difí¬
pensamento. É apenas levando em conta essas conexões e orien¬ cil esperar que apenas pelo estudo dedutivo das consequências
tando a pesquisa, como o indica a corrente heurística, do, da reunião dos elementos nervosos em sistemas se pudesse obter
problema das particularidades fenomenológicas para os meca¬ um quadro do trabalho do cérebro em que fosse reservado um
nismos, e não inversamente, que se pode resolver de maneira lugar justificado, um papel indispensável, para o fator cons¬
adequada a questão do papel desempenhado no processo de- ciência. Não obstante toda a profundidade e engenhosidade
elaboração da informação pelo fator consciência (e assim defi¬ de semelhantes deduções, que permitem deduzir até mesmo
nir corretamente o setor que se deve destinar às formas não- as formas muito complexas de elaboração da informação a
conscientes da atividade nervosa superior) . Ao contrário, se partir de um pequeno número de propriedades das estruturas
preferirmos ater-nos às concepções que optam pelo caminho. neurônicas elementares, definíveis de maneira formalizada,
inverso dos mecanismos postulados (das características das. uma análise desse tipo conserva quase sempre um ressaibo me¬
redes neurônicas organizadas segundo um modo probabilista) canicista e se revela pouco apropriada para pôr em evidência
para as particularidades da atividade de elaboração da infor¬ as propriedades que não estão contidas, mesmo em estado la¬
mação do cérebro —, teremos, efetivamente, dificuldade de tente, em suas premissas.
entender quais as razões existentes para apoiar a idéia de que É exatamente assim que se explica a atitude da moderna
a consciência teria funções reguladoras próprias, somente ai corrente neurocibernética diante do problema da consciência
ela inerentes. como fator ativo do trabalho cerebral, que na prática se limita

184 185
a ignorá-lo completamente, a relegar a consciência ao nível
sensações, o quadro subjetivo da atividade do seu próprio
de puro epifenômeno, do qual, na melhor das hipóteses, se
cérebro (164)
deveriam ocupar os filósofos, com sua tendência irresistível
para os enigmas do Universo e os problemas eternos, mas de Seria possível citar grande quantidade de exemplos dessa
maneira alguma aqueles que procuram descobrir os posição, difundidos na moderna literatura neurocibernética.
mecanis¬
mos reais do trabalho do cérebro.
A unanimidade de numerosos teóricos eminentes da neuro-
cibernética, suas afirmativas categóricas sobre o assunto, não § 75 Sobre o reflexo dos princípios de funcionamento
deixam de suscitar, de início, um sentimento de admiração dos computadores modernos no trabalho dos con¬
respeitosa. juntos neurônicos reais
Para F Rosenblatt, por exemplo, o problema da consciên¬
cia esgota-se inteiramente com os da teoria da informação e Formularemos um pouco mais adiante o principal motivo
das reações objetivas do comportamento. Estima ele que a por que é falsa a posição que consiste em negar um papel
ativo à consciência. Por enquanto, gostaríamos de fazer duas
questão da natureza da consciência pode ser eludida da mesma
observações prévias a respeito dessa posição.
maneira que estudamos a questão da natureza da percepção,
dirigindo nossa atenção para os critérios experimentais e psi A primeira consiste em que, na concepção negativa expos¬
ta acima, não é somente o tema da essência da consciência que
cológicos que permitem descobrir a verdadeira essência das
está suprimido. A questão das funções ativas da consciência, das
coisas. A respeito do modelo teórico do cérebro, Rosenblatt
formas específicas das influências reguladoras, exercidas pela
assinala que a única coisa que se pode afirmar é que o sistema atividade cerebral na base da consciência, na dinâmica dos
se comporta como se fosse consciente.
Quanto à questão da processos vitais e no comportamento, está igualmente supri
existência real da consciência em semelhante sistema, é neces¬ mida e, consequentemente, todo o problema das inter-relações
sário deixá-la para os metafísicos. De maneira geral, considera entre a consciência e o inconsciente, entre as formas da ativi¬
que o emprego da noção de sistemas "suscetíveis de conhecer", dade nervosa superior de caráter consciente e não-consciente.
isto é, de sistemas capazes de assimilar a informação e utilizá-
la para comandar, permite abster-se provisoriamente de uma George entende tudo isso muito bem. Ao excluir de sua
definição de fenómenos como a percepção e a consciência e análise a categoria da consciência, suprime, de um só golpe,
concentrar a atenção nos fenómenos psicológicos relacionados
todas as delimitações estabelecidas pela psicologia durante de¬
com o acesso à informação (233) zenas de anos entre as particularidades qualitativas e o papel
dos processos cerebrais apreendidos e não-apreendidos pela
Já tivemos oportunidade de evocar a posição de Uttley, consciência. Esses dois tipos de atividade cerebral baseiam-se
externada em seu discurso de encerramento da Conferência
na noção de pensamento, tal como a apresenta a abordagem
Interdisciplinar Dedicada ao Problema dos Sistemas Suscetí¬ neurocibernética comum. Todas as diferenciações mais deta¬
veis de se Auto-Organizar (eua, 1959) em vez da palavra
lhadas que, segundo nossa compreensão, são as principais, são
razão prefere-se hoje empregar a palavra pensamento
aqui afastadas, sem hesitação, para um segundo plano. George
Segundo F George, a única interpretação adequada da assinala que, do mesmo ponto de vista comportamental, dir-se-
consciência é a interpretação tipicamente paralelista (epife- ia ser igualmente necessário incluir no pensamento não só os
nomenalista) , que retira as questões relativas à teoria da cons¬ atos de que se tem consciência como também os processos
ciência do grupo de problemas dos quais se ocupa a teoria que se realizam inconscientemente. Isso significa que a solução
moderna do cérebro. George destaca que a consciência não de um problema, quer seja encontrada no estado de vigília,
pertence às propriedades que se podem estudar pelos métodos quer durante o sono, deve ser também considerada como re¬
cibernéticos. E, sem se aprofundar no obscuro problema da sultado do pensamento, e, como se estima que o aprendizado
consciência de outrem, poder-se-ia dizer simplesmente que essa inclui quase sempre, senão sempre, a solução dos problemas,
representa, sem dúvida, o correspondente de uma atividade pode-se verificar que todas as questões, à primeira vista dife¬
nervosa determinada que dá ao homem, através de imagens e rentes, podem ser reduzidas a uma só (164)

186 187
ÿ
O segundo ponto que se deve destacar pode parecer um a atividade dos conjuntos neurônicos reais funciona de acordo
tanto inesperado. A teoria das redes neurônicas estocastica-
com os princípios gerais que lembram, em certa medida, os
mente organizadas permitiu que se desenvolvesse um sistema que caracterizam o trabalho das calculadoras eletrônicas nu¬
bem-pensado de representações relativas aos processos de ela¬ méricas e analógicas. Mas George, que prefere as formulações
boração da informação como função de algumas características mais categóricas, estima que se considerássemos o cérebro em
seu conjunto como se fosse um sistema de comando do tipo de
topológicas e probabilistas, e dos algoritmos, estando excluído
um computador, estaríamos formulando abertamente um pon¬
o fator consciência como argumento. Mas isso significa que a
to de vista cujo reconhecimento tático serve de base, há muito
teoria das redes neurônicas deu alguns passos no caminho do
aprofundamento das representações dos mecanismos de ela¬ tempo, para inúmeras concepções biológicas (164) .
boração da informação, principalmente ao nível do trabalho A tendência a esse entendimento está representada em inú¬
não-consciente do cérebro, ou seja, deu alguns passos no senti¬ meras obras destes últimos anos. E deveria ser aceita se apenas,
do de ampliar nossos conhecimentos a respeito de uma das ao aceitá-la, não assumirmos, ao mesmo tempo, a obrigação
principais funções das formas não-conscientes da atividade de renunciar às representações ainda mais solidamente argu¬
nervosa superior, do seu papel como aparelho de elaboração da mentadas. Entretanto, é fácil mostrar que a interpretação que
informação. prevalece na literatura atual dessa análise maquinizante, que
Sem dúvida, essa tese é importante. Os dados acumulados destaca o deslocamento da idéia de consciência (Uttley e
a respeito da organização funcional dos processos que se de¬ outros) por essa, exige exatamente uma renúncia de tipo bas¬
senvolvem no sistema nervoso central (e também provavel¬ tante categórico. Para poder concordar com Uttley e seus
mente, em alguns casos, no sistema periférico) revelam, muitas adeptos, devemos reconhecer que esse produto extremamente
vezes, a existência de estruturas celulares cujo trabalho demons¬ complexo do processo da filo e ontogênese, que representa a
tra, em determinadas circunstâncias, uma similitude espeta- aptidão do sujeito a tomar consciência da sua vida mental,
cular com a atividade dos mecanismos calculadores, e pode foi formado com perseverança durante milénios por esse pro¬
ser explicado pelas propriedades das redes neurônicas corres¬ cesso, não obstante não ter qualquer relação com o compor¬
pondentes. Tais são, por exemplo, os dados obtidos no estudo tamento de adaptação. Ë desnecessário destacar em que situa¬
das reações do analisador ótico por Lettvin e seus colaborado¬ ção complexa nos veríamos no caso de semelhante reconheci¬
res (243) , as leis do reconhecimento das formas, para a inter¬ mento, a menos, certamente, que estejamos prontos a abando¬
pretação das quais Culbertson (129) , Rapaport (229) e outros nar sem lamentações os princípios fundamentais da teoria da
propuseram uma série de redes neurônicas simuladoras espe¬ evolução biológica.
cíficas. Não resta dúvida de que, quando os partidários da
Contudo, vamos esforçar-nos por mostrar, mais adiante,
concepção dos "dispositivos calculadores" neurônicos incluí¬
dos no cérebro justificam sua abordagem com argumentos con¬ que um destino tão desolador não nos está reservado obrigato¬
cretos, esses são, frequentemente, muito impressionantes, como
riamente. A interpretação epifenomenalista da consciência não
é o caso de Sutherlan (250) , o qual mostrou que no polvo as decorre forçosamente da idéia de que a atividade de conjuntos
neurônicos determinados é definida por princípios, em certa
reações dependem de uma determinação prévia exata, por
medida, próximos daqueles em que se apóiam, em seu fun¬
parte desse animal, das características espaciais do estímulo;
de Stark e Baker (249) , que analisaram, num plano semelhan¬ cionamento, os computadores modernos. Além disso, as fun¬
te, o mecanismo do reflexo pupilar; de Selfridge (242) , que ções específicas da consciência tornam-se mais compreensíveis
propôs um modelo especial dos processos de reconhecimento exatamente quando certas tendências, que se manifestam
da forma dos objetos, etc. quando se tenta utilizar na neurofisiologia e na psicologia a
teoria moderna dos autómatos, são levadas às consequências
Referindo-se ao conjunto desse problema, von Neumann
(215) assinala logicamente que, uma vez que as diversas formas lógicas. A neurocibernética não anula em absoluto, como o
de atividade cerebral mostram traços de semelhança com o fun¬ afirma Uttley, a categoria da consciência. Ao contrário, ela
cionamento dos mecanismos calculadores, pode-se supor que a elucida profundamente numa abordagem definida.

188 189
Podemos resumir em poucas palavras o que acabamos de não menos importante o da regulação imediata não-co
dizer a teoria do funcionamento cerebral deve muito à mo¬ ciente das reações biológicas e do comportamento, que se i
derna análise neurocibernética, que utiliza as propriedades das sentiu igualmente da ação produtiva das idéias neurocil
redes lógicas e dos autómatos terminais do tipo da máquina de néticas.
Turing, em razão das possibilidades que essa análise cria para
o entendimento das funções do cérebro, principalmente em
relação com a elaboração da informação. Seria, entretanto, co¬ § 77 . Informação critérios de preferência
meter um erro opor essa análise à teoria da atividade da cons¬
efe
antientrópico
ciência elaborada pela neurofisiologia. No caso presente, trata-
se não de uma alternativa, mas do desenvolvimento ulterior
da simulação da atividade cerebral no sentido sugerido pelos O processo de assimilação e elaboração da informação
dados incontestáveis da psicologia experimental, que revelam adquire o caráter de uma atividade adaptável, ao que pare
o papel ativo da consciência e das suas funções reguladoras, no caso em cpie a informação pode ser utilizada com um ol
tivo de regulação. Essa idéia de uma ligação indissolúvel en
muito específicas em diversos pontos*
a informação e a regulação nos organismos vivos foi muito b
expressa por Rosenblatt, que propôs chamar de sistemas "s
cetíveis de conhecer" apenas aqueles em que semelhante li
§ 76 Dois aspectos principais das manifestações da ção está efetivamente realizada. A representação da informai
atividade do "inconsciente" sob a forma de uma imagem na retina, diz Rosenblatt, nã<
suficiente para decidir se determinado organismo é suscetí
A corrente neurocibernética na teoria do cérebro conhe¬ de apreender em relação ao meio circundante observado visi
ceu, assim, um destino muito curioso. Ao retirar a consciência mente Para responder a essa questão, deve-se ainda most
do conjunto de parâmetros da atividade cerebral, com os que essa informação torna possível o comando de certo o
quais tem relação, obteve êxito em não excluir a consciência junto determinado de reações do organismo. Poder-se-ia,
do conjunto de objetos que devem receber uma análise cien¬ exemplo, afirmar que um homem que pára maquinalmei
tífica, apenas transformando a si própria em uma corrente diante de um sinal vermelho, mas que será incapaz de,
que estuda os mecanismos da atividade cerebral pouco ou seguida, explicar por que parou, constitui um organismo "c
inteiramente desligados da consciência. Com efeito, quase noscitivo" em relação aos sinais vermelhos no nível de reaç
todas as pesquisas neurocibernéticas anteriormente menciona¬ motoras que se manifestam abertamente, mas não ao ní
das podem ser consideradas como relacionadas com a teoria da memória verbal. Ao contrário, um pianista incapaz pode
dos mecanismos que tornam possível elaborar a informação, "cosnoscitivo" ao nível verbal em relação aos erros da >
independentemente do fato de que se tenha ou não consciên¬
O •> .
execução, mas não ao nível do comando de seus movimeni
cia de tal elaboração. Assim, de acordo com Rosenblatt, emprega-se o termo "c
A corrente neurocibernética, apoiando-se na teoria das re¬ noscitivo" para indicar que o conhecimento de certo conjui
des lógicas, se apresenta hoje, por isso, numa relação muito de informação torna possível o comando de uma classe
mais estreita com a teoria das formas não-conscientes da ativi¬ reações determinadas (233)
dade nervosa superior do que com a teoria da consciência. Mas, Essas formulações expressam claramente a idéia da n
nesse domínio especificamente restrito, seus métodos e con¬ dade da informação e da regulação, se são consideradas coi
ceitos adquirem uma importância muito grande. mecanismos de adaptação, ao mesmo tempo em que sublinh
Tudo isso de que falamos até agora dizia respeito apenas mais uma vez que a abstração é feita em relação ao parâmc
a um dos aspectos da atividade do inconsciente, o da elabora¬ da tomada de consciência, o que é típico da corrente neur (

ção não-consciente da informação. Entretanto, existe outro, bernética (o pedestre permanece um sistema "cognoscitn
em relação ao sinal vermelho ao nível da sua capacidade i
triz, mesmo no caso em que a tomada de consciência dos í
Ver nota na p 35 tivos para essa reação esteja ausente)

190
A informação adquirida não pode, aparentemente, ser A subordinação dos processos neurofisiológicos ao princí¬
utilizada com o objetivo de regulação, a não ser que sirva para
estabelecer certa ordem na ação, isto é, se produz um efeito
pio da atitude, com a separação hipotética dos sistemas cere¬
brais, de preferência responsáveis pela formação e o funciona¬
antientrópico. Quanto à criação de uma ordem semelhante,
essa não pode ser obtida se não existe um sistema definido de mento das atitudes, foi esboçado, na União Soviética, pela
regras que determinam a significação da informação recebida, primeira vez nos trabalhos da escola psicológica georgiana de
X). Uznadze (20, 96) e, no estrangeiro, nos trabalhos de Pri¬
de critérios de preferência definidos, na base dos quais ocorre
a resolução de tendências determinadas de reação, suficiente¬ bram (167, 222), de Raisse (195), de Paillard (195) e outros.
mente flexíveis para se. modificar quando muda a situação No que concerne aos modelos neurocibernéticos, somente os
ou a tarefa, e, ao mesmo tempo, suficientemente inertes para partidários da corrente heurística avaliaram plenamente a
continuar a exercer uma ação dirigente, apesar da multiplici¬ importância do princípio da atitude como fator de regulação
dade das influências potencialmente possíveis de incomodar. ÿdo comportamento do sistema, o que encontrou expressão ca¬
Essa idéia — ao que parece, evidente e não muito com¬ racterística na inclusão de mecanismos especiais de escolha se-
plicada — da unidade indissolúvel de uma estrutura de letiva no "computador para a solução de problemas de ordem
três elementos (informação — critérios de preferência — efeito geral", criado por Newell, Shaw e Simon (241) . Nas calcula¬
antientrópico) nasceu sob má estrela: seu caminho na ciência doras eletrônicas de tipo corrente, o papel das atitudes regula¬
foi semeado de obstáculos. A tomada de consciência do caráter
doras é, em grande medida, cumprido por um sistema de pro-
adequado dessa idéia na psicologia e sua apresentação sob a . nrvr, m"Л с mnctrin'fln QPfflin ft О "litin Viim-árninro
forma do conceito de atitude, como fator intermediário entre
a informação e a regulação do comportamento, ocorreram há
muito tempo; entretanto, estamos longe de saber claramente,
até hoje, como se deve entender a natureza fisiológica e o reótipo dinâmico da de atitude. Além disso, a atitude, que se ma¬
nifesta como fator regulador, supõe, aparentemente, a existência
sentido psicológico de semelhantes atitudes. Na neurofisiolo-
de estereótipos dinâmicos (como "sistemas bem-ordenados e equi¬
gia, imperou durante muito tempo uma confusão lamentável librados de processos internos") e se apóia neles. Entretanto,
entre a noção de atitude e a de estereótipo dinâmico,
que re¬ seria um erro grave concluir que as noções de atitude e de este¬
presenta um princípio não menos importante, mas qualitativa¬ reótipo dinâmico são idênticas.
mente diferente da organização das reações*. Sua diferença principal consiste em que expressam dois prin¬
cípios de regulação. A regulação, segundo o princípio do estereó¬
tipo dinâmico, reflete sempre a tendência a reproduzir certo sis¬
Em seu informe no X Congresso Internacional de Psicologia tema de reações previamente constituído e, portanto, consolidado.
(Copenhague, 1932), Pavlov deu uma definição exata do estereó¬ A regulação, segundo o princípio da atitude, está isenta dessa
tipo dinâmico como "sistema de processos internos bem-ordenado restrição. A atitude como sistema de excitações é determinada
e equilibrado" (63) . Pavlov, explicando essa noção, sublinha que completamente pelas influências prévias, mas, uma vez formada,
uma multiplicidade de excitações que agem sobre os grandes he¬ atribui uma significação (no sentido indicado acima) à informa¬
misférios "encontram-se, entrechocam-se, interagem e devem, no ção recebida e pode facilitar o aparecimento de diversas formas
final das contas, sistematizar-se, equilibrar-se", o que conduz fi¬ de atividade de maneira relativamente independente do fato de
nalmente às manifestações de uma estereotipia dinâmica. A seguir, que exista ou não, no passado, o análogo exato dessas formas.
Pavlov apresenta exemplos de estereótipos dinâmicos criados ex¬ Em outros termos, pode-se dizer que se, na regulação segun¬
perimentalmente ou determinados clinicamente, subentendendo do o tipo de estereótipo dinâmico, é a tendência à determinação
invariavelmente com esses termos sistemas de "processos internos" rígida das reações e à inércia dos processos neurodinâmicos que
estabelecidos e fixos, que exercem resistência quando são quebra¬ se manifesta, na regulação segundo o princípio da atitude observa-
dos e mudam o caráter do estímulo e, ao contrário, facilitam o se apenas uma determinação probabilista (se existe uma "atitude
deslocamento das reações se os excitantes que agem sobre o cé¬ perante qualquer coisa", isso significa quase sempre certo grau
rebro reproduzem, mesmo que parcialmente, aqueles que tiveram de indeterminação das formas concretas da atividade iminente)
lugar nos estágios iniciais da formação desses estereótipos (dados e a variabilidade dos processos, na base dos quais se obtém o
de Asratian, Skipin e outros). efeito de adaptação final necessário.
Essa tendência a favorecer um andamento determinado dos Moscovici (195) abordou o problema das relações entre as
acontecimentos num certo sistema de influências e a se opor em noções de atitude e de estereótipo das reações a partir de posi¬
outro aproxima, com efeito, de certa maneira, a noção de este- ções semelhantes.

192 193
§78 A ligação entre as formas não-conscientes da ati- piincipais aspectos em que a corrente neurocibernética apro-
vidade nervosa superior e a formação e utilização lundou a teoria do inconsciente — o aspecto da elaboração da
de atitudes m formação não-apreendida pela consciência e o aspecto das
.и iludes não-conscientes como duas fases do processo de
Que papel desempenha, assim, a noção de atitude na- ovulação de qualquer manifestação da atividade de adaptação
justificação da representação do inconsciente? Gostaríamos de du organismo.
destacar aqui algumas teses importantes para a análise pos¬
terior
Como procuramos revelar acima, parece muito provável' § 79 A atitude como expressão de uma "emoção não-
que uma das funções mais importantes da atividade nervosa vivida"
superior não-consciente seja sua participação nos processos de
elaboração da informação. Entretanto, essa participação é tam¬ A idéia de que a função da atividade nervosa superior in¬
bém tão impensável sem o papel organizador das atitudes- most ienteé não só a elaboração da informação, mas também a
(em que os sistemas de programas são o equivalente nos mo¬ formação das atitudes adquire significação inteiramente par¬
delos cibernéticos) como é impossível sem as atitudes a regu¬ ticular no plano da discussão com a interpretação psicana¬
lação das reações, que tem lugar na base da informação rece¬ lítica tradicional das funções do inconsciente
bida. A informação só adquire a significação de um fator re¬ De acordo com a ótica psicanalítica, o conteúdo principal
gulador após o estabelecimento de uma espécie de correspon¬ do inconsciente (ou subconsciente) é constituído das emoções
dência sua com um conjunto preexistente de regras, tendências e dos afetos de diferentes tipos, cuja ação reguladora sobre o
e critérios 011, expressando-se de maneira mais geral, de ati¬ comportamento está perturbada pela sua repressão. Sem uti¬
tudes que dão peso a tais ou quais dos seus elementos. E esse- lizar noções como informação e atitude, que não foram intro¬
princípio importante da teoria da regulação guarda toda sua duzidas na psicologia a não ser num período muito mais
significação, independentemente do caráter do sistema regu¬ lardio, a concepção psicanalítica, não obstante, exprimiu (tal¬
lado, isto é, independentemente daquilo que esse sistema vez mais no idioma do século xix que no século xx) o fato
representa, um calculador eletrônico, uma construção energé¬ das ações reguladoras sobre o comportamento, exercidas pelo
tica telecomandada, um órgão fisiológico que desempenha fun¬ inconsciente Sem dispor de um sistema de noções adequadas
ções vegetativas, ou o cérebro. É evidente que a encarnação ma¬
que permitisse colocar em evidência o mecanismo muito origi¬
terial e a expressão funcional das atitudes serão diferentes em nal que se encontra na base de semelhantes ações, a concepção
todos esses casos. Entretanto, como componente lógico do pro¬
psicanalítica, assim como outras correntes próximas, utilizou
cesso de regulação, a atitude é também tão indispensável como
o são os componentes de comparação e de correção, que ocor¬
por necessidade um método simplificado, que hoje nos pa¬
rece um pouco ingénuo. Passou a fazer uma antropomorfi-
rem na base de um feed-back.
zação do inconsciente, tornando completamente semelhante
Para a concepção do inconsciente, esses princípios gerais. sua relação com a regulação do comportamento à da cons¬
da teoria da regulação são de particular importância, sendo ciência normal. Disso deriva a compreensão especificamente
que concentram a atenção na necessidade de realizar um se¬ psicanalítica do inconsciente como sistema de motivos que se
gundo passo, uma vez que o primeiro foi dado. Admitindo contrapõe à consciência, como algo dotado de todos os atribu¬
a conexão das formas não-conscientes da atwidade nervosa su¬ tos essenciais do psiquismo humano capacidade de desejar, de
perior com a elaboração da informação, admitimos, assim, a acumular a intensidade de um afeto, de aspirar a um objetivo
conexão dessa atwidade com a formação das atitudes. É justa¬ determinado, de buscar caminhos indiretos para realizar sua
mente isso que subentendemos acima, quando falamos dos- necessidade de se satisfazer ou de não se satisfazer com o al-
194 195
cançado, etc. Quanto às questões de saber como entender o dências à reação preexistentes, de algum sistema de atitudes,
parodoxo do afeto não-consciente, a que se resume psicológica que concede peso (significação) à informação recebida*.
e fisiologicamente um afeto semelhante não-consciente, se não
se transforma simplesmente, estando ausente a tomada de cons¬ • O ponto de vista segundo o qual a emoção está ligada à infor¬
mação pela instância intermediária da atitude aproxima-se, em
ciência, num sistema fixo de tendências de regulação, isto é, certa medida, da teoria da informática da emoção, proposta re¬
num sistema de atitudes, a corrente psicanalítica nunca refle- centemente e bastante interessante em muitos pontos, não obs¬
tiu suficientemente sobre todas essas questões. tante nem sempre coincidir com essa última (P. Simonov (82)).
A vantagem do entendimento exposto consiste no fato de que
Para orientar-se no meio dessas complexas questões, é ne¬ esclarece o que ocorre psicologicamente: em que se transforma
cessário precisar, antes de tudo, a ligação existente entre as uma emoção que não só deixou de ser apreendida pela consciên¬
cia, mas ainda de ser vivida como algum dado subjetivo. Para
noções de atitude e de emoção. Por enquanto, não abordare¬ melhor entender essa questão, apresentaremos um exemplo con¬
mos as representações das bases fisiológicas das emoções, ela¬ creto.
boradas por numerosos autores após a criação da conhecida Admitamos que um sujeito teve um sentimento muito forte:
de indignação diante de qualquer coisa ou, ao contrário, de afe¬
teoria de James-Lange (Cannon (124) , Bard (107) Papez to, um sentimento positivo qualquer. Houve momentos em que
(218), Lindsley (199), MacLean (167), Gellhor e Loof- esse sentimento foi claramente percebido, quando a atenção es¬
bourrow (163) e outros) . A importância dessas representa¬ tava dirigida para ele. Ao final de certo tempo, os pensamentos
do sujeito passam inevitavelmente para outro objeto. Pode-se
ções, particularmente das que põem em destaque a conexão perguntar: que ocorre com o sentimento quando o homem deixa
entre os estados emocionais e sistemas cerebrais determinados de pensar nele? Desaparece, deixa de existir? Ou, mantendo-se
psicologicamente na mesma forma, deixa de ser percebido porque
(por exemplo, o sistema hipocampo — tubérculos mamilares
núcleo anterior do tálamo — circunvolução cinturada do cére¬
— se tornou inacessível à consciência? É fácil perceber o quanto
ambas as suposições são ingénuas. Certamente, um jovem não
bro visceral) , assim como os níveis de atividade dos setores cessa de amar uma moça assim que deixa de pensar nela direta-
mente, seu sentimento não desaparece devido a essa mudança
simpático e parassimpático do hipotálamo, etc., é inteiramen¬ inevitável do foco da atenção. Mas não é fácil admitir a hipó¬
te evidente. Entretanto, essa análise não se refere ao aspecto tese de acordo com a qual tudo permanece inalterado como
lógico que nos interessa agora. A "teoria biológica das emo¬ experiência vivida ; o sentimento, em tais casos, transporta-se não
se sabe para onde, é expulso para uma região subconsciente par¬
ções", elaborada por P. Anokhin, está mais próxima desse as¬ ticular do psiquismo. Essa hipótese não expressa nada mais que
pecto. De acordo com essa teoria, um estado emocional é fun¬ o desejo de traduzir os fatos psicológicos para a linguagem das
ção da "informação contrária dos resultados da ação cumpri¬ imagens demonstrativas.
da", que desempenha um papel inibidor ou, ao contrário, esti¬ Quando cessamos de fixar nossa atenção numa emoção deter¬
mulante (na dependência de que o "resultado atingido" coin¬
minada — no sentido do amor, por exemplo — , essa emoção não
desaparece, contudo. Mas em que forma, em que sentido é con¬
cida ou não com os "parâmetros do receptor da ação") . Pre¬ servada? Conserva-se no sentido de que, uma vez tendo surgido,
ferimos expressar da seguinte maneira o elemento essencial transforma de maneira determinada o sistema da nossa conduta
(quer seja consciente ou não-consciente no momento em questão) ;
que se deve destacar no plano que nos interessa: imprime uma orientação determinada às nossas ações, suscita o
desejo de reagir de certa maneira; obriga a preferir certos atos
Como expressão de uma tendência reguladora determina¬ numa palavra, cria o que não só na psico¬
e a evitar outros—
da, a atitude pode, em inúmeros casos, não estar acompanhada logia, mas também na linguagem corrente, se denomina atitude.
Ê precisamente nesse sentido, e somente nesse sentido,
que se
de qualquer impressão vivida e, consequentemente, de qual¬
pode dizer que nossos sentimentos se conservam fortemente em
quer tom afetivo ou emotivo (é exatamente isso que acontece nós, não obstante os fenómenos para os quais se volta nossa
quando ocorrem ações cuja regulação se faz de modo mais ou atenção, assim como o conteúdo de nossas experiências vividas
menos automático, de maneira não-consciente) . Entretanto, se conscientes variam sem cessar. Nossos afetos e nossas aspirações
vivem em nós firmemente sob o aspecto de atitudes. A represen¬
surgem impressões vividas apreendidas pela consciência e de tação paradoxal dos sentimentos reprimidos, isto é, não-percebidos
uma tonalidade afetiva, é muito difícil imaginar que seme¬ subjetivamente, deve ser considerada na melhor das hipóteses
lhante mudança emocional não tenha relação com a realização como a tentativa de expressar fatos de grande complexidade sem
recorrer a conceitos científicos estritos elaborados especialmente
ou, ao contrário, com a demora na realização de algumas ten- com esse objetivo.

196 197
ISe,
Se aceitamos semelhante entendimento da relação entre querendo evitar uma aproximação com a interpreta¬
atitude e emoção, em vez do esquema psicanalítico tradicional, ção psicanalítica, renunciarmos ao reconhecimento da realida¬
segundo o qual o inconsciente age sobre o comportamento de da influência de atitudes não-conscientes sobre o comporta¬
graças aos afetos reprimidos que contém e que procuram rea- mento, isso significará uma negação tanto do próprio fato da
lizar-se, surge diante de nós outro esquema, formulado com realidade da atividade nervosa superior não-consciente como
mais rigor e verificado experimentalmente. A atividade ner¬ da ligação dessa atividade com a elaboração da informação,
vosa superior inconsciente, cumprindo a função de manipula¬ ÿque ocorre na base de atitudes formadas prévia ou recente¬
ção da informação, encontra-se inevitavelmente ligada, ao mes¬ mente. O que determina a aproximação com a ótica psicana¬
mo tempo, à formação e à realização de atitudes na base das lítica não é reconhecer ou negar a dependência evidente do
quais se produz a regulação do comportamento. Frequente¬ •comportamento em relação às formas não-conscientes da ati¬
mente, ao permanecer não só inconscientes, mas também não- vidade nervosa superior, mas a maneira de interpretar as leis
vividas, essas atitudes só se manifestam funcionalmente como dessa dependência, de entender como o fator consciência inter¬
espécies de "programas", como sistemas de critérios, como ten¬ vém nessa dependência, que tipo de influências sobre o com¬
dências reguladoras, a respeito da existência das quais se pode portamento é atribuído ao inconsciente É nas respostas a essas
julgar pela dinâmica do comportamento e das reações bioló¬ questões essenciais que se manifesta a linha demarcatória entre
gicas. É assim, e só assim, que pode manifestar-se objetivamente a maneira de entender o inconsciente a partir das posições da
o papel regulador do inconsciente Se surgem emoções posi¬ teoria psicanalítica ou da teoria da regulação, e não na acei¬
tivas ou negativas mais ou menos claramente apreendidas pela tação ou negação do próprio fato da atividade comportamen¬
consciência, quase sempre são apenas o sinal de uma consonân¬ tal do inconsciente Se, ao explicar o mecanismo dessa ativi¬
cia ou de uma dissonância entre essas mesmas atitudes (entre dade, substituímos a noção de afeto reprimido pela de ati-

Itude
as prescrições dos programas) e o comportamento, no qual não-consciente, antes de tudo precisamos o esquema real¬
esses fatores reguladores ocultos encontram ou não encontram mente existente de relações funcionais. Quanto à vantagem
expressão definitiva. obtida por essa precisão, consiste na utilização de um fator
cuja representação decorre diretamente da função de elabora¬
ção da informação cumprida pelo inconsciente Esse fator pode
80 Atitude inconsciente e afeto "reprimido' ser tanto consciente como não-consciente e suas manifestações
reguladoras não exigem, para ser compreendidas, a antropo-
Pode-se prever que a justificada atitude negativa que ado- morfização do inconsciente, cujo papel deplorável consistiu em
tamos diante de todas as construções psicanalíticas provoque, rebaixar o nível teórico das construções psicanalíticas tra¬
nesta etapa da nossa análise, suspeita será que, ao aceitar a dicionais.
maneira de entender as relações entre emoções e atitudes ex¬ Vemos, assim, o quanto é fundamental o papel desempe¬
posta acima, não nos deixaremos conduzir a reboque da concep¬ nhado pela noção de atitude na teoria das formas não-conscien¬
ção psicanalítica? Não nos estaríamos contentando com uma tes da atividade nervosa superior Tentamos caracterizar bre¬
pura troca de vocábulos, ao substituir a noção de emoção re¬ vemente a relação dessa noção com a teoria geral da regulação
primida pela de atitude não-consciente? Não estaríamos con¬ •с a teoria da emoção. Entretanto, para que a ligação entre a
servando, com essa posição, o estilo de compreensão de todo idéia da atitude e da representação do inconsciente seja apre¬
o problema das relações entre o inconsciente e a consciência sentada de modo mais claro, é necessário dizer igualmente
que caracteriza a corrente psicanalítica, e não chegaremos, ao algumas palavras sobre a importância que mantém a concep¬
realizar a ligação entre o inconsciente' e a consciência através ção da atitude na elaboração dos esquemas da organização fun¬
da mediação da noção de atitude, às mesmas conclusões que cional da ação. Apresentaremos essas considerações nos pará¬
a teoria psicanalítica, a qual efetua essa ligação através da me¬ grafos seguintes e nos deteremos, pelo caminho, nas declara¬
diação da noção de afeto reprimido? Ao responder a essas ques¬ ções feitas recentemente por alguns pesquisadores americanos
tões, devemos destacar algumas teses de princípio importantes. com relação a um tema próximo.

198 199
§ 81 A representação de D. Uznadze sobre о "incons¬ pesquisas experimentais efetuadas durante longos anos pelo
ciente" Instituto Uznadze de Psicologia da Academia de Ciências da
rss da Geórgia. Essas pesquisas permitiram acumular uma
О desenvolvimento assumido pela categoria da atitude' quantidade imensa de dados concretos e aprofundar a teoria
na escola de D Uznadze possui um traço característico o fun¬ geral da atitude, elaborada no seu tempo por D. Uznadze.
dador dessa escola, dotado de extraordinária perspicácia, tra¬
tou, desde o início das pesquisas sobre o problema da atitude,. Temos todas as razões para afirmar que, atualmente, essa
de aproximar essa última da questão do inconsciente teoria é, não só na literatura soviética, mas também na lite¬
ratura mundial, a única concepção experimentalmente funda¬
D. Uznadze foi um dos primeiros, se não o primeiro, a mentada do inconsciente (ver Ch. Tchkhartichvili, O Proble¬
assinalar a importância primordial do fato de que a teoria da ma do Inconsciente na Literatura Soviética, Tbilissi, 1966)
psicanálise trata o inconsciente da única maneira que é pos¬ Permite elucidar, através de métodos exatos, as formas não-
sível tratá-lo sem ter elaborado previamente sua teoria psico¬ conscientes e não-vividas da atividade cerebral, que surgem
lógica, isto é, como o conjunto de nossos pensamentos, emo¬ sob a influência não de estímulos subsensoriais isolados (como
ções, afetos, aspirações, privados apenas da qualidade de serem ocorre, por exemplo, nas experiências conhecidas de G. Guer-
percebidos pela consciência, como emoções que nos são habi¬ chuni) , mas de ações supraliminares complexas, da "significa¬
tuais, mas que teriam passado para uma esfera particular, pos¬
ção" que possuem para o sujeito a situação experimental em
tulada pelo freudismo, cujo conteúdo é inacessível, por prin¬ seu conjunto e o conteúdo psicológico concreto de suas expe¬
cípio, à tomada de consciência. O inconsciente, segundo Freud, riências vividas. É justamente por isso que, rejeitando a con¬
é um conjunto de fenómenos psíquicos cujos traços distintivos cepção psicanalítica do inconsciente e nos esforçando por con-
são determinados, basicamente, de maneira negativa, pelo fato trapor-lhe outra compreensão das formas não-conscientes da
de que esses fenómenos não são apreendidos pela consciência. atividade nervosa superior, devemos dedicar grande atenção às
Suas características positivas são quase inteiramente esgotadas idéias de D Uznadze.
pela indicação de que têm tendências a encontrar sua expres¬
são no comportamento ou na linguagem do corpo, de preferên¬
cia simbolicamente* § 82. A elaboração teórica e experimental da idéia da
Mas será que o próprio Uznadze seguiu um caminho basi¬ atitude pela escola de D Uznadze
camente diferente, elaborando certas representações da espe¬
cificidade psicológica das formas de existência, de expressão e Detenhamo-nos com pouco mais de vagar na noção de
das leis da dinâmica do inconsciente? Teria sido proposta por atitude em sua acepção psicológica e neurofisiológica clássica.
ele e seus continuadores uma interpretação original da ativi-
dade cerebral não-consciente e não-vivida, que é, entretanto,. A experiência de simulação proposta pela escola de D.
definida, não obstante não seja nem apreendida nem vivida,. Uznadze para demonstrar o fenómeno da atitude consiste no
pelo conteúdo da situação objetiva, e que influi ela própria seguinte o sujeito recebe várias vezes seguidas, em cada mão,
nos motivos de comportamento? Incontestavelmente, a respos¬ esferas de igual peso, mas de volumes diferentes, sendo a esfera
ta a essa questão deve ser afirmativa, levando-se em conta as menor colocada sempre na mesma mão. Posteriormente lhe
são dadas esferas do mesmo volume e do mesmo peso. Quando
lhe perguntam que esfera é a maior, geralmente o sujeito res¬
Um dos continuadores conhecidos de L. Vygotski, P Galperin ponde, nessa experiência critica, que é aquela colocada na
também é partidário dessa forma de entendimento "A psicanᬠmão que antes havia recebido a menor Qual a natureza dessa
lise superou os limites da consciência com o objetivo apenas de ilusão? Inúmeras experiências permitiram dar a seguinte res¬
estender a mesma [grifos de P Bassin] compreensão do psíquico posta
muito além dos limites da introspecção. Todas as novas correntes
conservam a interpretação antiga do psíquico, e o psíquico pro¬ Na base dessa ilusão encontra-se um "estado interno"
priamente dito permanece impenetrável" (40) como diz D Uznadze, uma modificação particular
particular,
200 201
do estado funcional do sistema nervoso central, como prefe¬ ridades, uma significação importante para a dinâmica ulte¬
rimos dizer. A análise desse estado permite destacar-lhe os rior das experiências vividas, que D. Uznadze empregou o
traços característicos seguintes. termo atitude*.
Em primeiro lugar, está inteiramente determinado pela
É evidente que, se estados do tipo atitudes surgissem ape¬
série de provas que precedeu a experiência crítica: sem essas
nas nas experiências de simulação mencionadas acima, ou se
provas preliminares, não teria surgido. Consequentemente, é,
em princípio, uma reação original do sujeito a uma influência aparecessem somente em situações experimentais que provo¬
exterior. Em outras experiências, D. Uznadze mostrou que cam especialmente esses estados, apresentariam apenas um in¬
atitudes podem surgir amplamente em resposta a excitações teresse limitado. Toda a importância desses estados está justa¬
que partem do meio interior do organismo. mente condicionada pelo fato de não aparecerem unicamente
Em segundo lugar, uma vez formado, esse estado man- no laboratório, em condições especiais, mas de maneira infi¬
tem-se durante um tempo determinado e pode ser evidenciado nitamente mais ampla, intervindo como os componentes fun¬
objetivamente através de experiências apropriadas (do mesmo cionais mais importantes de toda a atividade de adaptação, de
tipo da experiência crítica descrita acima) , mas não é nem todo o comportamento dirigido para um objetivo.
diretamente vivido pelo sujeito, nem apreendido por sua cons¬
ciência.
Em terceiro lugar, apesar de não ser nem apreendido nem * Falando da atitude, D. Uznadze retornou inúmeras vezes à sua
não-apreensibilidade, que é sua particularidade mais importante.
vivido, esse estado influi a seguir no vivido apreendido pela Entretanto, destacava a existência de uma diferença de princípio
consciência, predeterminando, em certo sentido, seu caráter e entre as "atitudes não-conscientes" e o "inconsciente" de Freud.
sua dinamica (na experiência de simulação mencionada, pre¬ Citamos suas declarações características a esse respeito, contidas
determinando um sistema de valores das excitações recebidas em sua obra principal, As Bases Experimentais da Psicologia da
Atitude (87) : "Cria-se no sujeito certo estado específico, que não
quando da experiência crítica e suscitando, assim, o apareci¬ é possível caracterizar como um fenómeno qualquer da consciên¬
mento de uma ilusão) . cia. A particularidade desse estado consiste em servir de prenún¬
Em quarto lugar, o estado descrito surge em resposta a cio a fatos determinados da consciência [...]. Esse estado, sem
um estímulo de caráter predominantemente complexo e se ser consciente, representa, contudo, um tipo de disponibilidade a
determinados conteúdos da consciência [...]. O mais correto será
manifesta ele próprio como uma mudança de natureza com¬ chamar esse estado de atitude [...]." "Além dos fatos psicológi¬
plicada, não se localizando dentro dos limites de um único cos comuns, além das experiências psíquicas isoladas, é necessá¬
sistema fisiológico, mas propagando-se facilmente a outros sis¬ .
rio admitir [ ...] a presença [ . .] de um modo existencial do
temas, nos quais, antes da experiência crítica, o estímulo não sujeito que experimenta o vivido, de tal ou qual atitude desse
sujeito como personalidade [...]. A atitude não pode ser um ato
influía diretamente (por exemplo, do sistema muscular para consciente isolado do sujeito [...]. É apenas um modo [...].
o sistema ótico, etc.) . Também é perfeitamente natural considerar que, se qualquer coisa
Em quinto lugar, por fim, esse estado possui componentes se desenvolve em nós de forma verdadeiramente inconsciente, é,
nervosos, e é evidente que se acha vinculado de diversas ma¬ em primeiro lugar, nossa atitude [...]." "Uma coisa torna-se in¬
discutível — existe em nós certo estado que, sem ser o conteúdo
neiras com os diferentes sistemas cerebrais e componentes da consciência, tem, entretanto, força para agir decididamente
periféricos, cujo estudo, graças aos métodos eletrofisiológicos sobre essa [...]. O ponto mais débil da teoria do inconsciente
existentes (particularmente, eletromiográficos) , e também aos de Freud é, por exemplo1, a afirmação de que a diferença entre
reflexos condicionados, métodos bioquímicos, hemodinâmicos os processos consciente e inconsciente se resume, em suma, a
e outros métodos objetivos, é muito mais acessível que o estudo que, sendo idênticos em essência, esses processos se distinguem
um do outro pelo fato de o primeiro vir acompanhado da cons¬
dos componentes centrais. ciência, enquanto o segundo não "A noção do inconsciente
É justamente para designar essa modificação singular do em Freud nada inclui de novo em relação aos fenómenos da vida
estado funcional do sistema nervoso, não-apreendido e não- mental consciente [...]." "Não resta dúvida de que o ponto de
vista de Freud relativo à natureza do inconsciente continua sendo
vivido diretamente e que possui, não obstante suas partícula- radicalmente erróneo [...]", etc.

202 203
Mas em que consiste o papel concreto das atitudes como relativa dessa última em relação aos ruídos, aos acontecimentos
componentes da atividade, como fatores que constituem o com¬ exteriores ocasionais, que intervêm como obstáculos. Sem essa
portamento? independência relativa, toda conduta organizada desagrega-se
inevitavelmente, transformando-se em uma reação caótica às
Já apresentamos uma resposta geral a essa questão: tendo influências exteriores, em uma reação cuja estrutura reflete
se constituído sob a influência de estímulos externos e inter¬
nos, como modificação no estado funcional das formações ner¬ passivamente a estrutura dessa influência. Que, pois, atribui
vosas centrais e periféricas, a atitude exerce uma ação orienta¬ à atividade dirigida para um objetivo essa independência re¬
lativa, tão necessária em relação às contingências? É possivel¬
dora na neurodinâmica, predeterminando o caráter do desen¬
mente (semelhante suposição é a primeira a ocorrer) seu ca¬
volvimento das mais diversas formas da atividade cerebral e
dos fenómenos psicológicos que condiciona. ráter consciente, sua regulação pela atividade cerebral, que
está na base da consciência? Entretanto, não é apenas esse ca¬
Essa ação pode manifestar-se sob uma forma relativamente ráter, pois, como inúmeras experiências o revelaram, a ativi¬
simples, como na experiência de simulação com as esferas, mas dade dirigida para um objetivo permanece a mesma (conser¬
pode também revestir-se de uma forma muito mais complexa. vando, consequentemente, sua independência relativa perante
Na experiência com as esferas, a atitude aparece como ex¬
as contingências) também nas etapas do seu desenvolvimento
pressão da comutação de determinada conexão entre o lado do em que se desenvolve inconscientemente (nas fases de exe¬
corpo que recebe o estímulo cinestésico e o caráter das exci¬ cução automática de hábitos adquiridos e em inúmeros
tações suscitadas (principalmente proprioceptivas) . É a per¬ outros) .
turbação dessa conexão que engendra a ilusão. Consequente¬
mente, a atitude intervém no caso dado como o resultado de Ao acompanhar essas fases da formação inconsciente das
determinada organização da experiência anterior, que se torna ações, reencontramos o fenómeno já bem conhecido da cisão,
fator de comportamento, sendo que ela mesma cria uma rela¬ mas, complementando o que já sabemos, é possível agora carac¬
ção diferenciada, uma disponibilidade seletiva para as per¬ terizar exatamente as razões por que a ausência da tomada de
cepções e ações ulteriores*. Esses processos singulares de for¬ consciência de uma fase determinada da ação não leva à desa¬
mação das atitudes pela experiência prévia e da ação regula¬ gregação dessa fase como fragmento da atividade dirigida para
dora que a atitude constituída exerce sobre a atividade conse¬ um objetivo. Os trabalhos experimentais da escola de Uznadze
cutiva podem ser acompanhados pela análise da estrutura dos revelam com brilhantismo que o fator que previne semelhante
mais diversos atos de adaptação, desde os mais simples até os desagregação é precisamente a atitude que se constituiu du¬
mais complexos. rante a atividade anterior e que criou uma relação diferencia¬
Para entender com maior profundidade o papel especí¬ da específica com os diferentes elementos da situação exte¬
fico que desempenham as atitudes não-conscientes na quali¬ rior: a disponibilidade eletiva a uma reação ampliada a al¬
dade de fatores de regulação da conduta consciente, é necessᬠguns estímulos e a reações de inibição em relação a outros. Se
rio levar em consideração igualmente sua particularidade se¬ essa seleção estiver ausente ou for insuficiente, o caráter diri¬
guinte: é notório que a condição necessária da eficácia de gido para um objetivo da atividade será inevitavelmente de¬
toda atividade dirigida para um objetivo é a independência sorganizado.
O que acabamos de dizer cria determinada concepção
Nesse sentido, a noção de atitude mostra-se muito próxima da sobre a maneira como se manifestam no comportamento as
que P. Anokhin já havia introduzido nos anos 50, quando falava atitudes inconscientes. É apenas graças à sua participação na
de excitações de tipo "antecedente", isto é, de uma atividade ner¬ atividade consciente regulada que o comportamento adquire
vosa que antecipa os acontecimentos que ainda não tiveram lugar um caráter adaptado e ordenado. Sua influência reguladora
e prepara a resposta às influências iminentes. Pertencem a esse
mesmo tipo de noções algumas idéias que servem de hase à con¬ assegura a orientação para um objetivo, o caráter pensado das
cepção da atividade intencional ("antecipada") do sistema ner¬ ações, sem que o controle dessa orientação deva ser executado
voso central, que são encontradas na literatura estrangeira destes conscientemente em todas as etapas da ação. Somente isso já
últimos anos, os dados de trabalhos psicológicos e fisiológicos ex¬ revela com clareza em que medida a atividade das atitudes
perimentais, inclusive eletrofisiológicos (Walter e outros) , dedi¬
cados ao problema da expectativa (expectancy) e outros. inconscientes facilita o trabalho da consciência. Entretanto,

201 205
não resta dúvida de que as atitudes inconscientes também do sujeito para experiências vividas, para percepções ou ações
podem, em certas condições, ser um obstáculo ao desenvolvi¬ de um tipo determinado. É justamente nisso que consiste a
mento de uma atividade regulada de maneira consciente e, às particularidade distintiva, a originalidade qualitativa da ati¬
vezes, intervêm em tais casos na qualidade de fatores muito tude, que permite delimitá-la das outras categorias psicológicas
poderosos de desorganização patológica do comportamento. e que define seu papel como fator do comportamento. Mas
Mais adiante, porém, falaremos do assunto com maiores dessa originalidade das atitudes não decorre absolutamente
detalhes. que essas não possam ser apreendidas e, ainda mais, vividas.
Quando os partidários da teoria de Uznadze destacam
que a atitude não pode ser apreendida de maneira "imediata"
§ 83 Duas observações criticas em relação à teoria da (que só o pode ser através de uma mediação, da análise da
atitude de D. Uznadze A contribuição essencial sua relação com a realidade, como tem lugar, por exemplo,
dessa teoria para a teoria do "inconsciente" na experiência de simulação) , admitem assim, tacitamente,
que os outros estados psíquicos são apreendidos pela cons¬
Nas páginas anteriores, caracterizamos a noção de "atitude ciência imediatamente Entretanto, semelhante ponto de vista
inconsciente" introduzida por D. Uznadze. Significa isso que comporta dois erros. O primeiro, filosófico, consiste em que
estamos de acordo em todos os pontos com a interpretação não se admite por princípio a possibilidade de uma tomada
dada a essa noção por Uznadze e sua escola? Somos obrigados de consciência dos modos (procedimentos, tendências) de rea-
a responder negativamente. ção. O segundo, psicológico, está ligado a que se pressupõe a
D. Uznadze considera a atitude como um estado que não possibilidade de uma tomada de consciência direta dos fenó¬
é apreendido pela consciência em condição alguma. Parece-nos menos psíquicos distintos da atitude. Se, entretanto, a tomada
que semelhante interpretação restringe, de modo infundado, de consciência é o "conhecimento de um objeto contraposto
o sentido dessa noção. Entendendo-se por atitude um estado ao sujeito" (S. Rubinstein) , o conhecimento de qualquer coisa
determinado por uma organização determinada da experiência que, para o sujeito que toma conhecimento, é um elemento do
anterior e que conduz à regulação da conduta ulterior (pelo mundo exterior em relação a ele, torna-se evidente que toda
que sabemos, os resultados dos trabalhos da escola de Uznadze tomada de consciência tem um caráter mediato, uma vez que
não deixam lugar para outra interpretação) , não há razão toda consciência supõe a relação daquilo de que se toma cons¬
alguma, nem lógica, nem decorrente dos fatos, para considerar ciência com a atividade e o meio, do Eu com o não-Eu. É
que um estado semelhante não possa ser também consciente. justamente por isso que, de maneira geral, não existe qual¬
D Uznadze destaca o que se segue- "Na presença de uma quer tomada de consciência imediata, pelo sujeito, dos seus
necessidade e de uma situação que permita satisfazê-la, surge ilados psíquicos* O caráter erróneo do ponto de vista contrá-
no sujeito um estado específico que se pode caracterizar como
uma propensão, uma tendência, uma disponibilidade a cum¬ * As formulações feitas por S. Rubinstein a esse respeito apresen¬
prir o ato capaz de satisfazer essa necessidade [ ] como uma tam interesse "O homem não se conhece [ ] a si próprio a não
atitude tendendo para uma atividade inteiramente determina¬ ser de maneira mediata, pelo reflexo, através de outros, eluci¬
da [ ] A atitude é um modo existencial do sujeito a cada dando através dos atos e de sua conduta sua relação com os
outros, e dos outros com ele. De nossas próprias experiências vi¬
momento dado da sua atividade, um estado global que se dis¬ vidas, por mais imediatamente vividas que nos pareçam, só to¬
tingue em princípio e todas suas forças psíquicas e aptidões mamos consciência e conhecimento de maneira indireta, por sua
diversificadas" (87) A atitude, segundo D Uznadze, é um relação com o objeto. A tomada de consciência do vivido não
estado global que "não se reflete na consciência do sujeito sob consiste, pois, em encerrá-lo no mundo interior, mas em pô-lo
em ligação com o mundo exterior com o mundo objetivo, mate¬
a forma de experiências vividas distintas e autónomas. Desem¬ rial, que é sua base e fonte [ ] No conhecimento da psicolo¬
penha seu papel, determinando o trabalho do sujeito no sen¬ gia dos outros, como na introspecção e a consciência de si, con-
tido de que conduz à satisfação das suas necessidades" (87) serva-se a relação entre os dados imediatos da consciência e do
mundo objetivo, que determina sua significação [ ] Por sua
A idéia principal de Uznadze está expressa aqui com toda própria essência, a consciência não é o apanágio pessoal de um
a clareza. A atitude não é um vivido concreto do sujeito, mas indivíduo encerrado no seu mundo interior, é uma formação
um modo existencial,, isto é, a disponibilidade, a inclinação -octal [ ]" (74)

206 207
rio, durante muito tempo sugerido pela psicologia idealista lise caracterizada acima da atitude, considerada principalmen¬
subjetiva que utiliza os métodos da introspecção, foi posto em te como um mecanismo de regulação da atividade, não coin¬
relevo por L. Vygotski. Toda tomada dc consciência está ligada cide inteiramente com a representação do papel atribuído a
ao estabelecimento de relações complexas e, pondo em evidên¬ esse fator na vida psíquica do homem, segundo D. Uznadze.
cia (através da atividade) a relação com o meio, podemos (se Após haver formulado essas observações críticas, gostaría¬
bem que não obrigatoriamente) tomar consciência dos modos mos de destacar mais uma vez que, certamente, elas nada reti¬
dessa atividade, em princípio da mesma maneira que de todas ram do que havíamos dito de positivo a respeito da teoria de
as outras suas qualidades. Uznadze. A contribuição que suas idéias trouxeram para a crí¬
Além disso, é necessário ter em vista o seguinte: se admi¬ tica das concepções psicanalíticas consiste em terem posto à
timos dois princípios ao mesmo tempo, isto é, se reconhecemos nossa disposição uma noção que não só facilita a compreensão
que as atitudes podem ser somente não-conscientes e que exer¬ ÿde uma das duas funções mais importantes da atividade ner¬
cem sua influência reguladora sobre o comportamento, mesmo vosa superior não-consciente, mas ainda suprime o paradoxo
em suas formas mais complexas, enveredamos assim pelo cami¬ •de uma impressão não-vivida, fatal para todas as teorias pre¬
nho que nos poderá levar facilmente àquilo que há de mais cedentes do inconsciente. A teoria de Uznadze põe em evidên¬
erróneo no sistema da psicanálise, a representação da hege¬ cia em que se transforma o vivido após ter cessado de ser
monia funcional do inconsciente e o reconhecimento de que vivido, sem nos obrigar a recorrer, para explicá-lo, ao esquema
existem domínios de regulação semântica, aos quais a consciên¬ ingénuo do transporte do vivido não modificado para uma
cia, em princípio, não tem acesso. •esfera particular, inacessível à consciência. Assim, essa teoria
Por isso, admitindo inteiramente o que tem valor na põe em evidência a verdadeira essência do inconsciente como
teoria de Uznadze a respeito da importância das atitudes como fator ao qual permanece ligada a função de regulação, apesar
base da teoria do inconsciente, não podemos concordar com a de não ser nem um afeto, nem um pensamento, nem um,
noção de atitude como fator que só pode ser não-consciente. impulso. É justamente esse aspecto do problema que não po¬
São justamente as flutuações no nível de clareza da tomada diam entender os pesquisadores anteriores, não obstante a
de consciência das atitudes, as oscilações dessa característica, grande capacidade intelectual que caracterizava muitos dentre
que determinam, em boa parte, o papel específico que as ati¬ •eles.
tudes têm a cumprir na qualidade de organizadores do com¬ É evidente que a teoria psicológica da atitude nada nos
portamento, formando esse último de maneira adequada ou •diz diretamente (nem pode dizer) a respeito das bases fisioló¬
destruindo-o. gicas do inconsciente. Entretanto, negar por essa razão o valor
Entretanto, o que acabamos de dizer não diferencia de ele seus dados equivaleria a negar a produtividade dos esque¬
forma exaustiva nossa compreensão do problema da atitude mas cibernéticos de comando, de regulação ou de pesquisa
da que foi elaborada por D. Uznadze. A teoria de Uznadze porque esses esquemas são independentes frente ao material
concreto que os realiza e que, conseqiientemente, nada podem
confirma a noção de atitude como particularidade da "perso¬
nos dizer diretamente a respeito desse material. A teoria da
nalidade inteira", como estado que caracteriza "não algumas
atitude é um dos capítulos da teoria da regulação biológica, o
funções psíquicas isoladas, mas [. . ] o sujeito todo como tal"
(87) . Em nossa opinião, as pesquisas experimentais da escola que, naturalmente, circunscreve o círculo das noções com
de Uznadze revelaram claramente o caráter complexo, inter- que opera e o caráter dos problemas cuja solução procura
encontrar. Em contrapartida (e é isto que importa) , esclarece
funcional, poliestrutural da atitude, sua capacidade de mani-
um aspecto da organização do comportamento que escaparia
festar-se simultaneamente em diferentes sistemas fisiológicos.
Entretanto, disso não decorre em absoluto que a atitude (por à atenção com qualquer outra análise. É apenas levando em
exemplo, do tipo daquela que se manifesta na experiência de consideração essa circunstância que se pode apreciar de modo
simulação com as esferas, descrita na p. 201) expresse por adequado e utilizar corretamente a teoria da atitude.
ela própria uma modificação da personalidade do sujeito jun¬ É provável que as divergências de opinião a respeito
to ao qual se formou. Além disso, parece-nos que toda a aná- das particularidades concretas das atitudes, de suas relações

208 209
com a atividade da consciência e com os processos da atividade

........
m. I,i\ .un os procedimentos de expressão da arte italiana e
nervosa superior estimulem durante muito tempo as discussões
I и In o,nu um termo particular para designar as poses dos
de que o problema do inconsciente tem necessidade, talvez
..Iи ins que traduziam um "estado d'alma determinado' Pos-

.....
mais que qualquer outro, para seu maior desenvolvimento.
ÿ
I
ente, o sentido dessa noção mudou de modo conside-
I .1 Entretanto, ainda durante muito tempo, era utilizada
I

|.i nu ip.ilmente na análise dos movimentos do homem. No


§ 84 A respeito da necessidade de ligar a noção de ri dos últimos decénios, sua interpretação era determi-
atitude à teoria da estrutura psicológica da ação II ni.I |ioi uma compreensão vagamente consciente da sua liga-
dirigida para um objetivo I m кип a teoria das emoções e do comportamento, por uma

iiinpli.ição muito vasta da sua esfera de aplicação e, como con-


A escola de Uznadze elaborou teórica e experimentalmente
a teoria geral da atitude. Ao mesmo tempo, o exame das idéias
1 .
1 1 к Iк ia inevitável, pelas divergências cada vez mais pronun-

I ,nl.is quando se tentava defini-la*


e dos trabalhos dessa escola torna evidente que as possibilida¬
Entretanto, é mais importante ainda que, apesar dessas
des de análise do problema da atitude são limitadas, se nos
atemos apenas aos métodos e noções psicológicas tradicionais • vi igências de opiniões, apesar da independência recíproca da
e se nos abstraímos do entendimento moderno dos princípios evolução das diversas línguas, que condicionou a diversifica-
i.iii linguística das nuanças semânticas do termo atitude, e
de organização funcional da ação. Essa limitação consiste em
que, na análise psicológica tradicional, considerando correta- I и ..ti da independência recíproca, talvez ainda maior, do de-
ÿ

mente a atitude como a expressão de uma disponibilidade para ii nvolvimento das concepções psicológicas que caracterizam
uma atividade de determinado tipo, os pesquisadores esbarram Ilei entes escolas, tenha sido possível esboçar de maneira bas-
ÿ

com sérias dificuldades quando tentam concretizar essa ideia. i.inlc unânime o que é fundamental na noção de atitude,
Em essência, detêm-se nesta constatação, incapazes de conti¬ mesmo que num plano formal.
nuar aprofundando-a teoricamente* É por isso que recorda¬ Л. Pranguichvili (70) , respondendo, em 1955, a essa ques-
remos a marcha do pensamento, a qual indica de que maneira i.io I igorosamente de acordo com as idéias introduzidas na
precisar a noção de atitude, se a análise dessa noção está ligada psicologia soviética por D Uznadze, destacou a conexão entre
a algumas teses que decorrem da moderna teoria da estrutura
.1 I lit ude e a "disponibilidade do sujeito para determinada
psicológica das ações dirigidas para um objetivo. .ilividade" Entendia ele essa disponibilidade como fator da

85 A insuficiência da definição da atitude como


' Essas divergências decorriam não só de desacordos no plano da
"disponibilidade para a ação" metodologia e das tradições da pesquisa psicológica. Vieram ainda
complicar as coisas fatores relacionados com as particularidad
O surgimento da noção de atitude e as primeiras etapas dos sistemas semânticos de diferentes idiomas. As nuanças no
do seu desenvolvimento têm estreita relação com a tendência sentido inerentes às palavras russas ustanovka e intentsia, ao geor-
giano gantzkhoha, ao francês attitude e prédisposition, ao inglês
a dar uma descrição mais exata das particularidades dos movi¬ attitude, expectancy e set, ao alemão Einstellung e Haltung não
mentos e da estática do corpo. Paillard (195) , por exemplo, são unívocas. E essa ausência de univocidade, engendrada pela
indica que a noção de atitude apareceu pela primeira vez, na evolução natural dos idiomas, é um fato que precede inevitavel¬
mente toda forma de análise psicológica. Essa última pode levar
literatura da Europa Ocidental, nos trabalhos de autores que em conta essas nuanças e conservá-las (na história concreta da
noção de atitude, antes delas se afasta) pode precisá-las e, assim,
modificá-las. Mas somente a duras penas pode excluí-las com¬
pletamente. Por isso, a tarefa de elucidar e, ainda mais, de iden¬
Essa circunstância, ao que parece, íoi bem compreendida pela
própria escola de Uznadze. Prova disso é a monografia de I. Bja- tificar o sentido que é atribuído nos diferentes idiomas à noção
de atitude é, por diversas razões, bastante difícil e exige uma
lava (21) onde é feita uma tentativa de desenvolver a represen¬
tação da atitude com base nos dados da teoria moderna da re¬ análise prévia, não só conceituai e psicológica, como também pu¬
gulação biológica e dos princípios da cibernética.
ramente linguística. Com efeito, Guillaume disse com elegância
que "a língua já é uma teoria" (195)

210 211
maior importância na organização de toda forma de compor¬
tamento adaptável e a contrapunha, em princípio, ao esquema
da conexão direta entre o estímulo e a reação. Para dar maior
...........
.....
ÿ
-
. и
<om]>onente da atividade de adaptação apenas não-
me, с se uma solução rigorosamente alternativa seria
ь qu id.I nesse caso; quais os critérios de delimitação entre a
relevo à similitude das análises do problema da atitude que imii.ii» de atitude e as próximas dessa como motivo, processo
se esboçam atualmente, é necessário recordar que no Simpósio di acostumar, estereótipo dinâmico, papel (no sentido atri-
Especial dedicado à Análise da Teoria da Atitude, que se rea¬ Imiiln .1 esse último termo por Moreno, Mead, Sabin)?; quais
lizou em 1959, em Bordeaux, idéias muito parecidas foram I p u i к utilidades qualitativas de uma atitude típica, as leis
externadas. Paillard (195), por exemplo, indicou que, apesar
• мм formação, de seus remanejamentos plásticos, de sua
li

....
de toda a diversidade das nuanças no sentido que são atribuí¬ I s I iiiç.io, etc?
das à noção de atitude, o que permanece imutável nessa noção

.......
....
é a indicação de uma "predisposição" do sujeito para orientar Л enumeração de questões desse tipo poderia ser con-
i .i vi lmente aumentada. E não é difícil mostrar que,
li a
sua atividade numa direção determinada. Paillard acentuou o •I

divergências de
caráter organizador e seletivo da atitude, a criação por essa de и qu ilo de muitas dentre elas, existem sérias
uma "tendência a um tipo de atividade determinada" no sen¬ mesmo entre aquelas em que a definição de atitude
tido já atribuído à representação analógica, nos anos 30, por disponibilidade para a ação não suscita qualquer objeção.
Allport, Binet, Wallon e um bom número de outros. Defini¬ Semelhante estado de coisas leva-nos a considerar com
ções próximas da atitude foram apresentadas na literatura em .m m .10 a tese — na qual a psicologia soviética tem insistido
inúmeros outros casos. pu iíi ularmente nestes últimos anos, sobretudo a escola de
И /и, idze, assim como A. Leontiev — segundo a qual um de-
Tendo assinalado essa coincidência de abordagens, é con¬
» iivolvimento adequado da idéia de atitude só é possível nos
veniente, entretanto, chamar a atenção para o fato de que
m.imos de uma concepção psicológica mais ampla, a da teoria
essa tem, antes de tudo, um caráter formal e, por isso, super¬ ÿ l i estrutura funcional da ação em seu todo. No encerramento
ficial. A definição da atitude como disponibilidade não prede¬ ÿ I I discussão do problema da atitude que teve lugar em 1955,
termina a essência da interpretação dessa noção; essa a razão Im Moscou, A. Pranguichvili assinalou que a atitude reflete
por que também é aceitável para as mais diversas correntes, apenas uma particularidade determinada, não obstante da
sob o ponto de vista metodológico, de Kiilpe, Ach e Marbe, a m.uni importância, de toda a atividade de adaptação, precisa-
Allport, Wallon e Fraisse. A concordância em torno do fato de inente "sua orientação concreta". Disso decorre claramente
que a atitude representa uma disponibilidade pode encobrir que, lambém a partir das posições da teoria de Uznadze, o
as mais sérias divergências quanto à essência e às leis da din⬠problema da atitude não pode ser resolvido sem um enten¬
mica desse fenómeno — por exemplo, quanto aos sistemas que dimento mais geral da estrutura da atividade, e que a inter-
estão incluídos nessa disponibilidade; se temos algo a ver pi elação desse problema está inevitavelmente predeterminada
com a ativação apenas de funções particulares ou com trans¬ por um entendimento semelhante, mais geral. Poder-se-iam
formações globais mais profundas, que dizem respeito à perso¬ ilar inúmeras declarações feitas dentro de um espírito aná¬
•logo
nalidade do sujeito; como é conveniente representar as inter- |юг A. Leontiev (51) e outros*.
relações das atitudes que surgem simultânea ou consecutiva¬
mente nos diversos domínios da atividade de adaptação?; se a
No estrangeiro, a mesma posição foi formulada com muita pre¬
atitude é uma noção apenas descritiva ou também explicativa; cisão no Simpósio de Bordeaux (1959) por Moscovici: "Na ver¬
que lugar ocupa a atitude na estrutura da atividade: precede dade, pode-se argumentar quanto a se se tem o direito de dis¬
a ação ou forma-se gradualmente durante a atividade dirigida cutir o conceito de atitude, se assim é possível dizer, 'em si'. Pois,
se nos interrogamos a respeito do monismo ou do pluralismo, do
para um objetivo, e justifica-se considerar ambas essas even¬ caráter descritivo ou explicativo de uma noção, não podemos dar
tualidades como uma alternativa?; qual a ligação existente uma resposta válida sem nos referirmos a uma concepção deter¬
entre a atitude como disponibilidade a uma reação seletiva e minada do comportamento" (195). Moscovici assinala também
o reflexo como realização dessa disponibilidade?; se a atitude que não se pode falar da unidade interna de atitudes diversas
é um ato de consciência ou, ao contrário, deve-se compreendê- sem ter precisado previamente em que teoria da atividade a aná¬
lise se baseia.

2/2 213
Essa subordinação lógica da teoria da atitude à teoria mais
........ .
. prcensão moderna dos princípios de regulação e de orga-

........
ampla da organização funcional da ação tem uma importân¬
cia de princípio. Ao constatá-la no caso dado como o resultado lu/.içào funcional dos atos de adaptação dirigidos para um
do desenvolvimento de uma corrente de ídéias não mais ciber¬ objelivo. Com semelhante abordagem, chega-se a definir com
nética, mas propriamente psicológica, voltamos pelo menos a и precisão as principais funções das atitudes e, assim, as
um aspecto muito próximo, se não idêntico àquele que já I dos processos da atividade nervosa superior, que per-
analisamos anteriormente, e que nos levou ao entendimento I1 I I Ilí 4 em não-anreendiclos.
da atitude como um sistema de tendências, decorrente da exis¬
tência de critérios de preferência ou programas intimamente
implicados no processo de manipulação da informação, que $ 86 A ideia da mediação da conexão entre o estimulo
atribuem uma significação determinada à informação recebida e a reação na neurofisiologia clássica
e transformam, assim, essa informação em fator de
regulação.
Semelhante entendimento sublinha que a atitude é, sem Л idéia da atitude ainda não adquiriu o direito à cidada¬
dúvida, algo mais que a simples disponibilidade para o desen¬ nia 11a neurofisiologia moderna. Se alguns
de nossos neuro-
volvimento de uma atividade de determinado tipo. Sua função 1 1 Kilogistas mais eminentes, como N Bernstein e P. Anokhin
consiste não só na criação de uma predisposição a uma ação agrupados em torno deles, a inseriram em
t os pesquisadores
futura, mas também no comando atual de uma reação outros essa
efetiva
(ou de um reflexo sensorial) em via de realização Ë exatamen- 11 ú nieras de suas construções teóricas, junto a

te essa circunstância que havia sido subestimada noção continua a encontrar uma apreciação predominante-
por um nú¬ 11 ic 11te cética, assim como a incompreensão da sua
necessidade.
mero considerável de concepções psicológicas antigas da ati¬
tude, as quais surgiram antes do aparecimento da moderna VIosira-se útil acompanhar as razões que nos levam a apelar
de questões que se
teoria da regulação biológica, e que não podia deixar de con¬ 1 1,11.1 essa noção, quando da elaboração
dicionar o caráter limitado, em certo sentido, das concepções к lacionam com a teoria da estrutura da ação.
antigas. Lançando um olhar retrospectivo sobre a evolução da re¬
Eis como se pode resumir o que acaba de ser dito: presentação da atitude, observa-se que a idéia que constitui o
As pesquisas experimentais da escola de Uznadze revela¬ iiúclco lógico dessa noção começou a penetrar na neurofisio¬
ram que as atitudes, que podem não ser apreendidas pelo logia durante os últimos decénios, sob diferentes formas, con-
sujeito, são capazes, contudo, de influir nos processos aferentes .ci vando em geral os traços específicos da escola ou da corrente
e afetivos, modificando, no sentido de uma antientropia, a de ideias que promoveu essa representação em cada caso cor-
estrutura funcional desses últimos, de acordo com a experiên¬ icspondente. Ё razoável iniciar a análise da relação do pro¬
cia anterior Uma vez que as atitudes podem formar-se na base blema da atitude com o da estrutura funcional da ação pela
cla percepção generalizada da atividade, essas intervêm fre¬ definição dessa idéia fundamental.
quentemente como fatores determinados pelo conteúdo psico¬ Quando falamos dessa última, temos em vista a tese de
lógico concreto das experiências previamente vividas e, ao lado que a reação do organismo não é função direta do estímulo,
das influências objetivas, predeterminam, por seu turno, o mas provém da mediação de fatores intermediários determi¬
conteúdo das experiências futuras. nados em relação estreita com o estado do sistema na entrada
Os procedimentos tradicionais da análise psciológica con¬ do qual a influência é exercida. É fácil mostrar que semelhan-
tribuíram para descobrir as leis da dinâmica das atitudes e ic concepção tem raízes profundas tanto na psicologia como
as formas segundo as quais essas últimas se manifestam 110 na neurofisiologia, tendo sido expressa inúmeras vezes por
comportamento. Entretanto, são insuficientes quando surge a pesquisadores de orientação extremamente diferente. Sem
necessidade de precisar o papel das atitudes na estrutura da lalar da variada literatura referente a esse assunto, vamos
ação. Para entender esse papel, é necessário abordar o proble¬ deter-nos num aspecto cuja análise facilitará a exposição
ma da atitude num plano um pouco diferente, a partir da
|iostcrior
2H 215
Até hoje os autores estrangeiros empreendem algumas ten¬ os trabalhos clássicos de Magnus e de Exner, sem falar da
tativas de fundamentar uma concepção mecanicista do vínculo- .Menção dedicada a esse problema, durante decénios, tanto pela
direto (imediato) entre o estímulo e a reação. Semelhante escola de Vvedenski-Ukhtomski como pela de Sherrington. Um
interpretação, proveniente dos críticos da concepção dos re¬ micresse permanente por essas questões foi manifestado clara¬
flexos, talvez favoreça o desenvolvimento do pensamento da¬ mente em trabalhos posteriores, como, por exemplo, nos de
queles que a expressam, pondo em relevo a singularidade de M. Vinogradov e G. Konradi, I. Ufliand e inúmeros outros.
sua análise, mas essa vantagem é obtida eliminando-se o tema
da controvérsia, uma vez que as objeções dos adeptos de seme¬ Semelhante estado de coisas era compreensível e, no fundo,
lhante visão estão dirigidas contra um adversário antes ima¬ inevitável. A idéia de uma conexão direta (rígida) entre o
ginário do que real. Foi exatamente nessa situação que se en¬ estímulo e a reação é de tal maneira simplista e antifisiológica
contraram, falando na luta de "duas escolas", os autores do-
que, se fosse realmente inseparável do princípio do reflexo,
livro, em muitos aspectos interessante e ponderado, Os Planos não se poderiam entender os progressos surpreendentes alcan¬
e a Estrutura do Comportamento çados pela neurofisiologia durante o século passado. A idéia
G. Miller, E. Galanter e- <lc uma dependência unívoca da reação diante do estímulo
K. Pribram (208)
ii-vc uma repercussão progressista na primeira metade do
A principal deficiência de uma crítica semelhante do prin¬ nccuIo xvii pelos lábios de Descartes. Mas se essa mesma idéia
cípio do reflexo é que confunde dois elementos fundamentais definisse a concepção reflexa no nosso tempo, o avanço espe¬
diferentes a) a representação da dependência da reação não tai ular atingido pela teoria do cérebro (cujas raízes
indis-
apenas frente ao estímulo, mas também frente aos fatores de iiiiivclmente se encontram nas representações clássicas do re-
mediação e b) a representação da natureza desses fatores e as- llexo) apareceria como um gigantesco paradoxo.
leis da sua influência. Pode-se afirmar com certeza que a pri¬
Gostaríamos de esclarecer tudo isso com precisão, não só
meira dessas representações (e, consequentemente, a compreen¬ ют o objetivo de estabelecer a verdade histórica. Se nos co¬
são de toda a não-adequação da idéia de uma dependência locamos firmemente de acordo quanto ao fato de que as diver¬
direta da reação frente ao estímulo) apareceu já nas primeiras gências não surgem no que diz respeito à simplicidade ou
etapas da aplicação científica do princípio do reflexo na da reação em relação ao estí¬
neurofisiologia, isto é, já nos primeiros trabalhos de Sétche- • umplexidade da dependência
mulo (discussões sérias a esse respeito, provavelmente, não
nov O fato de que o caráter (a direção, a rapidez e a inten¬
sidade) da reação, que surge, por exemplo, nas rãs espinais- ultrapassaram o século xix) , podemos logo encaminhar a dis-
e muito importante. A con¬
depende não só das particularidades do estímulo, mas também • ussão para seu leito verdadeiro, de princípio) deve ser
de um fator de mediação tal como a posição inicial das patas- trovérsia (que diz respeito a questões
encaminhada hoje não no sentido de esclarecer se existem fato-
excitadas, foi revelado ainda no século passado (por Sétche-
o estímulo e a reação, mas
nov) . Ao mesmo tempo, não foi somente a dependência da ics de mediação da conexão entre
reação frente aos fatores de mediação, entendidos esses, prin¬ quais são esses fatores, que mecanismos são acionados por eles
с como é garantido seu efeito final rigorosamente seletivo. Ao
cipalmente nesse período, como os níveis de excitabilidade
das estruturas nervosas englobadas no ato reflexo, que havia colocar a questão dessa maneira, encontramo-nos num domí¬
sido evidenciada, mas também o papel orientador desses fato¬ nio, que conheceu, nestes últimos anos, mudanças particular¬
res, sua tendência a atribuir à reação reflexa um caráter mente importantes, as quais refletem a modificação surgida
adaptável. Posteriormente, fatos semelhantes de dependência em nossa compreensão de alguns princípios fundamentais con-
das reações frente ao estado dos sistemas fisiológicos estimu¬ i ci nentes à organização funcional da atividade
cerebral.
lados foram estudados por grande número de pesquisadores,. Para a neurofisiologia clássica, a idéia do fator que se
que concordam inteiramente com a concepção do papel orien¬ insere entre o sinal e a reação resumiu-se, inicialmente, à
tador do princípio refletor Basta lembrar nem que sejam idéia geral do pano de fundo funcional no qual incide a
216 217
excitação e que determina o destino da reação em grau não formação concernente ao grau de "discordância" entre o "obti¬
menor que o estímulo que age. Quanto ao conteúdo concreto do" e o "necessário" e que volta a título de feed-back nega¬
dessa idéia geral, ele evoluiu, refletindo a gradual complica¬ tivo), era logicamente tão pequeno que podemos, com toda
ção das representações dos mecanismos e das leis da atividade razão, considerar a concepção pavloviana do "reforçamento"
nervosa. Se, nas etapas iniciais, considerava-se, na qualidade (orno uma antecipação da linha geral da evolução ulterior

de traço fundamental do pano de fundo funcional responsável das ideias na análise de todo esse problema complexo. Seme¬
pelo caráter das reações, apenas o grau de excitabilidade das lhante visão é confirmada, em particular, pelo fato notável de
diferentes formações nervosas diretamente estimuladas, pos¬ que durante os longos anos que separam os momentos do sur¬
teriormente essa representação inicial ampliou-se de modo con¬ gimento dos dois esquemas mencionados anteriormente não
siderável. Tornam-se características do pano de fundo fun¬ havia outra noção, formada nos marcos da teoria clássica dos
cional, que influem na qualidade das reações, as modalidades mecanismos fisiológicos do comportamento, que tivesse provo¬
da mudança da excitabilidade das estruturas nervosas no tem¬ cado tantas discussões e criado uma literatura tão abundante
po (estados "fásicos' , efeitos de "somação", etc.) , as modifi¬ quanto essa noção de "reforçamento' Para ilustrar esse fato,
cações da excitabilidade de caráter sistémico (refletindo-se, por lembramos a multiplicidade de trabalhos bem conhecidos que
exemplo, nos fenómenos de 'indução" e de "irradiação" des¬ foram realizados pela escola pavloviana, assim como os traba¬
critos em todos os primeiros trabalhos da escola pavloviana) , lhos de Hull, Skinner, Broadbent, Hilgard e Marquis, George
aquelas que são condicionadas pela ação de 'traçar", no sen¬ с outros.
tido atribuído a essa noção por Exner; aquelas que decorrem A noção de "reforçamento" apresentou-se nessas pesqui¬
da concepção de dominante de Ukhtomski, as modificações sas como uma espécie de ponte que não só preparou a passa¬
dos parâmetros indiretamente ligados às variações de excita¬ gem de um nível de entendimento dos princípios de organi¬
bilidade (por exemplo, da labilidade funcional segundo Ve-
zação do comportamento de adaptação a outro nível, mas que,
denski) , as modificações do estado das formações excitáveis, além disso, refletiu essa passagem no plano histórico.
que decorrem da organização de ligações temporárias, etc.
Entretanto, quando se colocava a questão de saber quais
entre essas características concedem à reação uma independên¬ § 87 Sobre a moderna compreensão do esquema geral
cia relativa diante dos estímulos, garantindo-lhe, assim, a fle¬ e dos elementos da organização funcional da ação
xibilidade e a adequação biológica do comportamento, dife¬
rentes respostas foram dadas em diferentes períodos. A mais
Esboçamos acima, em traços muito gerais, o caminho com¬
profunda dessas respostas, antecipando importante tendência
da evolução ulterior das ideias, foi, indiscutivelmente, a con¬
plexo pelo qual se tentou alcançar o entendimento, a partir
das posições da neurofisiologia, da conexão entre o estímulo
cepção pavloviana do 'reforçamento" Nessa concepção havia
e a reação. Consequentemente, essas tentativas não só não se
já uma idéia extremamente próxima do princípio formulado
mais tarde da regulação "circular", mais exatamente a
caracterizavam por uma adesão a construções mecanicistas pri¬
repre¬ mitivas, mas, ao contrário, expressavam uma aspiração perse-
sentação de acordo com a qual o comando efetwo da reação
(sua consolidação adaptável ou, ao contrário, sua inibição verante a se desembaraçar de semelhantes construções. No
adaptável) seria determinado pelos impulsos aferentes que si¬ fundo, seus autores utilizavam todos os meios que a teoria da
nalizam a satisfação ou, ao contrário, a insatisfação de uma ucurodinâmica de seu tempo estava em condições de fornecer
necessidade do organismo. mu esse objetivo.
(

O passo que foi necessário dar para passar desse esquema Se destacamos novamente esse fato, não é porque esteja¬
clássico a outro, hoje amplamente conhecido (de acordo com mos tão envolvidos nessa polémica com Miller, Galanter e
o qual o comportamento adaptável è regulado na base da m- l'iibiam. A coisa é muito mais séria. A principal circunstân-

218 219
ser
cia indesejável, decorrente da simplificação da abordagem
clás¬ tar que as raízes lógicas de todo esse esquema já podiam
sica do problema da conexão entre o estímulo e a reação, con¬ trabalhos de Sétchenov*, assim como no arti¬
acompanhadas nos
de suas for¬
siste em que as críticas dessa abordagem, limitando-se a se¬ go de J Dewey, que surpreende pela perspicácia
melhante interpretação simplista, não colocam em evidência mulações e que data dos anos 90 do século passado (134) **.
mais novas
o que, nessa análise, é verdadeiramente débil
e, em principio, A literatura recente fornece muitas variantes
em sua essência, entre:
a restringe Eis o que temos em vista: e mais elaboradas de relações, idênticas
do objeti¬
Como bem o revelaram L. Kruchinski, na União Sovié¬ a) o estímulo, b) o modelo codificado no cérebro
vo da ação e с) a expressão final da ação baseada nos efeitos
tica, e inúmeros etnólogos (252) , no estrangeiro, o
mento só adquire caráter adaptável quando se
comporta¬ de comparação e na regulação, utilizando feed-backs negativos
a forma de uma sucessão de ações, em que cada uma está
apresenta sob (e também positivos em alguns casos, como logo veremos)
tada para um objetivo determinado. Mas se é assim, torna-se
orien¬ A passagem a essas novas concepções significou, incontes¬
tavelmente, um aprofundamento importante das representa¬
evidente que somente a ausência de uma conexão rígida entre Na base
o estímulo e a reação, que surge na presença de ções da organização funcional da atividade reflexa.
qualquer fator das novas análises, ficou esclarecido o que, antes, era o mais
de mediação, não é suficiente para a realização de obtém a seleção, entre
um com¬ difícil de explicar: de que maneira se
portamento de adaptação. É absolutamente necessária a con¬ virtuais à excitação, das que são
a multiplicidade de respostas
cordância interna dos atos do comportamento cujo desenvol¬ na situação dada ? O papel funcional de todo o ciclo
adequadas
neurodinâmico constituído pelo feed-back, a comparação que
vimento forma a ação, a correspondência desses atos ao
sentido
da situação, isto é, a presença de uma relação seletwa
deter¬
minada de cada um destes atos no resultado da ação. Sem
o entendimento dos fatores que asseguram essa
final
concordância O esquema do "círculo" reflexo reflete a
representação de que
recíproca e a seletividade das reações, permaneceremos não * corrigível pela infor¬
cada elo seguinte da cadeia de reflexos é es¬
menos impotentes na análise do comportamento mação que provém do elo anterior Em todo caso, Sétchenov
adaptável do extremamente próximo da formulação desse esquema quando
que se estivéssemos realmente orientados até agora pelo famoso tava
escrevia "[ IA associação representa em geral uma
sucessão
se funde
esquema rígido de Descartes. de reflexos, na qual o fim de cada reflexo precedente
de um
A aspiração a entender com mais profundidade os com o início daquele que o segue no tempo [ 1 O fim
desse
meca¬ reflexo é sempre um movimento; e o satélite necessário
nismos que se encontram na base dessas particularidades
espe¬ último é uma sensação muscular Consequentemente, eonsideran-
de ativi-
cíficas do comportamento deixou forte marca nas do-se a associação apenas no sentido de uma seqtiência
pesquisas (I. Sétchenov,
dades centrais, essa é uma sensação ininterrupta" atenção não
neurofisiológicas e psicológicas dos últimos anos, uma vez que Obras Escolhidas, Moscou, 1952) Quando se dirige a
próprio
não foi possível explicar a seletividade da reação de adaptação, para o meio de expressão do pensamento, mas para o
a não ser utilizando as representações de um pensamento, não se pode deixar de ver nessas palavras a indi¬
tipo basicamente cação de que cada um dos atos reflexos que se inicia
depende
novo, desconhecido no período anterior ("da sensação muscular") provocados por um
de sinais aferentes
ato análogo efetuado no momento precedente (ver com
mais
O melhor exemplo de representação desse tipo é o ,
esque¬ detalhe a respeito (77), capítulo II)
ma já mencionado inúmeras vezes da comparação e da cor- que esse
reção, utilizado atualmente pela maioria dos pesquisadores ** Criticando a noção do "arco" reflexo, Dewey destacava
cuja igno¬
"arco" faz parte de um ciclo "circular" de excitações,
para a análise da relação entre a reação e o estímulo. Esse es¬ as rela¬
rância nos impede de descobrir de maneira adequada a
quema havia sido formulado de maneira elegante e, ao mes¬ ções existentes entre o sujeito e o meio. Chamava também
atenção para o fato de que o início de um ato reflexo não é
mo tempo, matemática, no mais profundo coordenações sen-
sentido, por N a ação isolada de um estímulo sensorial, mas
Bernstein em 1935, isto é, 13 anos antes da publicação da mo¬ soriomotoras determinadas, que provocam uma resposta graças
gerais.
nografia de N Wiener, que se tornou clássica. Assinalamos tam¬ ao fato de se inserirem nos sistemas coordenadores mais os
bém a ligação interna desse esquema com a Será necessário explicar a que ponto Dewey ultrapassou
concepção pavlo- pontos de vista de muitos de seus contemporâneos, formulando
viana mais antiga do "reforçamento" A isso se uma concepção tão dinâmica e sistémica?
pode acrescen-
220 221
revela o grau de discordância e, finalmente, a impulsão cen¬ Surge, assim, uma situação muito singular do ponto de
trífuga de caráter corretivo, consiste justamente em assegurar visla da lógica. Para explicar a hierarquia dos atos de com-
esse aspecto do processo. Provavelmente não erraremos dizen¬ porlamento concreto, referimo-nos à hierarquia dos sistemas
ton:. Mas será possível deixar de assinalar que desse modo
do que esse aprofundamento da análise foi possível principal¬
mente porque, no contexto da concepção fisiológica, estavam
ÿ,<• comete um desvio
que se jiarece muito a um erro do tqao
incluídas, como componentes imprescindíveis, as representa¬ /" tição de princípio ? Se o fato que se deve explicar é a estru¬
tura hierárquica do comportamento e cada um dos componen¬
ções de significação e de objetivo encarnadas no modelo cere¬ tes dessa estrutura é postulado como organizado pelo esque¬
bral codificado da ação. Assim, foi demolida a cortina de ma готе, não está evidente que a existência da hierarquia de
ferro graças à qual a fisiologia clássica esteve, durante decénios, ion: se encontre predeterminada pelo fato explicado e que,
isolada das categorias cle ordem semântica, e aberta a via de por essa razão, ela constitui o reverso desse fato, seu reflexo,
uma coordenação estreita, que se tornou inteiramente necessária a se deseja, sua consequência, mas que, por isso, não é abso¬
na etapa atual, entre as análises neurofisiológica e psicológica. lutamente suficiente para explicá-lo?
Chamamos a atenção para essa circunstância com o obje-
Algumas observações livo de destacar o que segue. O esquema da comparação e da
§ 88 a propósito do esquema
"TO TE" lorreção, refletindo um importante fragmento da atividade,
exige ser precisado, quando se trata de fatores que asseguram
I formação da ação constituída por uma sucessão hierarquica-
Mas essa vantagem, alcançada com tanta dificuldade, será
suficiente para uma compreensão completa dos fatores da se- nicnte organizada de atos dirigidos para um objetivo. No es¬
leção da resposta ao estímulo, principalmente no caso em que quema tote típico, da mesma maneira que no ato típico da
essa resposta não é uma simples reação elementar, mas uma (oneção baseada na comparação" e em numerosos esquemas
ação complexa pela sua estrutura funcional? Aqui, devemos semelhantes, o fator centrífugo regulador está dirigido para a
assinalar, pela segunda vez, nosso desacordo com a posição de eliminação de uma discordância entre o resultado atingido e
Miller, Galanter e Pribram, que, de fato, colocaram a mesma u necessário, isto é, para a formação cie um efeito que carac-

questão em sua monografia e a responderam afirmativamente. leriza um feed-back negativo. Entretanto, não há dúvida de
Vamos deter-nos neste ponto porque penetramos diretamente que, nas condições do comportamento adaptável, em etapas
no domínio que representa o maior interesse para nós o pa¬ intermediárias determinadas do desenvolvimento da ação, as
pel específico que o fator da atitude não-consciente desempe¬ corrcções podem estar dirigidas (por motivos táticos) não para
nha na reação dirigida para um objetivo. .1 supressão das discordâncias, mas, ao contrário, para seu re-

O esquema tote (test-operation-test-exit teste-operação- forçamento (por exemplo, no caso ojrosto à fuga reforçamento
da reação de imobilização do animal ao ver o agressor que se
teste-resultado) foi proposto pelos autores citados como um
modelo original de significação muito geral, válido para expli¬ aproxima e em outras situações semelhantes)
car tanto os atos reflexos isolados como a estrutura do com¬ Certamente, pode-se dizer que, nos marcos de um comple¬
portamento adaptável em seu conjunto (208) A fim de expli¬ xo готе de ordem superior (refletmdo não a tática, mas a
car, na base desse esquema, um dos traços mais típicos das for¬ estratégia do comportamento que, no exemplo precedente,
mas complexas da atividade de adaptação a hierarquia de visa salvar o animal reprimindo o impulso natural à fuga) ,
seus componentes —, é suficiente, segundo os autores do esque¬ semelhantes reforçamentos provisórios de discordâncias cons-
ma tote, imaginar que esse esquema comporta os elementos I il uem um meio de chegar a uma concordância na fase mais
tanto estratégicos como táticos do comportamento. A fase ope¬ I ardia (e, portanto, decisiva) da ação. E isso será correto. En-
racional do sistema tote de ordem superior pode, ela própria, Iretanto, semelhante estado de coisas torna evidente a exis-
estar constituída de uma cadeia de outros sistemas análogos e, tência de um fator jaarticular, cuja função é a regulação do
(aráter da resposta no resultado da comparação do ponto de
jaor sua vez, cada um desses últimos pode conter de novo séries
de unidades subordinadas análogas, etc. (208) visla da estratégia geral do comportamento,

222 223
Com efeito, o resultado da comparação é um tipo de dife¬ 89 A atitude como unidade da "Imagem" e do
$
rencial, a constatação de certo nível de discordância entre o "Plano"
obtido e o necessário (entre "Soll-Wert" e "Ist-Wert", na ter¬
minologia de N Bernstein) Mas, por si própria, semelhante
Entretanto, que fator é esse, cujo emprego promete tantas
constatação não é capaz de ser um fator de correção, pois não
contém a informação suficiente para definir o efeito de qual v.mtagens? Respondemos a essa questão precisando, ao mesmo
tempo, nosso terceiro (e último) desacordo com Miller, Ga-
feed-back deve seguir (negativo ou positivo) Semelhante in¬ l.i nier e Pribram.
formação só surge quando uma significação determinada é
atribuída ao nível de discordância revelado, isto é, quando, Pode-se pensar que esse fator seja apenas o conjunto de
itiossos conhecimentos sobre a ação formada e a situação
em
na base de um sistema de critérios determinado, se estabelece visão de
<|iic a ação se desenvolve, isto é, "a imagem", na
uma relação da discordância descoberta com a
tarefa final da Miller, Galanter e Pribram (208)? Parece-nos que uma inter-
ação. fator discutido (como
Iи elação tão puramente informativa do
Numa concepção desse tipo, torna-se indiscutível que, em bloco de informações) significaria desviar a atenção do que
toda a estrutura funcional circular da ação (no complexo tote, é o principal nesse fator. seu papel ativo e a influência regula¬
num ciclo corretor único, etc.) , deve estar inevitavelmente pre¬ dora exercida por ele na formação da ação.
sente o fator que determina a significação da discordância, É interessante que, na concepção de Miller, Galanter e
levando em consideração as fases futuras da ação. A presença Pribram, o papel de princípio ativo é atribuído não à "ima¬
de semelhante fator é necessária para dar uma força estimu¬ gem", mas ao "plano" O "plano" controla a sucessão de ope-
lante mesmo a uma discordância elementar revelada e é mais i .ições que o ser vivente executa. Por outro
lado, o "plano" não
indispensável ainda quando da realização de uma tática de determina a ação no que concerne ao seu conteúdo. É apenas
comportamento determinada, que consiste no estabelecimento uni processo construído segundo uma hierarquia, capaz
de
de certa relação entre as etapas sucessivas da ação (e, dessa «ontrolar a ordem em que se deve cumprir certa sucessão de
maneira, entre os complexos de tote ou entre os ciclos de operações, o termo "plano" pode ser sempre substituído pelo
correção sucessivos) .termo "programa", etc.
Para precisar em que consiste nosso desacordo com Miller, De acordo com essa visão, quando o aspecto informativo
Galanter e Pribram, voltaremos a atenção para o fato de que •("lodos os conhecimentos acumulados e organizados") está
nenhum dos complexos de tote tomado isoladamente (incluin¬ ligado à "imagem", enquanto o aspecto algorítmico ("con-
do o mais geral, que representa o vértice da hierarquia e que tiolc" da ordem de sucessão das operações) está ligado ao
apenas sanciona, na etapa final do desenvolvimento da ação, "plano", é natural que o problema central do livro de Miller,
o cumprimento dessa) pode ser esse fator determinante. Se¬ Galanter e Pribram seja o estudo das relações entre a "ima¬
melhante fator deve estar representado em todas as etapas do gem" с o "plano" Parece-nos, entretanto, que, ao empreender
esse caminho, Miller, Galanter e Pribram optaram por uma
desenvolvimento da ação (desde as fases iniciais até as fases
finais) e deve regular o futuro da ação, determinando a signi¬ jiosição que, antes de mais nada, tem a marca de um dualismo
ficação de cada uma das discordâncias sucessivamente reveladas tradicional e que não está adaptada da melhor maneira ao
na base do prognóstico probabilista das particularidades do objelivo de conquistar sua meta fundamental, pesquisar de
desenrolar das fases ulteriores da ação. Esse fator introduz nas que maneira pode ser preenchido o "vácuo entre o conheci¬
mento e a ação"
noções fisiológicas tradicionais duas categorias novas e inco-
muns a categoria semântica da significação e a idéia de ante¬ As tentativas no sentido de atingir essa meta sedutora
cipação (cuja importância foi demonstrada profundamente na foram até agora tão frequentemente inúteis porque, em geral,
eram abordadas a partir de posições dualistas, utilizando dois
literatura soviética dos últimos anos por N Bernstein e P
sistemas de noções incompatíveis, cuja síntese era inevitavel¬
Anokhin) Mas sem esse fator não poderíamos absolutamente mente eclética e superficial. Muito mais promissora é a ten-
compreender a verdadeira estrutura funcional da ação. alêiu ia ile reunir os aspectos informativo e algorítmico na
224 225
base de uma categoria lógica cuja própria essência consiste na
unidade desses aspectos Se nos lembrarmos do que foi dito da
atitude como sistema de critérios que transformam a informa¬
........................ . .
rganizador dos microciclos elementares do comporta-
Ao mesmo tempo, no nível superior, isto é, no compor-
lo cm seu conjunto, o papel ativo das atitudes mani-

.....
ção em fator de regulação (ver p 191) , entenderemos fa¬
cilmente que a atitude, antes que outra qualquer noção,
constitui essa categoria. E o fato de que os autores das "ima¬
gens" e dos "planos" desconhecem, no fundo, essa noção cen¬
tral não pode deixar, certamente, de debilitar, de certa forma,
.
I.....
..........
I• iii I principalmente pelos efeitos antientrópicos, pela cria-
Ir uma ordem maior, de maior concordância interna dos
aos quais se estende diretamente sua ação organiza-
iIih.i Kssa função tão característica pode ser observada tanto
mtricidade elementar como nos sistemas mais complexos
sua posição* finalizadas, isto é, nos processos de ordem semântica,
• li .mirs
Que se pode dizer da conexão da atitude assim interpre¬ m o comportamento e a atividade na sua visão psicológica.
tada com os elementos lógicos do esquema bem-conhecido do- « pr,tumente levando em conta essa oposição ao crescimento
círculo reflexo? De acordo com esse esquema, um processo di¬ ili entropia (condicionado pelas atitudes, quer sejam cons-
rigido para um objetivo torna-se possível pelo fato de as rea- • 1 1 1 <s ou não), antes de qualquer outra coisa, que podemos
li

ções que o realizam serem corrigidas pelo equivalente neuro- I и u nder em que consiste o papel principal cumprido pelo
ni! nnsciente, de maneira por vezes profundamente
oculta, na
dinâmico da expressão final desse processo, pelo modelo do
.и и nl.ide vital do organismo humano, seja ele são ou enfermo.
futuro necessário, codificado no cérebro. Mas isso significa
que um semelhante modelo não é um simples padrão inerte
para a comparação, mas um fator dinâmico que, permitindo'
estabelecer o nível de discordância, atribui, ao mesmo tempo,
a essa discordância uma significação do ponto de vista da estra¬ Ill A RESPEITO DA INTER-RELAÇÃO DA
tégia da ação no seu conjunto, isto é, cumpre a função prin¬ CONSCIÊNCIA COM O "INCONSCIENTE"
cipal da atitude.
Seria admissível tirar daí a conclusão de que a represen¬ A tomada de consciência como "apresentação" e as
90
tação do modelo do futuro necessário e a representação da ati¬ vantagens criadas por ela para a regulação da
tude são idênticas? Provavelmente, não. Disso apenas decorre
atividade
que o modelo deve cumprir a função da atitude para que a
ação seja realizada de maneira adequada. A atitude é, assim,
antes a designação do papel específico cumprido Л análise da relação do fator atitude com a estrutura fun-
pelo modelo ninai da ação ajudou-nos a entender uma segunda função im¬
em condições determinadas, do que sinónimo do modelo. ÿ

pou un te da atividade nervosa superior não-consciente (con-


Atribuindo-se uma significação determinada ao fato da IIInundo como primeira a manipulação inconsciente
da in-
discordância e, assim, definindo-se o caráter da fase iminente loi mação), a ação reguladora exercida por essa atividade no
no desenvolvimento da ação, a atitude apresenta-se como o Entretanto, o exame desse proble¬
ÿ iiiiqiortamento adaptável.
ma leva-nos a precisar os elementos de uma questão à qual
j.í fizemos alusão repetidas vezes: que papel cabe, nessa aná¬
Nisso encerramos nossa pequena discussão com Miller, Galanter- lise, ao fator consciência? Devemos aliar-nos à visão epifeno-
e Pribram, provocada pelo desejo de acompanhar o motivo pelo
qual justamente a representação da atitude se mostra menalista proposta pela neurocibernética moderna ou, sem
estreita¬ abordagem geral apresentada pela neurocibernética
mente ligada à concepção moderna da organização funcional da u lular a
ação. Entretanto, para encerrar nossa contestação, gostaríamos e permanecendo logicamente nos seus próprios marcos, pode¬
de assinalar que o desacordo com esses autores não é
absoluta¬ mos especificar um papel da consciência na organização da
mente fundamental em nossa postura frente à sua obra, tão
in¬
teressante. Se, ao lado da acentuação de nossos desacordos, cha¬ ação, livrando-nos assim da desagradável necessidade de con¬
mássemos igualmente a atenção para as teses que nos unem, é siderar a consciência como o pálido reflexo dos acontecimen-
provável que a zona de concordância superasse
consideravelmente,. los cerebrais, com o que, falando rigorosamente, uma análise
em volume e em importância, a zona de divergências.
orientada de maneira determinista nada tem a ver?
226 227
......
..
Essa questão, extremamente complexa pela M.is cm que consiste o erro dessa abordagem geral, pró-
própria na¬
tureza, tornou-se mais complicada ainda quando foi ncurocibernética moderna? Esse erro aparece nitida-
posta em I <I ht I
evidência a estreita conexão (evocada no § 89) entre a atitude м- nos lembramos da situação singular criada na moder-
e a representação do círculo
reflexo. Com efeito, a concepção III ним.! psicológica da consciência.

.........
do circulo reflexo, da mesma forma que as construções neuro- Л tendência, revelada pela neurocibernética, a excluir a
cibernéticas acima lembradas, de um plano mais amplo, não
h |>м rotação da consciência do círculo de categorias de tra¬
apela para o fator consciência. As formas mais complexas da
atividade consciente, assim como os automatismos motores e il Hm operacionais está baseada, naturalmente, numa inter-
I

outros que escapam totalmente à consciência, determinada dessa noção. Essa interpretação, em geral,
deslocam-se se¬ formulada pelos partidários mais convictos da exclusão
gundo um esquema circular E, uma vez que a regulação re¬ и m ÿ

flexa é impensável sem a participação ativa das atitudes, tor- ÿli nli m da consciência (Uttley, por exemplo), que, antes, a
na-se claro que essas últimas não estão obrigatória e ni" iinlem tacitamente. Mas é facilmente entendida e deve-
te ligadas ao parâmetro da consciência.
diretamen- . 111

. I• 11 и i t ir,
se é tomada como tese inicial, que, com efeito, é
Essa circunstância sublinha mais uma vez que, realmente, iiiiliil objetar qualquer coisa às conclusões céticas a que che¬
não há qualquer razão para limitar a nu m us adeptos. Entretanto, tudo consiste em que essa con-
função das atitudes
apenas à regulação dos fenómenos psíquicos conscientes. Seme¬ II
I и .1o da consciência, assimilada pela neurocibernética sem
lhante limitação seria tão errónea quanto ligar as atitudes • I ili Ho crítico, ao mesmo tempo, permanece profundamente
ape¬ iiiónia, apesar de tradicional para determinadas correntes da
nas ao domínio do que não é apreendido pela
consciência. patologia da Europa Ocidental.
Mas disso não decorre que a essência das relações entre o
parâ¬

.....
metro consciência e o comportamento seja mais I ssa concepção, que conduz logicamente a uma visão epi-
evidenciada
pela teoria da atitude que pela teoria das redes neurônicas. ii iioiiiciialista da consciência, é bem caracterizada por A. Léon¬
Os partidários de ambas as concepções preferem, na
medida in v "Apresentando a consciência do homem de uma classe
do possível, não tocar nesse complicadíssimo problema. m eterna e inerente a toda a humanidade, a psicologia bur¬
I a representa como algo absoluto, sem qualidade e 'inde-
Entretanto, para a teoria das formas não-conscientes da in

I iiido' Trata-se de um espaço psíquico particular (a 'cena' de


atividade nervosa superior, essa posição evasiva é inaceitável
por princípio sem a definição do papel específico da consciên¬ |aspeis) Constitui, consequentemente, apenas a 'condição da
cia, toda a especificidade do inconsciente torna-se igualmente I>m« ologia, mas não seu objeto' (Natorp) A consciência, es-
iirvia Wundt, consiste em que, de maneira geral, encontramos
de difícil definição, e até mesmo, além disso, todo o problema
das relações entre formas conscientes e não-conscientes, vividas • m nós estados psíquicos quaisquer que sejam. Psicologica-
inrnle, a consciência representa, desse ponto de vista, uma
e não-vividas da atividade cerebral fica, assim, afastado como
questão autónoma. • ÿ.|m'<íc de 'luminosidade' interior, que pode ser brilhante ou
sombria ou, mesmo, apagar-se, como, por exemplo, num des¬
No § 73, caracterizamos a posição defendida por George uniu profundo" (52)
quanto a essa questão. Excluindo do seu exame a categoria de Vemos claramente a que ponto semelhante interpretação
consciência como "pseudocientífica", suprime, sem muito re- tl.i consciência difere da visão apresentada acima, na qual a
fletir, todas as diferenciações, estabelecidas com perseverança (onsciência é a "tomada de consciência pelo sujeito da reali-
pela psicologia durante decénios, entre as particularidades qua¬ dade objetiva" (S. Rubinstein), o "conhecimento de alguma
litativas das formas do psiquismo conscientes e não-conscientes. misa" que "como objeto se contrapõe ao sujeito que toma co-
Ambas as categorias de fenómenos são reunidas como "ativi¬ nlici iincnto", uma qualidade do psiquismo que só aparece no
dade do pensamento", a qual, segundo George, é regulada, homem na medida em que esse se separa do meio exterior e se
tanto tenha lugar no estado de vigília como no sono, loi na apto a perceber as experiências vividas como um dado
pelas
mesmas leis fundamentais. Naturalmente, com uma interpre¬ mo idêntico ao mundo dos objetos materiais que o cerca. Com
tação niveladora desse tipo, não se poderia falar de qualquer expressões exatas, A. Leontiev definiu o traço principal dessa
função específica da consciência. visão não-epifenomenalista. Essa consiste em que a "realidade

228 229
se abre ao homem na estabilidade objetiva de suas proprieda¬
des, em sua autonomia, sua independência diante da relação
subjetiva do homem diante dela, de suas necessidades atuais
ou, como se diz, se 'apresenta' a ele. É no fato dessa 'apresenta¬
ção' que consiste, propriamente dito, o fato consciência, o fato
conversão do reflexo psíquico não-consciente em consciente"
. .. .
I
,
Quando A. Leontiev utilizou pela primeira vez a noção de
q и scntação" da realidade como característica da tomada de
(

iência, foram, pelo visto, as tradições no emprego das


i lavras que o impediram de destacar as relações estreitas

o |ii csentação com a idéia de simulação, amplamente utilizada


nu dia-a-dia da psicologia e da neurologia alguns anos mais
dessa

(52). Muic* Não vale a pena esclarecer, particularmente, em que


mi ido, no reflexo que acompanha a "apresentação" da reali-
ÿ

Tais são essas concepções opostas da consciência. E se da


1 1 ide por parte do sujeito, esbarramos com uma espécie de
primeira realmente decorre que a consciência é antes a "con¬
• Iaplicação do quadro do mundo (A. Leontiev) O conteúdo
dição" de toda pesquisa psicológica do que o seu "objeto", que de',se reflexo torna-se não apenas a realidade objetiva como
ela não tem direito a pretender a qualquer regulação da sua I 1 1, mas também a experiência vivida da relação frente a essa
parte de fenómenos psíquicos, uma vez que a tomada de cons¬ nulidade Experiência que se contrapõe, como dado subjetivo,
ciência nada acrescenta de novo à dinâmica desses fenómenos, in.iis ou menos claramente apreendido, àqueles elementos do
a segunda força a tirar conclusões diametralmente opostas. inundo exterior que provocam essa experiência de maneira
A circunstância principal, cuja importância é claramente «Ureta.
subestimada por Uttley, George e outros autores, os quais A experiência vivida dessa relação conduz à criação de um
propõem a exclusão da noção da consciência do conjunto de logo (ou "Imagem") da realidade objetiva que, entretanto,
in.i
categorias necessárias à construção de uma teoria adequada и sujeito não identifica com essa última e que se apresenta à
do trabalho do cérebro, consiste em que a tomada de consciên¬
• nnsi iência como um modelo singular do mundo dos objetos.
cia da realidade objetiva como tal (sua "apresentação" no sen¬ A ni i lização desse modelo no processo de regulação do com-
tido dado a esse termo por A Leontiev) influi profundamente
em todo o desenvolvimento ulterior da atividade do pensa¬ Iк и lamento permite obter todas as inúmeras vantagens que
nu gem, se o comando direto de um processo qualquer é pre¬
mento e do comportamento. A análise psicológica permite, sem
ndido por uma fase em que se esboça esse comando numa
muito trabalho, determinar as condições que contribuem para mais ou menos exato das
essa "apresentação" da realidade na base de sua tomada de • ópia, num molde, num modelo
Irações futuras. Parafraseando Valensin, pode-se, por isso, di-
consciência, essas condições estão ligadas, em primeiro lugar,
/( I que o homem ficou infinitamente mais rico em suas possi¬
ao surgimento de quaisquer obstáculos imprevistos no desen¬ bilidades de agir sobre o mundo depois que se revelou em con¬
volvimento sem choques da ação dirigida para um objetivo, à dições não só de perceber, de pensar e de sentir, mas também
dificuldade de cumprir essa última (lei de Claparède) A to¬ dr tomar consciência de que ele é um ser que percebe, sente
mada de consciência, isto é, um processo baseado na "apre¬ r pensa.
sentação", revela-se, assim, um meio singular de regulação ex¬
tremada da atividade cerebral, isto é, de regulação em condições É muito indicativo do estado atual da discussão a respei-

excepcionais, nas quais outros meios menos eficazes de coman¬


(!)do papel ativo da consciência o fato de que se pode encon-
IIar na própria literatura neurocibernética uma concepção se¬
do das operações do pensamento e do comportamento se reve¬
lam insuficientes. melhante das causas e dos mecanismos desse papel e, conse¬
quentemente, certo afastamento em relação à posição cética
Com semelhante interpretação, uma questão surge natu¬ de Uttley e outros. Já mencionamos no § 14 os trabalhos a
ralmente que concede à tomada de consciência e à "apresen¬
irspcito da teoria do comando nos quais é analisada a possibi¬
tação" da realidade, indissoluvelmente ligada à primeira, essa lidade, para um sistema auto-regulador, de dar uma resposta
faculdade de exercer poderosas influências reguladoras sobre
a atividade cerebral? Respondendo a essa questão, tocamos de
novo, talvez de maneira um tanto inesperada, nas representa¬
Essas relações foram destacadas por Leontiev alguns anos mais
ções típicas da corrente neurocibernética. tarde (53)

230 231
à questão do resultado provável da experiência sem que essa uilomodelos" no trabalho dos sistemas auto-reguladores, dos
última seja, de fato, conduzida pelo sistema. Como é assina¬ quais são apenas elementos intrínsecos e, em consequência, o
lado por Minsky, não se pode receber semelhante resposta a I п.iicr realmente ativo de seu papel.
não ser de algum subsistema localizado no interior do sistema
Dessa maneira, pode-se dizer que as funções da consciên-
auto-regulador e que serve de modelo das relações desse último se leva em
ci são, cm certa medida, evidenciadas quando
com o mundo exterior. Se a informação obtida por este subsis¬ • simulação psi-
processos de
tema pode influir nos processos que se desenvolvem na saída
comum de toda a construção, estamos na presença do quadro-
.
Iuiisideração sua participação
.ilógica da realidade e, por
nos
isso, da regulação da atividade
lui Iira . O processo de evolução resolveu o problema de seme¬
singular de um autómato cuja atividade é regulada na base da
"apresentação" que lhe é feita não só do conjunto das influên¬ lhante simulação atribuindo ao cérebro humano a faculdade
Cer-
cias exteriores, mas também da informação que recebe do seu • li criar o reflexo "apresentado" do mundo circundante.à primeira
i.imente, a esse respeito é possível colocar questões,
próprio modelo comportamental. Segundo a observação meio
vista, estranhas, seria, por exemplo, essa variante da solução
humorística, meio séria de Minsky, semelhante autómato, que
du problema da simulação, escolhida pela filogênese, a única
dispõe do conhecimento do mundo exterior e "dele mesmo"'
e corrige sua atividade dirigida para o mundo exterior, deve¬ pussível em geral? E se a simulação necessária à atividade pro-
ria, na base dos dados da "introspecção", discernir em si mesmo tlutiva dos sistemas auto-reguladores for realizável por vias
diferentes, inclusive por vias que não estão obrigatoriamente
o nível "corpo" e o nível "espírito" e deveria opor-se
energi¬ ligadas a uma tomada de consciência, por que a evolução bio¬
camente à afirmação de que continuaria sendo apenas um robô
lógica preferiu, no dado caso, exatamente a via de desen¬
inanimado (125) volvimento da consciência e não outra qualquer?
Lembramos esse exemplo porque revela claramente que, Haveria necessidade de nos determos agora em questões
mesmo que permaneçamos dentro dos marcos das interpreta¬
ções neurocibernéticas habituais, não estamos absolutamente
desse tipo? Certamente, não está excluído — permitamo-nos
esic sorriso que durante a conquista da Galáxia o homem
obrigados a seguir com rigor Shannon, Uttley, George,
venha a encontrar, um dia, sistemas auto-reguladores em que
Rosenblatt e outros em sua apreciação cética do papel da cons¬ base de
o problema da simulação interna esteja resolvido na
ciência. Essa apreciação é decorrência muito mais do sentido dos que são utilizados
princípios qualitativamente diferentes
particular, atribuído por esses autores à representação da cons¬
para este fim no cérebro do homem. O que nos interessa no
ciência, do que da lógica real da análise neurocibernética.
momento, contudo, não são conjecturas mais ou menos fan-
Como assinala corretamente A. Leontiev, aceitando que o láslicas sobre princípios desse tipo, mas entender a tomada de
fato da tomada de consciência se reduz, no fundo, à "apresen¬ (onsciência como um dos elementos da classe dos meios poten-
tação" da realidade objetiva ao sujeito, em "sua autonomia, I ialmente passíveis de resolver o problema
da simulação se¬
em sua independência diante da relação subjetiva frente a gundo prognóstico e, assim, como uma atividade que, de ma¬
ela" (52) , e que esse dado "apresentado" distintamente possa neira consequente e num papel claramente específico (ao en-
ser utilizado como modelo quando da elaboração dos processos- contro do que pensa um razoável número de teóricos eminen¬
de regulação, obteremos a possibilidade de entender não só a tes da neurocibernética) , se inscreve no círculo das represen¬
função da consciência como fator de regulação do comporta¬ tações gerais da moderna teoria da regulação biológica.
mento, mas ainda a relação ativa da consciência com as outras.
Para nós, o entendimento da consciência como particula¬
formas do psiquismo. No trabalho do cérebro, como também ridade da atividade cerebral, totalmente subordinada às leis
no da construção lógica de Minsky, a utilização da informação- gerais da adaptação biológica e social, é igualmente importan¬
proveniente de semelhantes "automodelos apresentados" am¬ te. Do ponto de vista de Uttley e de outros epifenomenalistas
,
plia enormemente as possibilidades operacionais e de adapta¬ o desenvolvimento da consciência em níveis superiores da filo
ção, não obstante os mecanismos fisiológicos na base dos quais. e da ontogênese aparece como paradoxo dificilmente explicá¬
se produz essa ampliação continuarem longe de se tornarem cla¬ vel (como se sabe, tudo que é funcionalmente inútil não deve
ros. Por conseguinte, evidencia-se a inserção orgânica desses ser estimulado, mas afastado pelo processo de evolução) A no-

232 233
ção da consciência como fator que age de maneira adaptável n 11m bolos como meio de superação desse antagonismo. Não
no desenvolvimento do comportamento livra-nos, ao contrᬠpassaria de uma tentativa totalmente inútil buscar, na teoria
rio, de um conflito bastante desagradável com a teoria da evo¬ р .к analítica detalhadamente elaborada, nem que seja uma
lução. Certamente, isso também constitui um argumento que alusão à representação de um sinergismo funcional entre o
tem certo peso nessa discussão. inconsciente e a atividade da consciência (segundo Freud, a
Tudo o que acima foi dito é, sem dúvida, suficiente para Miblimação, como a simbolização, não passa de um meio de
mostrar a inconsistência não só filosófica como também lógica salvação das consequências destrutivas do eterno antagonismo
da opinião segundo a qual se poderia facilmente deixar de • uirc a consciência e o inconsciente, mas não é, em absoluto, a
levar em consideração a categoria da consciência. Na realida¬ t ч pressão da substituição desse antagonismo por relações de
1 1 •operação real) . O resultado de semelhante simplificação
de, o problema é muito mais complicado. Mas, nesse caso, en- é
funcionais reais entre as formas
contramo-nos diante de um problema do qual se livraram os 'I1ic todo o quadro das relações
( oinscientes e não-conscientes da atividade nervosa superior e
que adotam a posição de Uttley e seus adeptos: após haver
mostrado a realidade da consciência como fator de regulação, lo psiquismo foi transformado pelo freudismo a ponto de
caracterizar as particularidades da relação desse fator com o lornar-se irreconhecível.
não menos real inconsciente. De que maneira e por que se produziu essa simplificação?
Л resjjosta a essa questão certamente não será aceitável para
«is que consideram o freudismo como a base real da teoria geral

§ 91 . O "inconsciente" fisiológico, estrutural e dinâmico do inconsciente, como o faz, por exemplo, R. Bernhard (113).
(segundo Bellak) I nirctanto, uma análise pensada da concepção psicanalítica,
nem que seja do tipo da empreendida por Harry Wells, con¬
É natural que a existência de formas conscientes e não- duz inevitavelmente a essa resposta. Assinalando as particula-
consciente do psiquismo coloque a questão do caráter das re¬ i idades específicas da doutrina psicanalítica, Wells indica que

lações existentes entre esses aspectos da atividade cerebral. I reud não realizou a elaboração detalhada da aplicação da
Essa questão é tão importante quanto pouco elaborada. A sua "ciência dos processos psíquicos inconscientes" ao domínio
única tentativa de lhe dar uma resposta detalhada pertence ao da psicologia (261). Não há dúvida de que, ao sublinhar essa
freudismo. Contudo, justamente nessa resposta foi que apa¬ < ircunstância, altamente característica, Wells tem toda razão.
receram, com particular nitidez, os aspectos débeis da análise Na base de sua concepção do inconsciente, Freud tentou re¬
psicanalítica; sua unilateralidade e a tendência, que dela de¬ solver um só aspecto (que lhe parecia central, como clínico)
corre inevitavelmente, a empobrecer e simplificar as leis que da vida mental — o destino do impulso insatisfeito, do afeto,
ao problema do inconsciente,
descreve. • uja reação foi rejeitada. Quanto
cm seu aspecto mais geral — como problema da grande teoria
Pode-se dizer com convicção (não obstante, na literatura,
esse elemento seja raramente destacado e, provavelmente, soe psicológica do comportamento adaptável —, Freud nunca o
um tanto inesperado para os adeptos da psicanálise) que um levantou, na realidade. Justamente por isso, escapou ao freu¬
dos maiores erros do freudismo consiste em que essa concepção dismo toda a complexidade interna e o caráter contraditório
restringiu violentamente a gama de relações mutáveis e diver¬ desse problema; quanto à idéia da repressão, pareceu aos auto¬
sificadas que existem na realidade entre as formas não-cons- res e aos adeptos dessa teoria perfeitamente satisfatória para
cientes da atividade nervosa superior e a atividade da consciên¬ lefletir o caráter das relações entre a consciência e o incons¬
cia. Toda a complexidade dificilmente imaginável e interior¬ ciente no plano específico, que era o único a lhes interessar.
mente contraditória dessas relações foi reduzida por Freud a De resto, a idéia de que a concepção psicanalítica não
uma única tendência dinâmica — o antagonismo funcional constitui em absoluto uma teoria psicológica do inconsciente
da consciência e do inconsciente —, que encontrou seu reflexo pode ser encontrada não só nos trabalhos dos críticos do freu¬
na teoria da repressão, a pedra de toque da teoria psicanalí¬ dismo. Alguns partidários convictos do freudismo chegam à
tica em todas as etapas do seu desenvolvimento, e na teoria dos « nem a rnnrliieõn
I I ГЛГП lYívi i'iAri ri:i Fm relação com isso.
npr-t-ÿ

234 235
as declarações feitas em 1958, num Simpósio organizado pela psicológico, mas que
i.ir.-l para a consciência pelo seu conteúdo
Academia de Ciências de Nova Iorque e dedicado especial¬ resultado na consciência pelos caminhos
encontrar um
mente à discussão dos problemas metodológicos da psicaná¬
|им1е
ili tviados da simbolização. É exatamente esse aspecto que cons¬
lise, têm interesse, particularmente as que foram apresentadas
ul m o objeto único e específico da teoria psicanalítica.
no informe de abertura de Leopold Bellak (111) Esse desta¬
cado teórico do freudismo dedicou-se à análise da noção do A respeito dessas definições claras (não refutadas pelos
inconsciente e precisou em que plano essa permanece impor¬ denial's participantes do Simpósio), pode-se dizer o seguinte:
tante para a teoria psicanalítica e em qual permanece indi¬ ' m primeiro lugar, não deixam
dúvida de que, segundo a opi-
III.m até mesmo dos adeptos convictos do freudismo
moderno,

......
ferente. As declarações de Bellak são muito representativas no
a teoria geral do inconsciente
que diz respeito ao que a psicanálise entende precisamente co¬ ' I teoria não é absolutamente
I >i no é reconhecido por Bellak, o freudismo nada tem a ver
mo o inconsciente I

o esclarecimento de alguns aspectos importantes do pro¬


Bellak afirma que, em diferentes casos, entendem-se como blema do inconsciente. Em segundo lugar, dessas definições
o inconsciente coisas essencialmente diferentes, graças ao fato
di'iorre que a inaceitabilidade de alguns conteúdos para a cons-
de essa noção se apresentar com aspectos qualitativamente di¬ . и m ia é, realmente, a característica principal dessa forma par-
versos. Propõe ele chamar um desses aspectos de fisiológico e I dar do inconsciente que a teoria psicanalítica declara ser o
Ici
outro de estrutural. O aspecto fisiológico do inconsciente é a objeto principal do seu estudo. Ambas as conclusões coincidem
noção banal da não-apreensibilidade das funções vegetativas bastante com a opinião de Wells citada acima e com a ten¬
do organismo. Segundo Bellak, a teoria psicanalítica nada tem dem ia da psicanálise a esgotar a representação das relações
a ver com esse aspecto, uma vez que a maior parte dessas fun¬ < ail rc a consciência e o inconsciente com as idéias do antago¬
ções não é refletida na consciência nem diretamente, nem na nismo e da repressão.
base de uma simbolização (de acordo com os teóricos da cor¬ Com certeza, pode-se dizer que, se a concepção psicanalí-
rente psicossomática, os processos vegetativos podem apenas eles iii a não pretende desempenhar o papel de uma teoria geral do
próprios cumprir a função de representação simbólica do que inconsciente, conserva ao menos o direito de escolher a aná¬
é reprimido na consciência*) O aspecto estrutural do incons¬ lise que preferir do problema dos processos não-conscientes
ciente é a não-apreensibilidade dos atos automáticos e da e de aprofundá-la como melhor lhe parecer Entretanto, o que
atividade nervosa latente, em que repousa a formação de quais¬ nieressa na discussão com o freudismo é mostrar que a con-
quer conteúdos da consciência, atividade que cria esses conteú¬ I грело psicanalítica revelou-se inconsequente desde
a própria
dos, mas que permanece invisível, cumprindo essa missão. escolha do caminho pelo qual haveria de seguir Essa inconse¬
Inúmeras limitações das possibilidades da psicanálise estão quência logo lhe fechou a possibilidade de elucidar correta-
ligadas, segundo Bellak, ao fato de a técnica psicanalítica não inente, sob todos os aspectos, e não apenas de maneira uni-
I.lierai*, o problema das relações entre a consciência e o in¬
permitir penetrar nesse aspecto estrutural do inconsciente.
Bellak assinala, com certa ironia, que nunca ouviu dizer que consciente, o qual, em todas as condições, permanecia para
um psicanalista tivesse descoberto, por exemplo, a lembrança ela fundamental. Gostaríamos de nos deter um pouco nesse
lato, que apresenta interesse não só para aqueles que estudam
desaparecida do aprendizado de andar na primeira infância. a história da evolução das idéias de Freud.
É por isso que o aspecto estrutural do inconsciente também
não é, segundo ele, objeto da teoria psicanalítica. Na literatura psicanalítica, encontra-se seguidamente a
Qual é, en¬ explicação seguinte para as razões que levaram Freud a criar
tretanto, o objeto? Bellak dá a essa questão uma resposta dife¬
' Iс l»'icr*c / 1p с-глтл /-onrAPc Ятг.ср» mip ТГгрпг! яЬогНпп fis ГУГО-
rente. Existe ainda, diz ele, um terceiro aspecto do inconscien¬
te, o aspecto dinâmico : a não-apreensibilidade do que é macei-

Recordemos que as teorias idealistas apresentam o "desenvolvi¬


mento unilateral, exagerado" de um dos aspectos, de uma das
Valabrega confirmou recentemente sua recusa a renunciar a essa
faculdades do conhecimento "em absoluto, separado da matéria,
concepção do simbolismo (ver § 36)
da natureza. " (50)

236 237
blemas dos sintomas neuróticos, dos sonhos, dos lapsos a partir escolha da idéia de ponte com referências à sua fidelidade ao
I>i incípio do determinismo, etc., pois o papel de ponte é
de posições de um determinismo estrito. Realizando uma anᬠtam¬
lise causal, esforçou-se por criar uma ponte lógica, que supri¬ bém cumprido por formas do inconsciente que a psicanálise
misse a aparência de uma ruptura causal entre o afeto e o |iilgou possível poder ignorar totalmente.
sintoma clínico, entre as experiências vividas durante o sono
e o estado de vigília, entre as intenções e os erros cometidos
durante a atividade. Semelhante ponte foi constituída por sua
§ 92 A atitude como expressão da ligação entre os aspec¬
teoria do inconsciente, que descartava essa aparência de rup¬
tos informativo e algorítmico da ação
tura e permitia entender todos os acontecimentos da vida psí¬
quica como indissoluvelmente ligados entre si por laços causais.
Pode-se esperar que, na atual etapa da discussão sobre
Nessa formulação (pouco importa se realmente precedeu <>s princípios da inter-relação entre a consciência e o incons-
a criação da psicanálise ou foi elaborada post factum pelos Iicnte, que travamos com a corrente psicanalítica, nossos opo¬
defensores dessa teoria) existe um elemento de indiscutível nentes objetem aproximadamente o seguinte, bem, dirão eles,
importância a representação de formas não-conscientes da ati¬ admitamos que o problema da ponte não se esgote de maneira
vidade cerebral como fator ligado por um laço causal aos pro¬ exaustiva com a compreensão dinâmica do inconsciente, admi-
cessos cerebrais que estão na base da atividade da consciência tamos realmente que o inconsciente, no sentido que lhe atribui o
e favorecem esses processos através de meios não-percebidos. lieudismo, não passe de um dos inúmeros fatores que asseguram
Com efeito, como revela a análise da estrutura dos mais diver¬ ile maneira mediata a ligação entre o afeto e o sintoma, a inten¬
sos aspectos do comportamento, se não existissem formas da ção e o comportamento, mas trata-se de um fator em relação di-
atividade nervosa superior que precedem e preparam incons¬ icta com o conteúdo psicológico do vivido, enquanto o incons¬
cientemente a atividade da consciência, em muitos casos, essa ciente, em sua acepção estrutural, é apenas um conjunto de au¬
última seria não só incompreensível, como também impossí¬ tomatismos fisiológicos, necessários, possivelmente, para a reali¬
vel, de maneira geral. Entretanto, se é assim, não é evidente zação concreta do comportamento (e que são igualmente ele¬
que o aspecto estrutural do inconsciente, cujo exame a teoria mentos da ponte), mas absolutamente desligados do aspecto
psicanalítica rejeita por princípio, se encontra, igualmente, semântico da situação. O inconsciente no sentido estrutural
numa relação muito imediata com esse mesmo problema da nos dirão eles* é algo que lembra antes o "automatismo psi-
ponte, isto é, com o problema da cadeia causal ininterrupta (ológico" de Janet que o "Id" de Freud, isto é, algo privado
existente entre o afeto ou a intenção, de um lado, e o com¬ da nuança semântica que caracteriza o inconsciente em sua
portamento, de outro? Será que as formas não-conscientes da acepção psicanalítica. E, se é assim, será que, ao introduzir
atividade nervosa superior, ao se inserirem nos mais diversos a noção de "formas não-conscientes da atividade nervosa su¬

aspectos de uma reação consciente como seus componentes le¬ perior", não substituímos o objeto de discussão e até, mais do
gítimos, não impedem o surgimento, em semelhante cadeia, de « 1 1 ic isso, não fazemos parar toda a discussão com o freudismo,
uma vez que passamos ao exame de um aspecto do comporta¬
rupturas, que surgiriam inevitavelmente, se, por uma razão
mento antes fisiológico e neurológico do que psicológico? Com
qualquer, essas formas cessassem de ser? Se estamos de acordo efeito, no que concerne às interpretações fisiológicas e neuro¬
nesse ponto, não é evidente que, ao excluir do problema do lógicas, os partidários da psicanálise podem estar de acordo
inconsciente seu aspecto estrutural, o freudismo entrou em (onosco em muitos pontos, o que em nada os obriga a renun-
contradição com o que, segundo a argumentação dos seus pró¬ (i.ir às suas concepções psicológicas específicas.
prios partidários convictos, o obrigou, em geral a levantar
todo esse problema? Se as objeções fossem formuladas dessa maneira (e, na
literatura, em Musatti, Brisset, Bellak, assumem, às vezes, real-
Consequentemente, ao ter escolhido, na qualidade de úni¬
co aspecto do inconsciente merecedor de atenção, o aspecto di¬
nâmico, o freudismo não tem o direito lógico de justificar sua ÿ
Por exemplo, Cesare L. Musatti (213, 214)

23S 239
mente essa forma) , em resposta destacaríamos uma das idéias pi nu (pio os marcos do aspecto propriamente fisiológico da
centrais de toda a exposição anterior. ividade cerebral no sentido estrito e, consequentemente, as
.1 1
i dações entre o "inconsciente estrutural" (segundo Bellak) e
Na qualidade de funções principais das formas não-cons-
.1 consciência não são absolutamente idênticas às que se suben¬
cientes da atividade nervosa superior, destacamos a ligação
dessa atividade com os processos de manipulação da informa¬ tendem, em geral, quando se fala da ligação entre os "processos
ção, assim como de formação e expressão das atitudes. Com «lit os psíquicos" e os "mecanismos fisiológicos" que constituem
м и substrato. Esse é o primeiro ponto, muito importante, que
semelhante compreensão, a utilização da noção de "formas não-
queríamos destacar na discussão dessa questão complicada. O
conscientes da atividade nervosa superior" leva não à substi¬
segundo, não menos importante, será colocado a seguir
tuição do objeto da discussão, mas, ao contrário, à transferên¬
cia da disputa justamente para aquele domínio semântico, o
domínio das acepções e das significações, que é fundamental
para a psicanálise e no qual o pensamento psicanalítico se con¬ § 93 A "repressão" e a dialética das relações contradi¬
siderou por tanto tempo como a única corrente teórica plenipo¬ tórias entre a consciência e o "inconsciente"
tenciária.
O princípio fundamental das inter-relações entre a cons-
Para a atitude (como dissemos acima detalhadamente, ao iência e o inconsciente consiste, para o freudismo, na repres¬
'<
caracterizar a posição da escola de Uznadze e polemizar com são e superação dessa repressão por meio da simbolização. Gra¬
Miller, Galanter e Pribram, assim como ao precisar a relação ças a essa interpretação, toda a diversidade e a heterogeneida¬
dessa noção com as representações da moderna teoria da regu¬ de das ligações entre as formas apreendidas e não-apreendidas
lação biológica) , o principal é que ela influi na dinâmica neu- da atividade nervosa superior, entre a consciência e o incons¬
rofisiológica e, consequentemente, no comportamento e nas ciente, não são, de fato, levadas em consideração. E, numa aná¬
funções psicológicas, estando determinada pelo conteúdo psi¬ lise mais ampla, é exatamente ao estudo do polimorfismo e do
cológico concreto, pelo sentido da situação objetiva, e que, por caráter contraditório dessas relações que estão ligadas as ten¬
essa razão, está relacionada com as formas mais gerais de re¬ dências mais importantes da elaboração ulterior teórica, expe¬
flexo da realidade. O ponto central dessa noção consiste em rimental e clínica de todo o problema.
que a "imagem" e o "plano", de acordo com a terminologia Com efeito, há muitas razões para pensar que, em deter¬
de Miller, Galanter e Pribram, isto é, o aspecto informativo
minados casos, as formas não-conscientes da atividade nervosa
(conhecimentos acumulados) e o aspecto algorítmico (contro¬ superior intervêm como antagonistas funcionais dos processos
le da ordem de sucessão das operações) , estão fundidos. No •cerebrais que se encontram na base da consciência, isto é, apa¬
fundo, toda a significação da noção atitude, toda a justificação recem como uma atividade que dificulta o trabalho da cons¬
do emprego dessa categoria, todo o entusiasmo oculto da idéia ciência e, por sua vez, é desorganizada por esse trabalho. Podem-
principal de Uznadze consistem na aspiração a encontrar a se verificar exemplos brilhantes desse antagonismo funcional,
expressão mais adequada da idéia dessa unidade indissolúvel nem que seja nas tentativas de reprodução consciente de um
de ambos os aspectos acima mencionados*. Torna-se claro, por¬ hábito motriz que tenha adquirido, graças à repetição fre¬
tanto, que as formas não-conscientes da atividade nervosa su¬ quente, a forma de automatismo. A concentração da atenção
perior, entendidas à luz da teoria da atitude, ultrapassam em em semelhante ação automática muitas vezes a perturba gros¬
seiramente. Às vezes, a causa principal do antagonismo entre
o consciente e o não-consciente pode ser, como o sublinha S.
Talvez por essa razão, ao intervir no xvin Congresso Interna¬ Rubinstein, a tensão afetiva de experiências vividas de outros
cional de Psicologia (Moscou, 1966), o Presidente da Associação fatores diversos, que vêm juntar-se.
Internacional de Psicologia, P Praisse, declarou considerar que Entretanto, não temos razão alguma para considerar seme¬
o problema da atitude é o problema fundamental da psicologia
moderna (citado de acordo com o Editorial de Voprossy Psicholo- lhantes relações antagónicas como a única forma normal de
guii [Problemas de Psicologia], 1967 n.° 2, p. 25) ligação entre a consciência e o inconsciente. A representação

240 241
de relações antagónicas desse tipo como relações dominantes- nb ,i forma de fenómeno psíquico consciente pode, a seguir,
o mio perdido a qualidade do consciente, manifestar-se sob
a
entra em contradição, antes de tudo, com a teoria da evolu¬
li и ma de um processo não-consciente, não-vivido, sob a for¬
ção. As formas não-conscientes da atividade nervosa superior
ni I de uma atitude não-consciente para,
ao fim de algum tem¬
são o resultado de uma evolução que, durante milénios, for
pi I. intervir novamente sob seu primeiro
aspecto psicológico,
estimulada pela seleção natural. Por isso, devem desempe¬
nhar, em princípio, o mesmo papel na adaptação biológica e fl<\#
social que as formas da atividade nervosa superior que con¬
dicionam a consciência.
Com efeito, quase todas as investigações experimentais
acima mencionadas sobre as formas não-conscientes da ativi¬
dade nervosa superior, todos os estudos experimentais das ati¬
.....
qualquer
reconhecimento dessa variabilidade, dessa dialética das
()

и l.n ôes, não tem apenas um sentido psicológico,


sentido filosófico
outra coisa,
profundo,
solapa a
uma
idéia
vez
de um
que,
mas também
mais do que
antagonismo
piincípio entre a consciência e o inconsciente como
de
expressão
tudes não-conscientes, expressam a presença não só de relações da incompatibilidade de duas essências psicológicas hetero¬
antagónicas entre a consciência e o inconsciente, não só sua géneas.
inibição recíproca, que desorganiza a coordenação conjugada
dos processos de adaptação conscientes e não-conscientes e que
se expressa com maior clareza na patologia clínica (em situa¬
ções particulares, como tensões afetivas, fadiga, influências
perturbadoras, situação de stress, etc., assim como em condições
normais) Esses trabalhos revelam de maneira não menos con¬
vincente as relações sinérgicas entre a consciência e o incons¬
ciente, que predominam nas condições comuns e favorecem
uma organização adequada das mais diversas formas de com¬ Л respeito de um tema próximo, V. Kakobadze (71) cita duas
portamento adaptável. passagens características de Freud, afirmando que uma represen¬
tação consciente, num momento dado, pode deixar de sê-lo no
Finalmente, é necessário ter em conta um terceiro ponto, Instante seguinte e, entretanto, tornar-se consciente novamente.
caso se pretenda esboçar o plano geral das relações entre o Como era num período Intermediário, não se sabia, pode-se dizer
que estava oculta, subentendendo-se com isso que era capaz de,
consciente e o inconsciente Temos em vista a variabilidade a qualquer momento, poder voltar a ser consciente. Segundo Freud,
dessas relações, que conduz à instabilidade, à labilidade do não se pode fazer suposição alguma quanto à forma sob a qual
conteúdo concreto das formas conscientes e não-conscientes da a representação poderia existir na vida mental, permanecendo
atividade cerebral. Lembremos que, para a concepção psica¬ latente na consciência. Essas formulações podem servir de pre¬
texto para interpretações falsas, razão pela qual exigem explicações.
nalítica, o inconsciente ("unconscious", segundo Bellak e inú¬ É inteiramente evidente que a primeira formulação tem
para
meros outros) é somente aquilo que, pelo caráter de seu con¬ Freud um sentido restrito e se aplica somente aos conteúdos que
teúdo psicológico, é inadmissível para a consciência. Semelhan¬ não são reprimidos (segundo Freud, o reprimido não pode ser
apreendido pela consciência nas condições habituais, é um dos
te ponto de vista liga de maneira inseparável alguns conteú¬
princípios fundamentais de sua concepção) No que concerne à
dos ao inconsciente, outros à consciência, e a linha demarcató- segunda, revela a que ponto Freud estava longe de entender o
ria entre a consciência e o inconsciente aparece simultaneamen¬ que, a seguir, se tornou claro graças a D. Uznadze. Freud não
te como a linha demarcatória entre duas esferas, que não se expressou realmente suposição alguma a respeito da "forma" es¬
pecífica que assumem as "representações latentes para a cons¬
comunicam, de conteúdos psicológicos concretos. A essa inter¬
ciência" Exatamente por isso, Uznadze tinha o direito de afirmar
pretação psicanalítica estática, rígida, a teoria das formas não- que, para Freud, o inconsciente são "nossos próprios pensamentos
conscientes da atividade nervosa superior contrapõe um esque¬ e sentimentos, mas apenas privados da qualidade do consciente"
ma de caráter diametralmente oposto destaca o caráter flexí¬ Uznadze via justamente todo o valor da noção de atitude no fato
que somente ela permite entender que forma específica assume o
vel, modificável da relação com a consciência de todo conteúdo vivido (representação, sentimento, impulso) após ter cessado
de
concreto do vivido. Aquilo que, num dado momento, aparece ser apreendido e vivido diretamente.

242 243
muito mais complicada que a discussão das mesmas questões
rili sua colocação genérica. A segunda causa talvez a princi-
p.il
ÿ — consiste em que não podemos falar do reflexo do in-
JL

<< insciente no comportamento e fazer abstração do problema


<l.i estrutura psicológica das ações concretas dirigidas para um
CAPÍTULO V objetivo, do problema das leis da organização interna dos atos
do comportamento adaptável. E a exposição anterior mostra
dr maneira suficientemente clara que essas são questões ainda
O papel das formas não-conscientes da attvidade pouco elaboradas.
nervosa superior na regulação da atwidade Essa a razão pela qual começaremos nossa discussão vol-
( a ndo à análise do problema da estrutura funcional da ação e
psicofisiológica do organismo e do prosseguindo com nosso discurso a respeito do papel organi¬
comportamento do homem zador da atitude.
Uma das consequências negativas da análise psicológica
< 1 1 ic ignora o problema do inconsciente consiste em tornar
mqrossível a representação adequada da estrutura psicológica
dos atos cotidianos do homem, pois as diversas fases do desen¬
§ 94 A dependência da consciência em relação à "obje- volvimento desses atos têm relacionamento diferente com a
tivação" (segundo D. Uznadze) e da relação da .uividade da consciência, algumas dentre elas são apreendidas
ação com o motivo (segundo A. Leontiev) com bastante clareza pela consciência, outras de modo bem
pior, e algumas permanecem inteiramente fora dos limites da
Até agora, dedicamos nossa atenção ao problema do in¬ consciência. Essa apreensibilidade diferente das diversas fases
consciente, que abordamos principalmente nos planos histó¬ de uma ação é um fato banal, já conhecido da psicologia do
rico e filosófico ou interpretamos em sua forma geral, a partir século xix e que serviu de base à teoria da automatização das
das posições da psicologia, da neurofisiologia e da neurociber- ações. Entretanto, é interessante que, durante muito tempo,
nética. Expusemos os argumentos em favor da realidade das não se tenha dedicado a atenção merecida a uma conseqiiên-
formas não-conscientes do psiquismo e da atividade nervosa ( ia importante decorrente logicamente desse fato, e essa cir¬
superior, assim como da legitimidade das noções que refle- cunstância foi uma das causas principais que complicaram,
tem essa atividade original. Tentamos também caracterizar durante decénios, a elucidação adequada das funções do incons¬
em seus traços mais gerais as principais funções do inconsciente ciente Eis o que temos em vista.
e o laço que liga esse último à atividade da consciência.
Resta-nos agora abordar questões que são, talvez, mais comple¬ Qualquer ação humana dirigida para um objetivo e que
se desenvolve normalmente representa a sucessão no tempo de
xas. determinar, na medida em que isso for possível hoje, os
atos motores dos mais elementares, cuja associação constitui
meios de expressão do inconsciente no
comportamento coti- essa ação. A ordem e até mesmo a composição do conjunto de
diano do homem, assim como as formas em que se manifesta
semelhantes atos podem ser muito diferentes no caso em que
a dependência de diferentes fenómenos psicológicos e processos
se repete, em condições diferentes, uma ação, mesmo que seja
fisiológicos em relação a esse fator rigorosamente idêntica (por seu efeito final) Nisso se mani¬
A dificuldade dessa tarefa está condicionada por duas festam a plasticidade da motricidade e sua subordinação à
causas. A primeira consiste em que, em quase todos os estudos tarefa que a organiza, no sentido concedido a esse termo por
anteriores do problema do inconsciente (com exceção, talvez, N Bernstein. Entretanto, é necessário levar em conta que, em
dos efetuados pela corrente psicanalítica) , a questão das ma¬ quaisquer condições, o conjunto de atos elementares que cons¬
nifestações concretas do inconsciente no comportamento era tituem a ação representa uma estrutura funcional interiormen¬
posta em segundo plano, certamente porque sua análise era te organizada, na qual cada um dos elos decorre do precedente

244 245
e, por sua vez, predetermina o caráter do seguinte. Nesse sen¬ A literatura psicológica chamou a atenção diversas vezes
de
tido, uma ação dirigida para um objetivo representa um con¬ para essa contradição (chamemo-la convencionalmente
tinuum. de estados, no qual não pode existir qualquer falta de 1 ontradição entre a continuidade da regulação real da ação e
regulação, qualquer fase não-regulada de desenvolvimento do o caráter discreto de sua regulação consciente). Lembraremos
processo, pois toda falta desse tipo, toda "pausa na regulação", duas de suas descrições mais interessantes e que se complemen-
deve provocar inevitavelmente, mesmo num sistema biológico lum mutuamente, sendo que uma é dada por D
Uznadze e a
determinado de modo probabilista, um aumento brusco da outra, por A. Leontiev
entropia (a baixa de seu nível de organização até a degrada¬
ção total)
Entretanto, a tomada de consciência da ação não se ex¬
pressa igualmente nas diferentes etapas de sua formação. Disso
decorre uma contradição fundamental para a teoria do incons¬
maneira muito abstrata e isso o torna pouco compreensivel. A
ciente. a contradição entre a necessidade de uma regulação redação da copilação, por isso, dá a seguinte interpretação do
continua (não-discreta ao limite) do desenrolar da ação e a des¬ pensamento de Beer- para comandar um sistema, é necessário a
entre
continuidade marcante (o caráter discreto) do controle cons¬ cada instante realizar a escolha de um estado determinado
a diversi¬
todos os estados possíveis. Para isso, é necessário que
ciente dessa regulação. Essa contradição aparece como um pa¬ dade dos sinais de comando não seja inferior à diversidade
dos
radoxo difícil de ser resolvido, se as funções de regulação e do sistema Caso contrário, a indeterminação
estados possíveis
escapará ao coman¬
controle são consideradas como prerrogativa somente da cons¬ do estado do sistema aumentará e o sistema
Além disso, é necessário que o sinal de comando não seja
ciência. Mas é facilmente removida, caso se introduza a repre¬ do.
determinado na base da in¬
escolhido casualmente, mas que seja
sentação do papel regulador da atitude, que se manifesta du¬ formação a respeito do estado do sistema (224) .
rante os intervalos de tempo caracterizados pela
comutação da No caso apresentado, a exigência principal em relação ao sis¬
consciência para outras formas de atividade ou outros objetos*. tema de comando consiste (de acordo com o teorema conhecido
de Shannon sobre a "via de correção") em que a quantidade
de
Informação transferida pelos sinais de comando não seja inferior
ao acréscimo de entropia do sistema.

Questões da mesma ordem (relacionadas às particularidades do Disso decorre, levando-se em conta o parâmetro do tempo,
comando de sistemas muito complexos) são também que a frequência dos sinais "corretores" deve ser tal que os parâ¬
na teoria geral da regulação.
examinadas metros comandados "não tenham tempo" de sair dos limites ad¬
missíveis. No caso de sistemas "muito complexos", com grande
A atenção principal está dirigida, no caso, para as exigências número de estados e um crescimento rápido da entropia
(os sis¬
(as limitações) que são apresentadas ao dispositivo de comando, temas biológicos são exatamente assim), a frequência dos sinais
se o objeto a ser dirigido é um sistema "muito complexo" (isto de comando deve tender para o infinito, isto é, no limite o co¬
é, um sistema suscetível de entrar, em intervalos muito mando deve ser contínuo.
curtos de
tempo, num grande número de estados) Em Principles
organisation, Beer assinala, a respeito dessa questão, que
of Self- A análise das questões relativas à regulação do estado de
tomou sistemas biológicos elaborada por I. Guelfand e seus colaborado¬
emprestado (a Ashby) a idéia fundamental de que um
sistema res, tendo como base a tática dita da pesquisa não-local, em
real produz rapidamente a diversidade. Para realizar o
essa diversidade deve ser "absorvida" por uma
comando, muito se aproxima dessa interpretação. Como é destacado por
diversidade igual K. Guelfand, a função de saída, nos sistemas auto-reguladores,
ou superior ("necessária") Isso pode ser realizado pela geração
de uma diversidade correspondente. Essa geração deve em geral não é dada analiticamente. Essa a razão por que a es¬
da pela "autodeterminação" do sistema, de maneira que
ser obti¬ colha dos valores necessários dos parâmetros de trabalho deve
rápi¬
partes se encontrem em equilíbrio
suas efetuar-se experimentalmente e de maneira suficientemente
homeostático e todo o sistema da para que os valores que satisfazem a função ótima
sejam obti¬
seja ultra-estável (224) função não
dos em intervalos de tempo durante os quais essa
Beer toca aqui um tema geral de excepcional importância tenha tempo de variar sensivelmente (31, ver igualmente 30,
para a teoria da regulação biológica. Entretanto, expressa-se de 32, 33)

246 247
D Uznadze examina o problema
dessa contradição ao. (ÿundo Uznadze, um plano de comportamento qualitativamen¬
fundamentar a teoria da "objetivação"* Como o revela
cho citado, extraído de sua obra o tre¬ te especial, que esse define como um plano de "objetivação"
fundamental, As Bases Expe¬ das impressões vividas.
rimentais da Psicologia da Atitude, o autor
põe a
influência reguladora que exerce a atitude sobre a tónica na Vemos, assim, como surge pela primeira vez a idéia de
gida para um objetivo. No que diz ação diri¬ que a atitude cumpre o papel de fator de regulação dos atos
respeito ao nível de tomada
de consciência dos elementos de ação, do comportamento, cuja percepção é acompanhada de deter¬
cuja dinâmica é deter¬ minada redução do nível de clareza de sua tomada de cons-
minada pela atitude, a posição de
Uznadze é muito singular. « iência (os atos na dinâmica dos quais a "atenção não parti-
De um lado, destaca que "não
temos razão verdadeira para>
falar de uma participação da atenção I ipa") Essa idéia aparece aqui como um esquema um pouco
nesses atos", de outro,.
reconhece que esses atos são vividos com um simplificado e esboçado em seus traços principais. De acordo
suficiente para que o "sujeito esteja em estadonível de clareza' • om esse esquema, é necessário distinguir apenas dois níveis
de orientar-se- de clareza da tomada de consciência das experiências vividas
nas condições da situação de seu
comportamento" Quanto à
regulação da conduta, que vem acompanhada o nível que caracteriza o comportamento "impulsivo" deter¬
de uma nítida minado pelas atitudes, e o nível que caracteriza o comporta¬
concentração da atenção no processo dirigido,
representa, se- mento acompanhado de uma atenção concentrada e, dessa ma¬
neira, de uma "objetivação"*.
* Eis como D. Uznadze expressa a importante idéia da Entretanto, pode-se duvidar de que, por detrás desse es¬
reguladora das atitudes não-conscientes . "Ao função.
manhã, o homem deve estar em condições levantar-se pela quema constituído de dois membros, que destaca as tendências
de
ou calçado [ 1 isso é [ ] necessário, poisdistinguir sua roupa principais, esteja oculto, na realidade, um sistema muito mais
é indiscutível que
toda atividade útil representa o fato de
uma escolha
(Oinplicado de diferenciações, englobando toda a gama de ní¬
que influem no sujeito, a de agentes
concentração da energia psíquica cor¬ veis de clareza da tomada de consciência, desde os observados
respondente neles como o fato
de seu ii:i atenção concentrada ao extremo até os que acompanham os
mo [. ] Apesar de termos contato aquireflexo claro no psiquis¬
dos agentes que influem no sujeito com os fatos da escolha automatismos típicos, a respeito dos quais é freqíientemente
energia psíquica neles, assim
e com a concentração da
como com o fato de seu reflexo bastante difícil de dizer se estão ligados aos fenómenos psíqui-
claro no psiquismo, não temos,
de participação da atenção nesses
entretanto, bases reais para falar « os não-conscientes ou se, antes, devem ser considerados como
atos [ ]. Surge uma questão: uma atividade nervosa particular, muito complexa, que, de¬
como, nesses casos, são determinados
por essa faculdade específica que esses processos, se não é
se admite denominar de aten¬ vido à extrema redução de seu reflexo nas impressões vividas
ção [ . ] Essa questão
mostra-se inteiramente insolúvel para a do sujeito, não pode ser interpretada como fenómeno real¬
psicologia comum, que rejeita globalmente
presença em nós de processos ainda o reconhecimento da mente psíquico (embora não-consciente)
desconhecidos da ciência tra¬
dicional. A luz de nossa teoria da atitude,
vida sem grande dificuldade. O que essa questão é resol¬
não pode
concebida como força formal, torna-se função fazer a atenção,
dessa maneira, uma noção não apenas da atitude, que é, * As noções de "atenção" e de "objetivação" foram, durante algum
mente significativa [
formal, mas também pura¬ tempo, identificadas por D Uznadze "É necessário caracterizar
] Nas condições do comportamento
pulsivo [isto é, de um im¬ a atenção como o processo de objetivação, processo no qual, do
comportamento regulado unicamente círculo de nossas primeiras percepções, isto é, das percepções sur¬
situação criada pela
F. В.] no sujeito que age podem surgir
teúdos psíquicos suficientemente claros, apesar con¬ gidas na base de nossas atitudes estimuladas pelas condições de
falar, no caso dado, da presença nele de não se poder situações atuais de nosso comportamento, separam-se algumas
da atenção. Vemos que isso
pode produzir-se na base
da atitude que determina a atividade delas, que sendo identificadas tornam-se objeto de nossos esfor¬
do sujeito em geral e, em particular, a ços cognoscitivos e, consequentemente, o mais claro dos conteúdos
mo. Na base da atitude atual em atividade de seu psiquis¬ atuais de nossa consciência" (96) Entretanto, em obra mais re¬
cada caso dado, crescem na., cente (manuscrito intitulado Teses Fundamentais da Teoria da
consciência do sujeito conteúdos psíquicos vividos por ele com um
grau de clareza e nitidez Atitude ) , como é sublinhado pela redação de Pesquisas Experi¬
suficiente para que esteja em estado. mentais na Psicologia da Atitude (Ed. da Academia de Ciências
de orientar-se nas condições da
to" (87)
situação de seu comportamen¬ da RSS da Geórgia, Tbilissi, 1958), D. Uznadze abandonou a idéia
da identidade da "atenção" com a "objetivação" (96)
248
249
A. Leontiev chama particularmente a atenção para esse pro¬ das ações, cujo comando consciente se encontra suspenso por
blema da pluralidade dos níveis de tomada de consciência e uma ou outra razão, enquanto essa questão é central para
da variabilidade dos conteúdos caracterizados por um nível de IIznadze.
apreensão definido. Foi ele quem indicou a ligação existente
entre o elemento da ação e o objetivo dessa última, e o nível Foi apenas realizando a combinação dos quadros apresen-
de apreensibilidade desse elemento. Além disso, assinala que, lados por D. Uznadze e A. Leontiev que obtivemos uma re¬
quando um sujeito faz o aprendizado de uma ação complicada presentação adequada da complexidade das gradações da to¬
qualquer, os diferentes elos dessa ação se formam, de início, mada de consciência dos diferentes elementos da ação e, ao
como uma espécie de "microações" autónomas, isto é, subme¬ mesmo tempo, dos fatores que assumem o comando da ação,
tidas à regulação da consciência. Entretanto, posteriormente, quando a regulação consciente dessa última se encontra afas¬
elas se integram na estrutura da "macroação" apenas como tada*
"operações" constitutivas, que cessam de ser "apresentadas"
diretamente à consciência. Nessa etapa, produz-se uma mudan¬ • A interpretação acima exposta dos fatores que condicionam a to¬
ça em seu nível de apreensão, e sua regulação, que não tolera mada de consciência da atividade mental tem raízes nas discussões
de um período anterior e nos obriga a recordar, em particular a
qualquer "pausa", passa então à instância em que os coman¬ crítica dirigida a E. Claparède por L. Vygotski.
dos não são mais apreendidos pela consciência. "Entretanto"
como o destaca A. Leontiev "isso não significa que esses ces¬
— É a Claparède que pertence a formulação da "lei da tomada
de consciência" tomamos consciência de nossas idéias na medi¬
da de nossa incapacidade de nos adaptar Lembrando isso,
Vy¬
sem inteiramente de ser conscientes. Apenas ocupam outro
gotski destaca que a tese de Claparède expressa apenas o lado
lugar na consciência em certas condições [ ] podem tornar-se funcional do problema, indicando quando surge ou não surge a
conscientes. Assim, na consciência do bom atirador, a ope¬ necessidade de uma tomada de consciência. Entretanto, o lado
ração de alinhamento da mira, assim como sua própria colo¬ estrutural da questão permanece em aberto quais os meios, os
fenómenos e as operações psicológicas graças aos quais a cons¬
cação em relação ao corte da mira, pode não ser apresentada. ciência se revela possível? E adiante Vygotski expõe sua própria
Entretanto, é suficiente um desvio qualquer da realização nor¬ concepção, atualmente já bem-conhecida, segundo a qual a pre¬
mal dessa operação para que essa última, assim como suas con¬ missa necessária para a tomada de consciência é o desenvolvi¬
mento de noções verdadeiras.
dições concretas, apareça nitidamente na consciência" (52) . Consequentemente, temos também aqui duas abordagens di¬
Assim, a particularidade de uma consciência desenvolvida ferentes do problema que se complementam mutuamente. A to¬
pela
mada de consciência das manifestações psíquicas é provocada
é que essa dispõe não só de conteúdos que lhe são atualmente dificuldade da execução da tarefa (Claparède) , mas para seu sur¬
"apresentados", mas ainda de conteúdos que são apenas po¬ gimento é necessário que exista um pensamento capaz de ser
o
tencialmente apreensíveis em condições determinadas. Desen¬ objeto de uma tomada de consciência, um pensamento "separa¬
(de acordo com Vy¬
do" do objeto, isto é, uma noção verdadeira
volvendo mais a idéia da diferente apreensibilidade dos diver¬ gotski) Vygotski esforça-se por explicar essa importante tese.
sos elementos da estrutura de um ato comportamental, A. "O não-consciente [ ] significa não um nível de consciência,
]
Leontiev destaca as relações variáveis existentes nesse plano mas outra direção da atividade da consciência. Faço um nó [
entre os conteúdos ligados de maneira diferente aos objetivos conscientemente. Entretanto, não saberia dizer como o faço. Minha
ação feita conscientemente revela-se não-apreendida pela cons¬
e aos motivos da ação, etc. ciência [ ] O objeto da minha consciência é o fato de fazer
o nó, o nó [ ] mas [ ] não a maneira como o faço. Mas o
Comparando as posições de D. Uznadze e A. Leontiev na objeto de minha consciência pode ser exatamente isso, então isso
análise dos problemas da consciência, observa-se facilmente será uma tomada de consciência" (26)
que, em importantes aspectos, elas se complementam de ma¬ Disso decorre, em primeiro lugar, que a posição de Vygotski
neira original. Se Uznadze esclarece, de maneira um tanto es¬ não exclui a de Claparède, apenas a completa, e, em segundo
lugar, que na posição de Vygotski não encontramos explicação
quemática e geral, a questão das diferenças no nível da to¬ para a variabilidade da tomada de consciência no adulto, cujo
mada de consciência das diversas formas e componentes da pensamento por noções verdadeiras já está inteiramente formado.
ação, Leontiev trata esse problema de modo muito mais con¬ Não obstante o interesse profundo revelado por Vygotski, duran¬
creto e reflete sua real complexidade. Entretanto, esse último te muitos anos, pelo problema da consciência, preferiu ele, apa¬
não levanta a questão das leis e do mecanismo da regulação rentemente, não abordar, não se sabe por que razão, esse aspecto
do problema.

250 251
§ 95 As questões do "estilo psicanalítico" decorrentes Duas observações se impõem para ter-se uma visão de con¬
do fato da regulação não-consciente das reações so- junto de todo o esquema exposto de relações funcionais entre
mato-vegetativas e do comportamento a regulação consciente e não-consciente do comportamento.
Em primeiro lugar, esse esquema não é absolutamente novo.
As idéias expostas permitem entender como se resolve a Se for comparado com as idéias da relação entre formas cons¬
contradição entre a necessidade de uma regulação contínua cientes e não-conscientes da regulação da atividade psíquica e
da ação e o caráter grosseiramente descontínuo da atividade do comportamento existentes no período pré-psicanalítico e no
reguladora da consciência. Em virtude de razões que não com¬ início do século xx, no período de elaboração da teoria dos
preendemos muito bem, mas que aparentemente são muito pro¬ automatismos psíquicos, da teoria da formação dos hábitos
fundas, a consciência é inteiramente incapaz de cumprir a adquiridos, etc., é pouco provável que se possa notar qualquer
função de regulação contínua de um processo que varia pouco progresso na interpretação dos papéis atribuídos à consciência
durante intervalos de tempo um tanto prolongados. É um fato e ao inconsciente como reguladores do comportamento. Entre¬
tanto, um progresso se revela se passarmos da análise do papel
psicológico comum que, se a atenção permanece por muito
desses fatores ao exame de sua natureza, expressa-se na recusa
tempo fixada numa mesma coisa, isto é, num conteúdo que
varia de modo uniforme, isso conduz automaticamente a uma da representação do automatismo como sistema de conexões
baixa do nível de vigília, isto é, a um fortalecimento da ati¬ rígidas, na compreensão de que a categoria da consciência não
vidade de inibição até o aparecimento do sono. E, ao contrᬠó redutível à categoria da vigília, na interpretação da ligação
rio, como bem o sabem os bons pedagogos e os oradores expe-> que une a atividade nervosa superior não-consciente aos pro¬
rientes, o melhor meio de manter a atenção do auditório no cessos de elaboração da informação, à dinâmica das atitudes,
etc.
nível desejado é mudar com bastante frequência os conteú¬
dos para os quais a atenção está dirigida. Recorrendo a uma A segunda observação consiste no seguinte: o esquema
imagem, a tomada de consciência pode ser comparada ao acen¬ exposto mais acima permite entender bem o que foi, durante
der pelo motorista dos faróis de um carro, destinados a muitos decénios, o motivo principal das controvérsias agudas
iluminar bem os trechos pouco conhecidos e críticos do cami¬ em torno das funções do inconsciente. Reconhecendo-se que
nho, mas que pode ser substituído com sucesso pela luz dos existem formas de atividade cerebral que, permanecendo não-
faroletes, mais económicos, se o caminho é conhecido e não conscientes e não-vividas, exercem, contudo, uma ação regulado¬
tem obstáculos. Em outras palavras, a consciência seria muito ra sobre o comportamento (segundo nossa visão, tais formas são,
mais um mecanismo de elaboração de hipóteses nos momentos evidentemente, as atitudes em processo de formação ou pre¬
críticos, quando a informação é insuficiente, um mecanismo viamente formadas) , com o que, ao que parece, todos estão
que permitiria a simulação da realidade na base de sua apre¬ de acordo, naturalmente se coloca uma multiplicidade de ques¬
sentação e que asseguraria, assim, o surgimento de formas de tões relativas aos métodos de manifestação, às leis e à gama
adaptação específicas do cérebro humano, do que um fator da dinâmica desses determinantes singulares do comporta¬
de regulação de leações de adaptação, cuja variabilidade tem mento- sua influência fica limitada à regulação do comporta¬
um caráter forçosamente ininterrupto. mento no sentido estrito ou pode manifestar-se num círculo
Essa interpretação das funções reguladoras da consciência mais amplo de processos e de estados, na atividade dos sonhos,
pressupõe logicamente a existência de um mecanismo da re¬ por exemplo? Quais as particularidades da manifestação desses
gulação não-consciente, de um tipo de luz dos faroletes que fatores reguladores não-conscientes esgotam-se com uma mo¬
assegura o comando do comportamento nas condições quando, dificação adaptável ordinária do comportamento ou são refle-
por uma razão qualquer, a consciência é transferida para tidos em formas específicas quaisquer por exemplo, atribuin¬
outros conteúdos psicológicos, diminuída, limitada ou total¬ do um sentido simbólico a certos conteúdos da consciência em
mente eliminada. E o que dissemos nas páginas anteriores vigília ou onírica do sujeito, ou mesmo a reações somáticas
revela com clareza suficiente como é importante o papel de¬ determinadas? Qual o destino da atitude não-consciente como
sempenhado em semelhante regulação pelo fator atitude tendência à execução de uma atividade de um tipo determi-
252 253
nado, se outras atitudes conscientes ou não-conscientes se c, ao contrário, mostrar concretamente em que consiste o erro
opõem a ela, se esforçam por inibi-la ou até destruí-la por da sua solução elaborada e defendida com ardor há mais de
completo? Em que formas e dentro de que limites se manifes¬ meio século pelos partidários da corrente psicanalítica.
tam as influências exercidas pelas atitudes não-conscientes não Se nos limitamos somente ao reconhecimento do fato da
sobre o comportamento em seu conjunto, mas sobre os com¬ existência do inconsciente, abstendo-nos porém de discutir de
ponentes desse, sobre a atividade que se desenvolve no nível que maneira os fenómenos psíquicos não-conscientes e as for¬
das reações fisiológicas e bioquímicas, e qual é, em conexão
mas não-conscientes da atividade nervosa superior se mani¬
com isso, o papel das atitudes não-conscientes na clínica, nos
festam nos diferentes aspectos da atividade e em diferentes
processos de patogênese e da sanogênese, isto é, no desenvol¬ estados do organismo, semelhante inconsequência poderia real¬
vimento da enfermidade e na luta contra ela? Que significa¬
mente levar, a seguir, a um desvio lógico involuntário, às in¬
ção tem a existência de atitudes não-conscientes para a forma¬
ção da personalidade, para a educação do caráter, para a cria¬ terpretações psicanalíticas. Ora, ao levantar as questões acima
ção de premissas que permitam subordinar o comportamento enumeradas, não só evitamos esse desvio como também, ao
a algumas concepções éticas, a critérios morais e às normas da contrário, criamos as premissas necessárias para contrapor nos¬
moral? Esses fatores reguladores latentes manifestam-se apenas sa ótica à teoria do freudismo. Nesse caso, mais talvez do que
num comportamento de adaptação racional ou igualmente nos em qualquer outro, a consequência na colocação das questões
distúrbios de adaptação, nos diversos lapsos que surgem exter¬ é necessária para a precisão das respostas.
namente como acontecimentos fortuitos, mas que, na realida¬
de, têm uma motivação psicológica latente? E assim por diante.
Não é difícil prever que a simples enumeração dessas § 96. A plasticidade da ação na fase da sua execução
questões pode suscitar desconfiança: vê-se facilmente que elas "automática"
se referem, em boa parte, a um domínio que, durante muitos
anos, foi quase monopólio da corrente psicanalítica. Essa a A questão das manifestações concretas dos fenómenos psí¬
razão por que se pergunta se não seria fazer uma concessão ao quicos não-conscientes e das formas não-conscientes da ativi¬
freudismo, um compromisso com seus princípios e seu méto¬ dade nervosa superior é tão complexa quanto são diversas as
do, chamar a atenção para todos esses temas. É necessário dar manifestações da atividade somato-vegetativa e o comporta¬
uma resposta exata a tais dúvidas. mento do homem. Examinaremos apenas alguns aspectos desse

Certamente, as questões acima enumeradas não aparecem,


problema, que tiveram o mais rápido desenvolvimento e que
são, talvez por isso, os menos esclarecidos, os que provocam
em absoluto, porque nos apressamos a seguir a corrente psi¬
até hoje violentas discussões: a evolução das idéias a respeito
canalítica na colocação do problema. As causas têm aqui um
dos processos de automatização dos atos do comportamento; a
caráter totalmente diferente e muito mais profundo. Podíamos
questão de saber se os lapsos são casuais, as manifestações dos
abstrair-nos dos problemas desse tipo enquanto o tema da fenómenos psíquicos não-conscientes nas condições de um es¬
regulação das formas complexas do comportamento pelas for¬ tado modificado (onírico) da consciência, e, em ligação com
mas não-conscientes da atividade cerebral não havia surgido
isso, devemos dedicar especial atenção ao problema da simbo-
diante de nós com toda a sua agudez. Mas, a partir do mo¬
lização, finalmente, o papel desempenhado pela atividade ner¬
mento em que reconhecemos a presença de fatores não-cons¬
vosa superior não-consciente na profilaxia, na evolução e na
cientes, que são determinados pelo aspecto significativo de si¬
regressão da enfermidade.
tuações objetivas e que, por sua vez, exercem uma ação regu¬
ladora sobre a semântica do comportamento, somos forçados, A idéia da atitude não-consciente interpretada não só
por isso, a reconhecer a legitimidade de inúmeros outros pro¬ como uma disponibilidade a cumprir uma atividade dirigida
blemas. Além disso, somos obrigados a não descartar, a não para um objetivo, mas ainda como fator que regula o desdo¬
silenciar tais problemas, a não fechar os olhos ante a impor¬ bramento dessa ação em correspondência com uma tarefa de¬
tância enorme da personalidade e do cérebro para a ciência, terminada e com a significação da situação ambiente, modifi-

254 255
cou profundamente nossa compreensão da estrutura funcional pe 11a bola de ténis, o ato de atirar, o choque imprimido à bola
da ação de adaptação. de bilhar, o ato de se barbear, isto é, nas ações que se baseiam
O velho esquema segundo o qual uma ação voluntária di¬ numa multiplicidade de componentes motores automatizados
rigida para um objetivo é função de inúmeros atos conscien¬ não-conscientes, variações do movimento necessárias e impre¬
tes repetidos muitas vezes por um esforço voluntário começou visíveis com antecedência asseguram a precisão do efeito mo-
a ser revisto em sua essência ainda na segunda metade do 'I or, definida por micra e por frações de segundo angular*.
século XXX. No final do século, foi definitivamente rejeitado
Ficou assim firmemente estabelecido que o cumprimento
e substituído, durante muito tempo, por uma idéia mais com¬
.mtomático de uma função de efeito não está de modo algum
plicada, de acordo com a qual os principais componentes fun¬
cionais da ação são, em primeiro lugar, os efeitos das decisões ligado à perda, por essa função, da característica de plastici¬
conscientes e, em segundo lugar, os automatismos ou os hábitos dade. Mas foi, então, necessário reconhecer que a essência da
adquiridos não-conscientes, em que cada ação se torna habi¬ uitomatização não consiste em absoluto na utilização de co¬
tual devido a sua reprodução frequente e monótona. nexões rígidas previamente consolidadas. A atividade automá-
A evolução ulterior da teoria da organização da ação, que lica esboçou-se (14) antes como uma atividade que se desen¬
se acelerou consideravelmente há 30 anos, revelou também, volve nos marcos de um sistema de regras determinado, previa¬
entretanto, a inexatidão e o caráter profundamente simplista mente constituído (nos marcos de uma matriz de comando
desse esquema de dois membros. De acordo com esse esque¬ determinada) . A realização de uma ação automática não se
ma, as etapas sucessivas de formação da ação foram esboçadas ;ipóia, pois, em quaisquer conexões, prévia e exatamente pre¬
aproximadamente da seguinte maneira: admitia-se que na pri¬ visíveis, entre os elementos ou as fases dessa ação. Antes apa¬
meira etapa as conexões necessárias são estabelecidas (selecio- rece como um processo construído segundo o tipo da cadeia
nadas e consolidadas) . Na segunda etapa, a da automatização, de Markov (isto é, como uma sucessão de acontecimentos em
essas conexões asseguram o caráter estereotipado e maquinal que cada elo se caracteriza apenas por certa probabilidade de
das reações. Em outras palavras, se na primeira etapa o cum¬ ocorrência, dependendo do número final de elos precedentes
primento da ação se produz ainda na ausência de conexões rí¬
da mesma cadeia) É fácil entender como é profunda essa
gidas entre seus elementos e, por essa razão, se distingue pela transformação na compreensão da própria essência do pro-
plasticidade, a passagem à etapa da ação automática caracte-
riza-se pela consolidação das conexões rígidas e, consequente¬
* Quando de uma queda, o homem realiza quase que instantanea¬
mente, pela perda da plasticidade da função. mente toda uma série de movimentos de defesa formados incons¬
Essa idéia, que se impõe à primeira vista, revelou-se, en¬ cientemente. Esses movimentos revelam-se diferentes quando as
direções da queda variam e parecem levar em conta a situação
tretanto, inteiramente superada, desde que se empreendeu em que a queda se produz. Mostrou-se que se, ao cair uma pes¬
uma análise mais elaborada da estrutura biomecânica (N soa tem em suas mãos algo precioso ou frágil, todo o sistema
Bernstein) e eletromiográfica dos movimentos automatizados. de movimentos de defesa efetuados automaticamente encontra-se
Foi mostrado que processos como a marcha, os movimentos profundamente modificado. Nesses atos realizados não-consciente-
mente, pode manifestar-se nitidamente o desejo do sujeito que cai
profissionais e esportivos consolidados pela prática, a neuro- de proteger não só sua pessoa, mas também seu fardo. Sabe-se que
dinâmica da manutenção da postura, etc., são caracterizados um desportista pode também cumprir a ação exigida — por exem¬
não pela rigidez ou a estereotipia, mas, ao contrário, por uma plo, chutar a bola, manter o equilíbrio, pular — , mesmo que se
encontre numa posição incómoda e não-habitual, o que evidente¬
plasticidade surpreendente, que só é possível na ausência de mente, seria de todo impossível se os movimentos executados auto¬
conexões unívocas entre o movimento e o conjunto das exci¬ maticamente estivessem de fato ossificados, rígidos. Tudo isso mos¬
tações nervosas que realizam esse movimento. Foi também tra nitidamente que as ações automatizadas, assim como as ações
estabelecido que a variabilidade de adaptação dos atos moto¬ conscientes, podem remanejar-se de maneira complexa e racional
res inteiramente automatizados pode assumir a forma de uma em função da situação, manifestando amplamente o que se chama
de plasticidade funcional ou adaptabilidade. E a rapidez e a pre-
regulação extraordinariamente elaborada. É suficiente lem¬ .
cisão desses remanejamentos superam quase sempre a rapidez e
brar que, por exemplo, nos movimentos balísticos, como o gol- a precisão dos remanejamentos efetuados de modo consciente.

256 257
cesso de automatização, que o priva da ossificação e da meca- M li,lixada, mas que não perdem, absolutamente, seu caráter
nicidade que lhe foram antes atribuídas. ÿ
ih niado especificamente e sua atividade, às vezes, altamente
Mas, se é assim, torna-se evidente que o cumprimento da
m l'.inizada.
função em sua fase automática não-consciente é um processo Se a interligação de atos elementares do comportamento,
que continua a ser regulado, isto é, que continua a ser uma ÿ constituída a atividade, tivesse somente
In'. < J nais está, assim,
atividade em que tem lugar uma seleção das formas ótimas de
realização da ação, ligadas especificamente às condições do de¬
senvolvimento e à tarefa dessa última.
.....
uni caráter sucessivo (isto é, se esses atos representassem um
Ыеша temporário, em que cada componente consecutivo só
n i asse a se formar após o término do precedente) ou, em

...
nul tas palavras, se não existisse uma hierarquia simultânea
Não nos deteremos, por enquanto, na questão de saber iiuiiplexa das ações (em que um ato comportamental entra
como se deve representar o processo concreto de elaboração • « mio elemento constituinte na estrutura funcional de outro
das matrizes de comando pelo cérebro. O estudo desse proble¬ но que se desenvolve simultaneamente), o comportamento,
ma, exposto nos trabalhos de N Bernstein, I. Guelfand e Im seu conjunto, representaria provavelmente um quadro mui-

outros (90, 32, 33) , nos afastaria do tema principal. No caso, riginal e fácil de descrever de alternância consecutiva de
o que interessa é que essa corrente do pensamento destacou lui mas de atividade mais ou menos conscientes. Uma vez que,
и,I realidade, o que se produz é uma variante da hierarquia
mais uma vez o caráter ativo da regulação não-consciente do
simultânea*, toda a regularidade da dependência da tomada
comportamento e a subordinação dessa última (como da re¬
gulação consciente) à semântica, ao significado das tarefas e • li consciência em relação ao fator distúrbios se complica con-
ulri avelmente. E essa complexidade aumenta ainda mais em
das situações.
i.i/.io de um fenómeno característico descrito por A. Leontiev,

E agora acompanharemos outra linha de aprofundamento o Iruômeno do "deslocamento do motivo para o objetivo" (a
das idéias da automatização de ações, ligada mais estreitamente I h i da pelo ato comportamental elementar de sua autonomia
ainda à concepção das atitudes não-conscientes. quando de sua integração no sistema de uma atividade mais
I omplexa)
Entretanto, não obstante todo o dinamismo e o entrela¬
§ 97 O "inconsciente" e a hierarquia simultânea das çamento difícil de ser acompanhado de tais relações, conse¬
ações gue se, em geral, verificar na atividade real essa heterogenei¬
dade destacada de sua estrutura o grau diferente de tomada
A teoria segundo a qual as atitudes não-conscientes cum¬ de consciência das diversas fases de seu desdobramento e
prem, em etapas determinadas da formação da atividade, fun¬ distinguir com bastante clareza os intervalos caracterizados por
ções reguladoras obriga a ampliar o sentido atribuído tradi¬ uma baixa periódica da apreensibilidade das ações realizadas.
cionalmente à noção de automatização das ações. À luz dessa Com semelhante compreensão, torna-se evidente que não
teoria, o comportamento composto de um conjunto de atos, lemos necessidade alguma de apelar para os hábitos automati-
particulares, coordenados no tempo de maneira determinada, IIdos em seu entendimento clássico a fim de descobrir o entre-
deve ter, do ponto de vista psicológico, uma estrutura muito
complicada, condicionada pela heterogeneidade da relação
desses atos elementares diante da consciência. ÿ
O motorista ao volante, o operário no torno, o desportista no trei¬
namento, o médico à cabeceira do doente executam uma multipli¬
Experiências simples revelam facilmente que é necessᬠcidade de "operações" motoras elementares (utilizamos no caso pre¬
rio quase sempre distinguir na atividade a) os componentes. sente a terminologia de Leontiev), que entram quase sempre na
apreendidos com bastante clareza e, quando a ação se desen¬ estrutura de uma "ação" mais complexa formada simultaneamente.
E essa ação intervém inevitavelmente como elemento constituinte
rola sem inibição, relacionados principalmente com as fases
de uma forma de atividade realizada simultaneamente e que re-
inicial e final, e b) os componentes que fazem a mediação da flete as motivações mais profundas, as atitudes pessoais, os
ligação dessas fases e cuja tomada de consciência é. em geral, planos do sujeito.

258 259
laçamento íntimo do inconsciente com o tecido da ação volun¬
tária. Encontramos esse entrelaçamento literalmente a cada pas¬ l'ara responder a essa questão, começaremos por endere-
so, uma vez que uma atividade não-consciente e, ao mesmo
ÿ
l i I teoria das formas conscientes
I ordinárias da atividade
ilm ni l para um objetivo.
tempo, rigorosamente dirigida para um objetivo está incluída
de modo inevitável na estrutura funcional de todo ato com¬ Ainda nos anos 30, o problema da ação consciente como
portamental apreendido globalmente Se a não-apreensibili- ÿ dinâmico" foi colocado de forma muito elegante por
.icnia
dade de algumas fases ou elementos da ação fosse suficiente I I • win (197) , В. Zeigarnik, M. Ovsiankina e outros. Através
como sintoma indicador de que o ato correspondente perten¬ ili « v periências sutis, cuja importância para a teoria da organi-
ce à ordem dos automatismos, as formas, até mesmo as mais In_.li» do comportamento começamos a entender de fato so-
complexas, de uma atividade voluntária dirigida para um obje¬ III' ни' agora, esse grupo de pesquisadores conseguiu mostrar
tivo não evitariam semelhante degradação. i "l.i a rudeza dos desvios psicológicos que se produzem quando

Tudo isso sublinha a inadequação da noção tradicional de


ÿ
impossível realizar, exprimir no comportamento, o plano pro-

...
|i i.nlo de ação (de "realizar sua intenção") B. Zeigarnik, por
automatização da ação e todo o artificialismo da oposição bru¬
tal, típica para a velha psicologia, dessa noção à de atividade • m iи pio, colocou em evidência as diferenças características na
ÿ a pai idade de memorizar as ações terminadas e não-terminadas
voluntária. Mesmo como metáfora, a noção de automatização iililnrnças que posteriormente entraram na literatura psicoló-
revela-se inadequada à luz das idéias modernas a respeito da
organização funcional das ações. Ao mesmo tempo, a marcha
.
I a soviética e estrangeira com o nome de "fenómeno de Zei-

к") M Ovsiankina demonstrou a influência da inibição


do pensamento que acima acompanhamos permite esboçar as ÿ If uma ação voluntária no desenrolar de outros atos dirigidos
tarefas extremamente originais que surgem diante da teoria da pua um objetivo. Outros autores chegaram também, um pou-
estrutura funcional da atividade, baseada na representação da .11 depois, à conclusão a respeito do caráter dinâmico (no sen-

integração inevitável de uma multiplicidade de componentes inlii acima indicado) das ações dirigidas para um objetivo. A
não-conscientes em qualquer ação apreendida globalmente. pesquisa das reações vasculares e eletrocutâneas permitiu a
I Ossuski, L. Bardov e A. Merguelian revelar uma sensibili¬
dade análoga de inúmeros indicadores fisiológicos aos obstá-
§ 98 Sobre os efeitos psicológicos e fisiológicos da aspi¬ iiilos que impedem a realização da intenção. É desnecessário
n i m dar que, se nos voltarmos para a literatura de ficção, as
ração à realização de uma intenção
d и as clássicas nos fornecerão um número infinito de exemplos
ÿ

de eleitos verdadeiramente dramáticos, provocados pela impos-


O reconhecimento da existência de uma atividade de I и Iidade de realizar, no comportamento, atitudes marcadas
adaptação que está dirigida, apesar de sua não-apreensibili- de util cunho afetivo.

.......
dade, para um objetivo, de maneira determinada, coloca-nos
diante da seguinte questão: seria essa atividade apenas uma I'odas essas observações não deixam dúvidas a respeito
du caráter dinâmico das ações conscientes, que se apresenta
cadeia de atos comportamentais elementares que se sucedem
traço aparentemente indissolúvel de toda a atividade
passivamente no tempo ou um processo que aspira ativamente
dirigida para um objetivo. Esse traço manifesta-se mais clara-
ao seu encerramento, que opõe resistência às tentativas de
iiirntc quando as ações assumem uma tonalidade afetiva, mas,
modificar ou bloquear seu desdobramento e, no caso de ser кино o revelaram as experiências de B. Zeigarnik e outros, não
freado, provoca o surgimento de modificações psicológicas e desaparece, até mesmo no caso em que essa ação se desenvolve
fisiológicas, não observáveis, se atinge seu objetivo sem empe¬ nas condições específicas de laboratório e permanece extrema-
cilhos? Em outras palavras, não seria a atividade de adaptação niciite distante do domínio das impressões vividas que real¬
não-consciente o que se denomina um sistema dinâmico, cuja mente atingem a vida emocional do sujeito estudado.
influência sobre as outras manifestações dessa mesma ativi¬
dade, assim como sobre a atividade consciente, depende da Assim é para as ações mais ou menos claramente apreen¬
didas pela consciência e para as atitudes que se encontram em
possibilidade de sua expressão no comportamento?
sua base. Mas será que essa concepção do caráter dinâmico das

260
261
ações está relacionada apenas com a atividade consciente diri¬ i ida (o que foi mostrado repetidas vezes pelos dados experi-
mi iii.iis da escola psicológica georgiana) que, frequentemente,
gida para um objetivo ou os componentes não-conscientes do
ÿli Hcobrimos uma influência profunda das atitudes nas ma-
comportamento possuem igualmente um caráter dinâmico
análogo? niíestações psíquicas e nos mais diversos processos fisiológicos,
< m que essas atitudes sejam apreendidas pela
consciência,
Se, admitindo a existência de uma atividade de adaptação mesmo que num grau débil. Essa circunstância já se apresenta
não-consciente, nos recusamos, ao mesmo tempo, a considerar и и и clareza na experiência inicial, acima descrita, da escola de
essa atividade como um sistema dinâmico, isto é, se nos re¬ I /nadze- a ilusão de Charpentier (a desigualdade do volume
cusamos a ver nela um fator que se manifesta ativamente se na d. is esferas) e os erros de apreciação dela decorrentes surgem
via de suas influências reguladoras surgem obstáculos, não
и.I experiência crítica sob a influência da atitude que, como
estaríamos em contradição menor com os princípios fundamen¬ i. 1 1 . não é em absoluto apreendida pelo sujeito estudado. Re¬
tais da análise biológica evolucionista do que os partidários da lações semelhantes manifestam-se igualmente em inúmeras
epifenomenalidade da consciência, uma vez que deveríamos outras situações experimentais variadas.
atribuir ao inconsciente uma inatividade inexplicável. Nas experiências de B. Zeigarnik e de alguns colaborado-
Ë verdade que se pode, nesse caso, prever uma objeção. ÿ i s de Lewin (197), manifesta-se o mesmo fato fundamental
Poder-se-ia dizer que as formas não-conscientes do psiquismo unia ação inacabada, isto é, uma ação regulada por uma atitude
e da atividade nervosa superior são indiscutivelmente fatores dcierminada e que encontrou alguns obstáculos no caminho
ativos, mas agem sobre o comportamento não enquanto tais, do seu desenvolvimento, deixa marca no estado das forma¬
mas somente após o fato de, tendo esbarrado num obstáculo ções nervosas que a realizam, marca que não é apreendida
qualquer, haverem perdido seu caráter inconsciente e provoca¬ и mio tal pela consciência. A existência dessa marca só é desco¬
do elas próprias conteúdos determinados da consciência. Eis berta, da mesma maneira que no estudo da ilusão de Charpen¬
como seria necessário responder a semelhantes objeções. tier, quando são utilizados testes especiais de controle (os
Não resta dúvida de que as passagens do não-consciente ao mesmos que nas pesquisas de B. Zeigarnik, constituíam os
consciente, provocadas pelas dificuldades da realização da ação, problemas de memorização)
têm lugar realmente e com frequência. Exemplo típico disso
é a apresentação à consciência de um processo até então não-
consciente, inibido por causas quaisquer e que corresponde § 99 Sobre a função principal das atitudes
ao exercício de um hábito profissional adquirido. Consequen¬
temente, ao assinalar a possibilidade de semelhantes passagens, Lembramos os argumentos experimentais em favor da na-
nossos oponentes podem ter razão. lureza dinâmica das formas não-conscientes do psiquismo e da
atividade nervosa superior, em favor da possibilidade que
Entretanto e isto é o principal —, se, levando em conta
esses fatores têm de influir ativa e diretamente nas outras for¬
a possibilidade que acabamos de indicar, negarmos a realidade
mas variadas da atividade cerebral. É necessário acrescentar a
de uma influência direta do inconsciente nas formas conscien¬
esses argumentos de ordem experimental uma consideração
tes do psiquismo e nos processos fisiológicos, entraremos em
teórica e, ao mesmo tempo, precisar a significação das princi¬
contradição com uma multiplicidade de fatos e de observações
pais noções de trabalho que empregamos.
experimentais solidamente confirmados. Esses fatos foram evi¬ A análise do desenvolvimento ontogênico da consciência
denciados, em primeiro lugar, pela escola de Uznadze. Os re¬
não deixa lugar a dúvida a respeito de que, em algumas etapas
presentantes dessa escola sustentam a idéia de que as atitudes
desse processo, nos encontramos diante de fenómenos que, sen¬
que determinam o deslocamento das mais diversas formas da
do notoriamente psíquicos, permanecem, entretanto, não-cons¬
atividade psicofisiológica e do comportamento permanecem
cientes (§ 58) Também nos detivemos no problema das aber¬
sempre inconscientes. No § 83, indicamos que uma interpre¬
tação semelhante nos parece inexata e que é mais justo falar rações patológicas da tomada de consciência pelo sujeito de
suas próprias experiências vividas, observadas nas clínicas psi¬
das possibilidades de passagens de uma mesma atitude do esta¬
do ou da fase não-consciente ao estado ou à fase de sua apreen¬ quiátricas e neurológicas (§ 59), e num tema extremamente
são pela consciência e vice-versa. Entretanto, está fora de dú- complexo em que grau é necessário considerar a possibilida-
263
262
de de o sujeito sentir as ações dirigidas para um objetivo, cum¬ I.iisdo parágrafo anterior uma consideração de ordem teórica.
pridas por ele nas condições de confusão mental e que adqui¬ negar a capacidade reguladora das atitudes é negar-lhe a pro-
rem, por essa razão, o caráter de automatismos mais ou menos pi ia existência, pois, privadas dessa capacidade, transformam-
claros (§ 60) . •л riu abstrações estéreis, em "sombras de noções incorpóreas"

Ao analisar essas questões, esforçamo-nos por justificar a de d'Alembert, em categorias despidas de qualquer sentido
legitimidade da noção de "fenómenos psíquicos não-conscien- ieal*
tes", sem a qual não seria possível representar as particulari¬
dades mais típicas de algumas formas normais precoces ou pa¬ Manifestação não-adequada à situação de atitudes
§ 100
tologicamente modificadas da atividade mental. Para a descri¬ não-conscientes
ção dessas formas, é legítimo utilizar a maior parte das noções
psicológicas tradicionais de pensamento, afeto, experiências Podemos agora colocar a seguinte questão, se as atitudes
vividas, necessidades de satisfação, etc., introduzindo no seu exercem influências reguladoras no comportamento, atribuin¬
entendimento apenas modificações decorrentes da não-apre- do llie um caráter adaptável, não poderiam elas manifestar-se
sentabilidade à consciência dos atos psíquicos correspondentes. lambém, em determinadas condições, através de realizações não-
Assim são as coisas, enquanto não saímos dos marcos dos .ulcquadas à situação, através de ações que reflitam as diver¬
fenómenos cujo caráter psicológico é evidente. Entretanto, o gências entre as exigências apresentadas pela situação dada e
quadro se modifica substancialmente, quando o objetivo de os motivos ocultos expressos pela atitude? Esse tema merece
nosso exame são as ações dirigidas para um objetivo, nas quais .denção especial, em primeiro lugar, porque a crítica das cor-
faltam não só o estar presente à consciência de conteúdos i( ut es psicanalíticas raramente se refere a ele (talvez porque
psíquicos determinados, mas também o caráter vivido desses es¬ n.io se sinta segura diante dele) , em segundo lugar, porque, ao
tados, ou, ao menos, o nível de intensidade, de continuidade < iscuti-lo, podemos indicar mais uma corrente de pensamento
e de clareza do caráter vivido torna-se um problema indepen¬ que permite, a partir de novas posições metodológicas, ana¬
dente e muito complicado. Em tais casos, um fator de regula¬ lisar os problemas que permanecem, até os últimos tempos, mo¬
ção do comportamento importante, se não único, são as formas nopólio do freudismo. Nos trabalhos de Freud, esse tema assu¬
não-conscientes da atividade nervosa superior, que se mani¬ miu principalmente a forma do problema dos lapsos de todos
festam na realização de atitudes determinadas. os tipos da pena, da leitura, da língua.
Nos desvios semânticos por vezes observados na língua es-
Essa a razão pela qual se pode dizer que, se os fenómenos
iiita ou falada, Freud viu uma das possibilidades de que dis¬
psíquicos não-conscientes se revelam sob a forma de fenómenos
psicológicos de tipo mais ou menos comum (modificados ape¬ põe a experiência vivida reprimida para se manifestar no com¬
nas de maneira determinada em sua estrutura e sua dinâmica portamento, nem que seja sob forma limitada e deformada.
em razão de sua não-apresentabilidade à consciência) a prin¬ líeud concedia grande importância a essas manifestações do
cipal forma, acessível à análise objetiva, sob a qual se apre¬ inconsciente e repetidas vezes voltou à sua análise (em sua
sentam os processos da atividade nervosa superior não-cons-
Introdução à Psicanálise e em inúmeras outras obras) Como
se deve, pois, interpretar esses desvios à luz das idéias acima
ciente no sentido próprio e estrito dessa noção são as atitudes.
Mas disso decorre que a influência reguladora exercida Nas tentativas de definir através de noções psicológicas o que
pela atitude não-consciente sobre as formas conscientes do psi¬ permanece fora da atividade não-consciente, mesmo as correntes
quismo é não apenas um modo de manifestação, não apenas de pensamento afastadas das idéias de Uznadze colocam sua tó¬
um fenótipo psicológico da atitude é também sua essência nica, em geral, em categorias como "tendência à ação", "impul¬
real. A atitude não encerra em si nada mais que essa capaci¬ so", "influência reguladora", etc. S. Rubinstein, por exemplo, des¬
taca claramente essa maneira de encarar o problema- "O con¬
dade de regulação, com essa capacidade ela se esgota. Essa a teúdo psicológico da personalidade humana não se esgota apenas
razão por que, se voltarmos agora à questão da natureza din⬠com os motivos da atividade consciente. Encerra também grande
mica das atitudes não-conscientes, da capacidade que esses fa- diversidade de tendências não-conscientes os impulsos de sua
tores têm de influenciar diretamente na dinâmica do com¬ atividade involuntária" (73) Entretanto, não há dúvida de que
a teoria da atitude de Uznadze concede a uma análise semelhan¬
portamento, poderemos acrescentar aos argumentos experimen- te uma legitimidade e uma precisão especiais.

264 265
mencionadas a respeito do caráter dinâmico das formas não-
nina classe determinada de fenómenos, considerando-o, além
conscientes da atividade nervosa superior?
disso, como um dos inúmeros elementos interiormente apa-
No exame desse problema, três posições são possíveis. Ou Iratados, que constituem essa classe. E, assumindo semelhan¬
considerar os lapsos como sendo, do ponto de vista psicológico, te posição, adquirimos possibilidades inteiramente novas de
casuais, não-determinados por qualquer fator semântico ocul¬ nina análise objetiva.
to, ou, ao contrário, ver aqui, como o faz a escola psicanalítica,
não fatos fortuitos, mas fenómenos ligados de alguma forma A verificação experimental da teoria psicanalítica dos
ao vivido passado, determinados por esse vivido; uma terceira lapsos fortuitos sempre esbarrou em dificuldades quase intrans¬
posição é, evidentemente, possível levar em consideração tan¬ poníveis em primeiro lugar, devido à relativa raridade dessas
I cações singulares e, em segundo lugar, devido à impossibili¬
to o fator casual como o fator determinação semântica oculta
das reações. dade de reproduzi-las experimentalmente a fim de estudá-las
<lc|>ois. E, se consideramos um lapso, uma ação errónea por
Se recordarmos o que dissemos no § 79 a respeito da trans¬ casualidade, como uma variante particular da expressão, não-
formação psicológica que sofre o afeto após haver cessado de adequada à situação, de uma atitude latente, veremos logo
ser diretamente apreendido pela consciência, torna-se eviden¬
esboçar-se diante de nós uma multiplicidade de análogos fun-
te que não agiríamos de maneira consequente se preferíssimos
( ionais que se revelam nas mais diversas ações humanas e
a primeira dessas posições, negativa e apsicológica. Os im¬
podem, assim, transformar-se facilmente em objetos de uma
pulsos, afetos e aspirações continuam a existir, mesmo quando pesquisa experimental realizada com todo o rigor.
se deixa de dar-lhes atenção. Mas só continuam a existir sob a
Pode-se considerar, por exemplo, na qualidade de um des¬
forma de atitudes que se manifestam na seletividade específica ses análogos, o que se pode chamar "deixar-se desviar casual¬
da reação e dão uma orientação determinada às ações volun¬
mente do sujeito principal da conversação para outro", a pas¬
tárias e involuntárias. E essas atitudes podem encontrar sua
expressão na forma de lapsos fortuitos, assim como numa re¬ sagem logicamente não-motivada, na conversação, de uma cor-
Iente principal, que exige um desenvolvimento consequente
gulação adequada do comportamento. Para afirmar que uma
atitude latente só é capaz de manifestar-se sob uma forma cor¬ do pensamento, para "ramificações colaterais" diversas dessa
(orrente ou mesmo para correntes totalmente diferentes, logica¬
respondente à situação presente e não se pode expressar sob
mente incompatíveis com a principal. Em semelhantes des¬
uma forma não adequada à situação, não temos razões teóricas
nem experimentais. vios lógicos do sujeito, descobre-se frequentemente a mesma
influência de atitudes latentes que se manifesta no fenómeno
Pode-se admitir que aqueles que temem possíveis conces¬
da substituição de palavras por casualidade Essa influência
sões à corrente psicanalítica considerarão semelhante ponto de
aparece aqui sob forma mais elaborada e velada, mas, em com¬
vista insuficientemente delimitado em relação a essa corrente.
pensação, pode ser verificada em inúmeros diálogos (e, às vezes,
Responderíamos a semelhante crítica da mesma forma que cm monólogos) Tendo assumido essa forma, a influência da
respondemos num caso análogo. As concessões ao freudismo atitude exige, entretanto, para seu estudo, uma análise teórica
consistem não no reconhecimento das possibilidades evidentes
e metodológica inteiramente particular, que nada tenha em
e indiscutíveis da influência do inconsciente sobre o comporta¬
comum com a análise psicanalítica, ou seja, considerar a con¬
mento, mas na concordância com a explicação psicológica, com
versação (esse fenómeno da maior importância, muito frágil
o sistema de noções e de princípios que a teoria psicanalítica
utiliza para interpretar essas influências. E se poderia dizer
quando é abordado de modo experimental e, talvez mesmo
por essa razão, surpreendentemente pouco estudado até hoje)
que, considerando os lapsos fortuitos como a expressão de ati como certo sistema lógico, como estrutura lógica que se desen¬
tudes latentes, aderimos às posições da visão psicanalítica e
volve no tempo e na qual se pode acompanhar uma interação
damos apenas novo nome ao fator que suscita esses lapsos, isto
é, que nos dedicamos a um jogo terminológico fútil? Segura¬ complexa dos diferentes fatores conjugados ou antagónicos que
a organizam.
mente, semelhante conclusão seria apressada e incorreta.
Vamos deter-nos nesse exemplo e nos contentaremos
Quando consideramos um lapso fortuito como a expressão com sua apresentação porque gostaríamos apenas de lem¬
de uma atitude latente, ligamos, dessa maneira, esse lapso a
brar a existência de determinadas possibilidades do estudo do
266 261
§ 101 O antropomorfismo da concepção psicanalítica da
inconsciente, ainda muito pouco exploradas, que surgem quan¬
do se liga o problema dos atos não-motivados ao das atitudes. génese dos sonhos
E, para que essas possibilidades, que quase não estão estudadas
Examinamos as influências exercidas pelas atitudes não-
sejam realizadas, é necessário analisar o comportamento a
< (inscientessobre o comportamento adaptável e tocamos no
partir das posições do que se chama teoria geral dos sistemas
(corrente cuja elaboração foi iniciada no segundo quartel do problema da expressão não-adequada à situação desses fato-
ics reguladores latentes. Vemos agora esboçar-se com toda na-
século xx por von Bertalanffy e posteriormente continuada nas
Ioralidade diante de nós a questão da manifestação das ati¬
pesquisas de Mesarovitch, Lange e outros) Análise semelhan¬
tudes não só no estado de vigília como também no estado oní-
te é aplicada de modo cada vez mais amplo na moderna teoria
t iro da consciência. Isto apresenta interesse por si mesmo, mas
do comportamento e, em relação à teoria das formas não-cons-
também em relação a interpretações psicanalíticas bem co¬
cientes da atividade nervosa superior, abre caminho para o es¬
nhecidas, que vêem na atividade dos sonhos uma das formas
tudo de fenómenos que, até agora, têm atraído principalmente
a atenção dos psicanalistas permitindo, ao mesmo tempo, dar
mais importantes de expressão do inconsciente
a esse estudo uma orientação diferente, em princípio, da que Muito cedo Freud manifestou a intenção de ligar a ativi¬
foi proposta por Freud no seu tempo* dade do inconsciente à dinâmica dos sonhos. A obra funda¬
mental de Freud, em que esse expôs a teoria da dependência
No encontro dos participantes do xviu Congresso Internacional
dos sonhos em relação aos complexos afetivos "reprimidos" e
de Psicologia de Moscou (1966) com os colaboradores da revista deformados pela "censura" a Interpretação dos Sonhos —, foi
Voprossy Filosofii ("Questões de Filosofia") o pesquisador ameri¬ escrita quase logo após os Estudos sobre a Histeria, na elabora¬
cano Rapaport interveio com considerações interessantes a res¬
peito da importância da teoria geral dos sistemas para a psico¬ ção dos quais Breuer participou. Não foi por casualidade que
logia. Freud realizou a aproximação da idéia do inconsciente da re¬
Rapaport declarou haver dois géneros de psicologia. Em pri¬ presentação da consciência modificada durante o sonho. Essa
meiro lugar, a psicologia científica, que utiliza todos os meios
de pesquisa- experimentação, simulação etc., em segundo lugar, aproximação decorria inteiramente da premissa fundamental
a psicologia por assim dizer interessante, que se relaciona com os de Freud sua interpretação do inconsciente como atividade
fenómenos psíquicos de profundidade nos indivíduos e coletivida- antagónica da consciência, reprimida por essa última e que
des. Para essa última, ainda não foram elaborados métodos de não pode, por essa razão, expressar-se de maneira adequada
pesquisa rigorosamente científicos.
Um dos principais problemas da psicologia moderna constitui enquanto a consciência está em vigília. Segundo Freud, o in¬
em lançar uma ponte entre a psicologia chamada científica e a consciente é, antes de mais nada, um tipo de génio do mal da
qualificada de interessante. Essa ponte pode ser construída com consciência, engendrado pelas "profundezas obscuras" da alma,
a ajuda da teoria geral dos sistemas em particular pela aná¬
lise das estruturas de sistemas, por exemplo, da estrutura do procurando expressar-se no comportamento, mas que não é
comportamento humano. Essa a razão por que se pode encarar capaz de fazê-lo sem mistificar e enganar a consciência. Tendo
com otimismo a teoria geral dos sistemas como uma análise que que enfrentar um adversário tão engenhoso, a consciência é
saberá reunir o estudo de questões como o tempo da reação, a naturalmente obrigada a controlar sem descanso suas ações,
dilatação da pupila e questões do seguinte tipo por que Ivan
Karamazov odiava tanto Smerdikov porque esse último o fez reprimindo nelas o que é menos aceitável. É por isso que o
ver sua própria alma horrível ou porque Karamazov era assim sonho surge como o resultado de um conflito entre essas ten¬
mesmo? Essa questão é também psicológica, mas é impossível dências antagónicas, a camuflagem mistificadora das expe¬
resolvê-la com os meios da psicologia científica moderna. A teoria riências vividas reprimidas, por um lado, e, por outro, o con¬
geral dos sistemas permitirá igualmente que se estudem essas
questões (25) . trole vigilante da consciência, que adquire o caráter de verda¬
Grande atenção foi dedicada também ao problema da possi¬ deira "censura"
bilidade de utilizar a teoria geral dos sistemas na análise de ques¬ Não é possível pensar que Freud se sentisse insatisfeito
tões psicológicas no m Simpósio Pansoviético de Neurocibernéti-
ca (Tbilissi, 1967) e em dois simpósios promovidos em 1960 e 1963 com a formulação de suas teses teóricas quando criou esse es¬
pelo Instituto de Tecnologia de Keys (етга), nas obras publicadas quema antropomórfico, privado de qualquer justificação obje-
periodicamente pela sociedade científica presidida por von Berta¬ tiva experimental, clínica ou estatística. Entretanto, a evolu-
lanffy e em algumas outras publicações.

269
26S
ção ulterior da teoria psicanalítica mostrou claramente que, ao ses gerais apresentadas, utilização, como argumentos, de coisas
falar da "censura" da consciência, da "camuflagem" do incons¬ que, no melhor dos casos, poderiam servir para comparação;
ciente, etc., Freud não utilizava em absoluto essas noções como simplificação de relações extremamente complexas e diale-
metáforas. Para ele, tais representações encobrem relações reais licamente contraditórias entre o inconsciente e a consciência,
entre fatores antagónicos, e a possibilidade de identificar essas reduzindo essas relações à idéia de um único antagonismo;
representações com algumas situações sociais lhe parecia, pelo assimilação antropomórfica dos motivos do inconsciente à cons-
visto, prova inteiramente suficiente de que essas construções < iência humana comum em sua mais banal variante, etc. Essa
teóricas estranhas eram adequadas*. a razão por que se pode dizer que, ao criar sua concepção dos
Quando abordamos com espírito crítico a teoria dos so¬ sonhos, Freud ficou cativo de seus próprios princípios teóricos.
nhos proposta por Freud, vemos como nela encontraram refle¬ A representação do inconsciente como sendo um princípio arrai¬
xo todos os pecados metodológicos originais da corrente psi¬ gadamente antagónico em relação à consciência obrigou-o a
canalítica. pouca predisposição a demonstrar com rigor as te- buscar as principais manifestações do inconsciente nas con¬
dições de baixa da atividade da consciência, isto é, antes de tudo,
Para justificar a representação da "censura" e dos "caminhos durante o sono. Por isso, as sinergias funcionais da consciên¬
desviados" dos sonhos, Freud recorre ao exemplo de um autor po¬ cia e do inconsciente, que se manifestam tão claramente no
lítico que se encontra em situação análoga (isto é, na situação do estado de vigília, ficaram desde o início fora do campo de
inconsciente buscando expressar-se no sonho F В.) quando
quer dizer uma verdade desagradável aos detentores do poder. O sua atenção. Começando o estudo do problema do incons¬
escritor teme a censura. Essa a razão por que expressa seu pensa¬ ciente pela análise dos sonhos, Freud não seguiu a via principal
mento de forma moderada e camuflada. Dependendo da força e da
severidade da censura, ele é obrigado ou a evitar determinados que se abre diante de todos os que ingressam nesse domínio
temas ou a contentar-se a alusões e não dizer claramente o que atraente, preferindo um atalho secundário. Por essa razão, mes¬
tem em vista, ou, enfim, a esconder sob uma forma anódina reve¬ mo que suas construções fossem mais adequadas do ponto de
lações pesadas (133)
vista metodológico, não teriam, certamente, conduzido à for¬
Os pesquisadores franceses R. Desoille e J Benoit recordam as
palavras com que Freud procura defender-se da acusação de uma mulação das leis reais da atividade do inconsciente Procurar
interpretação antropomórfica dos fatores psíquicos. Freud diz que, entender essas leis limitando-se a observar os processos que se
após ter notado a influência exercida pela censura nos sonhos, é desenrolam nas trevas da consciência significava escolher, des¬
necessário ocupar-se do dinamismo desse fator Não se deve em¬
pregar essa expressão num sentido muito antropomórfico e imagi¬ de o início, uma estratégia de pesquisa muito desvantajosa.
nar o censor de sonhos como um homem mesquinho e rigoroso ou Todo o desenvolvimento ulterior da concepção psicanalítica
um espírito que se encontra num lugar qualquer do cérebro, de confirmou-o de maneira convincente.
onde cumpre suas funções; não se deve também atribuir à pala¬
vra dinamismo um caráter muito local, imaginando algum centro
cerebral dotado da função de censura e cuja destruição ou ablação
poderia suprimir essa função (133)
§ 102 Três correntes principais da elaboração do pro¬
Essas declarações mostram que Freud compreendia bem em blema dos sonhos
que consistia a debilidade do esquema por ele proposto e que se
esforçava por atenuar essa deficiência. Entretanto, sua desgraça
consistia em que a teoria que havia criado era antropomórfica não Os mecanismos e as funções dos sonhos não foram estu¬
só pela forma, não só pelas associações que evocava, mas também dados durante os últimos decénios apenas pela escola psicana¬
pela própria essência. A recomendação de não imaginar o "censor
de sonhos" como um "homem mesquinho e severo ou um espírito"
lítica. A documentada monografia de I. Volper (24) passa em
não era inteiramente suficiente, na verdade, para superar esse an¬ revista, detalhadamente, as representações relativas a esse pro¬
tropomorfismo. Para dar um passo semelhante, teria sido necessᬠblema, começando pelas que já existiam no período pré-cien-
rio evidenciar as leis da organização dos sonhos na base de um lífico da civilização e pelas interpretações atribuídas aos sonhos
sistema de noções inteiramente diferente daquele escolhido por
Freud. Mas isso só poderia ter sido feito renunciando à teoria psi¬ pelas populações atrasadas culturalmente, para terminar pelas
canalítica e voltando-se para a teoria geral do inconsciente, isto concepções baseadas em dados científicos modernos. Esse le¬
é, abandonando um domínio que não estava absolutamente estu¬ vantamento revela a grande atenção concedida à atividade dos
dado na época em que Freud fazia suas pesquisas. sonhos durante quase toda a história da humanidade, como

270 271
eram persistentes as tentativas de interpretação idealista, ini¬ hipnótica. Quando desperta, realiza-se a experiência crítica
cialmente primitiva, depois mais elaborada, dessa atividade, e (cuirega-se, para que compare, duas bolas de volume igual)
diante de que massa de dados, importantes pelo número, mas Синю resultado, na grande maioria dos sujeitos, tem-se o sur¬
ainda muito pouco analisados quanto à essência, se encontra gimento de uma ilusão de desigualdade de volumes ("contras-
o pesquisador que empreende o exame de questões desse tipo lante" em 82%, "assimilativa" em 17%)
nos dias de hoje.
Nessa experiência, a ilusão de desigualdade de volumes
A interpretação da natureza e do papel dos sonhos depen¬
não pode ser explicada pela impressão vivida da expectativa
deu sempre da compreensão mais geral das leis da atividade
cerebral. A literatura moderna dedicada a esse problema trata (de uma influência determinada) , uma vez que o sujeito não
de três temas principais. Em primeiro lugar, a questão dos se lembra das influências graças às quais a ilusão surgiu.
fatores que engendram os sonhos e determinam o sentido de IJ/.nadze estabelece uma polémica interessante também com
seu próprio desenvolvimento e seu conteúdo; em segundo lugar, |anet, o qual supõe que a realização de qualquer sugestão pós-
o problema da linguagem dos sonhos, das causas que determi¬ hipnótica, quando da amnésia da instrução recebida, revelaria
nam sua forma como fenómeno psicológico singular; em ter¬ a existência do "pensamento subconsciente". Uznadze assina¬
ceiro lugar, a função dos sonhos, a importância que têm para la espirituosamente a respeito da argumentação de Janet*
a atividade vital do organismo. O exame de cada uma des¬ "O fato da amnésia prova que a representação não permanece
sas questões está diretamente ligado ao problema do subs¬ na consciência. Entretanto, a realização da sugestão pós-hip-
trato cerebral e dos mecanismos fisiológicos da atividade oní¬ nótica força, por outro lado, a pensar que essa representação
rica da consciência. Examinaremos brevemente cada um des¬ continue a existir sob alguma forma. Mas o problema con¬
ses temas e tentaremos mostrar a que visão do problema dos siste justamente em saber como, sob que forma, ela continua
sonhos conduz a interpretação geral da atividade do incons¬ a existir Janet resolve essa questão de maneira simples: se¬
ciente exposta nas páginas anteriores. gundo ele, como a presença da idéia na consciência não está
confirmada, isso significa que ela deve existir sob a forma de
uma idéia subconsciente. Mas, então, que direito temos nós
de chamá-la de idéia? Que idéia é essa que não dá à minha
§ 103 Dependência do conteúdo clos sonhos da estimu¬
consciência qualquer conteúdo objetivo, que nada representa?
lação experimental e das atitudes pré-formadas
Não há dúvida de que será mais racional colocar a questão de
outra maneira: não haveria no ser humano alguma coisa que
Para determinar a que nível as atitudes não-conscientes
não deva ser apreendida pela consciência, mas que poderia,
são capazes de exercer uma influência reguladora não só no entretanto, cumprir o papel que se atribui à idéia subcons¬
comportamento no estado de vigília, mas também na atividade ciente (97) (grifos de F В.) As formulações de Uznadze são
do cérebro adormecido, foi necessário, antes de tudo, pesquisar uma filigrana maravilhosa.
se a atitude, uma vez formada, é capaz de conservar-se nas con¬
dições de uma consciência modificada. É evidente que, na au¬
sência de uma estabilidade semelhante das atitudes, seria im¬ Janet afirma que a idéia sugerida durante o sonambulismo não é
possível falar de sua influência reguladora, qualquer que seja, perdida após o despertar, apesar de o sujeito parecer havê-la es¬
quecido. Esse último nada sabe a seu respeito: a idéia é guardada
na atividade da consciência onírica. e se desenvolve sob a consciência normal e fora dela. As vezes,
A análise dessa questão foi feita por D Uznadze, que, atinge seu desenvolvimento completo e provoca a realização do ato
sugerido, sem penetrar na consciência. E, às vezes ainda, quando
juntamente com K.Mdivani (96) , montou uma experiência da realização da ação sugerida, essa idéia penetra por um momen¬
elegante. Entrega-se, repetidas vezes, a um sujeito que se to na consciência normal e a modifica, provocando de novo um
encontra num sono hipnótico profundo duas bolas de volume estado sonambúlico mais ou menos completo. O essencial é aqui
diferente a maior numa das mãos, a menor na outra. No o fato de uma idéia subconsciente, cuja existência está inteiramente
confirmada pelo fato da sugestão pòs-hipnótica, de outra maneira,
final da experiência, o sujeito é submetido à amnésia pós- esse último não poderia ser explicado (97)

272 273
E, mais adiante, D. Uznadze fundamenta sua tese prin¬ < |i principalmente, os dados publicados antes por outros
cipal, de acordo com a qual dar uma instrução determinada l« tquisadores, como A. Lentz* mostram de maneira con-
a um hipnotizado significa não só comunicar-lhe uma infor¬ v lui ente que se podem obter correlações positivas muito pre-
mação determinada, mas criar, ao mesmo tempo, uma atitude
determinada, isto é, condicionar o surgimento de dois fenó¬
. i r. entre o caráter do sonho e o caráter da instrução dada

ilm.inte o sono hipnótico.


menos psicológicos diferentes A amnésia pós-hipnótica repri¬

...
Também não se deve esquecer o seguinte- quando colo-
me a tomada de consciência do conteúdo da instrução, mas I .mios a questão da influência na atividade dos sonhos de uma
não pode perturbar a atitude. A instrução se realiza, graças и udôncia pré-formada qualquer, decorrente de uma estimu-
a isso, sem que o sujeito possa explicar os motivos da sua I.ii .ii) с cle uma instrução recebida anteriormente, da aspiração
execução. sciente ou não-consciente a determinado modo de ação, a
Assim ocorre quando da realização de uma sugestão pós- mui sistema determinado de julgamentos, de apreciações, de
hipnótica de tipo comum. Nas experiências supracitadas de' liiiina de percepção, etc., na maioria dos casos, isso significa
D. Uznadze e K. Mclivani, o sujeito recebia apenas uma ins¬ nilocar a questão da influência na atividade do cérebro ador¬
trução negativa ("esquecer, ao despertar, tudo o que havia ou I ido de uma exjoeriência vivida concreta que teve lugar
feito") Nenhuma outra indicação verbal havia sido dada.. nu estado de vigília, apreendida a seu tempo pela consciência
Entretanto, na experiência de controle, verificou-se que a ati¬ ÿ
possuidora de certa tonalidade afetiva. Poder-se-ia citar uma
tude surgida nas condições de uma consciência modificada quantidade incontável de observações a favor do fato de que o
I.и.iter dos sonhos, com muita frequência, está diretamente
pela hipnose se conserva durante algum tempo e não se desa¬
ii lacionado com semelhante vivido afetivamente saturado e,
grega, até mesmo quando o sujeito sai completamente do esta¬
I m consequência, profundamente ligado ao sistema complexo
do de sono hipnótico.
ile atitudes com nuanças de afetividade que determinam o
D Uznadze também pôs em evidência, assim, a resistência
I m и portamento e a maneira de perceber o meio característicos
das atitudes durante o sono hipnótico, resistência que surge'
do sujeito estudado durante o estado de vigília**
na análise dos fatores que determinam o caráter da atividade'
do cérebro adormecido como uma premissa funcional muito Não menos significativas são as influências exercidas sobre
importante. Entretanto, para determinar que fatores regulam o caráter dos sonhos pela situação objetiva em que se encontra

o conteúdo e a dinâmica dos sonhos, é necessário examinar a a pessoa adormecida.


questão de maneira um pouco diferente e esclarecer que in¬ I. Volpert realizou uma série de experiências em que era
fluência exercem sobre a atividade onírica da consciência as est lidada a ligação entre o conteúdo dos sonhos e as diversas
atitudes pré-formadas, isto é, criadas anteriormente e que re- loi mas de excitações externas. Em algumas dessas experiências,
fletem as experiências vividas ligadas à fase do estado de- o pesquisador conseguiu acompanhar a existência de determi¬
vigília. nadas correlações. Entretanto, numa quantidade considerável de
I Volpert reuniu dados numerosos e interessantes (24) , trabalhos anteriores, nos quais foram feitas tentativas de ana-
que não deixam dúvida quanto à possibilidade de provocar
sonhos nos hipnotizados através de uma instrução ad hoc La¬
mentavelmente, não mostra com detalhes se é possível influir "Consegui demonstrar que durante o sono hipnótico pode-se su¬
através de uma instrução no conteúdo concreto dos sonhos* gestionar a pessoa adormecida com um sonho de qualquer con¬
Entretanto, algumas de suas observações cla mesma forma teúdo. Para isso, é necessário apenas declarar- 'Agora, o senhor
está vendo um sonho ' e em seguida esboçar qualquer quadro
do sonho" (A. Lentz, citado por I. Volpert (24) )
I. Volpert empregava com maior frequência uma instrução neutra- 1
Como lembra I. Volpert (24) essa circunstância já era bem conhe¬
"O senhor está sonhando" Apenas em alguns casos era criada cida por Lucrécio (99-55 a. C.) "Se alguém está ocupado aplicada¬
uma atitude diante de determinada tonalidade emocional do sonho, mente com alguma coisa ou se nos dedicamos durante muito tem¬
por exemplo, um sonho agradável. Invariavelmente, essa atitude po a um trabalho qualquer que representa uma atração constante
causava o efeito correspondente, tanto quanto se pode julgar pelos para nosso espírito, durante o sono temos a impressão de que es¬
dados publicados. tamos fazendo a mesma coisa" (Da Natureza das Coisas)

274 275
lisar semelhantes ligações, não foram obtidos quaisquer dados
precisos. As excitações apresentadas encontravam, às vezes, seu
reflexo nas recordações dos sonhos que ficam após o despertar;
outras vezes, ao contrário, mesmo o mais detalhado interro¬
gatório não conseguia descobrir recordações desse tipo*.
.....
....... .
• 11m ia com a excitação,
rsponde diretamente ao
depois surge o detalhe que
somente
estímulo recebido" (24) . Essa par-
lai idade singular da dinâmica das imagens do sonho é
I ninada indiretamente pelos dados contidos em inúmeras
«li m l ições antigas de sonhos (Orchanski, Void, Tessié, Sante
Como se explica semelhante contradição dos dados expe¬ ÿli Sanctis e outros) As cenas provocadas diretamente pela
rimentais? ÿ
limulação têm, como regra geral, o caráter de episódios da
Em inúmeros casos em que as excitações apresentadas ex¬ vlila com nuanças de afetividade ou de um vivido emocional
perimentalmente encontram reflexo nos sonhos (inclusive em qualquer (são, por exemplo, nos sujeitos estudados por I.
alguns casos descritos por I. Volpert) , o caráter e a possibili¬ Vnlpirt, as recordações de banhos na infância, o sentimento
dade desse reflexo dependem claramente do grau em que ili piedade por uma criança humilhada, um episódio real de
os estímulos que agem coincidem com um elemento qualquer queimadura recente, um sentimento desagradável em relação
da estrutura das atitudes pré-formadas e que ordinariamente I uni membro da família, recordações relativas à casa, etc.)
possuem nuanças de certa afetividade do sujeito pesquisado. I í somente tendo como pano de fundo essas cenas que sur-
Em outras palavras, o reflexo da excitação externa na ativida- m com certo atraso, as imagens relacionadas mais estreita-
I I

de onírica da consciência não aparece, provavelmente, de ma¬ iiu iiie com o caráter do estímulo. Se a excitação encontrasse
neira direta, mas é facilitado pela presença, na pessoa adorme¬ и llrxo diretamente no sonho, seria muito difícil explicar esse
cida, de uma atitude mais geral, cujo sentido está em uníssono m.iso característico do reflexo do estímulo, o fato de que um
com essa excitação. ailiilo, logicamente adequado, precede, sob a forma de cena,
I

Semelhante hipótese permite explicar dois fatos. Em pri¬ ri 4

meiro lugar, o resultado contraditório, acima lembrado, das


pesquisas sobre a influência dos estímulos externos nos so¬
nhos (se o reflexo dos estímulos no comportamento tem um 104 As causas da deformação no sonho das experiên¬
caráter não-direto, mas que mediatiza através de atitudes ade¬ cias vividas matizadas de afetividade do estado
quadas, é evidente que, sem ter em conta essas últimas, não se de vigília.
podem evidenciar as dependências unívocas) e, em segundo
lugar, um detalhe psicológico revelado com grande perspicácia A idéia da influência exercida sobre os sonhos pelas ati¬
por I. Volpert e que é característico do reflexo de um estímulo tudes conscientes e não-conscientes leva-nos de volta à concep¬
externo no sonho. Generalizando as particularidades de seme¬ ção da dependência dos sonhos em relação a fatores de ordem
lhantes reflexos, Volpert destaca que na narração de um sonho, I и inc ipalmente emotiva. Sabe-se muito bem o quanto é consi¬
"no início, em geral, é toda uma cena que figura, sem relação derável, na determinação dos sonhos, o papel atribuído a fa¬
•-.•л.-.. -. q-' ' e-1- ÿ '

v> 4 illies semelhantes pela teoria psicanalítica, que interpreta de

I. Volpert indica que, "no passado, inúmeros pesquisadores tenta¬


ram estudar os sonhos em pessoas adormecidas através de excita¬
ções diversas. Em 1937, F Mayorov e A. Pakhomov iniciaram o es¬ I. Volpert considera essa evolução de imagens do sonho como ex¬
pressão da "lei da irradiação e da concentração do processo ner¬
tudo dos sonhos durante o sono comum. Essa tentativa, assim como
as realizadas anteriormente por outros pesquisadores, resultaram voso" Entretanto, semelhante posição parece-nos simplificada. Não
em insucesso. As pessoas adormecidas nem sempre sonham, muito temos hoje em dia razão alguma para considerar que os processos
pelo contrário. A prolongada observação de sujeitos adormecidos nervosos que se encontram na base de um vivido cénico desenvol¬
na espera de sonhos não fornece material suficiente, que justifique vido se desenrolem em zonas do cérebro obrigatoriamente mais
amplas no sentido topográfico do que aquelas em cujos limites se
a grande perda de trabalho e de tempo. A aplicação de excitações
externas diversas, com o objetivo de provocar sonhos numa pessoa realiza a atividade nervosa que condiciona a impressão vivida de
adormecida, frequentemente termina por despertá-la, sem que uma imagem sensorial qualquer As relações entre a significação
do vivido e a localização dos processos nervosos que se encontram
tenha sonhado. Além disso, os sonhos são seguidamente esqueci¬
dos" (24) na base desse último são, pelo visto, muito mais complexas que as
expressas por uma correlação semântico-espacial tão simples.

276 277
maneira específica os mecanismos de sua ação. A literatura Semelhante objeção, se fosse colocada, nos permitiria pas-
soviética durante muito tempo destacava, na qualidade de uma «n segundo problema fundamental da teoria moderna dos
л*
reação natural à não-validadc das construções psicanalíticas, o •и ins. a linguagem dos sonhos, a forma específica que
assu-
caráter reflexo da dependência dos sonhos em relação às in¬ iiiun as experiências vividas nas condições da consciência oní-
fluências exercidas sobre o sujeito adormecido pelo meio exte¬ I и I Na qualidade de chave desse tema intervém o famoso
rior à ativação dos íntero e proprioceptores (57) , etc. Entre¬ piolileina, que foi repetidas vezes discutido e, entretanto, ain¬
tanto, uma análise mais circunstanciada da significação dos 't I continua obscuro em diversos pontos, da atividade de sim-
estímulos externos como determinantes dos sonhos não permi¬ ln i|i/ação (da formação e da utilização de símbolos) da cons-
tiu que se chegasse (F Mayorov, A. Pakhomov, 1937) a quais¬
quer conclusões precisas. E esse fato tornou-se compreensível
à luz do desenvolvimento ulterior das representações psicoló¬
gicas. Uma vez que, na determinação dos sonhos, importante
papel é desempenhado por diferentes tipos de atitudes e pelas
.....
ÿ

ÿ
и -tu ia с do inconsciente a questão das causas pelas quais,
m determinados estados do psiquismo, se pode acompanhar
a tendência à substituição de noções abstraías por imagens
iniic ictas, a questão do papel dessas imagens e do caráter des-

' ligações lógicas que se estabelecem


ÿ
entre semelhantes ima-
experiências anteriormente vividas ligadas a essas e matizadas IV os. г as abstrações que essas substituem. Por isso, iniciaremos
de afetividade, é evidente de antemão que os efeitos das in¬ и < чаше do tema da linguagem dos sonhos por algumas obser-
fluências exteriores não podem ser unívocos. São determinados, СГОГ'1 1ÿ 1 i«Ariv4nitn /-1 í-» птКлТюшл

em tais condições, não só pelas qualidades psíquicas dos estí¬


mulos objetivos, mas ainda pela relação desses estímulos com
o sistema de atitudes pré-formadas. E, em diferentes casos, essa
§ 105 O problema do simbolismo e as peripécias da sua
relação pode variar consideravelmente. posição
Semelhante compreensão exige uma definição muito clara
da posição que ocupamos e, principalmente, a indicação de () problema do simbolismo, como forma de expressão origi-
que, rejeitando o esquema psicanalítico artificial e antropo¬ 1.1 1 dos conteúdos da consciência, teve realmente pouca
sorte
mórfico da "censura", da "camuflagem simbólica de impres¬ п.I literatura. O papel desempenhado por esse problema na
sões vividas reprimidas", etc., não devemos em absoluto subes¬ Ic-ni ia da psicanálise é notório. Um linguista francês, adepto da
timar toda a profundidade da dependência dos sonhos em re¬ declarar com toda razão que a
psic análise, E, Benveniste, pôde
lação à vida afetiva do sujeito adormecido. E se, para nos análise está totalmente baseada na teoria do símbolo (112)
livrarmos da acusação de aproximação com o freudismo, acei¬ psic
Л teoria do simbolismo é central para todo o ramo da escola
tássemos tal subestimaçâo, essa, certamente, não nos condu¬
ziria a nada diferente de uma interpretação grosseiramente psicanalítica criada por Jung. E, sem dúvida, a orientação
mecanicista e antipsicológica. idealista da análise psicanalista e sua tendência muito caracte-
ilsiica (digamos, diretamente, por mais brutal que pareça) de
Pode-se prever que o posicionamento geral, caracterizado
defender prestar a devida atenção à sua demonstra¬
teses sem
mais acima, encontre uma objeção muito forte à primeira nenhum
vista. Bem, nos dirão, admitamos que os sonhos sejam efetiva- ção não se manifestaram com tanta evidência em
nutro dos problemas abordados pelo freudismo, como em sua
mente o espelho original das atitudes conscientes e não-cons-
Iсe presentação da natureza e do papel do símbolo.
cientes matizadas de afetividade da pessoa adormecida. Mas,
então, como explicar o traço fundamental das imagens do Na literatura soviética a concepção psicanalítica do sim¬
sonho- sua estranheza, seu ilogicismo, sua extravagância, seu bolismo foi submetida a uma crítica particularmente violenta e
caráter por vezes seletivamente grotesco, por vezes caótico e Inndamentada. Entretanto, os resultados dessa revelaram-se
desordenado, incompreensível e absurdo, sua ausência comum e quivocados (pelo visto, essa é uma lei da discussão que se
de ligação lógica com o que, para o sujeito, é realmente signi¬ manifesta com frequência) Por um lado, essa crítica impediu
ficativo e emocionante em uma palavra, a ausência do que, с ompletamente a penetração, na literatura psicológica, na psi¬
para todo reflexo, deve ser fundamental, os traços suficientes quiatria e nas obras literárias soviéticas, da concepção freu¬
de semelhança com o objeto concreto do reflexo? diana do símbolo, amplamente difundida no estrangeiro, por

278 279
outro lado, em nossa literatura, o interesse pelo problema do destacam a necessidade
I" lo contrário esses desvios apenas
simbolismo, entendido como forma de expressão original dos imperiosa de uma análise rigorosa do problema do simbolismo,
conteúdos da consciência normal ou patologicamente modifi¬ m I lise à qual, até hoje, em nossa literatura, se dedicou muito
cada, foi sem dúvida enfraquecido por muitos anos. li

Quando se acompanha o destino de todo esse problema, é


necessário ainda assinalar uma circunstância que desempenhou
papel lamentável na formação das idéias referentes a essa ques¬ § 106 A interpretação psicanalítica do simbolismo dos
tão. Nos anos 20 e 30, foi realizada toda uma série de pesqui¬ sonhos
sas sobre as particularidades do pensamento inerente aos po¬
vos que se encontram em baixo nível de desenvolvimento cul¬ Em que, pois, consistem as particularidades e os defeitos
do problema do simbolismo?
tural. Os principais desses trabalhos estão ligados ao nome de I и 1 1и ipais da análise psicanalítica
Lévy-Bruhl (196) , autor da teoria do pensamento "pré-lógico", E. Benveniste exprimiu bem o que essa análise tem de es-
em que um lugar importante era atribuído à análise do к I í fico, comparando o simbolismo da linguagem comum
com
papel' I
dos símbolos* Os dados dessa corrente que se caracterizava и que ele chama "o simbolismo do inconsciente descoberto por
desde o início por sérios erros metodológicos, foram, mais tar¬ l i cud" O simbolismo do inconsciente, diz ele, é, antes de tudo,
de, amplamente utilizados por alguns pesquisadores estran¬ universal" "Imagina-se, pelos estudos feitos a respeito dos
geiros para construir sistemas sociológicos abertamente racis¬ linhos e das neuroses, que os símbolos que os expressam cons¬
tas e concepções sociopsicológicas reacionárias. E,
naturalmen¬ ul nem um 'vocabulário' comum a todos os povos e que
inde¬
te, essa circunstância não podia deixar de
provocar nova onda- pende da língua dessa ou daquela nação. Isso torna-se evidente
de ressonância desfavorável diante do malfadado tema do sim¬ I partir do fato de que semelhantes símbolos
não são encarados
bolismo na literatura soviética. como tais [isto é, como significados simbólicos F. В.] por
Entretanto, seria desnecessário demonstrar que todos esses. aqueles que os produzem diretamente, e também porque,
desvios de um desenvolvimento metodologicamente adequado. para sua utilização, não é necessário um aprendizado prévio.
das representações científicas não afastam o problema do sim¬ Além disso, a relação entre esses símbolos e aquilo que repre¬
bolismo como uma das formas originais e funcionalmente muito sentam pode ser definida pela riqueza, polimorfismo e
va-
importantes de expressão do conteúdo da consciência. Antes, I iedade dos primeiros e a relativa pobreza,
escassez e pouca
variedade do segundo, em consequência do que o conteúdo é
irprimido e só aparece sob a cobertura de suas imagens" (112)
Na descrição dos fatos que caracterizam a atividade mental
dos-. Essas definições destacam, com efeito, os traços mais carac¬
homens que se encontram em baixo nível de desenvolvimento cul¬
tural, Lévy-Bruhl foi mais adiante que outros etnólogos eminentes terísticos da análise psicanalítica do problema do simbolismo,
(como Durkheim ou Fraeser) Ele
recolheu dados que refletiam c ujas origens já podem ser encontradas nas primeiras obras de
claramente as particularidades das idéias e das interpretações ob¬ Freud* Para que o quadro fique completo, falta apenas acres¬
servadas em diferentes grupos étnicos que estudou. Entretanto, na.
base desses dados, Lévy-Bruhl fundamentou a idéia teoricamente
falsa do "pensamento pré-lógico" (no qual a associação de signifi¬
cações seria determinada não pelas leis da lógica,
cípio da "participação" diretamente em relação
mas pelo prin¬
com a atividaae
---- —
centar dois fatos ao que destaca Benveniste. Em primeiro lugar,
1_ T7 ,irY,KnlíEmr. rir, inmnsricntc são nrinciDal-

de formação e de utilização de símbolos pela consciência) Aliás, Freud não se atribuía a si mesmo a prioridade nesse domí¬
E,.
quando apareceu a necessidade de uma ampla interpretação
socio¬ nio. Segundo ele, o simbolismo dos sonhos não constitui absoluta¬
lógica e filosófica dos fatores revelados, Lévy-Bruhl
deu à sua mente uma descoberta da psicanálise, apesar de essa última não
concepção um caráter abertamente irracionalista e místico. poder lamentar-se de ser pobre em descobertas extraordinárias.
A mentalidade do homem primitivo, segundo Lévy-Bruhl, é- Caso se deseje procurar nos contemporâneos, a descoberta do sim¬
algo impenetrável para o que chamamos de experiência,
isto é, bolismo dos sonhos, é necessário reconhecer que foi o filósofo Scher-
para as conclusões que podem ser tiradas pela observação das co¬ ner (1861) que a realizou. A psicanálise apenas confirmou a des¬
nexões objetivas entre os fenómenos; é algo que tem sua própria. coberta de Scherner, não obstante a ter modificado fundamental¬
experiência inteiramente mística "te. (196) mente (153)

280 281
mente os elementos ligados de uma forma ou de outra à vida lo
lio ( onhecimento científico aos quais conduziam essas conclu-
sexual que encontram seu reflexo. Em segundo lugar, uma ex¬ SO( s. Tendo descoberto que a hipótese segundo a qual a inter-
plicação muito singular dada por Freud para a idéia por ele lação dos sonhos na base de imagens do folclore admite,
apresentada da "universalidade" dos símbolos utilizados pelo I»»
III qualidade de premissa lógica obrigatória, o "conhecimento
I
inconsciente. Ê evidente que a interpretação das imagens dos и onsciente" dos dados desse folclore, mesmo naqueles que
III
sonhos como símbolos universais de experiências vividas la¬ |.unais encontraram esses dados artísticos e linguísticos, qual¬
tentes determinadas foi fundamentada por Freud em dados
quer outro pesquisador do final do século xix e início do sé-
que, como ele mesmo explica, decorrem de "contos, mitos, I 1 1 lo xx teria jorovavclmcntc hesitado em considerar semelhan-
vaudevilles, piadas do folclore, isto é, da ciência dos costu¬ l<e análise como legítima. Mas, para Freud, com seu tempera¬
mes, hábitos, ditados e canções populares, utilizados na poe¬ mento indomável, "não homem de ciência, mas apenas con-
sia e na vida cotidiana, nas expressões de nosso idioma"
(153) . ( uistador, caçador de aventuras *, semelhante volta atrás, à
Freud aparentemente comprendia muito bem toda a es¬ irvisão crítica da hipótese inicial um dia adotada, era como —
tranheza de semelhante procedimento de demonstração e os • pode deduzir absolutamente impossível.
paradoxos aos quais conduz, inevitavelmente, tal posição. Ele Os resultados dessa posição são bem conhecidos. Foi justa¬
mesmo chama a atenção para o fato de que, se sua hipótese da mente essa posição que deu o primeiro impulso às concepções
universalidade dos símbolos fosse admitida, seria necessário místicas de Jung a respeito dos "arquétipos" (símbolos que
reconhecer que a pessoa que vê um sonho utiliza expressões lôm uma significação humana universal e estão encarnados nas
que, no estado de vigília, não conhece e não reconhece. Isso lendas, tradições, mitos, etc.) Os "arquétipos" constituem,
também é surpreendente, como se de repente se descobrisse que segundo Jung, o conteúdo do "Inconsciente coletivo" e entram,
uma servente conhece o sânscrito, não obstante todos saberem de qualquer maneira que a psicologia científica os considere,
que ela nasceu numa aldeia da Boémia e jamais o estudou no fundo dos caracteres hereditários. É necessário distingui-
(153) E Freud, generalizando essas ídéias, escreve que é im¬ los do "Inconsciente individual", mas como se manifestam
possível explicar esse fato através de concepções psicológicas. nos sonhos e intervêm como elemento da tradição cultural,
Pode-se afirmar apenas uma coisa o conhecimento do simbolis¬ podem influir profundamente na consciência e no caráter dos
mo não foi apreendido por uma pessoa que vê um sonho, per¬ indivíduos. Posteriormente, a irracionalidade dessa análise do
tence à sua vida mental inconsciente. Trata-se do conhecimen¬ problema do simbolismo foi amplamente utilizada pelas cor¬
rentes mais reacionárias na sociologia.
to, do pensamento, da comparação inconsciente de dois obje-
tos. Essas comparações estão prontas de uma vez para sempre. Por outro lado, o procedimento de decifrar o simbolismo
Isso é demonstrado por sua semelhança em pessoas diferentes, dos sonhos, proposto jior Freud, revelou de maneira parti¬
semelhança que se mantém, apesar da diferença de idiomas. cularmente clara o papel modesto que a psicanálise concede,
Tem-se a impressão de nos encontrarmos diante de um velho na justificação de suas construções, à argumentação lógica, e o
procedimento de expressão, já superado, mas que conserva papel exagerado que atribui a analogias superficiais e fortuitas.
alguma coisa em diferentes domínios, uma coisa aqui, outra Na literatura soviética, inúmeras obras revelaram exemplos
lá e uma terceira, ligeiramente modificada, em vários domínios dos critérios incrivelmente arbitrários com que Freud definia
o sentido de imagens concretas de sonhos. Essa a razão por
ao mesmo tempo. Freud lembra a respeito a fantasia de um
alienado interessante, que compôs uma "língua fundamental" que não vale a pena que nos detenhamos em tais fatos. Lem¬
braremos apenas que a crítica irónica do quanto são pequenas
própria a ele mesmo e que considerava todos os símbolos como
as exigências dos adeptos da psicanálise em relação ao rigor
rudimentos dessa língua (153)
das provas que apresentam já havia sido feita por L. Vygotski
Quando se acomjranha o desenvolvimento dessa idéia de (29) em sua análise dos trabalhos de I. Ermakov E, certamen-
Freud, não se pode deixar de admirar-se com o caráter reso¬ "5,-> ттпэгиппс sp rlissprmns nue lima das ilustrações
luto com o qual ele marchava em direção às conclusões lógicas
extraídas do sistema por ele aceito, por maiores que fossem os
incríveis paradoxos, a contradição gritante com os princípios Definição do seu caráter dada por ele mesmo (180)
*
282 283
mais brilhantes de o quanto são pequenas essas exigências é I.., diversos da consciência*. E se tentamos abordar o proble-
constituída por algumas páginas escritas pelo próprio Freud, III.I da simbolização a partir das posições da
teoria do incons¬
a
em particular sua famosa décima lição da Introdução à Psi¬ tante, o que adquire maior importância, como mostraremos
canálise (153) , dedicada especialmente ao problema do sentido ÿI Miir, é um aspecto particular desse grande tema, isto é, a
oculto dos sonhos. questão da ligação entre a produção e a utilização de símbo-
Iiin com estados normais e patológicos determinados da cons-
I iência, com as diferentes fases de seu desenvolvimento
his-
§ 107 A utilização de símbolos pela consciência desen¬ lórico e ontogênico.
volvida e pela consciência em formação onto-
gênica Já tivemos oportunidade de lembrar, a respeito dos tra¬
iu lhos de Lévy-Bruhl e outros, como é difícil o destino do
A análise psicanalítica em nada comprometeu a própria |iioblema da evolução da consciência. Ao mesmo tempo, não
ídéia do simbolismo como uma das formas possíveis de expres¬ li.í dúvida de que, do ponto de vista materialista-dialético,
são da atividade da consciência (ou do inconsciente). Ficaram imo existe outro meio de entender a natureza da consciência

comprometidos, e muito seriamente, os princípios utilizados pela que não seja o estudo de sua evolução. Aqui é aplicável a
corrente psicanalítica para descobrir o sentido das imagens que lese muito famosa de Hegel sobre o "historicismo" de todo
-
"• •- . 'г -u- v;
• -jt j í
se supõe lerem sentido simbólico, assim como a concepção psi¬
canalítica a respeito dessas imagens e, finalmente, a interpre¬
tação proposta por Freud do papel dos símbolos como meio de
"mistificar" a consciência. Segundo L. Vygotski, a "estrutura significativa" (ligada ao em¬
prego ativo de sinais) é uma "lei geral da construção de formas
Se rejeitamos decididamente tudo que é proposto pela es¬ superiores do comportamento", e o "emprego significativo das pa¬
cola psicanalítica nesses três planos, uma questão permanece lavras [ ] é a causa psicológica mais próxima da reviravolta in¬
em aberto, devemos levar em consideração, apesar disso, a ten¬ telectual que tem lugar na passagem da infância à adolescência"
(26) "O ponto central desse processo [ ] é a utilização funcional
dência à formação e à utilização de símbolos como uma das
do sinal ou da palavra como um meio com a ajuda do qual o
formas características e profundamente enraizadas da ativi¬
adolescente subordina ao seu controle suas próprias operações psi¬
dade da consciência e do inconsciente? Nesse caso, como vere¬ cológicas" (26)
mos, a resposta só pode ser afirmativa.
Ao falar da tendência à produção e utilização de símbolos ' B. Porchnev destaca, com muita oportunidade, que semelhante
"historicismo" é inaceitável para as variantes espiritualistas e fi-
como uma das particularidades características da consciência deístas do idealismo filosófico. Recorda, a esse respeito, as decla¬
humana, devemos, antes de tudo, indicar o sistema semiótico rações características do Papa Pio xn no x Congresso Interna¬
cional de Ciências Históricas (Roma, 1955) quando afirmou que
da linguagem. O papel particular desempenhado pela palavra o termo "historicismo" designa um sistema filosófico que não ob¬
como sinal na atividade cerebral já havia sido destacado, em serva em toda atividade espiritual, na pesquisa da verdade, na
1927, por Pavlov, que propôs refletir a idéia de "sinalização" religião, na moral e no direito nada além da evolução e, conse¬
quentemente, refuta tudo que é imutável, absoluto e possui valor
na própria denominação da função da linguagem (isto é, de eterno, semelhante sistema é, certamente, incompatível com a fi¬
ligação entre a excitação e a informação de alguma coisa exis¬ losofia católica e, de maneira geral, com toda religião que reco¬
tente fora e independentemente do excitante) , definindo essa nheça um Deus personalizado (69)
Um fato que não deixa de ser interessante é que, no encontro
(1932) como um sistema de sinais de segunda ordem (o "se¬ com os participantes do xvm Congresso Internacional de Psico¬
gundo sistema de sinalização", de acordo com a terminologia logia, B. Kedrov também considerou oportuno voltar ao tema do
consagrada pela escola pavloviana) historicismo "As pesquisas experimentais revelam que se deve abor¬
O caráter significativo da linguagem é, pois, por si próprio dar apenas historicamente o problema da formação da noção de
objeto [ ] O princípio do historicismo parece-me essencial em
suficiente para justificar a idéia da função extremamente im¬ toda ciência. Ë apenas quando esse princípio é incluído na ciência
portante que desempenha o simbolismo na expressão de conteú- que essa se torna uma verdadeira ciência" (25)

284 285
que, com semelhante abordagem histórica, o objeto de pesqui¬ § 108. Três fatos fundamentais do domínio da psicolo¬
sa deve ser não só o processo de acumulação de gia genética da consciência
informação,
mas também a modificação gradual do caráter da atividade
intelectual com a ajuda da qual essa informação é acumulada, Atualmente, na psicologia genética da consciência, po-
o processo da transformação gradual da estrutura
psicológica e I Ifin-se considerar três fatos fundamentais solidamente esta¬
lógica das operações intelectuais correspondentes. belecidos.
Atualmente, quando apreciamos em retrospectiva os tra¬ O primeiro consiste em que a estrutura da consciência do
balhos em que essa abordagem histórica encontrou
expressão, homem civilizado contemporâneo, as leis de seu psiquismo
vemos o quanto devemos nesse domínio a duas grandes mo o produto de longo desenvolvimento, que pode
ser acom¬
cor¬ histórico como no onto¬
rentes: a primeira, ligada aos nomes de Wallon e
Piaget, que panhado tanto no aspecto biológico e
abordou o problema do desenvolvimento da consciência prin¬ gênico. Essa é a razão por que as tentativas de esboçar algumas
cipalmente em seus aspectos histórico-antropológico e onto- loi mas mais primitivas de organização das funções intelectuais
s.io inteiramente legítimas e refletem esse historicismo
que, do
gênico, e a outra, que evidenciou o mesmo problema não só materialista-dialética, é traço inse¬
no plano ontogênico, mas também no clínico. Temos ponto de vista da filosofia
em vista parável de uma análise metodologicamente adequada, em
a teoria do desenvolvimento das funções
psíquicas superiores essência, de um problema qualquer filosófico ou científico,
criada por L. Vygotski, A. Leontiev, A. Luria e seus colabora¬
mais ou menos geral.
dores, L. Bojovitch, P. Galperin, A. Zaporojetz e outros.
O segundo fato é que, no processo de desenvolvimento
As pesquisas empreendidas a partir das posições da
psico¬ histórico concreto da consciência humana, essas formas mais
logia marxista por Vygotski e sua escola, por Wallon e alguns primitivas de organização do pensamento revelaram-se apenas
outros permitiram o conhecimento de leis que, num nível
con¬ muito cedo, em estágios há muito superados da formação das
siderável, determinam a dinâmica do pensamento em fases «(imunidades humanas, refletindo, pelo visto, como indica com
da
anteriores, na ontogenia, à aparição da consciência normal do razão I. Volpert, as fases iniciais da formação muito lenta
adulto. Independentemente de que tenhamos ou não algo a linguagem: "À medida que se desenvolve o segundo sistema
ver com relação a isso, com o fenómeno do pensamento
por ile sinalização e que esse adquire o direito de regulador supre¬
complexos na acepção inicial de Vygotski, com a lei walloniana mo e principal da vida psíquica, o pensamento pré-lógico,
das "estruturas binárias" (pares de idéias que são alternada¬ I.OIICA О
/ÿo/jo Inrrov
ПЛПГЛ
— —
--- ---
*— — - -л" /ОЛ\ #
mente sinónimos e antíteses) , com "substituições" nas
quais a
parte é tomada como equivalente do todo, com comutações que grosseira e
se produzem na base de aproximações "sincréticas" anteriores Em resposta às tentativas frequentes de biologização
reacionária dessa questão e à tendência de buscar os sinais de uma
à formação de noções, ou com algumas outras organização primitiva biologicamente condicionada da atividade
relações aná¬
logas, vemos esboçar-se diante de nós um amplo quadro que mental não só nas primeiras etapas da antropogênese, mas também
revela a existência de uma multitude de formas qualitativamen¬ na psicologia de alguns grupos étnicos contemporâneos dos mais
atrasados culturalmente, é necessário destacar as considerações de
te muito originais do pensamento infantil. E o
traço mais ca¬ princípio e os fatos que a etnopsicologia burguesa não pode ou,
racterístico dessas formas é que são quase sempre mais ou antes, não quer reconhecer e que se encontram em relação direta
com inúmeras discussões violentas dos últimos anos.
menos acompanhadas de uma tendência à simbolização, isto Nos estágios iniciais da antropogênese e da história das comu¬
é, à expressão e, às vezes, à substituição direta, do ponto de nidades humanas, os métodos primitivos de organização do pensa¬
vista da significação, de conteúdos psicológicos generalizados mento foram a base das manifestações mais altas, para a época,
da atividade de adaptação. Sua simplicidade condicionou
a limita¬
por imagens concretas; cada uma dessas imagens é, do ponto ção das possibilidades de adaptação que asseguravam, e seu
aper¬
de vista do conteúdo (informativo) , algo mais do que mostra feiçoamento gradual só pôde ser obtido graças a toda a evolução
diretamente. No aspecto que nos interessa, esse fato, como ve¬ secular cultural e histórica que se seguiu. E quando nos voltamospo¬
para as coletividades contemporâneas atrasadas culturalmente,
remos, é o principal. desaparecimento
demos observar (e este fato é fundamental) o

286 287
Finalmente, um terceiro fato tem importância fundamen¬ Por enquanto, não examinaremos o problema do pensa-
tal dentro do aspecto que nos interessa. Os trabalhos da es¬ 1 1 1 с 1 1to por imagens em toda a sua complexidade.
Para nós, é
cola de Vygotski já haviam estabelecido, já há dezenas de anos, .uliciente destacar que, em inúmeras (se não em todas) for¬
que, na ontogênese normal da atividade mental, observa-se ni, i s primitivas do pensamento, as manifestações
da substitui-
uma alternância regular das relações entre o pensamento abs¬ I .mi simbólica ou representação simbólica
de um conteúdo psi-
traio (baseado no emprego de noções ditas verdadeiras) e o Iológico por outro desempenham papel totalmente particular.
pensamento "complexo" (que se faz na base de imagens con¬ Semelhante substituição está intimamente ligada ao caráter
cretas utilizadas na qualidade de unidades
funcionais) . O pri¬ de imagens do pensamento e permite operar com amplo cír-
meiro não substitui o segundo, a não ser em determinada eta¬ I ido de conteúdos psicológicos heterogéneos, apesar
da ausên-
pa do desenvolvimento intelectual da criança. Antes dessa I ia de noções abstratas correspondentes e de descrições verbais
etapa, o caráter de imagens, visual, dos conteúdos psicológi¬ desenvolvidas.
cos é um dos traços mais típicos da atividade mental, que
pre¬ Ainda não está suficientemente claro até que ponto a ten-
determina uma multiplicidade de suas outras particularidades. dêiu ia à simbolizacão visuahzante surge também em diferentes

instantâneo (na escala histórica do tempo) de todos os sinais de luacional de associação de significações concretas, particular, muito
organização primitiva do pensamento descritos por Lévy-Bruhl e original, apoiada em toda a ideologia historicamente constituída
outros assim que se eleva o nível da vida cultural e social nesses do grupo étnico dado. O critério decisivo, que permite entender com
grupos. qual dessas duas eventualidades temos a ver em tais casos, é uni¬
No livro apaixonante, ao mesmo tempo que rigorosamente camente o destino das estruturas semânticas quando a situação
científico, de B. Porchnev (69), encontra-se um episódio que ilus¬ social muda, isto é, o resultado de uma experiência sociopsicológi-
tra de maneira tocante o absurdo das teorias que se esforçam por ca que Lévy-Bruhl jamais montou. Se essas estruturas também se
explicar as particularidades do pensamento das populações
cultu¬ modificam após a modificação da situação, isso, evidentemente,
ralmente atrasadas através de fatores rotineiros de ordem psicobio- constitui um argumento de peso em favor de que essas sejam
lógica. "O etnógrafo francês Vellar, estudando os Guayaquiles, função da ideologia, das tradições semânticas e dos conteúdos psi¬
talvez cológicos, e não da manifestação de operações mentais "unicamen¬
a tribo mais selvagem da América do Sul, recolheu uma
vez uma
menina recém-nascida abandonada junto a uma fogueira pelos te acessíveis" E foi, de fato, precisamente essa transformação que
Guayaquiles, que haviam fugido em pânico, quando da aproxima¬ se observou.
ção de um grupo de etnógrafos. A menina foi levada para
a França, Para entender as causas e as leis do surgimento dessas forma¬
educada na família de Vellar, recebeu excelente instrução e tornou- ções semânticas originais, é necessário levar em conta dois fatos
se ela própria, no final das contas, uma cientista etnógrafa, aju¬ em primeiro lugar, a inércia, difícil de imaginar e provada por
dante e, mais tarde, mulher do seu salvador" (69) inúmeras pesquisas sociopsicológicas, das representações transmiti¬
É difícil superestimar a importância de fatos
desse tipo (e das oralmente de geração em geração, na qualidade de tradição (B.
eles são numerosos) Revelam eles, de maneira convincente, que imutável de interpretação, nas etnias de cultura atrasada
as estruturas semânticas descritas por Lévy-Bruhl como manifes¬ Porchnev, referindo-se a Strehlow e outros, apresenta ilustrações
tação de princípios "psicobiológicos" particulares de
organização brilhantes da estagnação intelectual que daí resulta (69) ) e, em
do pensamento são função do conteúdo do processo do pensamento. segundo lugar, a confusão que se produz se as ligações entre as
Refletem o desenvolvimento insuficiente das condições
económicas acepções estabelecidas nas condições de um débil desenvolvimento
e culturais, a insuficiência do desenvolvimento da linguagem,
e da atividade do segundo sistema de sinalização e, por essa razão,
desaparecem assim que esses fatores se transformam de
maneira principalmente de um pensamento por imagens, são interpretadas
apropriada. como se fossem ligações entre noções abstratas. Os erros típicos
E não se deve ficar muito surpreso se as "participações", etc., dessa análise foram evidenciados com uma profundidade excepcio¬
produziram, mesmo num pesquisador tão eminente como o foi, nal por L. Vygotski no estudo do verdadeiro sentido das "partici¬
sem dúvida, Lévy-Bruhl, a impressão de método de generalização pações" por exemplo, a afirmação feita pelos membros da tribo
unicamente possível numa fase determinada do desenvolvimento dos Bororos de que eles são papagaios vermelhos (26)
da atividade mental. Não era nada fácil estabelecer que as apro¬ Esses fatos permitem entender corretamente por que desapa¬
ximações do tipo das participações podem surgir não como conse¬ rece sem deixar vestígios, quando as condições sociais mudam e a
quência de um "nível biologicamente condicionado de desenvolvi¬ estrutura semântica da linguagem se desenvolve, tudo o que Lévy-
mento" do pensamento, mas apenas como expressão de uma tra¬ Bruhl acreditava estar solidamente fundido com a "essência mís¬
dição semântica determinada, como o resultado de uma forma si- tica" do "pensamento pré-lógico"

288 289
...
é neces-
formas de inibição passageira da linguagem. Mas se examina¬ Qualquer que seja a formulação que preferirmos,
mos essa tendência levando em conta as possibilidades de ela¬ Iiih idmitir que, na atividade onírica da consciência, deve-se
boração da informação que ela cria, podemos entender melhor nil > и um reforçamento
I da visualização dos conteúdos psi-
a razão por que, quando as possibilidades da
atividade do se¬
gundo sistema de sinalização são limitadas, surge quase sem¬
• I
-
i,<i\ E, já em virtude dessa visualização das impressões
li. que se alternam, deve-se produzir uma interação
das
de substitui-

............ .
pre em primeiro plano um pensamento que utiliza ampla¬ «tu •) < iih que adquire inevitavelmente o caráter
mente a dinâmica das imagens concretas e matizadas simbolicamente, as quais se aproximam de

........
evidentes. É evi¬
dente o valor de adaptação de semelhantes remanejamentos. •)l|iiuuas

figuras de retórica (metonímia, sinédoque, etc.). A
de entender,
Inifunif/m dos sonhos aparece, nessa maneira vividas nas
a consequência da visualização de impressões
§ 109 lições da consciência onírica, de um lado, e do dinamismo
O simbolismo dos sonhos como forma de expres¬ é, em certa
são das ligações semânticas nas condições do pen¬ ÿ I. г. experiências, de outro. Ao mesmo tempo,
samento por imagens lida, uma volta ao método singular de associação sincrética
nas pri-
din significações, que predomina de maneira evidente
No § 104, chamamos a atenção para o fato de que a con¬ ias elapas da maturação ontogênica
do pensamento.
cepção segundo a qual os sonhos são determinados por atitu¬ Ilevemos rejeitar semelhante interpretação pela única razão
des matizadas de afetividade não é suficiente
para explicar dl que o princípio de regressão que aqui aparece foi ampla-
seus traços específicos, sua raridade, seu ilogicismo,
seu cará- IIи m < usado nas construções da psicanálise?
Pensar assim seria
ter caótico e a ausência frequente de não poderia,
ligações compreensíveis пн и ..ar na via de uma prudência excessiva, que
entre esses e o que, para o sujeito, tem maior empobrecer a análise.
significação. À litiitliiiente, levar a outra coisa, senão a
luz do que dissemos nos § § 105-108, tentaremos psicossomáticas e psica-
entender esses Nu 'i .4(1, demos exemplos de teorias
traços, precisando, ao mesmo tempo, nossa atitude diante de do princípio da re-
uma das noções que são utilizadas com particular N diluas nas quais o emprego inadequado
frequênciaÿ surpreendentes pela falta de
pela corrente psicanalítica a noção de regressão. gn ss.m condicionou conclusões
dessas teorias em relação ao rigor dos
ÿч igêiu ia dos autores
Se admitimos a existência, nas primeiras com a apre-
etapas da onto- iiigunientos utilizados, pela sua pouca preocupação
gênese do psiquismo, de uma tendência a pensar por imagens . fosse pouco objetiva
ni.п.,io de uma argumentação nem que
I

......
(e somos obrigados a fazê-lo se queremos permanecer nas
sições do entendimento atual das leis do desenvolvimento
po¬ • m lavor de próprias teses. Entretanto, apenas uma ati¬
suas
ÿ

tude muito pouco ponderada pode induzir a considerar que


mental) , a hipótese do retorno, durante o sono, a essa ten¬ da regressão
lais teorias comprometam o princípio mesmo
dência infantil é igualmente justificada. Ao indicar essa cir¬ de que a escola psicanalítica
o categoria teórica. O fato
cunstância, é importante destacar que essa mesma hipótese
и ulia utilizado sem fundamento e ingenuamente a noção de
pode ser formulada de outra maneira (a partir das posições da и ih essão, em inúmeros casos, em nada diminui por certo, a
escola pavloviana) , supondo-se que, durante o sono, se da
reprime и iiilicação e o caráter heurístico dessa noção. O princípio
ÿ

principalmente a atividade do segundo sistema de sinalização, 1 r iessão biológica


1 (entendido naturalmente não como sim-
enquanto é estimulada a atividade do primeiro sistema, com mas como eco dessas
seu caráter de imagens e emocional, que se libera, Iili s volta a fases superadas da evolução,
se desinibe la -.es, que se manifestam, às vezes, em novas condições de ma¬
nas condições dessa repressão e, talvez, o sistema das
compensa essa última in и .1 profundamente modificada) entrou para
de certa forma* ainda no século como o comple¬
1 1 presentações científicas xix,
mento natural da evolução biológica. Dificilmente seria pos¬
Pavlov escreve- "A fantasia exagerada e os estados crepusculares, sível enumerar toda a multiplicidade de representações
bio¬
e também os sonhos de cada um, são a ativação dos primeiros logic as c, posteriormente, clínicas (especialmente após o pe-
sinais com seu caráter de imagem e concreto, assim como
das. I lodo dos trabalhos de Botkin, Metchnikov, Jackson) no de¬
emoções, quando o estado hipnótico no seu início desliga,
antes
de tudo, o órgão do sistema dos segundos sinais" (65, grifos senvolvimento das quais esse princípio participou com grande
de-
P B.) eficácia.
290 291
Essa a razão por que, sem temer absolutamente ser acusa¬
do de fazer uma concessão injustificada à doutrina psicana¬
lítica, poderíamos aceitar a hipótese da ligação de determina¬
dos traços dos sonhos com as consequências da visualização de
representações abstraías, observada, quando a atividade do
.....
ItMlVH I>i Iidade como expressão de relações sistémicas deter-

ято/т (de ligações determinadas entre as significações) que
tfp к hi do caráter de imagens do vivido dos sonhos. Serãó
• "Hi I" m entendidas, ao mesmo tempo, as causas da raridade
I i| 1 1 1 и .1 dos sonhos e de sua alienação frequentemente
il
enga-
segundo sistema de sinalização é reprimida, como uma espécie algum dia uma significação parti-
de fenómeno regressivo. Tendo aceito essa hipótese, pode-se Iihvi .lo < Ine tem ou teve
à à â It I ÿ .
mncripnriQ pm
Il i 'I víorflia.
responder, mesmo que de forma um tanto preliminar, a uma
questão muito difícil, por que a dependência, provável por
numerosas razões, dos sonhos em relação às atitudes matizadas
de afetividade, ao vivido emocionalmente do sujeito, não se 10 O método dos "sonhos dirigidos" de Desoille
manifesta sempre de forma clara e facilmente apreensível?
A resposta é que a linguagem dos sonhos nem sempre está I' exposição de uma das interpretações possíveis do
I mos a
subordinada às mesmas leis que regem a linguagem da cons¬ |H"l'lnii;i dos sonhos, decorrente da concepção teórica das

.....
iii li m les e da análise genética do problema da consciência. En-

.......
ciência em vigília. De acordo com essa hipótese, o sonho fala
ln iiinin. será que essa interpretação está consolidada por dados
frequentemente da mesma coisa (isto é, do mesmo vivido que tese fundamental,
preocupa ou preocupou em algum momento o sujeito no esta¬ Iи I intentais que permitam verificar sua
< m lu I qual o caráter simbólico do reflexo das atitudes
do de vigília) , mas de maneira diferente, apoiando-se em outro
a gens dos sonhos é constituído por um tipo particular
sistema de ligações, diversas das que caracterizam a consciên-
,cia em vigília. O simbolismo dos
sonhos, que surge nessas
condições, é a consequência inevitável desse modo particular
de ligações entre os conteúdos psicológicos, que predomina nos
• .
li Ii)'.i iões entre os conteúdos psicológicos, que aparecem ine-
m lineiitc em primeiro plano quando as funções do segundo
I o iii.i de sinalização são reprimidas?

marcos do pensamento sensitivo-concreto, em imagens e sem


palavras, que não utiliza as ligações lógicas* Foi justamente
essa circunstância que Freud não levou em conta no seu
tempo, quando transformou a tendência ao simbolismo em prer¬ ...... < » principal obstáculo ao estudo experimental das leis da
ilni iinii a e da natureza dos sonhos sempre foi o caráter não-
Ili in I vi I dessas manifestações singulares da atividade psíquica,

« »ssi bilidade em que se encontra o pesquisador para inge-

.... ..... .
rogativa específica (e segundo Jung até "misteriosa") do "In¬ iii и no seu desenvolvimento e estabelecer entre essas e os estí-
consciente" (na expressão de uma estratégia antropomórfica II1 1 li > . em açâo justamente aquelas relações que são necessá-
de "mistificação da censura") •
II. pua a análise de alguns problemas concretos. Essa a
razão
Para entender as verdadeiras raízes do simbolismo dos so¬ g 1 1( não surpreende que os trabalhos realizados na França
nhos, devemos colocar não a questão teleológica de saber para pm Desoille, há muitos anos, e que estão dedicados ao proble-
que o sonho adquire um caráter simbólico, mas o porquê lo "sonho dirigido no estado de vigília" ("rêve éveillé

...
determinista da causa desse caráter Assim, tornar-se-ão mais l/higi1") , tenham atraído grande atenção.
claros a necessidade, o caráter secundário desse simbolismo, sua \ denominação atribuída a esse problema não é rigorosa.
Nos 1 1 aba lhos de Desoille (131) , não se trata evidentemente,
Exemplo brilhante da maneira como as noções abstraías se
dificam na consciência onírica é dado por um caso bem conheci¬
do da vida de Kekule, que viu num estado hipnagógico a fórmula
do benzeno (a respeito da estrutura do qual ele havia refletido
longamente antes disso) sob a forma de uma serpente que
dia a própria cauda. Esse fato ilustra bem a maneira como se
transforma uma noção abstrata, quando essa se expressa na língua
das imagens, e mostra que, quando a imagem substitui a abstra-
mo¬

mor¬
......
I' .
ÿ

11 o o.
lios dirigidos no sentido exato da palavra, mas de asso-
s livres que surgem quando o sujeito está sonolento. En¬
io i.uiio, o pesquisador regula, em certa medida, o desenrolar
o espontâneo dessas associações, levantando questões apro-
pn.ii .is junto ao sujeito. Por essa razão, o método constitui,
d. alguma forma, o desenvolvimento ulterior dos procedimen-
11 fi conhecidos introduzidos por Jung, com a única diferença
ção, em consequência disso saturando-se de significação,
transforma- li que. com sua ajuda, são produzidas não palavras isoladas,
ÿ

se, dessa maneira, inevitavelmente em símbolo. in.is ladeias de imagens mais ou menos bem concatenadas.

292 293
I li.'» na Sorbonne) , da regulação e da análise ulterior da
ati-
Essas imagens surgem nas experiências de Desoille, quan¬ , i,|,ide onírica da consciência. Seus dados experimentais con-
do a sonolência é mais ou menos profunda (nos estados inter¬
Ig I Miam a idéia do caráter afetogênico e da natureza simbólica
mediários entre o sono e a vigília e que se aproximam, se¬ ili is sonhos e, ao mesmo tempo, ajudam a eliminar dessas re-
gundo o caso e os estágios da experiência, ora de um, ora de piesentações algumas interpretações psicanalíticas artificiais
outro desses pólos) Desoille efetuou a análise sistemática da • 1.14 quais estavam sobrecarregadas.
relação dessas imagens com o vivido afetivo e mostrou a liga¬
ção que existe entre essa produção da consciência "nãodirigi-
da" que tem o caráter de visualizações fugazes, cambiantes e, íj 111 Os sonhos e o mecanismo da dominante
às vezes, muito estranhas e os elementos da experiência passa¬
da, que tinham o maior grau de saturação de afetividade. Um Tais são as idéias de acordo com as quais o simbolismo dc
estudo mais detalhado mostrou a natureza indubitavelmente milhos aparece como a expressão de um sistema particular d
simbólica de inúmeras imagens oníricas evocadas dessa ma¬ ligações que se estabelecem entre os conteúdos psicológicos n;
neira. condições do pensamento por imagens, como a expressão d
É fácil de entender que vantagens metodológicas possui uma linguagem da consciência onírica, que se manifesta quai
o método de Desoille em relação às tentativas de analisar os so¬ do o segundo sistema de sinalização está reprimido e, des!
nhos propriamente ditos. O fato de que, no caso dado, sejam maneira, se elimina o método lógico de associação das sigr
estudados fenómenos que se aproximam apenas desses últimos licações. Entretanto, não se pode deixar de prever a existênc
é inteiramente resgatado pela possibilidade de dirigir o fluxo de dúvidas quanto à utilidade de semelhante colocação (
de associações livres estudadas numa direção geral determina¬ problema. Com efeito, será que essas incursões a teoria d
da, a mais vantajosa para os objetivos concretos da experiência. ligações semânticas lógicas e por imagens são realmente t
Desoille não oferece uma interpretação teórica acabada dos necessárias para entender o simbolismo dos sonhos? Não рос
quadros psicológicos muito complexos que pôs em evidência. mos explicar esse simbolismo sem recorrer à hipótese da l
Sua posição teórica encontra-se a meio caminho entre a visão guagem visualizante da consciência? Essas são questões sérias
psicanalítica e as interpretações pavlovianas clássicas, mas des¬ na literatura soviética, há uma tendência a respondê-las al
locando a tónica cada vez mais para essas últimas* Para nós, mativamente. Foi I. Volpert quem elaborou com mais deta]
o que representa o maior interesse é o método, elaborado por essa resposta. Nós a examinaremos com mais vagar I. Volp
ele e exposto em sua monografia e em suas conferências (de .cita duas linhas características de Ukhtomski. "Pode existir

de uma linguagem arcaica, como foi observado pelo próprio Fr.


Eis algumas declarações de Desoille, que dão uma idéia da sua
sem gramática, uma linguagem que o sujeito emprega para
posição teórica: "Mesmo reconhecendo a enorme contribuição da pressar seus sentimentos, quando não tem outro interlocutor i
psicanálise, não podia ficar satisfeito com essa teoria [ ] Uma
dele mesmo. É, também, o que se chama de 'linguagem esquec
teoria científica deve ajudar-nos a melhor entender os fatos e segundo Erich Fromm" (132).
influir neles com maior eficácia [ ] Considerei que devia aban¬
donar completamente a teoria freudiana para aderir à concepção Um fato interessante é que Desoille atribui papel partie
pavloviana. Em geral, considero necessário estender a toda nossa em sua interpretação dos fatos por ele descobertos, aos trabe
vida afetiva as noções de reflexo condicionado e do 'esquema di¬ •de A. Ivanov-Smolenski "Uma experiência" —
diz ele "no
nâmico de Pavlov' [ ] Fui obrigado, assim, a rejeitar noções entender crucial, feita por Ivanov-Smolenski, prova que no hor
como a de um inconsciente entendido como parte de nós mesmos, em que foi elaborado um estereótipo dinâmico em um dos s
onde têm lugar acontecimentos desconhecidos da consciência [ ] mas de sinalização, se pode obter uma resposta exata em (
O papel atribuído à 'censura' no simbolismo dos sonhos deve ser sistema de sinalização sem condicionamento adicional" (132)
rejeitado também, quando se estudam as imagens do argot [aqui, gundo Desoille, ligações intersistêmicas desse tipo são também
trata-se da língua convencional das visualizações que surgem no portantes para a compreensão das reações complexas que cx
estado de sonolência F В.], que expressam sem qualquer 'cen¬ •entre as diversas línguas utilizadas nas diferentes formas de
sura' moral as mais variadas idéias. Politzet propôs chamar de dificação da consciência.
'língua íntima' as imagens visuais ou outras dos sonhos. Trata-se

294
alma, simultaneamente, uma quantidade de dominantes apossaram profundamente da
poten¬
ciais, vestígios da atividade vital anterior. Elas emergem alter¬
r.uladora das atitudes que se
personalidade) do que os casos citados por Volpert de conti¬
nativamente no campo da atividade mental e da atenção lú¬ nu, não direta, durante o sonho, da atividade criadora iniciada
cida, aí vivem certo tempo, fazendo seu balanço, depois nova¬
no estado de vigília (por exemplo, a descoberta da fórmula
mente mergulham nas profundezas, deixando o
campo livre- do benzeno por Kekule nas condições da consciência modifica¬
às suas camaradas [ ] Essas dominantes corticais da pelo sonho; a criação por Tartini, em situação análoga, de
superio¬
res [ ] que continuam a dominar a vida a partir do sub¬
sua sonata "A Trilha do Diabo"; o encerramento por Derjavin
consciente, coincidem, aparentemente, por seu sentido, com <l.i ode "Deus", em estado semelhante, etc.) Volpert destaca
os 'complexos psíquicos' de que falam Freud e sua escola"'
lambém, com razão, o importante papel desempenhado na
(88) Essas linhas de A. Ukhtomski apresentam interesse,
produção de sonhos pelo fator afetividade, que intervém não
principalmente, porque realizam uma aproximação inesperada- de maneira autónoma, mas como atributo da dominante (di-
entre a noção fisiológica de dominante e a noção psicanalí¬ I í;mios como a tonalidade emocional da atitude correspon¬
tica de complexo, que se distinguem profundamente uma da dente, o que não passa, mais uma vez, da representação em
outra pela quantidade de nuanças de sentido, pelas
tradições outros termos do pensamento de Volpert)
do seu emprego e pelas associações que as acompanham, mas.
que, ao mesmo tempo, apresentam, num certo sentido, uma A seguir, entretanto, surge uma questão fundamental é
semelhança característica, de vez que se atribui a cada um possível explicar o simbolismo dos sonhos utilizando as concep¬
desses fatores uma ação reguladora sobre a dinâmica dos pro¬ ções preferidas por Volpert? A título de hipótese, isso é possí¬
cessos fisiológicos e dos fenómenos psicológicos corresponden¬ vel, sem dúvida. Volpert apóia-se nas manifestações fisiológi-
ias bem estudadas das dominantes, quando diz que
a "domi¬
tes (dominar a vida) , ação que se mantém mesmo
que esse nante que reina na síntese onírica é frequentemente a domi¬
fator esteja ou não no "campo da atividade da consciência"* débeis,
nante latente, que reúne no sonho as dominantes mais
I Volpert tem toda razão quando entende a dominante sem tomar cada uma em sua totalidade na composição do so¬
como um fator regulador desse tipo (diríamos, como elemento nho, mas, de qualquer maneira, escolhendo alguns de seus
importante do mecanismo fisiológico da atitude) , atribuindo fragmentos e, apenas com esses detalhes, compondo toda uma
a esse fator uma influência de grande importância na dinâmi¬
c ena do sonho. Quanto à dominante que reina, ela não entra
ca dos sonhos** Não há provas mais brilhantes da
influência por inteiro na composição do sonho, mas apenas com um dos
reguladora das dominantes complexas (ou, mais precisamente,, seus detalhes ou fragmentos. Esses detalhes adquirem, então,
mudando apenas a forma de expressão, mas não a essência do a significação de alusões ao todo do qual são retirados, a sig¬
pensamento: não há provas mais brilhantes da influência re- nificação de símbolos do todo. É nessa lei que se baseiam os
mecanismos psíquicos dos sonhos que Freud descreveu como
a 'parte pelo todo', 'condensação', a 'confusão' Os símbolos
Com essa colocação um tanto abstrata, é possível aproximar
da nos sonhos são 'fragmentos' de dominantes, que emergem ca¬
dominante não só os complexos freudianos, mas também inúme¬
ras outras representações, como, por exemplo, a noção de atitu¬ sualmente na consciência adormecida segundo sua correspon¬
des. Entretanto, em qualquer caso, é importante lembrar que uma. dência à dominante latente ou evidente, que reina no momen¬
aproximação semelhante pressupõe a similitude de apenas alguns. to dado" (24)
traços das noções, mas não dessas últimas como tais.
I. Volpert escreveu a esse respeito "[ ] As particularidades da Nessas afirmações aparece uma abordagem muito exata e
dominante explicam o fato de que, nos sonhos, se reúnam num interiormente coerente do problema do simbolismo dos sonhos.
todo os elementos mais heterogéneos das impressões vividas no O simbolismo dos sonhos, segundo Volpert, é a expressão do
passado. A dominante é justamente a 'força' que
reúne esses ele¬
mentos. Como assinalam Ukhtomski e Pavlov ela 'atrai' de al¬ caráter fragmentário das imagens que refletem uma dominan¬
guma maneira as mais variadas excitações para a te (ou uma atitude) ou outra, que exerceu previamente
uma
esfera de sua
influência"
(24)
influência suficientemente profunda no comportamento da

296 297
consciência do sujeito no estado de vigília. É exatamente esse
desvio da consciência modificada para a linguagem dos sonhos,
caráter fragmentário, fortuito, não-motivado psicologicamente
с a terceira, baseada em resumir todo o problema do simbo¬
das imagens do sonho, a seleção dessas últimas independente lismo dos sonhos à idéia de seu caráter fragmentário e do con¬
de sua significação como representantes do aspecto semântico dicionamento puramente fisiológico de sua dinâmica. Entre¬
da dominante, a determinação dessa seleção por
fatores de tanto, pode-se contrapor a cada uma dessas interpretações argu¬
ordem puramente fisiológica (fenómenos de indução, estados mentos reveladores de seus pontos fracos e o fato de que ne¬
fásicos, níveis diferentes de inibição de diversos elementos da nhuma delas resolve inteiramente o problema do simbolismo
dominante, desinibição fracionada, a tendência do processo de dos sonhos. Essa a razão jx>r que devemos considerar essas con¬
excitação à generalização ou à concentração) , eis o que, se¬ cepções antes como hipóteses possíveis do que como teorias
gundo Volpert, confere ao sonho seus traços de duplicidade: comprovadas, que dariam uma explicação exaustiva das difí¬
por vezes, uma proximidade facilmente reconhecível das expe¬ ceis questões por elas abordadas.
riências emocionais vividas no estado de vigília, uma ordena¬ É importante formular com precisão em que consiste a
ção geral relativa e uma inteligibilidade e, por vezes, ao con¬ divergência fundamental entre essas duas concepções. Para a
trário, a ausência de ligações precisas com essas experiências concepção do caráter fragmentário dos sonhos, o sonho simbó¬
vividas, o ilogicismo interior e a falta de sistematização.
Quan¬ lico é um fragmento de impressões vividas, que adquire o ca¬
to à manifestação simultânea dessas particularidades, ela con¬ ráter de símbolo exclusivamente porque reproduz casualmen¬
duz ao surgimento nos sonhos de figuras inteligíveis, tendo te, devido a leis de ordem fisiológica, tal ou qual detalhe ou
como pano de fundo o ininteligível comum, de elementos mais traço que nos relaciona a toda a impressão vivida. Para a con¬
próximos que outros, do ponto de vista semântico, da domi¬ cepção do desvio da consciência onírica para a linguagem das
nante principal que determina o sonho, e que adquirem, en¬ imagens, o simbolismo do sonho é expressão de um modo
tão, o caráter de alusões a essa dominante ou a seus símbolos. característico, condicionado geneticamente, de ligação entre
conteúdos psicológicos visualizados, expressão de uma tendên¬
cia a atribuir uma forma de imagem ao que, nas condições do
§ 112 Sobre os pontos débeis da análise psicológica estado de vigília, se apresenta como um sistema de noções que
e
fisiológica moderna do problema do sonho se apóia em ligações lógicas e, por isso, está isento das limita¬
ções impostas pelas imagens.
Caracterizamos as três formulações principais do proble¬ Para ilustrar essa diferença entre as abordagens, utiliza¬
ma do simbolismo dos sonhos existentes na literatura moderna mos o belo exemplo citado por Volpert (24) Um certo S.,
a abordagem psicanalítica tradicional, a psicológica (que con¬ após vários anos de vida em comum com a esposa, apaixonou-se
sidera o simbolismo como função do pensamento por imagens) por outra mulher Diante dele se colocou o difícil problema
e a fisiológica. Essas formulações não representam de maneira do divórcio. E eis o sonho que teve uma noite* numa manhã
exaustiva todas as tentativas feitas para resolver a questão da enevoada, ele caminha com a mulher por uma rua deserta e
linguagem da consciência onírica. Entretanto, foi entre os par¬ ambos chegam a uma encruzilhada. A mulher deve ir à direita,
tidários dessas três concepções que se desenvolveram, durante ele, à esquerda. S. despede-se da mulher e, nesse momento, é
os últimos decénios, as controvérsias mais importantes sobre a tomado de um sentimento de grande pena por ela e, no mesmo
natureza dos sonhos. instante, o sonho é interrompido. Como explicar o surgimento
dessas imagens indiscutivelmente simbólicas? Do ponto de vista
Édesnecessário repetir os argumentos que levam à rejei¬
ção indiscutível da primeira das interpretações descritas, a da hipótese do caráter fragmentário : uma dominante pode¬
rosa provocou, graças a uma constelação fortuita de estados
qual deita raízes nas representações do freudismo ortodoxo.
As coisas complicam-se quando se trata das duas outras inter¬ fisiológicos, a ativação de um vestígio, no dado caso, de uma
pretações. a segunda, que se pode chamar de concepção do imagem concreta que estava antes ligada, talvez por pura asso¬
ciação, graças a um vivido passado, à idéia do divórcio. Do
298 299
ponto de vista da hipótese da linguagem das imagens: o estado surgem também fases de atividade elétrica rápida (dessincro-
onírico expressou na linguagem visualizada o que, para a cons¬ nizada) do cérebro, durante as quais se observam diferentes mo¬
ciência em vigília, era uma noção abstrata a idéia do di¬ ilificações nos sistemas funcionais mais diversos do organismo.
vórcio do casal. A qual dessas duas interpretações devemos dar Os mais claros são os movimentos dos globos oculares, a dimi¬
preferência? Certamente, não é fácil responder a essa questão. nuição do tônus muscular, a elevação dos limites acústicos do
O aspecto débil da concepção da volta à linguagem das despertar, a estimulação da atividade cardiovascular e da
respiração.
imagens consiste emque essa se baseia em analogias. O estudo
do desenvolvimento biológico e histórico da ontogênese nor¬ Essas fases de sono rápido (em outras palavras, do sono
mal do psiquismo revelou de maneira convincente a especifi¬ paradoxal ou rombencefálico) têm suas particularidades ele-
cidade qualitativa das fases primitivas da evolução da cons¬ trofisiológicas características e sua dinâmica distintiva das ex¬
ciência. A suposição de volta a essa especificidade durante o citações em diferentes níveis do cérebro (descargas paroxís-
sono permanece até agora (para ser exato) como simples hipó¬ ticas que se propagam da região da ponte para o tálamo e o
tese, baseada na idéia da realidade da regressão biológica e em córtex, etc.) ; são encontradas não só no homem, como também
analogias funcionais e estruturais características, que podem nos animais, e sua duração diária global é, nos mamíferos,
ser, em muitos casos, estabelecidas entre o simbolismo do pen¬ muito maior nas etapas primitivas da ontogênese que nas eta¬
samento pré-conceitual e o simbolismo dos sonhos. pas mais tardias. Conseguiu-se também esclarecer o caráter
Por enquanto, não temos provas experimentais diretas de específico e diferenciado da influência sobre o sono rápido
que a consciência onírica manifeste uma tendência regular a de alguns agentes psicofarmacológicos (ação estimulante da
substituir as idéias abstraías por visualizações dinâmicas de ca- reserpma, ação inibidora dos inibidores da mono-amino-oxi-
ráter simbólico (exatamente por serem imagens supersaturadas dase, etc.) e pôr em evidência uma ligação entre as perturba¬
de significação) . E se nos voltarmos para os argumentos expe¬ ções do sono rápido e a patogênese de sintomas psicóticos de¬
terminados. O conjunto dessas modificações fisiológicas que
rimentais indiretos, os mais convincentes são os apresentados
acompanham o sono rápido é tão singular, distingue-se tão
por Desoille, que pôs em evidência, na análise dos "sonhos acentuadamente das que estão em correlação com o sono lento
dirigidos", uma tendência, à medida que se aprofundava a
(sincronizado, delta) , que provocou a tendência a considerar
sonolência, ao aumento do número de imagens que têm cará-
o sono rápido não como variedade de sono em seu sentido ha¬
ter nitidamente simbólico. Não é fácil conciliar essa correla¬
bitual, mas como um estado funcional qualitativamente par¬
ção (que necessita, por sinal, de controle rigoroso) com a ticular do cérebro, que só é identificado com o sono em razão
idéia do surgimento puramente casual de tais símbolos. da similitude dessas manifestações exteriores com as do sono
No que diz respeito à hipótese do caráter fragmentário, ordinário.
seria necessário coordená-la com a revisão séria, que atual- No aspecto que nos interessa, adquire particular impor¬
mente tem lugar, das representações dos mecanismos fisioló¬ tância a ligação das fases de atividade elétrica cerebral de alta
gicos e da utilidade dos sonhos. frequência (sono rápido) com a recordação dos sonhos.
Já tocamos por alto nesse tema, quando do exame da J Thomas (255) destaca que, se o sono é interrompido
questão da não-apreensibihdade da manipulação da informa¬ imediatamente durante tal fase, o sujeito observa em geral
ção durante o sono (ver §§ 66 e 111) Agora, vamos exami¬ que sonhou com algo e a descrição do seu sonho é abundante
nar o tema com pouco mais de vagar
em detalhes. Se o despertar ocorreu dois ou três minutos após
A idéia, aceita durante muito tempo, de que o sono é um a fase de dessincronização do eletroencefalograma e de ativa-
estado que condiciona o desvio apenas para a esquerda das fre¬ ção do eletroculograma, os casos de recordação de sonhos
quências do eletroencefalograma (isto é, o surgimento de tornam-se mais raros e as próprias recordações são mais po¬
ritmos delta sincronizados) revelou-se mexata. Durante o sono, bres e apagadas. Se o intervalo de tempo entre o final do

300 301
sono rápido e o despertar ultrapassa 10 minutos, os sujeitos atividade provoca no organismo, antes de mais nada, a acumu¬
declaram habitualmente que não tiveram sonhos. lação de um agente tóxico ainda desconhecido, cuja desagre¬
Obtiveram-se também dados experimentais que indicam gação se produz, em condições normais, durante as fases de
a existência de uma ligação entre os movimentos oculares e as dessincronização dos potenciais cerebrais que acompanham o
reações motoras ligeiras, observadas durante o sono rápido, e sono rápido. Por isso, Dement considera mais justo explicar a
o conteúdo dos sonhos. Em alguns casos, essa ligação era tão partir de posições propriamente bioquímicas e não-psicana-
nítida que permitiu determinar o caráter das modificações líticas os quadros clínicos que aparecem em pessoas em que o
do oculograma, apoiando-se apenas na análise das imagens sono rápido estava reprimido com objetivos experimentais.
vistas pela pessoa adormecida. Os resultados da inibição expe¬ Assinalou-se também, no Congresso de Lyon, na qualida¬
rimental seletiva das fases do sono rápido apresentam parti¬ de de argumentos contra a ligação seletiva do sono rápido com
cular interesse (despertava-se a pessoa adormecida assim que os sonhos, que os traços típicos desse sono são encontrados nos
surgiam no eletroencefalograma e no eletroculograma os si¬ animais decorticados e que manifestações semelhantes são
nais característicos do sono rápido e dava-se a ela a possibili¬ muito pronunciadas na criança logo no início do período pós-
dade de dormir tranquilamente quando o eletroencefalograma
natal.
conservava o aspecto habitual do sono lento) Semelhante ini¬
bição provocava no início uma tendência ao aumento da fre¬ Entretanto, alguns dos autores partidários do ponto de
quência dos períodos de sono rápido, e depois, se era prolon¬ vista oposto (isto é, da concepção da "ab-reação") não querem
gada durante várias noites seguidas, provocava também dis¬ admitir o último desses argumentos.
túrbios mentais determinados. Confirmando, por exemplo, que o sono rápido ocupa no
Todos esses fatores, postos em evidência durante o último recém-nascido até 50% do tempo durante o qual ele não está
decénio, principalmente pelos pesquisadores franceses e ame¬ acordado, Thomas apresenta a suposição de que essa atividade
ricanos (Jouvet, Dement e outros) , apresentam grande inte¬ desempenha, pelo visto, um papel determinado na maturação
resse do sistema nervoso, favorecendo a percepção dos estímulos pro¬
venientes do meio interior do organismo. É possível que ela
Nos anos 60, aqueles que falam — principalmente nos
facilite o desenvolvimento das estruturas e dos mecanismos
manuais de fisiologia dos mecanismos fisiológicos do sono e
nervosos antes que a estimulação externa comece a influir,
dos sonhos, abstraindo-se desses dados, ocupam uma posição
etc. (255)
conservadora injustificada e imperdoável.
Vemos, assim, que a descoberta do fenómeno do sono
No aspecto que nos interessa, o mais importante é que os rápido, em todo caso, complicou consideravelmente as repre¬
efeitos da inibição seletiva das fases do sono rápido, ligadas sentações a respeito das bases cerebrais da consciência onírica.
principalmente aos sonhos, provocaram a reanimação conside¬ No aspecto propriamente fisiológico, o fenómeno do sono rápi¬
rável de velhas disputas, em particular, foi de novo colocado do não é incompatível com a idéia do caráter fragmentário
o problema da necessidade dos sonhos como formas particula¬ da natureza dos sonhos, nem que seja na forma em que Vol-
res de "ab-reação", do "sonho como guardião do sono", etc. pert a desenvolve.
Um fato característico, entretanto, é que, no Congresso Entretanto, enquanto as graves consequências clínicas da
de Lyon de 1963 (105) , quando o problema do sono rápido inibição seletiva das fases do sono rápido não encontrarem
foi submetido a uma discussão interdisciplinar aprofundada, explicação bioquímica concreta, deveremos levar em conta a
quase não se ouviram vozes em favor da concepção psicana¬ possibilidade de uma utilidade qualquer do sonho como fenó¬
lítica da "ab-reação" Segundo a opinião de Dement, pesqui¬ meno psicológico. E se essa idéia da utilidade é admitida,
sador ao qual devemos as descrições mais exatas das parti¬ será necessário fazer uma análise muito pensada para mostrar
cularidades do sono rápido no homem, a inibição seletiva dessa se ela é compatível com a representação do sonho como rea-

302 303
nimação de vestígios, puramente casual
do de vista ló¬
gico, absolutamente não-dirigível do pontoponto
de vista psicoló¬
113 O problema do caráter específico e não-específico
gico, e determinada
unicamente do ponto de vista fisiológico, das relações entre o conflito afetivo e a síndrome
isto é, com a representação clínica
que é fundamental para a
tese do caráterfragmentário*. hipó¬
Л respeito das funções das formas não-conscientes da ati-
Resumindo, pode-se dizer o seguinte:
pomos a respeito da dependência os dados de que dis¬ ilil.ide nervosa superior, resta-nos ainda examinar uma vasta
da consciência onírica em ijiir .iâo- a da influência do inconsciente nos processos somato-
relação às atitudes conscientes e
tes "que descendem ao não-conscientes, às dominan¬ >• riativos, a importância desse fator para prevenir e superar
estado latente" (A. Ukhtomski) , I nlcrmidade.
«
sibilidade de considerar o simbolismo à pos¬
pressão de um caráter particular dos sonhos como a ex¬ I": sabido que a corrente psicanalítica e, a seguir, a corren-
de
minantes nas etapas primitivas da ligações semânticas predo¬ i( psicossomática concederam a esse problema uma atenção
importante e variado. Entretanto,ontogênese, têm um caráter limito grande. Conhecemos também a idéia fundamental que
constituem antes determinou a análise das questões clínicas por ambas as cor-
futura concepção desenvolvida hipóte¬
ses, materiais para uma
I entes. Começando pelos primeiros trabalhos de Freud e ter¬
nese e do papel dos sonhos, da gé¬
clo que teorias acabadas. minando pelas pesquisas psicossomáticas dos últimos anos
criação de semelhantes teorias, Para a
apenas começamos, nestes úl¬ ( Iи >r exemplo, a obra de Valabrega, mencionada no § 36) , é a
timos anos, a recolher as premissas
necessárias. lógicas e experimentais idéia da conversão, isto é, da expressão simbólica do afeto
leprimido na língua do corpo, a idéia das ligações compreen-
\incis, das ligações de conteúdo específico* que existiriam en-
IIe o domínio das emoções não-conscientes e as síndromes clí-
* I. Volpert leva em conta
também, na questão da utilidade
nhos, o IIii as, (jue figura na qualidade de representação inicial funda¬
possível papel
desses dos so¬
sistemas sob tensão funcionalúltimos como meio de "descarga dos mental na literatura clínica de orientação psicanalítica.

.....
do cérebro" "As intuições
parède", diz ele, "relativas de Cla-
so psíquico e as de à importância dos
sonhos como repou¬ Que posição assumir diante desse problema complexo e
Freud sobre sua importância para a ddíril? Será que a crítica da medicina psicossomática, na qual
dos desejos' e como 'guardiães
do sono' são falsas na 'satisfação nos detivemos em detalhe (§ § 40-41), significa que estaría-
generalizada proposta por
esses formulação
fundamento nas leis da dinâmica autores. Mas têm, em parte, seu
funcional do córtex cerebral" (24)
s inclinados a subestimar a enorme importância dos fato-
I. Volpert reconhece Ies emocionais no desenvolvimento dos processos da pato e

terminada entre os sonhostambém a existência de uma ligação


e o desenvolvimento de¬ •i.mogênese, a ignorar a dependência desses processos em rela-
formulando, entretanto, um ponto de
da consciência, « .in às atitudes conscientes e não-conscientes? É desnecessá-
te da abordagem acima vista que difere violentamen¬
pensamento caracterizada e que se baseia na teoria iío dizer o quanto semelhante conclusão é estranha à nossa
pré-conceitual. De acordo do
trutura dos sonhos é com essa abordagem, a es¬ posição.
influenciada por tendências a pensar por
complexos, a aproximações Antes de mais nada, gostaríamos de eliminar um lamen-
primitivas da ontogênese. sincréticas que predominam nas fases tável mal-entendido. Quando os adversários das interpretações
conta as relações contrárias, Segundo Volpert, devemos levar em
do pensamento que se a influência dos sonhos
na formação p .u analíticas rejeitam a idéia do simbolismo e do sentido oculto
mento. Na opinião dele,encontra
os
num baixo nível de
desenvolvi¬ ÿ
I.is síndromes orgânicas, a idéia da expressão do conteúdo das
filogênico longínquo do sonhos são uma "relíquia do
homem, quando o
passado experiências vividas por reações somáticas patológicas, isso for¬
era a forma predominante sono incompleto,
do sono. O sonho desempenhavaparcial, nece frequentemente pretexto para acusá-los de antipsicologis-
um papel determinado então
organismo,
como impulso à mobilização
quando perigos podiam fisiológica do
te o sono, e como surgir inesperadamente
forma involuntária primitiva duran¬
consolidação da experiência da de reprodução e ÿ
Por ligação de conteúdo específico entre o afeto e a síndrome
mentavelmente, expõe essa vida cotidiana" (24) Volpert, la¬ subentende-se, na literatura psicanalítica e psicossomática, a cor¬
lações muito sucintas, que concepção original através de formu¬ respondência rigorosa (específica ) entre o caráter do distúrbio
não permitem formar-se uma idéia
suficientemente clara. clínico e o conteúdo psicológico concreto do conflito afetivo ou
do choque emocional que provocou esse distúrbio.
304
305
mo por princípio, de subestimação do papel dos fatores afetivos. ... dialético* Entretanto, pensamos que atualmente seria des-
m rssârio defender uma compreensão semelhante.

...
e emocionais e de outros fenómenos psíquicos na patogênese de I

distúrbios clínicos. Exemplo de semelhante crítica é dado pelo Outra questão é muito mais interessante e consiste em
informe de abertura no ICongresso de Medicina Psicossomática ibi i como representar as relações entre os fatores nervosos
de Idioma Francês (Vittel, 1960) , da responsabilidade de Jean ÿ
psíquicos, de um lado, e as síndromes clínicas, de outro, re¬
Delay, eminente pesquisador francês, que expressou a convic¬ uniu iando-se a utilizar os princípios psicossomáticos tradi-
ção de que o que caracteriza a análise "estritamente materia¬ ais (a idéia da conversão, etc.) .
lista" é um antipsicologismo extremo "que rebaixa a consciên¬
cia ao papel de 'epifenômeno', que pode ser apenas testemu¬ |á os trabalhos mais antigos da escola pavloviana, que in-
•usicm no papel patogênico das colisões e dos conflitos afetivos,
nha, mas jamais a causa que rejeita a priori a possibilidade
da psicogênese das síndromes e que abala a crença na eficácia mencionavam mais de uma vez que a representação segundo
a qual um distúrbio clínico é uma expressão simbólica de um
de qualquer psicoterapia" (232)
vivido reprimido havia levado Freud e seus discípulos a renun-
Sem entrar, por enquanto, numa discussão desenvolvida
I ia rem desde o início a uma interpretação mais ampla e mais
com os partidários de semelhantes convicções, limitar-nos-emos
I igorosa. De acordo com essa interpretação, o conflito afetivo
a assinalar que essas representações refletem incorretamente
os fundamentos reais da análise "estritamente materialista" e pode provocar perturbações funcionais e orgânicas sem relação
nada têm em comum com a interpretação do papel dos fatores específica com o conteúdo psicológico concreto desse conflito.
psíquicos sugerida, por exemplo, pela teoria do nervismo. Consideramos que, em favor dessa interpretação mais am¬
Pode-se pensar que essas representações surgem na base de pla, testemunha não só tudo que aprendemos nestes últimos
uma confusão injustificada entre as categorias fisiológicas uti¬ .mos a respeito dos mecanismos e dos distúrbios do que Selye
lizadas pela escola pavloviana nas pesquisas sobre a atividade hama de adaptação não-específica, como ainda uma quanti¬
ÿ

nervosa superior (do comportamento) e as categorias psicoló¬ dade de observações clínicas mais antigas, segundo as quais
gicas e filosóficas. os efeitos de todo fator patogênico e, inclusive, as consequên¬
De acordo com a interpretação filosófica materiahsta-dia- cias de conflitos afetivos dependem principalmente do estado
lética, o objetivo fundamental do estudo do cérebro não é a morfológico e funcional dos sistemas fisiológicos interessados,
substituição ingénua das noçõtes psicológicas por categorias da história desses sistemas no momento do conflito (37, 38, 75,
criadas pela teoria da atividade nervosa superior, mas consis¬ 83) Poder-se-ia apresentar grande quantidade de provas expe¬
te em algo infinitamente mais complexo, em fazer correspon¬ rimentais e clínicas de que, para todo debilitamento pré-mór-
der os dados da análise neurofisiológica e psicológica, em so¬ bido eletivo (individualmente adquirido ou herdado) de um
brepor esses últimos aos primeiros como um "bordado" psico¬ sistema fisiológico determinado, é esse sistema debilitado que
lógico na "talagarça" fisiológica. Essa formulação de Pavlov, será incluído no processo patológico, independentemente de
através de imagens, expressa bem a representação das rela¬
qual seja, no homem, o conteúdo psicológico do conflito emo¬
ções entre a neurofisiologia e a psicologia como duas ciências cional correspondente ou, no animal, o caráter da colisão expe¬
que estudam aspectos diferentes cla atividade cerebral, tendo rimental dos reflexos condicionados. Esses dados provam que
o mesmo objeto, mas examinando-o a partir de aspectos qua¬
as relações entre o conflito afetivo e a síndrome, que têm, do
litativamente diferentes. É inteiramente evidente que com se¬
ponto de vista etiológico, caráter não-específico, são determi-
melhante abordagem não se trata de uma questão de desco¬
nhecimento ou de subestimação do papel dos fatores fisioló¬
gicos. Essa conclusão geral poderia ser confirmada por inúme¬
* O xvm Congresso Internacional de Psicologia (Moscou, agosto
ras indicações concretas a respeito da importância de princí¬ de 1966) , no qual os trabalhos de autores "estritamente materialis¬
pio atribuída em clínica ao papel dos fatores psicológicos pe¬ tas" estiveram amplamente representados, forneceram argumentos
los pesquisadores que se mantêm fiéis às idéias do materialis- convincentes em favor dessa concepção.

306 307
nantes na clínica de patologia orgânica, assim como nos dis¬
túrbios funcionais que não se relacionam com a histeria*.
No que diz respeito à clínica da histeria, realmente nos
encontramos aqui diante de estados nos quais se esboça uma
......
. c.
•cus de Pavlov) das particularidades psíquicas e fisiológi-
do histérico, repetidas vezes demonstradas clínica e expe-
t me malmente*

Ao adotar uma interpretação desse tipo, adquirimos van-


ligação semântica determinada entre o caráter do distúrbio I I г r 1 1 imjKirtantes para a análise. Utilizando como idéia fun-
'I
e o conteúdo psicológico da experiência vivida que a precedeu.
• I imnital a ligação do afeto com a síndrome funcional, ligação
Dispomos, entretanto, de uma representação dos mecanismos
fisiológicos concretos que podem provocar no histérico o surgi¬
. 1 1 1< Ichi um caráter psicologicamente não-específico, conserva-
M и ci, ao mesmo tempo, o direito de usar também a idéia das li¬
mento de sintomas clínicos como a paresia ou a anestesia, que
lt и nrs psicológicas específicas sem ficarmos obrigados, contu¬
tenham relação lógica compreensível com seu vivido afetivo? do, I reconhecer como adequada a idéia da conversão. Parece-
Valabrega responde negativamente a essa questão (124) Pa- . IIIm que será difícil superestimar as vantagens criadas por essa
rece-nos, entretanto, que a situação fica esclarecida, em certa ulioi dagem ampla para a análise da patogênese das mais di-
medida, se nos lembramos de uma idéia muito importante ex¬ M I vis síndromes orgânicas e funcionais.
pressa no seu tempo por Pavlov, sem dúvida, sob a impressão
de sua discussão com Janet.
"Pode-se e deve-se imaginar o histérico", diz ele, "como § 1 14 Sobre a diferença entre a influência dos fatores
hipnotizado, numa certa medida, em estado crónico, mesmo afetivos na expressão sindromológica e na dinâ¬
nas circunstâncias habituais [. ]. Os sintomas de inibição mica geral ("o destino") do processo clinico
podem surgir no histérico hipnotizado por sugestão ou auto-
sugestão [ ]. Toda representação de um efeito de inibição, Л respeito das relações entre a concepção psicanalítica e
por medo, por curiosidade, por interesse [ .] provoca esses •е. questões clínicas, é necessário lembrar a seguinte circuns¬
sintomas devido à forte emotividade do histérico, da mesma tância.
maneira que a palavra do hipnotizador no hipnotismo, e os Л psicanálise surgiu em seu tempo como uma corrente de
fixa por tempo prolongado, até que uma onda mais forte de Ideias de caráter puramente clínico. Entretanto, já nos pri¬
excitação [. ] remova esses pontos inibidos [ ]. É um caso mórdios dessa corrente se produziu um estreitamento signifi-
de relações fisiológicas fatais" (63). i.uivo dos objetivos da pesquisa clínica, em consequência do
Sem dúvida, pode-se dizer que Pavlov reduz o mecanismo qual o problema essencialmente central, para a clínica huma¬
fisiológico da conversão aos mecanismos fisiológicos do sono na, da influência geral dos fatores psíquicos no desenvolvimen-

hipnótico, a respeito dos quais, rigorosamente falando, não


sabemos muita coisa de concreto. Entretanto, está bastante
claro que a orientação geral, segundo a qual Pavlov propõe pes¬ A tendência a interpretar a simbolização como função autónoma
с primária (que não deriva de outras particularidades como sua
quisar a explicação fisiológica da origem das síndromes que consequência) ê, pelo visto, um dos traços mais característicos da
têm sentido lógico, difere profundamente das interpretações maioria dos trabalhos próximos da psicanálise. Lembremo-nos
psicanalíticas correspondentes. A ligação da síndrome com o como se distingue dessa abordagem a maneira de entender o sim¬
conteúdo psicológico do afeto decorre aqui não de uma ten¬ bolismo como um efeito secun ário, como a consequência e a ex¬
pressão do caráter específico das ligações semânticas existentes ao
dência não-comprovada experimentalmente, postulada arbitra¬ nível do pensamento por imagens. A oposição dessas duas inter¬
riamente, à "transformação simbólica" dos afetos reprimidos, pretações destaca em que medida a psicanálise se encontrou lo¬
mas da combinação singular ("fatal", segundo a expressão por gicamente ligada aos postulados psicológico-biológicos por ela acei¬
tos em seu tempo e que predeterminaram sua posição frente a uma
grande quantidade de problemas que surgiram mais tarde. É exa-
tamente daí que decorre o dogmatismo do pensamento psicanalí¬
Ver a esse respeito as importantes declarações do Dr Klotz nos tico, que não deixa de surpreender a todo observador objetivo e
Anexos (no final) que a esterilizou de fato, não obstante a realidade e a importân¬
cia de uma série de temas por ela abordados.
108
309
to dos processos somato-vegetativos foi substituído por uma « línico, mas do próprio destino desse distúrbio, entendido como
questão, certamente importante, mas particular, a questão das o resultado de um conflito entre as nocividades que agem
leis da formação de alguns sintomas e síndromes determinados «obre o organismo e as reações deste, expressando suas medi¬
psicogenicamente. Tendo atribuído uma atenção muito gran¬ das de defesa de importância vital.
de ao tema da conversão, o freudismo não tentou sequer enten¬ Quando se acompanha a história desse complicado pro¬
der a influência do inconsciente nos quadros clínicos num blema, não se pode deixar de assinalar que aqui (talvez de
plano mais amplo e em princípio diferente, isto é, entender a maneira mais clara do que em outro qualquer domínio da
influência desse fator nas tendências gerais da dinâmica dos « iência) a fase de análise, baseada na utilização de noções de-
processos patológicos, no aprofundamento, regressão e pre¬ linidas com precisão e que pressupõem um controle rigoroso
venção das enfermidades, independentemente das síndromes das leis evidenciadas, foi precedida de longo período de intui¬
concretas, em que essas tendências gerais encontram sua ex¬ ções vagas, de certa dependência de todo o processo patológi-
pressão clínica. I o cm relação às atitudes gerais do enfermo (entendemos aqui

Entretanto, pode-se ter dúvida quanto à realidade desse o termo atitude em sua acepção corrente), às suas particula-
i idades pessoais que determinam sua postura diante da enfer¬
problema excepcionalmente importante que a psicanálise, de
fato, deixou de lado? O fato de até recentemente a maioria das midade, à sua tendência mais ou menos consciente a se entre¬
gar à doença ou, ao contrário, a lutar interiormente contra
correntes teóricas ter deixado de apresentar em primeiro pla¬
esta, etc. As obras literárias revelaram essas intuições de forma
no a necessidade do seu estudo* não nos deve surpreender
brilhante e, às vezes, profundamente comovente, mostrando a
muito. Suas razões são fáceis de compreender Para poder enten¬
força destrutiva dos afetos e a importância decisiva das expe¬
der um pouco os mecanismos e as leis da influência do incons¬ riências vividas repletas de emoção como fator capaz não só
ciente não sobre manifestações isoladas, mas na dinâmica geral de provocar as mais diversas formas de desagregação somática,
do processo clínico, era necessário utilizar noções de trabalho mas também de prevenir com segurança essa desagregação e,
de tipo totalmente diferente da língua do corpo, do simbolismo em determinadas condições, impedi-la (39, 68, 275) Mas não
do reprimido, da conversão no órgão, etc. puderam, naturalmente (e isso é o fundamental) , considerar
Para a corrente psicanalítica, isso significaria afastar-se de a estrutura funcional dos fenómenos psicológicos que se de¬
suas tradições antigas, e para tanto ela estava totalmente des- senvolvem simultaneamente, liberando para uma análise espe¬
preparada. Para as outras correntes, o principal obstáculo era cial um tema científico particular o papel específico desem¬
a ausência de certeza quanto à realidade do inconsciente, a penhado nesses fenómenos pelas formas não-conscientes da ati¬
falta de uma noção clara da natureza desse fator difícil de en¬ vidade nervosa superior.
tender e, finalmente, a ausência de noções de trabalho adequa¬
das, capazes de refletir o determinismo das relações entre as
formas não-conscientes da atividade nervosa superior e os pro¬ § 115 O fator afetivo, os quadros "autoplástico" e
cessos da periferia somato-vegetativa. Foi somente após a idéia "interno" da enfermidade (segundo Goldscheider
do inconsciente ter sido estreitamente ligada a uma represen¬ e R. Luna)
tação passível de ser experimentada, como a de atitude, que
essa lacuna começou a ser preenchida. Isso tornava possível a Em que consiste, pois, concretamente, a atividade do in¬
criação de uma concepção que esclarecesse a dependência em consciente, que favorece, às vezes, o desenvolvimento da enfer¬
relação ao inconsciente não de detalhes, de síndromes parti¬ midade e, outras vezes, ao contrário, a sua regressão? Com que
culares sempre mais ou menos determinadas por um distúrbio mecanismos e com quais leis se tem aqui contato? Não foi pos¬
sível dar uma resposta mais exata a essas questões enquanto
não se passou da compreensão intuitiva da idéia da atitude à
Constituem exceção apenas algumas escolas da antiga filosofia análise rigorosa do sentido psicológico dessa noção.
hindu (227), que encaram de maneira original os problemas psico- Por enquanto, não voltaremos à fundamentação da rea¬
fisiológicos, as correntes que aplicam o método do "treinamento lidade do próprio fato da influência dos fatores psíquicos e
autogênico" elaborado por J H. Schultz (238) e algumas outras.

310 311
nervosos nos processos somato-vegetativos. Os trabalhos clínicos léstia. R. Luria associa-se, em princípio, a esse esquema de
de G. Zakharin e M Ianovski, os de I. Sétchenov, I. Pavlov e Goldscheider, e em sua obra brilhante apresenta uma quanti¬
S. Botkin e de suas escolas na neurofisiologia russa e soviética dade de observações clínicas que revelam a imensa força da
do período ulterior (L. Orbeli, I. Razenkov, K. Bykov, A. "parte intelectual" do quadro autoplástico da moléstia, a in-
Speranski e outros) concederam à análise dessa influência o iluência profunda que exerce na evolução dos processos pato¬
caráter de uma corrente, que se tornou tradicional em nossa lógicos. Chama também a atenção para os graves erros do mé¬
ciência, e engendraram concepções fisiológicas e abordagens dico que ignora esse fator fundamental, capaz de desempenhar,
metodológicas originais e bem conhecidas. cm certas condições, papel não menos importante na sano-
No estrangeiro, durante muitos decénios, também tinha gênese do que aquele que lamentavelmente desempenha, com
lugar a elaboração experimental da idéia de regulação psíquica frequência, na patogênese das síndromes clínicas.
das reações vegetativas. Pode-se atribuir a essa corrente alguns Quando Goldscheider separou o "nível intelectual" do
trabalhos de W Wundt realizados já no final do século pas¬ quadro autoplástico da moléstia de seu "nível sensitivo" e
sado e que provocaram, no seu tempo, grande repercussão, as. destacou o papel ativo desses dois níveis no destino dos pro¬
pesquisas de Weber, ponto de partida de toda uma série de cessos patológicos, realizou em suma tudo aquilo que podia
pesquisas que buscavam uma ligação entre a tonalidade posi¬ cumprir, apoiado nas idéias do seu tempo, ainda pouco ela¬
tiva ou negativa das emoções e a distribuição do sangue; a boradas, a respeito da estrutura funcional das reações fisioló¬
análise, feita por G. Heyer, das modificações provocadas gicas e dos fenómenos psíquicos. R. Luria voltou mais tarde
por a essas questões e, por isso, pôde apoiar-se na concepção da
sugestão da atividade secretória e motora do estômago, que
causou forte impressão nos contemporâneos, as experiências regulação dos processos somato-vegetativos pelos reflexos con¬
análogas efetuadas mais tarde por E. D. Wittkower nas mais dicionados, na teoria da patologia córtico-visceral, na teoria da
diversas modificações; as pesquisas a respeito das influências intcrocepção, na idéia do papel inteiramente especial da pa¬
exercidas pelas idéias sugestionadas no tônus vascular, na com¬ lavra que, como foi destacado por Pavlov, é um fator capaz de
posição química do sangue, na diurese, na termo-regulação, e substituir todos os demais excitantes e determinar o surgimen¬
to de todas as modificações diretamente provocadas por esses*
muitos outros trabalhos.
Ao lado desse ciclo de pesquisas, cujo caráter era princi¬ "Para o homem" — escreve Pavlov — "a palavra é um excitante
palmente experimental, outra corrente, de orientação mais condicional tão real quanto todos os demais que ele tem em co¬
clínica, esboçava-se nas publicações. Tinha proporções mais. mum com os animais, mas que, ao mesmo tempo, é de uma capa¬
modestas, contudo, sob alguns aspectos, seu interesse não cidade extraordinária, qualitativa e quantitativamente, sem com¬
paração com a dos excitantes condicionais dos animais. Graças a
era menor toda a vida anterior do adulto, a palavra está ligada a todas as
Na literatura soviética, essa segunda corrente está ligada, excitações internas e externas, que atingem os grandes hemisfé¬
em particular, aos trabalhos de R. Luria dedicados ao "qua¬ rios, todas são sinalizadas e substituídas, por isso, pode provocar
todas as ações, todas as reações do organismo que condicionam
dro interno" da moléstia (56) Introduzindo essa noção, essas excitações" (62)
R Luria deu prosseguimento às idéias quase esquecidas Ao evocar a força extraordinária dos efeitos da palavra, não
de Goldscheider a respeito do "quadro autoplástico" da devemos, entretanto, esquecer-nos de que os mecanismos fisiológi¬
moléstia (criado pelo enfermo na base do conjunto de cos concretos, na base dos quais se realizam esses efeitos, perma¬
necem ainda insuficientemente esclarecidos. É particularmente di¬
suas sensações, representações e impressões vividas e liga¬ fícil evidenciá-los quando a influência dos excitantes verbais no
das de uma maneira ou de outra a seu estado físico) . Nesse sistema vegetativo se manifesta localmente. Na discussão dedicada
quadro autoplástico, Goldscheider propunha considerar dois. ao problema da "experiência consciente" (.conscious experience) no
Congresso de Roma, de 1964, (118), Schaefer, por exemplo, que
níveis o nível "sensitivo" e o nível "intelectual" Ligava ao repetidas vezes estudou o fenómeno de sinais de queimaduras da
primeiro as sensações causadas diretamente pelo processo pato¬ pele provocados pela sugestão, destacou que não podemos expres¬
lógico, e ao segundo um tipo de "superestrutura" sobre essas. sar, mesmo sob a forma de conjecturas, a maneira como, através
sensações, que surge das meditações do enfermo a respeito de de impulsos nervosos aparentemente apenas simpáticos, são reali¬
zadas destruições dos tecidos superficiais tão grosseiras e, ao mes-
seu estado físico, como sua reação psicológica à sua própria mo- -1

312 313
Essa a razão por que R. Luria conseguiu mostrar de maneira § 116. O desejo "somente verbalizado a atitude "real"
convincente o caráter objetivo da atividade destrutiva e cria¬ e a enfermidade
dora "autoplástica" da consciência e as leis determinadas às
quais ela está subordinada.
Em um dos seus trabalhos dedicados à teoria da manipu¬
E, apesar de tudo, sua concepção do "quadro interno" da lação da informação, Lindsay assinala que o problema da
moléstia conserva, num certo grau, a nuança intelectualista atitude é um dos problemas importantes que surgem inevita¬
que aparece tão claramente na concepção de Goldscheider. velmente quando se considera a adequação dos modelos neu-
i.l nicos lineares para explicar os sistemas da organização com¬
Com efeito, não obstante R. Luria ter contribuído para
plexa. Lindsay destaca que, nas teorias psicológicas, esse pro¬
um esclarecimento mais detalhado dos fatores fisiológicos que blema se coloca também há muito tempo, apresentando-se sob
determinam as modificações psicogênicas do estado e da ativi¬ diferentes designações, sem que, entretanto, seu sentido se
dade funcionais de diversos órgãos e tecidos do corpo, seria modifique por isso. Entendendo a atitude como o estado de um
um esforço vão buscar em sua concepção do "quadro interno" sistema em que a informação recebida só provoca respostas do
da enfermidade uma resposta à questão de por que, em alguns lipo determinado (isto é, que exclui as respostas possíveis
casos, as representações penosas do caráter de sua lesão provo¬ numa outra situação), Lindsay lembra que a condição para
cam nos enfermos consequências realmente trágicas e por que, obter reações de tipo semelhante na máquina é que a infor¬
em outros, continuam sendo apenas episódios efémeros, sem mação sobre a atitude, recebida antes da apresentação do obje¬
qualquer repercussão no desenvolvimento objetivo dos pro¬ tivo principal, possa agir no programa. Isso é obtido introdu¬
cessos patológicos. Outra coisa está ainda menos clara: por zindo um ou mais sinais corretivos, cuja validade é controlada
que o desejo de restabelecer-se, quase sempre representado por subprogramas especiais.
subjetivamente, quando o estado psíquico do enfermo somático Lembramos essa compreensão cibernética singular da ati-
é normal, e que tem o caráter de uma experiência vivida mais lude porque nela se expressa a função mais característica — e
ou menos claramente, apreendida pela consciência (abstraímo- mais geral —, que consiste em atribuir à informação recebida
nos de casos mais raros de uma evasão consciente na doença, uma significação determinada, que condiciona respostas de
isto é, de casos em que o enfermo tem consciência de sua ati¬ tipo específico. Se a atitude está ausente de uma das variantes
tude negativa diante da perspectiva de restabelecimento) ; por possíveis de sua realização concreta, o efeito da informação re¬
que esse desejo permanece, às vezes, pouco eficaz, enquanto em cebida torna-se inteiramente imprevisível (como já dissemos) ,
alguns casos, ao contrário, exerce no destino do processo pato¬ enquanto que, na presença de uma atitude que serve de inter¬
lógico influências tão poderosas que se tem a impressão da mediária entre a informação recebida e a resposta, a relação
ingerência de um fator que rompe as leis clínicas e fisiopatoló- desses dois elementos torna-se regular e, consequentemente,
gicas mais solidamente estabelecidas? prognosticável.
Nem a concepção do "autoplástico" nem a do "quadro Não voltaremos, por enquanto, à fundamentação das ra¬
interno" da moléstia poderiam dar resposta a essas questões, zões por que esse esquema lógico geral permanece inteiramente
uma vez que nenhuma dessas interpretações estava apoiada em em vigor, quando se trata do comportamento do homem.
representações elaboradas da estrutura funcional das reações Apenas lembraremos que, mais acima, dedicamos grande aten¬
psicológicas, numa compreensão mais profunda do papel espe¬ ção à idéia de que o efeito de toda influência, considerada sob
seu aspecto tanto psicológico como fisiológico, depende pro¬
cífico desempenhado, nas relações do sujeito para com toda si¬
fundamente das atitudes preexistentes do sujeito, determinadas
tuação objetiva que se esboça diante dele, pelo fator das ati¬ pela experiência adquirida anteriormente. O que nos interessa
tudes psicológicas conscientes e não-conscientes. no momento é o reconhecimento do fato fundamental de que

114 315
seria incorreto considerar a inserção do sujeito na situação mente apreendidos pela consciência*, da acumulação e da ma¬
nipulação da informação. Esse modo de entendimento até mes¬
objetiva, nova para ele, de uma moléstia como um aconteci¬ mo precede, às vezes, o conhecimento científico, mas não per¬
mento cujas consequências clínicas seriam determinadas ape¬
mite submeter suas conclusões ao controle objetivo e não dá
nas pelos níveis "sensitivo" e "intelectual" do quadro "auto- a possibilidade de levantar os problemas livremente. Por isso,
plástico". Os resultados clínicos dessa inserção se apresentam, é racionalizando as representações intuitivas sobre o papel
na realidade, como funções, em primeiro lugar, de uma infor¬ sano e patogênico das atitudes e introduzindo nesse domínio
mação complementar obtida pelo sujeito nessas condições no¬ o rigor no emprego das categorias características da análise cien¬
vas e, em segundo lugar, das atitudes pré-formadas ou que sur¬ tífica que poderemos responder a uma quantidade de questões
giram após a inserção do sujeito com todas as suas necessidades importantes que permanecem forçosamente em aberto durante
"substanciais", "funcionais" e "teóricas" (segundo a termi¬ toda a etapa artística (se se pode dizer assim) da elaboração de
nologia de D. Uznadze) nessa situação nova. todo esse tema.
Admitindo que os fatores desse último grupo possam não
ser conscientes, chegamos à conclusão logicamente inevitável
As conclusões não-conscientes que resultam da percepção de ima¬
de que a reação do sujeito à sua própria enfermidade e, em gens artísticas têm, em geral, o caráter de uma convicção intui¬
certa medida também, o destino da sua enfermidade devem de¬ tiva (que não é argumentada racionalmente) e, apesar disso, firme
e frequentemente matizada de emoção. Sua formação exige um ato
pender dos processos de sua atividade nervosa superior, que psicológico de qualidade particular, uma impressão vivida estética
podem, às vezes (e, segundo a escola de Uznadze, devem sem¬ intimamente individual. Essa a razão por que não se pode real¬
pre) desenvolver-se inconscientemente. mente alcançar um tipo artístico apenas pela explicação racional
de sua significação, não obstante semelhante explicação crie pre¬
Essa é uma tese muito importante. Entretanto, exige missas importantes para uma compreensão mais profunda da obra
de arte. É exatamente por isso que os resultados da apreensão ar¬
algumas explicações complementares. tística da realidade não se incorporam diretamente no fundo do
Antes de tudo, é necessário novamente confirmar que, ao saber coletivo, isto é, dos conhecimentos que têm o caráter de
obrigação lógica e são transmitidos diretamente.
aceitá-la, como que voltamos às representações tradicionais Todo esse problema do conhecimento intuitivo é tão compli¬
semi-intuitivas de fatores que influem na evolução dos proces¬ cado que, até recentemente, muitos o procuravam evitar Entre¬
sos clínicos. São essas representações que sempre serviram para tanto, numerosas correntes psicológicas e filosóficas, inclusive as
quase esquecidas, entenderam sua importância, e não apenas para
destacar o papel dessa mesma atitude, entendida não como a teoria da percepção artística. E. Soloviov lembrou ultimamente
categoria estritamente psicológica, mas como um dos termos que Husserl já havia chamado a atenção para o fato psicológico
da psicologia da vida cotidiana, amplamente utilizado na lite¬ interessante de que "a percepção viva [. ] contém sempre [ .]
uma interpretação involuntária (frequentemente em contradição
ratura e, por essa razão, facilmente confundido com outras ex¬ com nossa compreensão racional) : o veredicto emocional direto
pressões igualmente tomadas intuitivamente, como a vontade que rendemos ao que percebemos. Vejo o rosto de uma pessoa e
instantaneamente sinto uma repulsa inexplicável por ela. Minha
de viver ou, ao contrário, como o desejo de tirar proveito do 'primeira impressão' já contém Г . ] certa convicção, aparentada
distúrbio patológico (no sentido que a psiquiatria concede a com a intuição lógica pela sua firmeza e atitude categórica [ .].
essa expressão) , etc. Na percepção, ela já está encerrada, já tem a definição de um
motivo pessoal e não é necessário qualquer desdobramento no pen¬
Essa proximidade das conclusões da análise da estrutura samento para que se transforme numa ação [ ]. Heidegger [ ]
chama de disposição de espírito a convicção presente na percepção
funcional das reações em relação aos dados da percepção in¬ viva" (Voprossy Filosofii [ Questões de Filosofia], 1966, 12)
tuitiva e das descrições literárias não diminui, muito pelo con¬ Estas interpretações refletem o entendimento da vasta repre¬
trário, a importância das primeiras. Ninguém pode duvidar de sentação do que denominamos hoje de manipulação inconsciente
da informação. Mas é um fato significativo, que nem Husserl, nem
que essa forma original do conhecimento do mundo, que é o existencialismo que surgiu mais tarde com sua rejeição, por prin¬
dada pela criação e, em seguida, pela percepção das imagens cípio, das categorias racionais e da abordagem experimental,
artísticas, se baseia também nos resultados, nem sempre clara- conseguiram aprofundar teoricamente esta compreensão.

316 317
O primeiro problema que se coloca naturalmente duran¬ teoricamente o problema da transformação dos desejos verba¬
te semelhante racionalização é muito difícil de responder: em lizados em atitudes, em disposições que possuam potenciais
que se diferencia, do ponto de vista psicológico e fisiológico, o sano e patogênicos. Se a psicologia genética, acompanhando as
desejo de restabelecer-se expresso verbalmente, quase sempre questões da formação de funções psicológicas, chegou a elabo¬
presente, mas que permanece clinicamente pouco eficiente, de rar importantes noções especiais, como a "interiorização" dessas
uma disposição real a restabelecer-se, que freqtientemente tem Iunções (representação da organização da função psicológica
resultados sensíveis (como todo terapeuta prático o sabe, pela baseada na comparação de sua estrutura com a da ação con¬
sua própria experiência clínica, principalmente a experiência creta) , etc., o problema da sucessão das diversas formas e ní¬
recolhida ao acompanhar a dinâmica dos processos patológicos veis de disposição, a questão da transformação das formas mais
nas condições dos mais diversos tipos de stress) ?
superficiais, de caráter principalmente verbal, em formas mais
Ao colocar essa questão, abordamos o que hoje constitui profundas (isto é, também, num certo sentido, "interioriza¬
o limiar do conhecimento científico. Este limiar é esboçado das") , que atingem as bases da personalidade e o sistema de
aqui por não dispormos ainda de uma teoria elaborada que motivos principais do comportamento, estão ainda longe de
elucide a diferença fundamental (como o revelam os fatos ser elaborados no mesmo nível.
clínicos) existente entre dois modos de disposição não-idên- Um fato interessante consiste em que, também nesse caso,
ticos, o que encontra sua expressão somente no desejo verbal
se constata uma espécie de antecipação por parte da arte, com
e o que se manifesta sob a forma de uma atitude real. O que seus métodos intuitivos, do conhecimento da realidade, das
sabemos sobre a estrutura psicológica e a natureza fisiológica
deduções das ciências exatas. O tipo do personagem negativo,
das atitudes sugere, neste caso, uma única idéia, que pode ser
cuja disposição à ação tem um caráter apenas verbal, arrazoado,
utilizada na qualidade de hipótese inicial.
falante (apesar de poder ser bastante sincero subjetivamente) ,
Acima falamos, no § 95, dos "grandes faróis" da consciên¬ ao qual se contrapõe o herói positivo, cuja disposição é, ao
cia, acesos nas passagens críticas da estrada, enquanto a regula¬ contrário, ativa, porque está solidamente fundida às bases de
ção contínua da atividade dirigida para um objetivo é assegu¬ sua personalidade, a um sistema de impulsos firmes e fortes, é
rada pela luz dos "faroletes do inconsciente" Utilizamos essa apresentado na literatura sob formas brilhantes, que se torna¬
imagem para simplificar a descrição das relações complexas ram clássicas em muitos casos. Consequentemente, a arte levou
que decorrem da existência simultânea do caráter discreto da em consideração esse problema interessante no mais alto grau
atividade da consciência e do caráter contínuo da função de da hierarquia dos níveis de disposição à ação, e o refletiu na
regulação. Aplicando essas noções, pode-se dizer que a dispo¬ medida de suas possibilidades. Entretanto, a psicologia cien¬
sição que se manifesta conscientemente é um ato psíquico tífica está muito atrasada nesse problema, que lhe é específico.
apresentado e verbalizado, vivido como um desejo Mas se é E nós apenas começamos, agora, a entender como semelhante
apreendida somente pela consciência, em virtude apenas do atraso tornou difícil o exame de problemas clínicos muito im¬
caráter discreto de tais impressões vividas, não pode cumprir
portantes, relacionados com esse domínio.
a função de regulação contínua das medidas de defesa fisio¬
lógicas do organismo. Para que se realize semelhante regula¬ Para encerrar a discussão do problema dos diferentes ní¬
ção contínua, é necessário, pelo visto, que participem também veis de disposição à ação e de sua influência no desenvolvi¬
as formas não-conscientes da atividade nervosa superior Ë nes¬ mento dos processos fisiopatológicos, resta-nos formular algu¬
sas condições que uma disposição do tipo desejo se transforma mas considerações de maneira resumida.
em disposição do tipo atitude real, capaz de exercer, na din⬠De acordo com o esquema esboçado acima, o desejo de
mica dos fenómenos psicológicos e dos processos fisiológicos, in¬ restabelecer-se só adquire a significação de fator que possui
fluências de grande envergadura. ação clínica se, tornando-se uma atitude real, atualiza as for¬
Semelhante representação decorre consequentemente de mas contínuas de regulação das medidas de defesa fisiológicas
tudo aquilo que dissemos mais acima. Formulando-o, é neces¬ do organismo, que caracterizam essa atitude. Não obstante
sário, entretanto, lamentar que ainda não esteja elaborado tudo que ainda permanece obscuro nos mecanismos fisiológicos

3IS 319
с nas leis psicológicas desse processo, é evidente que ele deve
desenvolver-se em íntima união com o trabalho ativo da cons¬
ciência, que fortalece a impressão vivida superficial e verbal
com um sistema de motivos dominantes, de objetivos, de ne¬
cessidades profundas do indivíduo. Essa circunstância destaca
o papel dirigente da consciência na formação de atitudes sano- CAPÍTULO VI
gênicas e permite verificar uma espécie de dialética das rela¬
ções que aqui intervêm claramente: a insuficiência terapêutica
do desejo, enquanto esse permanece apenas como impressão
vivida apresentada, apenas verbalizada, apenas apreendida pela Os resultados e as perspectivas da elaboração
consciência, e, ao mesmo tempo, o papel decisivo dos proces¬ Иn nrnblcmn dn "inconsciente"
sos nervosos que se encontram na base da consciência, papel
esse desempenhado na ativação funcional das formas não-cons-
cientes da atividade nervosa superior, sem o apoio das quais
a transformação das impressões vividas verbalizadas em atitu¬
des reais seria, pelo visto, impossível.
Entretanto, o esquema proposto não só confirma essa dia¬
lética do consciente e do não-consciente Apela para a forma¬
ção de atitudes solidamente soldadas à personalidade; destaca a Aproximamo-nos assim do final de nossa exposição e po¬
importância da ligação do comportamento com o sistema de demos tirar algumas conclusões. Antes de tudo, tentaremos des¬
tacar algumas das questões fundamentais que nos preocuparam.
motivos fundamentais e não ocasionais e passageiros, e adquire
assim uma nuança educadora, ética determinada. No início, seguimos a evolução complexa das representa¬
Além disso, constitui, certamente, a antítese real do mito ções do inconsciente, as etapas lógicas sucessivas do desenvol¬
psicanalítico do Inconsciente como essência psíquica, cujo vimento dessa idéia. Tentamos mostrar como esse desenvolvi¬
papel na clínica só pode ser negativo, uma vez que a limita¬ mento, que teve início nos marcos das concepções idealistas,
ção dessa essência pelas normas da moral social só pode entra¬ ÿconduziu, ao fim de um tempo muito longo, ao surgimento
var, do ponto de vista da teoria da psicanálise, a obtenção do ÿde noções como as formas não-conscientes da atividade nervosa

que Nietzsche chamava "A Grande Saúde" Para a teoria da superior e do psiquismo, representações intimamente ligadas à
atitude (e nisto consiste sua importância fundamental para teoria moderna dos princípios da organização funcional e dos
a clínica) , o inconsciente é um fator capaz, ao contrário, de mecanismos da atividade cerebral.
participar tão ativamente da resistência contra a enfermidade Já nas etapas iniciais dessa evolução, surgiu uma discussão
quanto da provocação dessa última, ampliando assim, de ma¬ •entre os partidários das soluções negativa e positiva do proble¬
neira pouco comum, a representação das potencialidades da ma do inconsciente, isto é, entre os que negavam a própria pos¬
atividade nervosa humana dirigida conscientemente. sibilidade da existência de formas não-conscientes do psiquis¬
Certamente, não nos enganaremos se dissermos, para con¬ mo e os defensores da interpretação oposta, mais complexa,
cluir, que o desejo de entender essas potencialidades foi uma para os quais semelhantes formas não só existem como exer¬
das necessidades mais profundas do homem durante muitos cem influência profunda na dinâmica dos outros fenómenos
séculos de seu desenvolvimento cultural. Pois só uma fé pro¬ psíquicos, nas síndromes clínicas e no comportamento em seu
funda em sua riqueza oculta podia dar nascimento a este belo conjunto. Essa discussão foi prolongada, às vezes tornando se
aforisma de um dos fundadores da corrente ateísta da filosofia mais exacerbada, às vezes menos, e durante alguns decénios pe¬
indiana antiga "O Deus que dorme? Mas é o próprio Homem." lo menos permaneceu bastante estéril, principalmente porque
nenhuma das partes podia utilizar, para fortalecer sua posi-
•ção, noções que fossem um tanto precisas. O desenvolvimento
da concepção positiva revelou, entretanto, como é profunda a

320 321
dependência das interpretações do problema do inconsciente III li .1 e psicossomática, dedicaram a maior atenção a essa
em relação aos princípios metodológicos em que essas inter¬ n lu m.I orientação das pesquisas.
pretações inevitavelmente se apoiam. As interpretações idea¬ l ai estado de coisas caracteriza o momento que vivemos
listas obrigaram, em alguns casos, os pesquisadores da Europa • . cm muito, determinou os temas das discussões que, por
Ocidental e dos eua a voltar, em suma, no que diz respeito ao motivos diversos, surgiram nestes últimos decénios entre os
exame do problema do inconsciente, às mesmas concepções I>.i Iidários das abordagens idealista e materialista-dialética do
especulativas a partir das quais, no seu tempo, esse problema *
(iioblema do inconsciente. Evidencia também a importância
foi desenvolvido. I I i< ular, na etapa atual, não tanto da explicitação dos aspec-
Mi

A comparação dessa abordagem, típica principalmente 1 1 is débeis e dos erros da interpretação idealista do inconsciente

para o pensamento científico no estrangeiro, com a posição de r i aças aos trabalhos críticos de pesquisadores soviéticos e es-
Im ngeiros, durante o último quarto de século, ultrapassamos
princípio em relação ao problema do inconsciente da psicolo¬
Iи > fundamental essa fase das discussões), quanto da justifi-
gia russa pré-revolucionária e, a seguir, da psicologia e da me¬
dicina soviéticas evidenciou a importância das teses seguintes: I ação da abordagem materialista-dialética construtiva desse
a abordagem materialista tradicional da teoria do cérebro ine¬
lema, de mostrar como se desenvolve a idéia do inconsciente na
base das idéias modernas que dizem respeito à organização
rente à ciência russa, sua preferência pelos métodos de estudo
funcional do cérebro, quando se satisfazem as exigências rigo¬
objetivos das funções do sistema nervoso central e sua adesão rosas em relação à objetividade dos métodos e critérios empre¬
característica à concepção do reflexo não significam absoluta¬ gados e em relação à demonstração das deduções formuladas.
mente que ela ignore, ou ao menos subestime, a importância
Vemos, assim, como é complexa, na atual etapa, a discussão
do problema do inconsciente. Acima, demos inúmeros exem¬
ilo problema do inconsciente. Pode-se acrescentar com convic¬
plos ilustrando de que maneira se realizava a análise desse ção a discussão desse tema, na forma como foi conduzida du-
problema, baseada nos procedimentos do método experimental Iante os últimos decénios, isto é, inteiramente isolada da teoria
e numa interpretação racional. Ao mesmo tempo, observou-se
geral do cérebro, é, em princípio, de todo inadequada no mo¬
que essa orientação experimental não chegou ainda a elucidar mento atual. Por certo, o problema do inconsciente permane¬
com profundidade todos os aspectos da natureza e das leis do
ce ainda hoje, antes de tudo, um dos problemas fundamentais
inconsciente
da psicologia.
Ê notório que o inconsciente pode ser estudado como o
Entretanto, nas condições de aproximação, tão caracterís¬
domínio de processos cerebrais e de reações psicológicas atra¬
tica da época atual, da psicologia com as disciplinas conexas,
vés das quais o organismo responde aos sinais, sem que toda
em primeiro lugar com a teoria da regulação biológica, a psi¬
essa reação ou algumas de suas fases sejam apreendidas pela
quiatria e a neurologia, o problema do inconsciente deixou de
consciência. O inconsciente pode ser estudado também num
ser objeto apenas da psicologia*.
outro plano, do ponto de vista das relações que se estabele¬
cem em diferentes condições entre ele e a atividade da cons¬ Não se pode contar com um progresso em sua elaboração,
a não ser que se firme a intenção de ligar essa elaboração a um
ciência. Finalmente, como problema particular, coloca-se a
questão dos mecanismos e dos limites das influências exerci¬
das pela regulação não-consciente na dinâmica de diversas
* O xvnx Congresso Internacional de Psicologia (Moscou, 1966)
funções psicológicas e fisiológicas e no comportamento em seu foi uma clara demonstração dessa transformação, que, certamen¬
conjunto. Em nossa exposição desses três aspectos diferentes, te, não privou a psicologia de sua autonomia, mas que, entretan¬
chamamos a atenção para o fato de que o primeiro deles rece¬ to, lhe concedeu características interdisciplinares. Esse Congresso
beu, a partir das posições do materialismo dialético, alguma refletiu o papel de ligação que a psicologia começa a desempe¬
elaboração experimental, o segundo, a partir dessas mesmas nhar, cada vez mais, em relação a domínios do conhecimento que
têm, ao que parece, pouco de comum entre si. Na conferência
posições, foi analisado teoricamente com profundidade na li¬ pronunciada por J Piaget para os participantes do Congresso, esse
teratura soviética e o terceiro foi bem menos estudado, enquan¬ tema do reforçamento do papel de ligação da psicologia enquanto
to a ciência estrangeira, principalmente as doutrinas psicana- ciência como que central apareceu com muita clareza.

322 323
círculo mais amplo de representações, para as quais tendem
l'or certo, é desnecessário explicar a importância dessa

...
atualmente inúmeros outros problemas psicológicos. Mas isso
significa que, na análise do problema do inconsciente, é neces¬ mi nação para as representações do inconsciente. Por um lado,
sário levar em conta a revisão profunda das leis e mecanismos п.и.is a ela, tem-se a impressão de que muito daquilo que foi
da atividade cerebral, revisão essa que caracteriza a neurofi- de m oberto nestes últimos anos na organização e nos mecanis-
siologia moderna e está ligada, em boa parte, à introdução . da atividade cerebral estaria antes ligado à teoria das
nessa última de idéias que têm origem no campo da ciber¬ lui nus não-conscientes da atividade nervosa superior do que
nética. I teoria da consciência. Por outro lado, essa situação coloca
de
m.uicira categórica uma questão metodológica: deve-se admitir
O que acabamos de dizer é suficiente para explicar por
a solução epifenomenalista do problema da consciência suge-
que, ao analisar o problema do inconsciente, dedicamos aten¬
ção ao exame de alguns princípios gerais da teoria moderna nila |x>r inúmeros neuroriberneutas contemporâneos ou, ao
da regulação biológica, elaborados na União Soviética ainda inntrário, tomando conhecimento da contribuição da neuro-
nos anos 30 por N. Bernstein e desenvolvidos ibernética para a teoria do cérebro, e reconhecendo-lhe a
•importância,
amplamente, a não seria necessário, contudo, assinalar a simpli-
seguir, independentemente dos trabalhos de Bernstein, por
Wiener, Shannon, von Neumann, Kolmogorov, Anokhin, I nação trazida para essa abordagem por alguns representantes
Uznadze, Guelfand e seus inúmeros discípulos. Esse exame dessa corrente no que diz respeito ao exame de problemas fun¬
permitiu-nos recordar uma das tendências mais típicas surgi¬ damentais da teoria da organização da atividade cerebral?
das nestes últimos anos na teoria do cérebro, a tendência da A importância dessa alternativa para a teoria do incons¬
neurocibernética a explicar o determinismo do comportamento ciente é evidente. Ao inclinar-se para a primeira das variantes
razoável de um sistema material, comportamento esse orien¬ tiladas da solução, todo o problema da ligação da atividade
tado racionalmente (surgimento de reações de escolha adequa¬ do inconsciente e da consciência, toda a questão das inter-
da, de rejeição eletiva, etc.) , na base de categorias físicas, bio¬ relações entre as formas conscientes e não-conscientes do psi¬
físicas e fisiológicas, abstraindo-se inteiramente, ao mesmo quismo e da atividade nervosa superior perdem a atualidade.
tempo, de considerações a respeito da atividade específica do Ao contrário, preferindo-se a segunda variante, surge uma
cérebro, que se encontra na base do papel regulador da cons¬ larefa difícil — a de mostrar, em primeiro lugar, em que con¬
ciência. siste a função específica da consciência como fator que influi
É precisamente na aspiração a realizar essa tendência
que lia dinâmica dos fenómenos psíquicos e dos processos fisioló¬
reside o caráter de numerosos trabalhos relativos às possibili¬ gicos e, em segundo lugar, de que maneira essa função se ins¬
dades da formação de noções por autómatos, à teoria dos sis¬ creve no quadro geral da organização da atividade cerebral
temas que se auto-organizam, ao problema dos processos
que c riado pela neurocibernética moderna. Ê inteiramente eviden¬
se desenvolvem nas redes neurônicas lógicas, às pesquisas histo- te que, sem precisar essas representações sobre as funções da
nômicas e a outros temas semelhantes. consciência, ficamos privados da possibilidade de entender com
Ê por essa razão que, na moderna teoria do cérebro, se profundidade, um pouco que seja, as funções correspondentes
criou uma situação curiosa e, para muitos, imprevista. Durante do inconsciente.
os decénios anteriores, gastou-se muita tinta para tentar en¬
Tais são, em suma, as posições que se deve ter em conta
tender se as formas não-conscientes do psiquismo eram um
ao examinar o problema do inconsciente, e que determinaram
fator real do comportamento e, além disso, havia pesquisado¬
res que respondiam a essa questão negativamente; agora,
os objetivos concretos e a orientação da nossa análise.
por Inicialmente, tentamos acompanhar as primeiras etapas da
mais paradoxal que pareça, a mesma questão é colocada em
relação à consciência: constitui essa última um fator que par¬ abordagem científica do problema do inconsciente e dissipar
ticipa especificamente da regulação dos processos nervosos ou uma representação bastante difundida, não obstante falsa, se¬
seria mais justo considerá-la apenas como um epifenômeno da gundo a qual Freud teria sido pioneiro dessa abordagem. As
atividade cerebral, que não é necessário absolutamente levar fontes literárias do início do século, em particular os documen¬
em consideração na discussão dos mecanismos dessa última? tosda discussão de Boston (eua) em 1910, mostram que a ex¬
pansão das idéias psicanalíticas representou, em determinado
321
325
sentido, um passo atrás na formação gradual, durante os últi¬ < ) recuo dessas abordagens não-psicanalíticas era inevitável,
mos anos do século xix, das idéias a respeito dos mecanismos e uma vez que nesses anos longínquos faltavam ainda as premis¬
do papel do inconsciente* es teóricas e metodológicas nas quais se poderia apoiar sua ela¬
Muitas correntes da psicologia e da psicopatologia nesse boração posterior. Quanto à justificação da idéia não-psica¬
período opuseram resistência bastante unânime à concepção nalítica das formas não-conscientes do psiquismo, essa era na
psicanalítica. As divergências entre essas correntes eram menos mesma medida impossível sem o apoio de uma teoria psicoló¬
importantes que o que as distinguia do freudismo. Seu objetivo gica elaborada da consciência, em que a representação das for¬
comum era defender o direito à existência (era nisso que se mas não-conscientes da atividade nervosa permanecesse sem
expressava seu caráter progressista) da idéia da regulação não- objeto na ausência da compreensão, nem que fosse nos traços
consciente dos fenómenos psíquicos e dos processos fisiológicos, mais gerais, dos mecanismos dessa atividade, de suas funções e
que favorece de maneira latente o trabalho do cérebro, sem a de seus principais meios de expressão. As premissas necessárias
consideração da qual não poderíamos entender nem essa ati- .1 essa análise (teoria psicológica da consciência metodologica¬

vidade, nem seus distúrbios. Portanto, segundo esse ponto de mente adequada, teoria da estrutura dos sistemas materiais
vista, o inconsciente não cumpre desde o início qualquer fun¬ aptos às formas complexas de elaboração da informação e teo¬
ção antagónica às da consciência. Com o freudismo nasceu uma ria psicológica das atitudes) só foram criadas, como se sabe,
interpretação totalmente diferente desse problema. dezenas de anos mais tarde.
O estudo dos documentos da discussão de Boston revela As deficiências da concepção psicanalítica, o subjetivismo
também como avançamos pouco, em meio século de existên¬ de seus métodos, a inconsistência de seus princípios teóricos,
cia das idéias da psicanálise, no entendimento da natureza do as deduções reacionárias que foram feitas pela sociologia bur¬
inconsciente e até mesmo na justificação de considerações das guesa, o papel social desfavorável que a psicanálise continua
quais decorre apenas o fato da realidade das formas não-cons- a desempenhar, desviando a atenção das possibilidades reais de
cientes do psiquismo. Em relação a isso, a comparação dos do¬ iratamento e profilaxia das enfermidades todos esses aspec-
cumentos da Sessão de Boston relativos ao problema do incons¬ los são amplamente abordados na literatura soviética dos últi¬
ciente com os trabalhos do Simpósio de Moscou relativos ao mos anos e seria supérfluo repeti-los. É mais importante lem¬
problema da consciência, que se realizou 56 anos mais tarde, brar as circunstâncias que determinaram e mantiveram a po¬
é espetacular As declarações céticas de alguns participantes do pularidade ampla (se não crescente) das idéias psicanalíticas
Simpósio de Moscou (A Botchorichvili e outros ) que pro¬ no estrangeiro.
curam provar o caráter internamente contraditório (e, conse¬ A primeira dessas circunstâncias consiste em que, duran¬
quentemente, o irrealismo) da representação de uma ativida- te os anos de elaboração insuficientemente intensa do incons¬
de que, sendo psíquica, permanece ao mesmo tempo não-cons- ciente a partir das posições da psicologia materialista-dialética
ciente reproduzem às vezes, em quase todos os detalhes, a mar¬ e da teoria da atividade nervosa superior, o freudismo adqui¬
cha do pensamento daqueles que na discussão de Boston, ne¬ riu a reputação de ser a única doutrina que trata das leis e
gavam a possibilidade da existência de formas não-conscientes dos mecanismos dos fenómenos psíquicos não-conscientes. A
do psiquismo (Brentano, Miinsterberg, Ribot e outros) segunda circunstância, à qual até recentemente não se conce¬
A ampla difusão das idéias da psicanálise nos decénios se¬ dia atenção suficiente, consiste em que Freud soube, apoiado
guintes fez-se acompanhar do afastamento quase total da maior antes em sua intuição do que no método por ele criado, obser¬
parte das outras interpretações do problema do inconsciente var algumas leis, importantes para a clínica, da dinâmica do
inconsciente. Em primeiro lugar, seu princípio da "recupera¬
ção pela tomada de consciência", isto é, da supressão da in¬
Dizer que o freudismo foi, num certo sentido, um passo atrás em fluência patogênica das representações matizadas da afetivi-
relação às interpretações do inconsciente já constituídas no perío¬ dade que são dissociadas, cindidas ou, para empregar a lingua¬
do pré-psicanalítico não exclui o fato de que, em outros sentidos,
as idéias de Freud tenham sido, ao contrário, mais profundas que gem específica do freudismo, reprimidas, inserindo-as num sis¬
as de seus predecessores (ver § 32 e outros) tema de impressões vividas, apreendidas de modo mais ou me-

326 327
nos nítido pela consciência do sujeito. Citamos acima as de¬ < onsisteno caráter simbólico das síndromes orgânicas. Essa
clarações de Pavlov, que assinalou vivamente a importância representação é que foi posta na base da medicina psicosso¬
desse princípio, e chamamos a atenção para o fato de que, ado- mática há mais de um quarto de século e, a julgar nem que
tando esse princípio, reconhecemos tanto o próprio fato da seja pelas últimas declarações de Valabrega, um dos seus re¬
existência de elementos dissociados desse tipo como a reali¬ presentantes mais conhecidos, não deixou ainda de ser a pedra
dade de sua ação patogênica no psiquismo. de toque da corrente ortodoxa da teoria psicossomática. En¬
É indiscutível que esses fatos contribuíram para aprofun¬ tretanto, não existem na literatura provas clínicas, experimen¬
dar nosso conhecimento sobre as leis do inconsciente, e sua tais ou estatísticas suficientemente convincentes quanto ao ca¬
individualização constitui um mérito evidente de Freud. Ao ráter simbólico das síndromes orgânicas. A importância desse
mesmo tempo — é necessário dizê-lo com firmeza —, Freud não fato para a apreciação da corrente psicossomática ortodoxa é
deu e não podia dar uma interpretação teórica adequada des¬ evidente.
ses fatos. Para isso, teria sido necessário que aprofundasse as
questões da teoria geral do inconsciente, o que sempre pro¬
O objetivo principal da abordagem materialista-dialética
curou evitar. E deve-se reconhecer que sua prudência tinha
do problema do inconsciente na etapa atual não é tanto a crí¬
fundamento. Após os primeiros trabalhos de Freud, foi preciso.
tica de interpretações idealistas já ultrapassadas, como a jus¬
que se passassem decénios para se vir a entender, por exem¬
plo, que a 'tomada de consciência', provocando um efeito tificação de suas próprias colocações iniciais, a análise da
curativo, não é determinada em absoluto pela simples intro¬ significação dos dados que obteve e a definição das perspecti¬
vas do seu desenvolvimento. Por isso, o lugar fundamental
dução na consciência de uma informação relativa ao vivi¬
nas páginas anteriores foi ocupado por esse aspecto constru¬
do reprimido. Para que semelhante efeito seja produzido, ê
tivo do problema.
necessário inserir o vivido dissociado no sistema de uma ati¬
tude específica (seja pré-formada, seja simultaneamente cria¬ Antes de examinar o tema principal, o das funções do
da) , no sistema de uma disposição determinada da persona¬ inconsciente, detivemo-nos na concepção psicológica moderna
lidade em relação ao mundo circundante* Entretanto, esse da consciência.
aspecto do problema escapou à percepção de Freud. Essa a Lembramos as teses fundamentais da teoria criada pela
razão por que muitos de seus dados conservaram, para aqueles filosofia marxista-leninista, de acordo com a qual a consciên¬
que tentaram mais tarde elaborar a teoria do inconsciente, a cia tem uma natureza social, é produto do trabalho e possui
significação de constatações de fatos muito interessantes, sem uma determinação histórica, teoria que, no plano metodoló¬
poder adquirir, entretanto, o caráter de generalizações verda¬ gico, constituiu o ponto de partida da psicologia soviética. Ba¬
deiramente teóricas. seados nesses princípios, L. Vygotski e sua escola, S. Rubins¬
Ao examinar o destino e o papel da concepção psicanalí¬ tein e outros puderam aprofundar a teoria psicológica da cons¬
tica, dirigimos nossa atenção para o reflexo mais importante ciência (como "conhecimento de algo" que "enquanto objeto
se opõe ao sujeito que toma conhecimento") e facilitar sensi¬
dessa concepção na clínica — a teoria da medicina dita psicos¬
velmente, dessa forma, o estudo posterior das manifestações
somática. A crítica dessa teoria está amplamente representada
na literatura soviética, e nós a resumimos num dos capítulos não-conscientes do psiquismo e da atividade nervosa superior.
precedentes. A idéia central da corrente psicossomática, que Para entender melhor de que maneira as representações
põe em evidência sua afinidade com a concepção psicanalítica,. atuais da consciência e da atividade dos níveis superiores do
sistema nervoso central conduzem logicamente à idéia do in¬
consciente, detivemo-nos numa das discussões em que reper¬
E se semelhante atitude se formou, muitas vezes adquire uma efi¬ cutiram as abordagens do problema da consciência que preva¬
cácia terapêutica excepcional e inteiramente independente da to¬ lecem hoje no estrangeiro e os procedimentos de interpretação
mada de consciência do que foi reprimido. Detivemo-nos detalha¬ do problema do inconsciente decorrentes dessas abordagens
damente nesse ponto no Capítulo V. (vimos a discussão de 1960-1961, que teve lugar nas páginas da
328 329
revista alemã Psychiatrie, Neurologie und medizinische Psy¬
chologie) Essa discussão permitiu considerar duas interpreta¬
ções das mais difundidas — mas, no nosso entender, não intei¬
ramente corretas — da natureza da consciência, em
que uma
representa um perigo de biologização mecanicista e a outra
......
.........

I .. ..
.....
ili и
I necessário, finalmente, destacar que os distúrbios da
de consciência do vivido são particularmente nítidos
к lições clínicas. As síndromes da epilepsia e da histeria,
síndromes orgânicas locais acompanhadas de desor-
clctivas do esquema corporal ou da alienação de elemen-

.....
uma ameaça de sociologização idealista de todo o problema.
I In próprio psiquismo, a desintegração característica da es-
Seria difícil, sem analisar com espírito crítico essas interpreta¬
ções e sem superá-las, definir, a partir das posições do mate¬ i|ni/ulicnia da relação normal entre o Eu e o mundo objetivo,
1 1 claçamento patológico dessas projeções principais das
rialismo dialético, qual a relação da consciência para com o
inconsciente
I m I >i rssócs vividas — tudo isso, assim como outras manifesta-
claramente que as desordens mór-
I isi( opatológicas, mostra

........ .
ÿ
"
Ao abordar o exame das funções do inconsciente, com¬ I lit do psiquismo são frequentemente acompanhadas
de um
preendíamos bem que a análise dessas funções só pode ter pre¬ ' de consciência adequada do vi-
ili nil bio da faculdade tomar
tensões a uma atenção séria no caso em que a teoria geral da lo. Por isso, o problema do "psiquismo que não é ao mesmo
• и
consciência conduz à discussão do problema do inconsciente xi consciente", o qual suscitou ásperas discussões
em sua
como de uma de suas partes integrantes indispensáveis. normalidade mental, perde eviden-
Que iplicição às condições de
considerações decorrentes da teoria da consciência tornam ne¬ и te seu caráter paradoxal em relação com as condições da
cessária a colocação do problema do inconsciente? Nós as (nica.
11
acompanhamos, apelando, em primeiro lugar, às representa¬
( ) esclarecimento dos processos que tornam possível a
ções modernas sobre a estrutura psicológica das impressões vi¬
11 1.1 1>1 ação do comportamento à situação
circundante, assegu-
vidas conscientes, em segundo lugar, aos dados decorrentes da
Iи Iк lo uma atividade dirigida para um objetivo, mas perma-
compreensão atual da organização funcional da ação e, em
terceiro lugar, aos fatos obtidos pelas pesquisas da base cere¬ (II I cndo, ao mesmo tempo, inconscientes, colocou uma quanti-
bral do comportamento de adaptação. Lembraremos os prin¬ liide de problemas complexos. O primeiro estava ligado ao
I

cipais resultados desse exame. lenia da classificação. Sem entrar em detalhes, lembramos ape-
И.1Ч a necessidade de distinguir os diversos graus
ou níveis de
A análise da estrutura funcional do vivido consciente reve¬
lou ser esse um fenómeno complexo no mais alto grau, iisílo, e destacar a ligação evidente da atividade psíquica, mes-
que dissociada ou cindida, com a percep-
só aparece na presença de determinadas premissas e que exige inii a mais grosseiramente

longa maturação nas condições não só da evolução histórica do I ,io de sinais e com os processos de elaboração
lógica conse-
homem, como também de sua ontogênese normal. Mas se é inliva da informação recebida.
assim, é evidente que devemos admitir a existência de fenó¬ Evidentemente, as questões da base neurofisiológica do
menos psíquicos não-conscientes, que caracterizam, antes de dи (insciente ocupam lugar especial em todo esse domínio sin-
tudo, uma fase determinada do desenvolvimento normal do "iilar Tentamos precisar sua posição, iniciando pela análise
psiquismo segundo a idade. da relação da idéia dos níveis de vigília com a representação
A análise experimental da estrutura psicológica das rea- do inconsciente Detivemo-nos no erro típico, às vezes cometido
çôes aos estímulos revelou que, mesmo em presença de um psi¬ (principalmente na literatura clínica e fisiológica e não-psi-
quismo normal inteiramente desenvolvido, a tomada de cons¬ ( (ilógica), de identificar a idéia de consciência com a de vigí¬
ciência dessas reações pode ser, em diferentes casos, expressa lia e nas dificuldades singulares que se esboçaram diante da
de modo diverso e, às vezes estar de todo ausente. São exata- teoria do inconsciente depois que a concepção dos níveis de
mente essas variações do nível de consciência que
determinam vigília se enraizou na neurologia. Essas dificuldades surgiram
o surgimento de fenómenos de dissociação, isto é, de pelo menos,
diversas
formas de cisão (ausência de tomada de consciência não so¬ Iим que, a partir dessa concepção, duas questões, o alto
permanecem insuficientemente claras- de que maneira
mente de excitações concretas, mas também de desenvolvimento
motivos que nível de vigília se mostra compatível com o
incitam à ação e, em condições determinadas, das próprias de formas não só conscientes, mas também não-conscientes do
ações)
psiquismo e, em segundo lugar, por que e em que sentido a
330 331
...
........
idéia da dissociação intrapsíquica (da cisão fun¬

.. ..........
diminuição do nível de vigília não significa obrigatoriamente \ , a
il... .li I <l.i independência do estado ativo dos neurónios cor-
uma diminuição do nível da atividade cerebral, que tem por
.
m idação ao nível de vigília contribuiu, em certa me-

...
objetivo a adaptação no sentido mais amplo? it. к

Para responder a essas questões, foi necessário o trabalho lllil.i J >.• 1 .1 que fosse evidenciada a base cerebral das formas
intenso de inúmeros pesquisadores, o que acarretou a evolução IH icntes do psiquismo. Uma terceira idéia desempe-
ulterior de uma série de noções neurológicas fundamentais. plano, papel não menos importante a da de-—

......
I n.Hiui.i da dinâmica das excitações nervosas em face das
Antes de tudo, o que já havia sido evidenciado em seu aspecto I.и idades concretas da organização dos sistemas neurô-
psicológico há bastante tempo foi revelado em seu aspecto I
nl.i. I m lesjxmdentes. A importância particular dessa idéia
neurofisiológico. Temos em vista a existência de relações mui¬
to complexas, não-unívocas e, às vezes, contraditórias, entre os
parâmetros da vigília e da consciência e a possibilidade do
surgimento das mais diversas dissociações funcionais, mani-
..
.
..... ....
рои I leoria das formas não-conscientes do psiquismo é fácil
lender: a exclusão das influências reguladoras da cons-
•• li coloca inevitavelmente a questão de outros fatores que
Ictcrminar a dinâmica das funções. E é natural que,

.....
festando-se clinicamente. O esclarecimento e a análise dessas • m 1 .1 is condições, a atenção se dirija, em primeiro lugar,

......
dissociações permitiram entender melhor tanto a possibilidade I I o papel determinante das particularidades da organiza-
de uma escolha ativa dos sinais, da manipulação da informa¬ I -.1 1 ni ural dos sistemas neurônicos correspondentes.

....
ÿ

......
ção recebida, da conservação e da reprodução dos vestígios, Л idéia da dependência da função nervosa em relação aos

....
etc., a níveis baixos de vigília, como, ao contrário, a
perturba¬ os detalhes da estrutura das redes nervosas aproximou
ção da função da escolha ativa dos conteúdos da consciência
observada em condições clínicas determinadas de um alto nível
. m muito, no último decénio, as pesquisas neurofisiológicas e
m ibernéticas e permitiu-lhes o enriquecimento mútuo.
de vigília. É evidente a importância dessas dissociações, condi¬ ' o te graças a essa idéia é que nos encontramos em condi-
cionadas por perturbações patológicas de um tipo e de uma 1 1< ". ile dar um passo adiante no entendimento
1 do que pode
localização determinados, para o aprofundamento das repre¬ ÿ
I .1 base estrutural dos processos de elaboração não-conscien-
sentações sobre a base neurofisiológica das formas não-cons- ii da informação, que se desenvolvem no substrato cerebral.
cientes do psiquismo. IinIiçamos nossa atenção a essa idéia e tentamos mostrar as
Nesse mesmo plano, não é menor o papel desempenhado li >i mas originais e, não obstante, análogas em muitos pontos,
por outra corrente de pesquisas neurofisiológicas, na qual se ..li as quais ela se manifestou na neurocibernética e na neuro-
apoiou a representação do estado ativo dos neurónios corticais liMulogia. Apresentamos também algumas provas de que todo
nos baixos níveis de vigília e até mesmo durante o sono com¬
portamental (ou seja, a concepção da irredutibilidade do sono
.. movimento original do pensamento não tem o caráter de
mm pies exportação de construções cibernéticas para a fisiolo-
a uma inibição cortical difusa e do papel fundamental desem¬ A crítica da determinação rígida das ligações neurônicas
penhado em toda a atividade cerebral pelas inter-relações com¬
plexas, às vezes conjugadas e às vezes, ao contrário, antagóni¬
..I I

n inais e os argumentos favoráveis à sua natureza estocástica


I percutiram, na literatura neurofisiológica dos últimos
(
anos,
cas, de sistemas cerebrais concretos mais ou menos precisa¬ ili maneira inteiramente independente das representações que
mente localizados) . Nos marcos dessa corrente, papel parti¬ um origem na simulação neurocibernética genotipica.
cular foi desempenhado pelo estudo do sono dito paradoxal
Assinalamos a idéia da dependência da dinâmica das fun¬
(rápido) . As provas obtidas, como resultado disso, quanto à
nies nervosas em relação à organização das redes neurônicas
manutenção de uma alta atividade fisiológica das formações
nervosas nas próprias fases mais profundas do sono foram uti¬ и.lo jrorque a consideremos capaz de dar uma solução defini¬
tiva qualquer, nem que seja de princípio, para a questão de
lizadas por alguns autores como argumentos indiretos em fa¬
vor da probabilidade da existência de formas não-conscientes . iber para qual tipo, para qual forma de fatores determinan¬
da atividade cerebral de adaptação e da ligação dessas formas tes é possível apelar se se faz abstração da representação do
com os sinais eletrofisiológicos habituais de participação de
elementos corticais na execução de reações de adaptação.
napel regulador da consciência. Conhecemos as grandes difi-
i1 /1 1o rlОС /• Г>in mio ocbarrcirÿm яç fovítn (-«тле do dodimr
--
ÿ

332
333
mas complexas de elaboração da informação, características do inia regulamentação é atribuída à ação, isto é, quando um
cérebro real, a partir somente das propriedades das redes neu I leito antientrópico é atingido. E a criação de semelhante re¬
rônicas organizadas de maneira probabilista. A heurística mo gulamentação não pode ser assegurada se não existe um siste¬
derna, destacando que, nas tentativas de esclarecer os mera ma de regras determinando a significação da informação rece¬
nismos do processo de tratamento da informação, é necessário bida, um sistema de critérios de preferência, na base dos quais
levar em consideração não só as particularidades da topologia e, decisões são tomadas, um sistema de tendências de reação
e dos princípios da organização dinâmica das redes lógicas,
bastante flexíveis para se modificar quando a situação muda
mas também as particularidades da estrutura funcional do pro r, ao mesmo tempo, bastante estáveis para continuar a exercer
cesso de informação propriamente dito, constitui, sem dúvida,
tinia influência diretora, não obstante uma quantidade
de
uma das primeiras reações a essas dificuldades. obstáculos, em princípio eventuais, ou, para falar numa lin¬
A simulação cibernética genotípica da atividade cerebral guagem mais próxima da teoria da regulação biológica, se não
e as teorias que se encontram em sua base não deram, até ago ( s isle um sistema de atitudes determinantes do comportamento.

ra, uma resposta radical para os mistérios da organização fun¬


Essa tese é suficiente para explicar por que, na teoria mo¬
cional do cérebro. Mas representam uma etapa importante no
derna dos autómatos, da mesma maneira que na psicologia, se
caminho do esclarecimento desses mistérios, que têm aspectos
inn concedido, nestes últimos anos, atenção sempre crescente
débeis e aspectos fortes. Um dos aspectos débeis dessa etapa é
.10 problema das atitudes No que concerne à teoria do incons-
que nela predomina a tendência a resolver o problema da I ie.nte, a idéia das atitudes adquire para essa uma significação
consciência dentro do espírito de um epifenomenalismo estri
to. Essa circunstância não podia deixar de encontrar reflexo no
muito particular- se reconhecemos que os fenómenos psíquicos
mlo-conscientes estão estreitamente ligados à função da mani¬
destino da corrente neurocibernética. Retirando a consciência
do conjunto de parâmetros da atividade cerebral com os quais pulação da informação, somos obrigados, assim, a admitir que
riw.v fenómenos não estão menos intimamente ligados à função
tem relação, essa corrente não chegou, por certo, a excluir a
ile formação e utilização das atitudes, uma vez que, sem o papel
consciência dos objetos suscetíveis de ser explicados de modo
científico, mas apenas a se transformar ela mesma numa disci¬ intermediário dessas últimas, a transformação da informação
em fator de regulação não poderia produzir-se Levando em
plina que estuda os mecanismos nervosos pouco ou até mesmo conta essa circunstância, obtemos o direito de considerar os
nada ligados à consciência. Essa a razão por que, ao apreciar o
papel da neurocibernética moderna, é necessário assinalar que, processos de elaboração da informação e os processos de for¬
mação e utilização das atitudes como as duas funções princi¬
até hoje, ela pouco contribuiu para a teoria psicológica da
pais do inconsciente, que asseguram a participação ativa desse
consciência e, menos ainda, para sua teoria filosófica, entre¬
lator na ação de adaptação do organismo.
tanto, revelou-se muito útil para a teoria do inconsciente
Quanto ao problema da formação e utilização das atitu¬
des, tornamos a esbarrar no mesmo paralelismo característico
O que dissemos até agora, contudo, está relacionado ape¬ do desenvolvimento das idéias relacionadas com diferentes dis-
nas com um dos aspectos dessa útil função da neurocibernética I ipl inas que já encontramos ao abordar a questão da depen¬

a possibilidade de aprofundar, na base de algumas de suas no¬ dência em que se encontra a dinâmica das excitações frente
ções, a representação dos processos cerebrais ligados ao trata¬ à estrutura das redes neurônicas. Entretanto, se, no caso pre-
mento não-consciente da informação. Outro aspecto análogo I cdente, tratava-se da coincidência de deduções da teoria da

é a precisão das representações dos princípios e mecanismos simulação neurocibernética e da neurofisiologia, agora somos
da regulação não-consciente das reações biológicas e do com¬ testemunhas de relações análogas entre a teoria da simulação
г .1 psicologia com sua concepção do papel regulador das atitu¬
portamento.
des, profundamente elaborada através dos decénios pela escola
A respeito dessa questão, lembraremos algumas das prin¬
cipais teses relacionadas com ela. de Uznadze. Certamente, a própria existência de correntes do
pensamento mutuamente independentes e, no entanto, aná¬
A informação adquirida pode ser utilizada com o obje- logas é um argumento de peso em favor da importância cien-
tivo de regulação apenas no caso em que, tendo-a como base, 11fica de cada uma dessas correntes em particular

334 335
Examinamos o papel cbncreto assumido pelas atitudes não-
conscientes na regulação de diferentes funções psicológicas e
do comportamento em seu conjunto e, ao mesmo tempo, sub¬
metemos à crítica algumas representações insuficientemente
precisas de autores americanos sobre a maneira como o fator
. ........
.....
la
. I.iioi uivo
se a consciência não é um epifenômeno, mas
I ni I elanto,
da atividade cerebral, qual sua relação, então,
.1 atividade do inconsciente? Limitar-nos-emos aqui a re¬

ia tese de primordial importância no plano da dis-

III in oui a escola psicanalítica.


(

atitude se inscreve no esquema da organização funcional da N.io há dúvida alguma, não obstante este ponto ter sido
ação. I Iti им Ite destacado na literatura e possa parecer inesperado
ÿ ÿ

и" p.n lidários da psicanálise, que um dos erros do freudismo

lui I simplificação surpreendente do problema das ligações en-


A principal deficiência do quadro geral da organização III iiiiisciência e inconsciente,a extrema estreiteza da gama de
funcional do cérebro criado pela neurocibernética moderna >lil и ni es relações que aqui intervêm. Toda a complexidade
dessas
consiste na ausência paradoxal de manifestações da função es¬ • 1 1 1 и ilmente concebível e internamente contraditória
pecífica da consciência. Que pode ser contraposto concretamen¬ l u m s foi reduzida, pela teoria da psicanálise, a apenas uma
"
te a semelhante interpretação epifenomenalista? li niléiii ia dinâmica, ao antagonismo funcional entre consciên-
I i.i г inconsciente, à teoria da repressão como efeito principal
Tivemos a oportunidade de destacar que a posição ocupa¬
da pela neurocibernética moderna diante do problema da cons¬ ili < .miogonismo e à representação de que o simbolismo é o
ciência decorre de uma idéia da natureza da consciência total¬ pilniipal meio pelo qual o inconsciente supera os diferentes
I 11 и is que a consciência lhe impõe. Uma compreensão tão restri-
mente determinada e, a nosso ver, fundamentalmente inadmis¬
IIv i ilcve ser rejeitada não só porque entra em contradição com
sível. A análise do conceito de consciência a partir das posi¬ evolucionista, mas ainda porque
ções da teoria materialista-dialética do cérebro que atribui ine¬ " princípios da abordagem não-
11 и 1.1s as investigações objetivas, sem exceção, das formas
vitavelmente aos processos cerebrais, que se encontram na base
da atividade específica da consciência, a qualidade de ativi-
. ним ii ntes do psiquismo e da atividade nervosa superior confir¬
mam a existência, entre a consciência e o inconsciente, de inte-
dade, obriga a considerá-los como fator de ingerência direta
I II cies caracterizadas tanto por um antagonismo funcional
no desenvolvimento dos fenómenos psíquicos e das reações fi¬
inino por uma sinergia funcional. Esse último tipo de rela-
siológicas e que exerce profunda influência em toda sua din⬠i"i". predomina nas condições normais e é necessário à orga-
mica. E quando se coloca a questão dos mecanismos que ga¬ ÿ 1 1 /ação adequada das mais variadas formas do comportamento
rantem essa atividade, encontramo-nos novamente, talvez de
• li adaptação.
maneira um tanto inesperada, dentro de um círculo de idéias
próximas das da neurocibernética. Essa afinidade surge porque Л compreensão dessa duplicidade em relação às categorias
a atividade da consciência não pode ser entendida de outra da consciência e do inconsciente faz mais do que evitar uma
maneira senão ligando-a aos fenómenos da "presentação" da
Interpretação psicológica incorreta. Não é menos significativa
nu plano sociológico e filosófico mais amplo, pois elimina uma
realidade, no sentido atribuído a essa noção por A Leontiev
E a "apresentação" manifesta-se numa espécie de "duplicação" iHiuepção tipicamente psicanalítica, a de contrapor a cons¬
ul ih ia ao inconsciente como duas entidades antagónicas des-
característica do mundo, que se apresenta como a expressão dr a origem. E a rejeição dessa contraposição leva à rejeição
original de uma "simulação" psicológica e, assim, como a base dus pontos de vista pessimistas do freudismo a respeito do
psicológica da regulação da atividade futura. destino do homem e de toda a humanidade. Libera-nos da idéia
Surge, por isso, a convicção de que as declarações céticas, a subordinação sem saída da consciência aos impulsos primi¬
ÿ

em relação à atividade da consciência, de alguns teóricos emi¬ tivos não-conscientes, da representação de que não existiria
nentes da neurocibernética não decorrem, logicamente, dos qualquer esperança na luta contra o que estaria apenas enco-
princípios fundamentais dessa disciplina. São, antes, a expres¬ bcrio por um verniz de civilização, mas permanece como mar-
são do que há de inadequado nas posições teóricas iniciais e I I profundamente arraigada da origem do homem moderno

das imprecisões cometidas por esses pesquisadores na explica¬ ÿda animalidade de seus ancestrais distantes. A ligação da
ção da natureza da consciência. lógii a do freudismo com essa filosofia tenebrosa é indiscutível.

336 337
utilizadas for-

......
Contudo, depois que as idéias de Freud foram promovidas à poi precisar as principais categorias
categoria de doutrina sociológica, contribuíram não só do psiquismo e formas não-conscientes da
para я loin conscientes
reforçar esses dogmas que desarmam o espírito (não temamos Hÿif ÿ/.( ./< nervosa superior Pudemos introduzir essas precisões,
dizê-lo) e são amorais, como continuam lamentavelmente, a In nos nos dados relativos aos diferentes níveis de
cisão
||i
alimentar todo tipo de suas formas, até hoje. \ in,Wise da ontogênese da consciência não deixa dúvida
Os últimos capítulos da obra são dedicados ao
problema ||« • 11 1< nas d iíerentes etapas desse processo complexo, nos en-
notoriamente psí-

......
mut', diante de fenómenos que, sendo

...
da atividade reguladora do inconsciente, aos meios de
são dessa atividade no comportamento do homem
expres¬ I "it 1

Nli
1

и lo são, entretanto, conscientes. A criança pensa e sen-

........
e à dinâmica só lhe vem numa
das diferentes funções do seu organismo. I, m I consciência ,i de que ela pensa e sente

...
ili terminada, relativamente tardia, do seu desenvolvimen¬

. ......
Ao analisar o papel organizador das atitudes,
tentamos de consciência pelo sujeito de suas próprias expe-

.........
acompanhar as formas concretas de inserção do inconsciente to Л
na estrutura funcional da ação. A esse ÿHiiilii, vividas mostra-se diversamente perturbada também
respeito, chamamos a
atenção para uma contradição característica entre a necessida¬ fa| clínicas. Na descrição desses distúrbios, podemos
à maioria das noções psicológicas tradicionais (pensa-
de de uma regulação contínua da ação e o caráter
te descontínuo da atividade dirigente da
forçosamen¬
consciência. Melhor,
}
. de to, sensação de necessidade e de satisfação, etc.),
Iи и и lo que, na estrutura e na dinâmica dos processos
que são
talvez, do que qualquer outro fato, essa
contradição permite |i Hi mios nesse caso por essas noções, existam particularidades
entender a inevitabilidade da participação do à consciên-
inconsciente I J и I ll ii .is decorrentes de sua não-apresentabilidade
nos processos de regulação das ações. do psi-
III I si. imos, assim, diante de formas não-conscientes
Admitindo-se o entrelaçamento do inconsciente como fa- Htiuoioi no sentido estrito dessa noção.
tor ativo da regulação com o tecido da
ação, uma quantidade мы m quadro se esboça quando passamos ao exame de

........ . .
de questões típicas surge inevitavelmente- a da só a apresentabi-
relação da I• и m I , mais grosseiras de cisão, nas quais não
representação da atitude não-consciente, que rege a ação, com está mas onde a pos-
Ihtiiilc dos conteúdos psicológicos ausente,
a representação da automatização da atividade
voluntária ela¬ 1 1 1 1 d.ide mesma, para
1 1 esses conteúdos, de serem vividos como
borada pela psicologia antiga, a da estrutura hierárquica da da realidade, e o grau de intensidade, de
и Ih so subjetivo
atividade e das variações de nível de tomada de consciência um problema
tu idade e de clareza desse vivido tornam-se
das ações elementares que constituem essa atividade; a do
ca¬ li ih lli il solução. Quando da análise dessas formas grosseiras
ráter dinâmico das atitudes conscientes e
não-conscientes que iilnen.idas tanto na patologia como em condições normais
procuram realizar-se no comportamento; a da influência dessas -чет pio, em etapas determinadas do desenvolvimento da
atitudes na formação das síndromes clínicas e na dinâmica dos lu m automatizada) , encontramo-nos
diante de uma atividade

......
processos patológicos, etc. qui assegura formas, por vezes muito complexas, de compor-
Observa-se facilmente que todas essas questões foram du¬ I m m i ilo de adaptação e que têm, por isso, os traços caracte-
rante muito tempo consideradas acessíveis à pesquisa somente ilniios da atividade nervosa superior Entretanto, a única cate-
a psicológica que podemos utilizar adequadamente
na
com a ajuda de métodos elaborados nos marcos da
psicanálise categoria de atitude
e da medicina psicossomática. Podíamos deixar de levá-las
em Imitlisr dessa atividade é a
l'oi isso, é oportuno reservar a noção de formas não-cons-
consideração enquanto o tema da regulação do comportamen¬
to pelo inconsciente não se colocou diante de
nós com toda
agudez. E quando as dúvidas a respeito da atividade regula¬
.
o nies da atividade nervosa superior no sentido próprio e
II m para designar precisamente esses processos singulares,
es-
por
dora do inconsciente foram eliminadas, surgiu a tarefa de não tin. dos quais, não obstante estarem dirigidos para
um objeti-
afastar os problemas desse tipo, mas mostrar concretamente III impossível
I ver a dinâmica dos estados psicológicos ordiná-
em que consiste o caráter não-adequado de sua
solução psica¬
II", subjetivamente vividos*.
nalítica e que caminho deve ser seguido ulteriormente. não-
A análise desses problemas complexos exigiu a Vrr no § 60 a significação que adquire a noção de formas
utilização conscientes da atividade nervosa superior numa interpretação mais
de noções precisas. Essa a razão por que a empreendemos, co- iiinpla.

338 339
Tudo isso

.....
revela com bastante clareza que, não se
levando esclarecer, de ma-
em conta o papel do inconsciente
como fator de regulação e, II hii.ii ;i lodo esse conjunto, foi possível
em particular, não se levando em o inconsciente e a
Il l'Icijiiada, a relação existente
entre
atitudes não-conscientes, fica-se privado da significação das
conta a
Пи» lêni In, с sérios obstáculos foram criados contra a utili-
possibilidade de da filosofia
entender a organização das formas mais
importantes da ativi- Hh • lo idéia do inconsciente como fundamento misticismo raffiné.
dade de adaptação do cérebro. Fora da idéia da regulação não- ÿI alismo, do pessimismo social e do
consciente, é impossível entender tanto os atos automatizados '•и,indo dizemos que a discussão sobre
a natureza do in-
como a hierarquia da estrutura a todas essas teses, se
funcional dos atos comporta¬ ВЦ| I' nie, que permitiu que se chegasse
mentais, a natureza dos sonhos, os não pensamos que todos
mecanismos
provocam a moléstia, a resistência a esta, e fisiológicos que H}t ''на do seu termo, certamente
discussões, ou mesmo a maioria,
de outras coisas. E a utilização da idéia de uma quantidade I||hi participaram dessas falar do fim da
ciente permite empreender a explicação regulação não-cons- Hi Iим dr acordo com essas teses. Só se pode em nos-
de todos esses com¬ H» и .m porque toda a teoria do cérebro se apresenta
plexos problemas, que durante muito
tempo evitamos abordar, |t di ri algo evidente, provavelmente, para todos — numa
a partir de posições novas e do incons-
)цм- um uamente nova. Nesta fase, a representação

.....
muito interessantes em muitos
pontos. outras formas da atividade
Por conseguinte, é lícito supor que as
pf« • ' , iv,im como a de inúmeras
I

correspondência com os
l iiil. deve ser transformada em
ram tanto tempo (todo um século!) a
discussões que dura¬ tfit idéias, com base nas quais
respeito da realidade do Mti m piiinípios gerais, as novas
inconsciente estão próximas do seu termo. Essas
de longe foram infrutíferas. discussões nem lpt1 .atualmente explicar a atividade do cérebro.
da regulação biológica
Entre
ocupam,
Permitiram não só estabelecer o M* ' li li' I.is novas, as da teoria isso,
próprio fato da existência do inconsciente, mas lugar inteiramente especial. Por
também elu¬ |*ii n i importância, um outro caminho diante
cidar o papel desse último como um dos
fatores importantes I|i при ,filiação do inconsciente não tem acordo com as principais
da regulação do comportamento da Hli ni não v o de transformar-se, de
atividade biológica do
organismo humano. Ao mesmo |{f|i 1 IIr via teoria.
se entendesse com mais profundidade contribuíram para que
tempo, visão, o autor vai
a natureza desse fator, яи o leitor estiver de acordo com essa um
mostrando que ele intervém de diversas tiiimiilriat que cumpriu sua tarefa e que pode ser feito
maneiras (em algu¬ discussões relativas
mas condições, como formas
não-conscientes do psiquismo; em Г lui m, и positivo das longas e apaixonadas
outras, somente como formas |n piublcma do inconsciente.
não-conscientes da atividade ner¬ a partir das posições
vosa superior, privadas da modalidade do
vivido) As discussões \ análise da teoria do inconsciente
permitiram igualmente precisar os |l I filosofia do materialismo
dialético, no plano mais geral, e
princípios da análise de
todo esse problema muito complicado,
destacando « P h m das posições da teoria da regulação biológica, no plano
assim como em todos os outros domínios da que nele,
il' na . construções concretas, é —e disto estamos convenci-
teoria do cérebro,
os únicos meios de aprofundar os única estratégia que se abre, para essa teoria, no sen-
conhecimentos são os proce¬ ,1,, a
Gostaríamos
dimentos objetivamente controláveis, que se apoiam
em expe¬ llilu dr amplas perspectivas de desenvolvimento. mais
riências de laboratório ou na observação clínica ,|, и к -ditar que, no final das contas, os representantes
e, em prin¬ deixar de ficar
cípio, incompatíveis com qualquer pu azes da escola psicanalítica não poderão
científicas
substituição das categorias pi I
por argumentos baseados apenas na intuição, no ,i, и nulo conosco quanto a esse ponto.
"sentimento" ou na "compreensão" (no sentido de
Essas discussões permitiram ter maior Dilthey)
clareza sobre as princi¬
pais funções do inconsciente• por que tais
entendidas como ligadas aos processos de funções devem ser
elaboração da infor¬
mação e da formação e utilização das atitudes, e
neira o inconsciente se encontra de que ma¬
inserido na estrutura da ati¬
vidade cotidiana normal, nas modificações do
nal, nas reações patológicas do estado funcio¬
organismo humano?
340
341
.... Ill111 uma mesma idéia central: o Inconsciente é algo
inli o nas profundezas do psiquismo, oposto à consciência e

...... .
acordo com suas próprias leis particulares e espe-
l|in ilvc de
a consciência.
ll' mi иito diferentes das que são típicas para
a ela,
juramente, essa idéia não é nova. Referindo-se
POSFÁCIO DA EDIÇÃO RUSSA I in in I Ion lançou, no estilo sarcástico que lhe era próprio,
seria
и plica característica, segundo a qual o inconsciente
in 1 1 o ridículo, pretendendo que cada homem tenha em si
HiIihi mino um velho macaco microcéfalo (198) . Ey, abordando
Hi им .ma idéia, naturalmente em outro tom, oferece definições
abordagem
|4|ih и lidem com grande precisão o estilo de uma desenvolvi-
I f I• loi lípica para um período muito longo no
das representações do inconsciente. Segundo ele, o in-
#•11 iiio
emerge à super-
Hни и lei île é a profundeza do ser, é o que não não
f|t li não só porque não está na superfície, como porque
|li il l.'i encontrar-se. Bergson dizia que frequentemente se nega
|i I Hislência desse inconsciente porque
não se sabe onde locali-
O posfácio de um livro dá ao autor a I In O inconsciente não pode ser uma simples negação, uma
possibilidade
dialogar com o leitor não sobre o conteúdo da sua obra, de #lin I îles ausência de consciência. O inconsciente não obedece
mas tudo que tem de
a respeito de sua postura diante desse
conteúdo, de dizer por in Iris da consciência. É nisso que consiste
que escreveu dessa forma e não de outra, o que lhe I• Iih lamentai a intuição de Freud, é o que sua descoberta tem
fundamental. Mesmo que o leitor tenha cumprido sua parecetarefa
1
ill Ievolucionária e de copernicana. O inconsciente em sua
com assiduidade e boa vontade e o racional que ele se submete a
autor se tenha esforçado luliiiii pura indica ao princípio
por ser consequente e rigoroso, uma conversação de sua repressão. O inconsciente é
iniliin leis. É daí que parte
realizada com toda franqueza, não costuma ser inútil.despedida, IihçíhIo a ocultar-se, ele está sob guarda e, se é possível expres-
Essa a razão por que gostaríamos de evidenciar, I II л assim, está condenado a não aparecer,
a não se manifes-
em nosso
posfácio, alguns pontos que nos parecem cruciais. i и se a consciência não se tornar
tolerante, se suas leis não se
O primeiro diz respeito à própria essência da aquecerem. Só lhe é permitido intervir como hieróglifo,
idéia do • nli decifrado. Só a psicanálise lhe
inconsciente. Em tudo aquilo que dissemos, esforçamo-nos por ÿ
1 1 и ' tem a necessidade de ser
mostrar que uma das interpretações ainda
amplamente admiti¬ pei mite descobrir-se (198).
da dessa noção é injustificada e uma outra, (atamos esses trechos característicos do artigo introdutó-
adequada. Que até que ponto as
interpretação nos parece injustificada? iiu de Ey para mostrar, em primeiro lugar,
Freud, apresentadas no limite dos dois
Diante de nós temos um livro extremamente substancial e piisKÓcs iniciais de
talentoso, O Inconsciente (VI Colóquio de Bonneval) , #i I lilos, continuam em nossos dias a determinar o pensamen¬
pu¬
blicado em 1966, sob a organização geral de Henry Ey, com to I línico de orientação psicanalítica (e, consequentemente,
participação de Guiraud, Hyppolite, Lacan, Merleau-Ponty,
a
que papel insignificante desempenha no fundo todo o
movi¬
Minkowski e outros eminentes pesquisadores franceses mento dito neofreudista) e, em segundo lugar, para eviden-
nas ortodoxa.
áreas da neuropsiquiatria, psicologia e
neurofisiologia. Esse • eu, mais uma vez, o que contrapomos a essa visão
livro, resultado de um trabalho preparatório Se, para Ey e aqueles que partilham de seus pontos de
de muitos anos da alma",
realizado por um grande grupo de autores, reflete as ist.i, o inconsciente é um "habitante das profundezas

-----
diferen¬ cativo, para
tes abordagens de uma questão central
que é colocada: em insurgente, insubmisso à consciência e, por isso,
resumo, o que é o Inconsciente? Entretanto, mis o inconsciente é, antes de tudo, uma generalização à qual
apesar de toda
diversidade das interpretações que são ali expostas, todas elasa I A ÿ tvorrulnnrл mm. fanv-

342 343
tamento de seus correlatos
reta da
páginas anteriores
que somos obrigadosrepresenta
te regulação, a
nos impomos como
vegetativos sem a
consciência. A maior parte daquilo
a reconhecer a
participação di-
que foi exposto nas
uma tentativa de
mostrar por
possibilidade de
que conceitos e categorias semelhan¬
devemos recorrer se
objetivo elaborar a teoria
melhante regulação e qual é a das leis de se¬
I ...Vemos, assim, que a posição de Freud é a de um psicolo-
J >i t го e consequente. Entretanto, é interessante que até
ÿih li li и o da corrente psicanalítica tão severo como Wells
Hill 1 1 inilinado a justificar essa posição de Freud. Wells diz
Ho. ' I decisão não foi de maneira alguma uma livre escolha,
terna das relações dialética real, a contradição Hui'Ih ido determinada estritamente pelas lacunas da ciência
sinergo-antagonistas frente à in¬ Й" к irlno na época de Freud (261).
consciência, que caracteriza essa regulação. atividade da' Nilo é possível discutir a afirmação de Wells, segundo a
É evidente que,
são da essência do modificando dessa maneira a Hlinl ,i n oria do cérebro, no final do século passado, oferecia
inconsciente, compreen¬ ниши poucos pontos de apoio para conclusões a respeito do
tratando
categoria ligada
principalmente à teoria dao inconsciente como' .ni..и,Ho cerebral do inconsciente. Entretanto, é também in-
em consequência,regulação do com¬
portamento, modificamos, (juinilvi l que elaborar as representações das leis da atividade
logia de seu estudo em toda a metodo¬
comparação com o que l>M lu.il rejeitando por princípio o problema do substrato ce-
cepção psicanalítica. propõe a con-r ii In il ((instituía uma tentativa fisiologicamente não-contro-
Parece que,
alguma forma ao adotando semelhante abordagem, vamos de
encontro do desejo expresso
I ÿ

-
I ( , por isso, filosoficamente muito perigosa. Essa tenta-
lo и poderia conduzir, e conduziu realmente, à criação de qua-
um de nossos na discussão
oponentes franceses,
destacou as perspectivas de uma V Smirnoff (248), por llin* iiij.i ordenação lógica só era comparável com seu irrea-
que llkiliO.
cussão do problema do aproximação de toda a dis¬
inconsciente com a teoria da neuro- I .d era a posição de Freud. Como abordamos atualmente

...
cibernética e da regulação. I ми , questões? A literatura soviética tem uma tendência pre-
ilniiii liante a resolver a questão das bases cerebrais do incons-
Esse é o primeiro ponto i и no .1 poiando-se nas declarações conhecidas de Pavlov sobre

mar a atenção ao fim sobre o qual gostaríamos ' assunto (66) Volpert, por exemplo, considera que "em
desta de cha¬ ÿ

exposição. lições determinadas são produzidos no córtex cerebral fo-


O segundo refere-se à
do inconsciente, pode função que, no estudo do problema ." ile excitação ou de inibição isolados que, permanecendo iso-
e deve desempenhar I и li is de qualquer atividade nervosa superior em seu conjunto
fisiologia, a análise da relação atualmente a neuro-
das funções cerebrais com (I pui isso não-consciente) , podem, entretanto, influir no com-
substrato cerebral. É pouco provável o
nalar a significação que seja Ih и lamento do homem, no seu estado geral" (24)
filosófica da resposta a essa necessário assi¬ Semelhantes tendências impõem-se pelo caráter demons-
Até muito recentemente, questão.
eram II uivo e pela simplicidade. Entretanto, não se poderia deixar

...
muito diferentes desse encontradas abordagens
problema na literatura. ill I .malar que, num exame mais detalhado, essas tendências
posição ocupada nessa questão Lembremos a
qualquer tendência a crer", pelo próprio Freud. "Não tenho HM lam-se de difícil entendimento e exigem precisões. Se é

psicológico vague de alguma escreveu ele, "que o domínio do и 1 1 1 1 1 1 ido que a base material do inconsciente é constituída por
1

orgânica. Mas, além forma no ar sem foco cortical de excitação ou de inibição "isolado de toda
dessa convicção, não tenho qualquer base a invidade nervosa superior em seu conjunto", é necessário,
teórico ou terapêutico, e conhecimento
por isso devo I" lu visto, reconhecer que até as formas complexas de regula-
não tivesse diante de
mim nada além do conduzir-me como se
psicológico" (180) ç.iu do comportamento (a regulação semântica inclusive) po-
Destaca ainda: "Deixemos de
lho mental é conhecido lado o fato de que o apare¬ .li m ser realizadas por estruturas corticais desse tipo, funcional-

mica e tentemos evitar sob a forma de uma preparação anató¬ nicnir isoladas. Entretanto, não devemos ignorar os dados ele-
a tentação de iiulisiológicos muito numerosos (Magoun, Grania, Jasper,
sentido anatómico determinar a localização
do psíquico num
\ мок bin, Levanov e outros) que revelam uma tendência opos-
terreno psicológico" (261) qualquer Ficaremos no.
. I I .1 da participação muito ampla (se bem que, certamente,

с unhem muito diferenciada) das estruturas corticais na rea-


344
345
lização de atos reflexos de adaptação, até
ples À luz dessa complexidade de relações,
noção de isolamento do foco cerebral
que passemos do plano da teoria da
mento para o plano da teoria da
mesmo os mais sim¬
entende-se que a
torna-se incerta, desde
regulação do comporta¬
n ......
пит du inconsciente. Um caminho
li и ilógico,
mais direto no aspecto
ainda não foi aberto.
lamentavelmente,

gostaríamos
neurodinâmica. Por isso, pa¬
rece que a teoria dos focos isolados não I para terminar, uma questão cuja resposta posição
passa ainda de uma mim hi visse de encerramento
à nossa exposição. Que
hipótese, que necessita de fundamentação malmente, à luz de tudo que foi dito, em relação ao
talhada e de maior precisão. neurofisiológica de¬ Inli а и I

.....
|}l lllllHIIO?
Poderíamos avaliar da mesma maneira a tentativa francês, eleito
recente¬ Inli nce a F Fraisse, eminente pesquisador
mente feita de definir os Psicologia no último

...
mecanismos fisiológicos da tomada |'n ali 1 1 1 • da Associação Internacional de
(
de consciência e, assim, também do (Moscou, 1966), a bre-
vista as considerações apresentadas
inconsciente. Temos em
por Jasper, no Congresso
• m mi Internacional de Psicologia

II ih Iniição que, no
caso, serve de boa base para a resposta
de Roma (1965) (118), favoráveis à \ jisii .uiálise é uma fé; e, para crer, é necessário começar
existência no cérebro de
elementos celulares ligados especificamente à
atividade da
' I lose de joelhos"' (146)*. Essas palavras coincidem de
consciência. Não obstante todo o interesse que com a apreciação já citada de Baruk
representam tais ш ип i.i surpreendente
hipóteses, a convicção de que realmente refletem a
rial das formas da atividade cerebral base mate¬
que nos interessam é bas¬
tante débil. Un m caracterizar com precisão
a posição de Fraisse, é necessário
.1 cl mi lar que ele destaca
tendências totalmente diferentes. Chama
São exatamente essas considerações que as idéias de Freud contribuíram
particularidades da abordagem do problema determinaram as
que » и t enção para o fato de personali-
das bases estru¬ Im Iи a criação de métodos preciosos para o estudo da
forneceram
turais do inconsciente que procuramos
seguir ao longo de toda Ilu F (Rorschach, Thematic Aperception Test, 1935), psicológicas
às pesquisas
a nossa exposição. Parece-nos ilòrs e um sistema de explicações
que todo ataque frontal a esse i|in
à verificação experi-
problema ainda é muito difícil atualmente I Min d, Kardiner, Linton), foram submetidas
e não pode, sem (Farrel) e serviram elas próprias de base para trabalhos
ini iil.nl Kris e outros)
dúvida, esperar obter êxito. Se ainda (Sears, Gouin-Decarie, Hartmann,
não podemos definir иии!mentais
•l'i.i
com alguma convicção os mecanismos isso, Fraisse qualifica essas idéias de "fundamentais" e consi-
que se encontram na base da dinâmica
fisiológicos concretos ilrni que se tornarão gradualmente mais passíveis de
comprovação
citando Tolman "O clínico
podemos e devemos falar das tendências noconsciente-inconsciente , ÿ iriitiflca. Termina ele seu parágrafo
foram dois homens cuja memó-
desenvolvimento 1'i'cud с o experimentador Lewin
das representações fisiológicas que tornam pois, graças à sua intuição, diferente, mas
mais compreensíveis ÿ In
Jamais morrerá, mutuamente, foram os primeiros a fazer da psi¬
os fenómenos da elaboração cerebral que sc completava
não-consciente da infor¬ cologia uma ciência aplicável tanto aos indivíduos reais como às
mação e a capacidade do sistema
nervoso central de exercer sociedades reais" (146)
influências reguladoras não-conscientes na semântica do com¬ K, se lembramos as palavras de
Fraisse "a psicanálise é uma
portamento Essa a razão por que ciência), o contraste entre essa declaração
dedicamos tanta atenção à ir ' (portanto, não uma
acima aparece com muito mais
análise das relações existentes entre a r a caracterização dada mais
te e os princípios de
atividade do inconscien¬ (ilnrcza.
organização das redes neurônicas, ao exa¬ Por mais surpreendente que
pareça, semelhante inconsequên¬
me dos fenómenos de dissociação
(de cisão) de diversas formas cia caracteriza muitas pessoas. A única maneira de entender por
da atividade cerebral, observados na rigoroso como Fraisse, lhe rende
que um pesquisador, mesmo tão
patologia clínica, ao pro¬ em recordar a contradição, de que já falamos
blema dos níveis de consciência, à tributo, consiste
caracterização adequada das multas vezes antes e que transmitiu
a toda a história da psica¬
representações de uma inibição cortical difusa como inesquecível e paradoxal, isto é, o fato que
base do nálise uma nuança
sono, etc. г .и. teoria abordou problemas
grandes e reais, mas foi totalmen¬
te Inconsistente em suas tentativas de submeter esses problemas
Existem numerosas razões para acreditar
a uma elaboração científica.
por esses caminhos oblíquos que poderemos que será apenas Л posição de Fraisse é inconsequente,
mas nessa particularida¬
medida, para uma compreensão mais avançar, em certa contradição fundamental que
profunda das bases de encontra reflexo claramente a psicanalítica.
estru- ciilupou o valor científico de toda a teoria
346 347
(a psicanálise é "antes uma religião do que uma ciência", nlio incontrolável e errado. Mas, como assinala corretamente
ver § 31) , com a opinião de que a psicanálise tem a "natureza Wells (261), não era em absoluto um ato de livre escolha.
de um culto" (128) , com a declaração de Pavlov ("Freud pôde Nos anos 90 do século passado, Freud não podia apoiar-se
apenas, com um pouco mais ou menos de brilho e intuição, na neurofisiologia, que era débil nessa época. Mas não podia
adivinhar os estados interiores do homem. Ele poderia, talvez, também (e isto é esquecido frequentemente pelos seus críticos)
tornar-se o fundador de uma nova religião. . .") *, e encerram .qniiar-se realmente na psicologia, uma vez que a teoria da
a essência do problema. A doutrina de Freud não é uma teoria estrutura funcional da ação voluntária, que tanto lhe fazia
científica do inconsciente; por isso, a atitude frente a ela não falta, a representação do papel organizador das atitudes, etc.,
pode ser a mesma que frente a uma teoria científica, mesmo não existiam nesse período, nem mesmo em estado embrioná¬
que inexata. Essa doutrina, após longo período, transformou- rio. Se, além disso, acrescentarmos que Freud esteve sempre
se num conjunto de dogmas aceitos não porque estejam .ilhcio à realização de pesquisas experimentais, fica claro que
prova¬ o único procedimento que lhe restava era a construção arbi¬
dos, mas como uma espécie de credo, com base no desejo
de trária de esquemas apriorísticos, nos quais ele acreditava tanto
crer. Como e por que teve lugar essa evolução?
É indiscutível que essa doutrina tentou resolver um dos que nunca procurou comprová-los.
Entretanto, esses esquemas possuíam sua lógica de desen¬
problemas mais difíceis que surgiram no estudo da natureza
humana. Entretanto, não lhe pertence a prioridade na coloca¬ volvimento irreversível, da qual Freud, no fundo, dependia.
ção desse problema, que foi levantado bem antes do seu surgi¬ Sita complicação crescente e gradual criou todo um país de
mento. Mas aqueles que elaboraram essa doutrina (e, em mitos estranhos a respeito do cérebro. Aquele que ingressava
pri¬ nesse país perdia com bastante rapidez o sentimento da rea¬
meiro lugar, seu próprio criador) marcharam, com uma perse¬
verança digna de respeito, na direção escolhida, durante deze¬ lidade das construções teóricas e, mais tarde, tornava-se em
nas de anos. Freud observou logo correlações de grande impor¬ geral partidário de uma filosofia social ainda mais distante do
tância para a teoria geral do cérebro e para a clínica. Temos reflexo da realidade social do que já eram distantes da reali¬
em vista seu princípio da "recuperação pela tomada de cons¬ dade clínica os esquemas estruturais e psicológicos explicati¬
ciência". Mas, quando tentou, a seguir, analisar e explicar vos de Freud (e por isso — é necessário dizê-lo com firmeza —,
essas correlações, surgiu uma situação muito singular e con¬ de uma filosofia socialmente nociva) .
traditória. Toda essa complexidade contraditória da psicanálise mar¬
cou profundamente todo o seu destino. Tendo assinalado
vá¬
Enquanto essas correlações apareciam na qualidade de es¬ da dinâmica
quemas de ligação entre fatos concretos (dissociação de impres¬ rias particularidades extremamente importantes
sões vividas — surgimento de uma patologia do inconsciente, a corrente psicanalítica revelou-se inteiramen¬
— tomada de cons¬
ciência — eliminação da síndrome) , refletiam relações reais te incapaz de analisá-las teoricamente de maneira adequada.
e profundas, cuja importância Pavlov já havia mencionado Entretanto, nunca deixou de considerar como base lógica esse
ramente para o entendimento da patogênese e do
cla¬ esquema inicial real e importante de ligação da eliminação
tratamento
de distúrbios clínicos (66) . Essas correlações indicavam direta- tia patologia com a tomada de consciência da impressão vivida
mente a existência de particularidades e de leis da dinâmica
dissociada, esquema ao qual estão ligados cronologicamente os
dos fenómenos psíquicos e dos processos nervosos (por exem¬ primeiros passos do freudismo.
plo, a realidade dos fenómenos da dissociação psíquica, a pa¬ Existem inúmeras razões para supor que a não-identidade
togênese da impressão vivida dissociada, etc.) . Entretanto, daqui decorrente da significação científica, da repercussão me¬
quando, para explicar esses dados, Freud criou a teoria parti¬ todológica e filosófica dos diversos elementos da concepção
cular da "estrutura do psiquismo", enveredou por um cami- psicanalítica, foi uma das causas principais das divergências,
de extensão surpreendente, quanto à atitude diante do freu¬
dismo que, por diversas razões, se manifestaram em diferen¬
tes países e em épocas diferentes. Somente levando em consi¬
Cilado de acordo com o prefácio de A. Snejnevski ao livro de
Ilarry Wells Pavlov and Freud (edição russa) (261).
deração essa nâo-iclentidade e compreendendo-a bem, pode-
349
348
mos definir adequada e rigorosamente, no momento atual, a
• til ia do freudismo. Por iniciativa da redação da publicação
atitude que merecem a teoria psicanalítica em seu conjunto
e as observações clínicas e psicológicas, assim como |n I iódica Rivista di Psicoanalisi (Milão), esse artigo foi pu¬
os fatos blic.ido cm sua tradução italiana (Rivista, 1959, 2). No mes-
utilizados para sua construção.
IIm número foram inseridos os artigos do Prof. Musatti e do
Pode-se dizer também, com convicção, que a história da
escola psicanalítica é uma ilustração brilhante da l>i Saraval, expressando objeções contra a nossa maneira de
pouca in¬ m i as coisas. A redação da Rivista expressou o desejo de ini-
fluência que podem ter sobre o desenvolvimento de nossos co¬
nhecimentos nos fatos, até mesmo muito significativos e des¬ I i n um diálogo com os pesquisadores soviéticos sobre as ques¬

critos com escrupulosa exatidão, se não são esclarecidos tões abordadas nos trabalhos mencionados.
por
uma grande teoria capaz de interpretar de maneira A tradução em russo do artigo de C. Musatti (Professor
seu real sentido oculto.
adequada
I с Psicologia da Universidade de Milão, Presidente da So-
Os críticos, mesmo os mais rigorosos, da concepção psica¬ I iedade Psicológica da Itália, diretor da Rivista di Psicoana-
nalítica jamais negaram que o fato de ter chamado a atenção
lisi) e a nossa resposta foram publicadas na revista Voprossy
para a complexidade dificilmente concebível da vida afetiva
do homem, para o problema dos impulsos claramente 1'sichiloguu, 1960, 3 Abaixo reproduzimos, com algumas redu¬
vividos ções insignificantes, o texto desses dois artigos.
e dos impulsos latentes, para os conflitos que surgem
entre
diferentes motivos, para as contradições às vezes trágicas entre A seguir, a discussão teve prosseguimento por parte do
a esfera do desejo e a do dever, constitui o Prof. Musatti, no último capítulo da sua monografia Psicoana-
aspecto positivo
e o mérito do freudismo. Muitos avaliaram de maneira seme¬ lisi с vita contemporânea (Turim, 1960)
lhante o reconhecimento por essa doutrina do inconsciente
como um dos elementos importantes da atividade psíquica e Prof Cesare L. Musatti
dos fatores do comportamento. Polemizando com o Prof. Bassin a respeito do seu artigo
Mas e esta é uma lei inevitável do seu desenvolvimento sobre a psicanálise, considero necessário antes de tudo expor
uma concepção teórica não se limita jamais a apenas chamar com clareza e sinceridade a reação que suscitou em mim a
a atenção para o que ela estuda. Esforça-se sempre por exph- leitura do seu artigo.
cá-lo, bem ou mal. E é exatamente nessa etapa da sua aplica¬ Sou um psicólogo que vive no mundo ocidental e que,
ção, a mais importante para toda teoria científica, que se ma¬ durante muitos anos se ocupa da psicanálise, estudando-a de
nifestou abertamente a inconsistência conceituai do freudismo.
um ponto de vista amplo, sem dogmatismos nem preconceitos
E o destino de uma teoria incapaz de explicar está lamentavel¬
mente decidido por antecipação, por mais fortes
diante cle opiniões diferentes. Comecei pelos trabalhos expe¬
que sejam rimentais; atualmente minhas preocupações encontram-se
seus outros aspectos.
igualmente centradas no aspecto experimental da pesquisa
Moscou, fevereiro de 1966/agosto de 1967
jisicológica. Pelo caráter de minhas opiniões e por minha ati¬
vidade política, encontro-me nas mesmas posições ideológicas
professadas por F Bassin.
ANEXOS Entretanto, seu artigo inclui algumas teses que, para em¬
pregar a linguagem jurídica, poderiam ser chamadas não-acei-
Extratos das discussões que tiveram lugar entre 1956 e táveis. Assim, quando F Bassin afirma, criticando a psicaná¬
1967 entre os partidários das correntes psicanalítica e psicos¬
lise, que essa última contradiz o materialismo dialético ou que
somática.
é uma das formas mais reacionárias da ideologia burguesa
atual, e quando utiliza em seu artigo outras afirmações do
Discussão com o Prof Cesare L. Musatti (Milão, Itália)
mesmo género, recorre a um procedimento de justificação que
Na revista Voprossy Psichologun ("Questões de Psicolo¬ é estranho à polémica científica e com o qual é impossível
gia"), 1958, n.°s 5 e 6, publicamos dois artigos dedicados à concordar
T><)
351
Devem-se julgar as teorias científicas do ponto de obteve em alguns
da sua veracidade ou inveracidade, do vista I ente de idéias e de costumes particular, que
social. Se, por
ponto de vista de res¬
ponderem à realidade ou serem arbitrárias, e países tal difusão que se tornou um fenómeno como uma das for¬
critérios. Existem teorias científicas que são
não com outros exemplo, F Bassin, ao falar da psicanálise contemporânea,
confirmadas ou mas mais reacionárias da ideologia burguesa
rejeitadas pela, experiência, e não simplesmente fatores individuais
ou reacionárias. Com efeito, só se progressistas afirmar apenas que, colocando a tónica nos
pode considerar progressista mental, ela desvia a atenção
uma teoria confirmada pela experiência. da infelicidade e da morbidez
Parece-me que essa encontram na base da luta
é a única abordagem correta da ciência a das pessoas das contradições que se
dessa ma¬
partir das posições das presta um serviço,
do materialismo dialético. de classe e, no final contas,
do valor
neira, às forças conservadoras, independentemente a
Peço ao Prof. Bassin que me desculpe a insistência nada tenho a objetar
nesse de seus princípios, eu pessoalmente colocação.
ponto, mas não se trata apenas de uma formalidade,
e sim de isso e estou inteiramente de acordo com essa
uma questão muito importante para do pon¬
mim e para meus con¬
frades italianos. E isso por diversas razões. Assim, se nossos colegas soviéticos asseguram que,
se apresentam hoje diante da so-
to de vista dos problemas que
Vivemos na terra de Galileu. Sustentamos uma luta
per¬ < idedade soviética, uma ampla
propaganda e popularização
versa e cruel pela ciência laica, da qual muito nos
orgulhamos, das idéias psicanalíticas (como ocorreu, por exemplo, nos eua)
pois devemos ainda hoje defendê-la da compreensão
teológi¬ não seria desejável, da minha parte,
limito-me a dizer que
ca da ciência, que ainda perdura entre nós. pois não co¬
A ciência laica
significa para nós uma ciência que se desenvolve na não tenho competência para julgar essa questão, sociedade
da vida da
base de
pesquisas objetivas, inteiramente independente de uma nheço suficientemente bem os problemas
posi¬ soviética.
ção geral preconcebida, seja ela qual for, mesmo psica¬
de uma com a qual estejamos de acordo. Com efeito,
que se trate Em nosso país, a situação é diferente. O movimento
destruição das idéias tra¬
trabalho de pesquisa aceitarmos ou rejeitarmos
se no nosso nalítico cumpre na Itália a função de
fatos determi¬ considerada socialmente pro¬
nados ou explicações de fatos somente porque nos dicionais e essa função deve ser
bem entendido
estar de acordo ou em contradição com
parecem gressista e até mesmo revolucionária. Isso é tão
nossas idéias, não po¬ na Itália, assim como em todo o
deremos impedir os outros de agir da mesma maneira, a nos meios psicológicos que
in¬
do seu ponto de vista. partir Ocidente europeu, os psicólogos e psiquiatras progressistas,
movimen¬
clusive os comunistas, revelam ampla simpatia pelo
Mas existe uma segunda razão particular, pela sua
sobre a qual to psicanalítico, mesmo quando dele não participam
já falei em outro lugar Em nosso país, os que se
psicanálise devem ouvir frequentemente, da parte de
ocupam da profissão.
com
meios conservadores e clericais, que a psicanálise é
alguns De qualquer forma, tudo isso não está relacionado
uma dou¬ a própria ciência. Até em relação à física atómica se pode per*
trina materialista, ateísta e destrutiva e do que à paz? Mas os fí¬
que, por essa razão, guntar- ela não serve mais à guerra
deve ser rejeitada. Resulta que, enquanto pela utilização que terão suas
para uns a psica¬
nálise é o idealismo, para outros é o materialismo, sicos não têm responsabilidade
ser simultaneamente reacionária e que ela pode descobertas e a idéia da utilização não pode entrar no conteú¬
destrutiva. Conclusão, na do da polémica científica, quando está em
discussão o valor
verdade, estranha. esses físicos. Tendo liberado
de tal ou qual teoria lançada por
Certamente, independente da apreciação científica da o campo para a discussão científica, voltemo-
psi¬ dessas questões
canálise, que só pode apoiar-se no exame de sua nos agora para as considerações puramente
científicas do
cia à realidade, da precisão de seus correspondên¬
métodos e dos resultados Prof. Bassin.
terapêuticos obtidos com sua ajuda, é possível colocar seu psico-
questões. Assim, é possível perguntar se não há, outras F Bassin condena em Freud particularmente
, palavras, o fato de
lise, aspectos que representam uma na psicanᬠlogismo (ou antifisiologismo) em outras
em lugar de
ameaça para a sociedade, se utilizar de esquemas e de noções psicológicas
se se considera a psicanálise não da neu-
simplesmente como um con¬
junto de teses científicas, mas como a causa de traduzir os processos da consciência para a linguagem
uma certa cor- rofisiologia.
352 353
Mas o ponto de vista de F Bassin parece-me contraditório.
Contrapõe a recusa de Freud a inserir as noções fisiológicas no
sistema da psicanálise à recusa de Pavlov a introduzir noções
psicológicas no sistema da análise fisiológica. O Prof. Bassin
.....cu longe e, no momento atual, esses estados mórbidos perma-
m inacessíveis do ponto de vista médico.
Não só Freud não queria romper com a explicação fisio-
|i >)• u a, mas estava pronto a lhe ceder o lugar assim que isso
afirma que é exatamente essa recusa que levou a que a teoria Imv.i possível. A recusa de Freud (assim como a de Pavlov)
da psicanálise seja idealista e tenha perdido seu caráter cien¬
tífico.
Na realidade, é precisamente a correspondência da recusa
de Freud e da recusa de Pavlov que permite entender o sen¬
tido do psicologismo freudiano. Essa recusa, tanto num como
no outro, tem caráter puramente metodológico- para Freud,
.....
I m um sentido metodológico e não teórico, e não oculta qual-

• 1 1 и - 1 (oncepção metafísica particular Desenvolvi essa tese em


ГПН no meu ensaio "Les courants de la psychologie contempo-
с dans leurs fondements méthodiques"
Л psicanálise, a teoria dos reflexos condicionados de Pavlov
I nuiras correntes da psicologia contemporânea estão aí apre-
não significa a negação da importância dos mecanismos fisio¬
lógicos do sistema nervoso, assim como, para Pavlov, não é a
- ni.idas como caminhos para a pesquisa, que se desenvolvem
independentemente do ponto de vista metodológico e são suge-
negação da vida psíquica. I idos pela natureza original dos fatos com os quais a psico-
Por acaso Pavlov, ao renunciar à terminologia psicológica lugia tem a ver É estranho que F. Bassin, de um lado, inter¬
e atribua
em relação aos animais, adotou as posições do materialismo lude a recusa de Freud como uma posição metafísicade Freud,
I essa recusa a degenerescência idealista das idéias
cartesiano?
enquanto que, de outro lado, reconheça-lhe o caráter metodo¬
Evidentemente, não. Pavlov dizia apenas o seguinte nada
sabemos a respeito da vida interior do animal e devemos dei¬ lógico, quando confirma a convicção de Freud de que, uma
n-/ que se sabe pouco sobre os mecanismos fisiológicos da
xá-la de lado, limitando-nos a descrever objetivamente as liga¬
.ilividade cerebral, é necessário desenvolver a teoria indepen¬
ções que se estabelecem entre o excitante e a reação. O valor
dentemente de toda a fisiologia, sem nela se apoiar Entre-
desse procedimento metodológico é confirmado pela sua fecun¬
1 .1 и lo, um tanto abaixo, em sua polémica com Wells, F Bassin
didade- Pavlov chegou por esse caminho a uma série de desco¬ ii íonhece a legitimidade das posições metodológicas de
Freud,
bertas que seriam muito difíceis de realizar se tivesse apelado- quando, a respeito da noção de tensão funcional do impulso
para a vida interior dos animais, composta de imagens, repre¬ («orno ele chama esse caso) , isto é, da carga de energia ligada
sentações e lembranças, que se pode apenas supor nos animais aos impulsos, afirma ser impossível acusar Freud da ausência
de laboratório, mas que é impossível definir objetivamente de explicações fisiológicas, uma vez que semelhantes explica¬
mais de perto. A posição de Freud é inteiramente análoga (se ções não correspondiam às possibilidades da psicologia
do final
bem que num outro domínio) do século xix. Com efeito, mesmo nos nossos dias, após a des-
Freud não negava em absoluto a existência de mecanismos I oberta das projeçôes córtico-subcorticais ditas não-específicas,

fisiológicos do sistema nervoso, que correspondem aos proces¬ a questão da base fisiológica da tensão afetiva do vivido,
sos psíquicos. Ao contrário, dizia que, caso se pudessem definir ligado a um conteúdo psicológico concreto, permanece ainda,
os processos fisiológicos e apoiar-se neles, teríamos, tanto no no fundo, totalmente obscura.
plano teórico como no plano terapêutico, condições muito mais Asim, Freud, cujas pesquisas estavam centradas num do¬
favoráveis do que aquelas em que nos encontramos, quando mínio específico determinado, não podia agir de outra ma¬
nos ocupamos da psicologia pura. Gostaria de lembrar, dentre neira. A questão consiste em saber se seu método podia dar
as inúmeras obras de Freud que abordaram essa questão, o bons resultados, e se os deu ou não.
artigo "Die Fragen der Laienanalyse" (1926) F Bassin considera que o mais característico para a pri¬
Em consequência da ligação íntima entre o que chamamos meira fase das pesquisas de Freud é a tese segundo a qual o
de físico e de psíquico, pode-se prever que virá o dia em que impulso à ação se torna patológico quando encontra obstá¬
serão descobertos não só os caminhos teóricos, mas também culos e a realização da ação fica impossível. Essa tese está incluí¬
os caminhos terapêuticos que vão da biologia orgânica e da da numa outra mais geral, que considera o conflito entre os
química aos fenómenos das neuroses. Mas isso parece ainda diferentes impulsos e desejos como patológico.

34 355
Essa tese é aceitável para F Bassin. É
verdade
chega a essa conlcusão não na base de provas internas,que ele
reconhecendo a experiência psicanalítica que leva a isso, mas
na base de provas fornecidas pelas
isto é,

pesquisas exteriores da
escola pavloviana. De qualquer maneira, essa
tese de Freud é
...... Além de quaisquer outras considerações, é necessário re-
Ih cr a debilidade teórica de uma posição que admite dois
1 1 1 и п. de processos inteiramente diferentes como base sobre a
iiiihI se formam os sintomas neuróticos, dentre os quais alguns
admitida por Bassin. Iи и Iciи ser descritos psicologicamente, uma vez que o conflito
Encontramos na obra de Bassin hesitações e algumas con¬ 1 и li- ser reduzido ao sintoma que o expressa, enquanto os
.1

mi I os não podem ser assim descritos, pois os sintomas não têm


tradições, quando trata da maneira como se manifesta a ação
patológica do impulso inibido. Trata-se de um • 1 1 i.i l«|iicr ligação visível com o conteúdo do conflito. Muito
de importância fundamental para o princípio que é nu is lógica é a teoria de Freud, segundo a qual, no caso em
entendimento das idéias
de Freud e para todo o desenvolvimento da quo o sintoma por si mesmo, aparentemente, não tem sentido,
psicanálise,
cípio do caráter específico e da natureza semântica o prin¬ I o se explica exclusivamente pelo fato de que ainda não

cativa) dos sintomas neuróticos. (signifi¬ d. к obrimos esse sentido.


h Bassin afirma que Freud descobriu um procedimento
Qual a posição de F Bassin quanto a essa questão? Por
um lado, considera errónea a idéia de |i и lindar de reconhecimento intuitivo e que introduziu desde
que o sintoma "não só и início no método psicanalítico uma liberdade de interpreta-
aparece como resultado da repressão do desejo,
o desejo numa forma simbólica
mas expressa ÿ .m ilimitada, que priva o método de toda a objetividade. Essa
permitida" Afirma que a olijeção foi apresentada repetidas vezes contra a psicanálise.
experiência clínica mostra, freqiientemente, haver
ções não-específicas, "que de maneira alguma modifica¬ Vnliaremos a ela mais adiante.
estão ligadas ao
conteúdo psicológico do conflito" Afirma igualmente Aqui, lembraremos o que sempre era repetido pelo pró-
tendo entendido há mais de meio século a que,
significação I и io Freud e por todos aqueles que têm uma experiência pes-
gênica dos conflitos afetivos, Freud não pat.o-
•ii ial na pesquisa psicanalítica. Essa suposta liberdade de inter-
pôde utilizar as van¬
tagens indiscutíveis que encerra potencialmente
a idéia do Iи elação não existe na realidade. O método psicanalítico tem
conflito, devido ao seu "antifisiologismo de •aias restrições para quem dele se utiliza, admitindo, entretan-
Por outro lado, F Bassin reconhece
princípio"
iii, que, nesse domínio como em qualquer outro, erros são pos¬
de casos determinados, se bem que raros, também a existência áveis. O perigo maior na aplicação do método psicanalítico
em que entre o dis¬
túrbio funcional, surgido como resultado do п.io está em que se possa ver mais do que é necessário, mas,
teúdo psicológico do próprio conflito conflito, e o con¬
aparece certa ligação sig¬ antes, no que possa não ser visto.
nificativa determinada. Por isso, o conjunto de
gicos provocados pelo conflito reflete sintomas patoló¬ O princípio geral do simbolismo dos sintomas neuróticos
realmente o conteúdo encontra sua justificação teórica no sistema de Freud, até quan¬
psicológico do desejo reprimido. Assim, para casos
reconhece a interpretação psicológica do sintoma,particulares. do se faz abstração das provas concretas que se podem obter
em outros diretamente dos dados da experiência psicanalítica. O sintoma
termos, reconhece a interpretação
por ele condenada no plano lembra não só o conflito que o suscitou, mas expressa, num
do antifisiologismo freudiano.
A posição do Prof. Bassin lembra a de certo sentido, esse conflito e as tentativas de superá-lo (tenta-
mento da publicação (1889) de seu Janet que, no mo¬ livas insuficientes, comprometidas, que, naturalmente, não le¬
Automatisme
que, isto é, antes que Freud tivesse publicado Psychologi¬ vam a uma solução real do conflito)
sua pesquisa F Bassin não menciona a obra Hemmung, Symptom und
feita conjuntamente com Breuer, descreveu
dicos onde os sintomas histéricos reproduziam alguns laudos mé¬ Angst ("Inibições, Sintomas e Angústia") Nela teria encon¬
os elementos do trado essa noção desenvolvida e explicada. O Prof. Bassin de¬
fato que havia traumatizado o enfermo.
Mais tarde, em sua dica várias páginas a um segundo argumento o caráter in¬
polémica com Freud, Janet escreveu que se tratava
de exceções consciente do conflito. Aqui ele também apresenta grande nú¬
muito raras e que, no fundamental, os sintomas
são específicos e se encontram totalmente histéricos não mero de advertências, em primeiro lugar, diz que a interpre¬
privados de sentido tação psicanalítica dos mecanismos da ação dos impulsos in¬
psicológico.
conscientes provoca as mesmas objeções. Mas admite que as ex-
356
357
quando o sujeito se desperta ou quando se

......
periências vividas não-conscientes possam expressar-se no com¬ • m i tição da ação
portamento e deixar uma marca determinada na dinâmica dos ÿ
m ina o prazo estabelecido pelo experimentador Provoca
conflito, in-
processos psíquicos, fisiológicos e clínicos. Essa admissão tem malmente (Jones o observou) uma situação de
grande importância. O Prof. Bassin pensa exatamente que .
I

mi m ictite para a maioria, uma vez


sobre
que
ele e
o
não
sujeito
entende
não tem cons-
sua origem.
uma situação semelhante pode ser confirmada por pesquisas ia do impulso que age
independentes da experiência psicanalítica, referindo-se, de um I situação de conflito encerra-se com um comportamento
I

lado, a numerosos trabalhos sobre a hipnose e, de outro, às и r.urdo e injustificado, que vem acompanhado de um senti¬
pesquisas da escola psicológica georgiana de D Uznadze. mento de angústia. Tudo isso representa verdadeiro
sintoma
imental, que lembra os sintomas das neuroses de idéias
Essas referências parecem-me muito importantes, uma vez ÿ
Jx i no caso dado
que, como já o disse, cheguei à psicanálise a partir da psico¬ niи ecantes ou de fobias. O conflito expressa-se
logia experimental. Por isso, sou particularmente sensível às
possibilidades de verificar experimentalmente, no laboratório,
-
I и inn sintoma que é
IMilita determinada. Se
muito específico
Bassin considera
e tem
as
significação
experiências
sim-
que
os processos determinados que a experiência psicanalítica en¬ o m algo de comum com as sugestões pós-hipnóticas como prova
contra constantemente em situações clínicas ni Iiciente da influência que pode exercer
o impulso tornado
complexas. do indivíduo, deve conside-
ÿ Iи (insciente no comportamento
Devo reconhecer que alguns psicanalistas consideram inú¬ como uma de¬
til uma verificação experimental semelhante, pois se apoiam i .ii as experiências com sugestões
inadmissíveis
mi mstração experimental suficiente da maneira como, de acor¬
inteiramente em sua experiência analítica. Mas semelhante inconsciente, o sintoma
posição sempre criou dificuldades nas relações entre psicana¬ do com a psicanálise, num conflito
il ido se manifesta sob a forma de uma alusão.
listas e psicólogos que, não possuindo essa experiência, não a
ao qual
utilizam. Entretanto, considero que seria bom encontrar de¬ Outro grupo de trabalhos de caráter experimental
icfcre F Bassin está relacionado com a influência real da
monstrações exteriores (talvez experimentais, demonstrações I
da sugestão
que possam ser repetidas e verificadas com precisão de acordo inibição do impulso ou da detenção da execução
na dinâmica dos processos psicológicos e fisiológicos.
Trata-se
com a nossa vontade) dos processos com que o
psicanalista americanos de psicodi-
tem a ver, que ele observa e utiliza. aqui de pesquisas denominadas pelos
nArnica experimental. Pesquisas desse tipo foram igualmente
Psicanalistas eminentes já o fizeram no início do século. mencionar, em
No que me diz respeito, em minhas Leçons de Psychanalyse lei nadas por psicólogos soviéticos. Devem-se
ÿ

trabalhos de Zeigarnik, que constituem impor¬


(1933, 1934) e no Tratato di Psicoanalisi (1949), prossegue-se I articular, os
desse tipo, que se
no desenvolvimento dessas demonstrações e utilizo ia ntc contribuição ao estudo de processos
amplamente manifestam na fenomenologia da psiconeurose e encontram
(em relação ao impulso no sentido de uma ação que se tornou
inconsciente) experiências com a sugestão pós-hipnótica men¬ confirmação nas condições da psicanálise.
cionada pelo Prof. Bassin, experiências nas quais tive parti¬ O Prof. Bassin apressa-se a declarar que, ao reduzir todos
os impulsos a alguns vetores psicológicos abstratos que
se
cipação pessoal.
movem dentro de uma espécie de vácuo da consciência (ou do
Gostaria de observar a F Bassin que, se ele tivesse feito
experiências com a sugestão pós-hipnótica, utilizando sugestões subconsciente) , a psicanálise não é capaz de encontrar uma
hu¬
inadmissíveis para os sujeitos interessados, isto é, que esbarram, justa abordagem do problema da estrutura da atividade
mana. Mas aqui F Bassin não se expressa com clareza sufi-
na personalidade do sujeito, com uma autodefesa particular
I icnte e é difícil entender o que ele quer
dizer Tem-se a im¬
e um obstáculo interior à execução, teria tido a possibilidade
de demonstrar experimentalmente (isto é, independentemente pressão de que, concentrando sua atenção na primeira etapa
ele
da afirmação arbitrária, a seu ver, dos psicanalistas) uma li¬ da atividade de Freud, F. Bassin passa em seguida ao que
gação direta entre os sintomas e o conflito inconsciente. Em chama de quarta etapa da psicanálise, isto é, ao que se passou
contraposição ao que vemos na presença de sugestões que não após Freud, ignorando o desenvolvimento e a transformação
encontram obstáculos subjetivos particulares, a
sugestão pós- progressiva que sofre, segundo Freud, a teoria da personalida¬
hipnótica que provoca uma oposição interna não conduz à de humana. Isso torna-se particularmente evidente no que

358 359
escreve F Bassin a respeito
consciência do desejo reprimido.
Bassin, criticando o
cuperação que se produz
vam até o nível da
Freud escreveu, em 1914,
da recuperação pela

procedimento simplista do
porque
tomada
As palavras que utiliza de'
efeito
os impulsos reprimidos
consciência repetem praticamente
a esse respeito no
da
F.
re¬
se ele¬
as que
...
I" iio do seu valor fora da psicanálise, poderia recorrer, por
lado, a Diagnostische Associationsstudien de Jung (que são
a aplicação de Psychologische Tatbestandsdiagnostik de Wert-
lie mere Klein, isto é, do método experimental clássico) e, por
mino, a todos os métodos projetivos que tiveram amplo desen-
Wiederholen und Durcharbeiten", artigo "Erinnern,
no qual expunha as \olvimento a partir dos testes de Rorschach em 1922 e a todos
ficações já alcançadas nessa modi¬ .ri procedimentos que, no Ocidente, se relacionam aos métodos
belecendo com maior precisão
ções dos impulsos
época
e
pela técnica da análise, esta¬
reprimidos e daconcretamente as inter-rela-
.. nos de psicologia clínica: consistem numa escolha sistemáti-
I de índices dirigidos para o esclarecimento da realidade psi¬
em seu conjunto. É personalidade do
bastante estranho ouvir em enfermo cológica profunda e oculta.
depois, que esse procedimento 1958, 44 anos
de Freud e que ele de exame está muito Ao mesmo tempo, o Prof. Bassin afirma admitir a exis¬
nunca tentou distante tência de processos inconscientes e de um conteúdo incons-
"Erinnern, Wiederholen desenvolvê-lo.
und Durcharbeiten" O artigo I m iiIc. Nesse caso, deve dizer-nos de que maneira se pode saber
certamente, uma obra não constitui,
foi publicado isolada. Tudo que Freud .ilguma coisa sobre esse conteúdo, uma vez que quem fala de
sucessivamente sobre as questões do
escreveu e que elementos inconscientes sem fornecer qualquer procedimento
Freud e, depois dele, método por
da recuperação num por outros autores apresenta o processo с J Iic permita reconhecê-los, na realidade, coloca-se numa posi-
aspecto que tem apenas I io metafísica.
muito pequena com os uma semelhança
velhos princípios da No que diz respeito à interpretação simbólica, pela qual
De qualquer maneira, catarse.
se F. li;issin tem tanta aversão, gostaria de fazer uma confissão.
monstrações experimentais do Bassin se interessa pelas de¬
pode ser evidenciado processo da catarse Onando comecei a ocupar-me da psicanálise, tinha a mesma
em (que só
tadas) , deveria recorrer às situações determinadas muito limi¬ repulsa pela interpretação simbólica que a revelada pelo Prof.
experiências de Bassin. Isso se explica provavelmente pelo meu estado de espí-
ca inaceitáveis,
sobre as quais já falamos. ordem pós-hipnóti- iíio favorável à pesquisa experimental. Diria ainda mais- essa
experimental obtido dessa O sintoma neurótico
te assim que se maneira desaparece repulsa não me é estranha inclusive hoje. Com efeito, um fato
pede ao automaticamen¬
para lembrar-se e reter enfermo, liberado do estado hipnótico, ( inteiramente comprovado e constantemente confirmado pela
feita no estado hipnótico demoradamente a sugestão que lhe foi experiência da análise- trata-se de que o inconsciente tem uma
cou um conflito precedente e que, expressão simbólica. Mas, quando se trata de encontrar a sig¬
esquecida, provo¬
inconsciente. nificação simbólica correspondente (na base do mais simples
Para algumas teses
cura uma verificação apresentadas por Freud, F Bassin pro¬ simbolismo) , por exemplo, nos elementos dos sonhos, se não
experimental em existem outras provas, tenho sempre receio de fazê-lo com ex¬
psicanálise. Esse
método, que F Bassin domínios estranhos à cessiva facilidade.
vontade, deve ser utiliza com certa
utihzar-se tambémreconhecido como útil e Bassin deveria má Desde o início de minhas pesquisas na psicanálise, colo¬
no que diz respeito dele quei diante de mim mesmo o objetivo de encontrar um pro¬
tação na psicanálise, à técnica de
que lhe parece, como interpre¬ cesso que permitisse demonstrar, de certa maneira, a significa¬
e insuficientemente
objetiva. Deveria iniciar vimos, arbitrária ção simbólica de um elemento determinado. Para atingir esse
mental das associações pela regra funda¬
cessos do conteúdo do livres (Emfãlle) O estudo dos pro¬ objetivo, utilizei grupos de sonhos observados repetidamente
lise, como pensa o inconsciente não se baseia na no mesmo sujeito diversas vezes, com algumas variantes, du¬
Prof. psicaná¬
(que é apenas um meio Bassin, na interpretação simbólica rante um jneríodo bastante breve. Supondo que todos esses so¬
cimônia e grandes auxiliar e deve ser utilizada nhos têm uma significação comum, conduzi-me como alguém
precauções) , baseia-se, ao com par-
método das associações. que examinava caracteres antigos e dispunha de documentos
Seria contrário, no
sin considera esse importante saber se o Prof. nos quais uma mesma palavra desconhecida se repetia diversas
método aceitável ou não. Bas¬ vezes. Deve ser encontrado um sentido dessa palavra que per¬
Para julgar a res-
mita colocá-la em cada contexto e entender assim o que signi-
360
361
fica. Esse processo (que me parecia um meio da criança. Nos
chamado por mim de análise convergente. comprovado) foi Ihante a isso, voltemo-nos para o psiquismo a criança um
|ngos infantis, cada símbolo pode
tornar-se para
Entretanto, é necessário assinalar que, apesar da Pode-se considerar a atividade mental
dade de interpretações atribuídas aos elementos diversi¬ equivalente excelente. infantil que conti¬
simbólicos
inconsciente, os dados da análise convergente são de do inconsciente como os restos do psiquismo
uma se¬ nua a manifestar-se no sujeito adulto.
melhança surpreendente. Não obstante apresentar variantes, se chama o
a linguagem do inconsciente é a F Bassin, em sua análise, deteve-se no que Des-
mesma para todos. A matéria freudiano.
das imagens, dos impulsos, dos desejos que primeiro período da evolução do pensamento como se se tratasse
encontramos nas lr/-se rapidamente dos períodos seguintes,
diferentes pessoas é, no fundamental, uniforme.
ile um conjunto de construções arbitrárias.
A interpretação simbólica exige grande de elemen¬
deve ser realizada mecanicamente; além disso, é
prudência e não Como em toda disciplina científica, ao lado
necessário bus- resultado direto de pesquisas, há outros que ser¬
car-lhe um apoio no processo fundamental da corrente tos que são o
teórica ba¬
de asso¬
ciações. Está longe de ser uma interpretação arbitrária, como vem de resultados de uma consideração puramente
seada, entretanto, em elementos confirmados por pesquisas. É
aparentemente pensa o Prof. Bassin.
essas considerações tenham a signi¬
inteiramente lógico que
ficação de hipóteses livremente discutidas pelos psicanalistas.
Desde o início do século xx, os psicanalistas
estudaram os
próprios processos da simbolização, isto é, a transformação o caráter de hipó¬
Além disso, há teses que, não obstante teremorientadores, capa¬
concreta de um pensamento ou de uma
imagem determinada teses, podem ser utilizadas como esquemas
em representação simbólica. A esse trabalho analítico. Certamente, é neces¬
respeito, pode-se recorrer às zes de fazer avançar o
pesquisas de Schretter sobre os sonhos provocados sário considerá-las com grande precaução e até com
alguma dú¬
pela hip corresponder exatamente à
nose e, principalmente, às observações de Silberer
sobre o que vida no caso em que pretendam que
ele chama de fenómeno funcional: Eu mesmo me
ocupei desse realidade. A psicanálise tem seus objetivos terapêuticos, com o princípio
problema e apresentei algumas descrições desse
tipo de fenó¬ frequentemente obrigam a agir de acordo
menos. "como se fosse assim".
que
F. Bassin não dá atenção às provas exteriores do Entre os psicanalistas há pessoas mais prudentes,
processo afirmar com convicção do
de simbolização e não tem mesmo, ao que me
parece, uma distinguem sempre o que se pode essa dis¬
que é hipotético (Freud, por seu lalo, fazia sempre
representação clara da função do simbolismo. Parece-lhe im¬ Entre¬
possível que, em relação aos próprios símbolos, a tinção) Mas há também as que não são tão prudentes. Há
atividade tanto, mesmo nesse caso, o perigo não é
muito grande.
psíquica inconsciente transfira para eles as reações muito
reais, isto é, que o símbolo seja, nesse sentido, emocionais alguns anos, nas ciências físicas, os modelos estavam
inteiramente em moda. Se bem que fossem tratados como
objetos reais,
equivalente ao sentido dado. Com o tempo, à
Essa dificuldade no entendimento dos produtos isso nem sempre era justificado na realidade.
alguns desses modelos
simbólicos
estudados pela psicanálise explica-se pelo fato de que não foi medida que progrediam as pesquisas, Foi ne¬
de uma situação real.
se revelaram como a reprodução
estabelecida qualquer diferença entre o que é simbólico renunciar a outros. Contudo, seu emprego
o inconsciente e o que representa o para cessário, entretanto,
objeto dado para nossa foi justificado durante as pesquisas científicas, pois
contribuí¬
atividade consciente. Para o pensamento consciente, a bandeira últimas. Seria, evidentemente, in¬
é o símbolo da pátria e uma profanação da ram para o avanço dessas
bandeira é sen¬ metafísicos idealistas os cientistas que elabo¬
tida como uma ofensa à pátria. Entretanto, justo acusar de de sistematizar
em suas plenas faculdades mentais se
nenhum adulto raram esses modelos. Fizeram-no com o objetivo
esquece de que a ban¬ os fatos de que dispunham.
deira é um pedaço de pano. No que concerne aos Bassin, é im¬
criados pela atividade psíquica inconsciente, as coisassímbolos Em todo caso, com base no artigo do Prof.
são to¬ da doutrina da psicanálise em seu
talmente diferentes. Esses símbolos não indicam simplesmente possível formar uma idéia examinar, a partir
conjunto, uma vez que o autor se limita a
o objeto que representam, não só o da evolução da
provocam ou designam, mas de um só ponto de vista, o período inicial
tornam-se seus equivalentes reais. Para encontrar
algo seme- teoria freudiana.
362 363
Apesar da primeira impressão deixada pela leitura do
artigo de F. Bassin, parece-me que sua análise tem grande im¬
portância. Já falei de algumas teses, que gostaria de considerar
não como frases dirigidas contra a ciência viva, mas
como simples palavras de ordem, que são repetidas

tica. Se não se dá importância às declarações desse


apenas
com fre¬
quência na URSS, quando se fala da psicanálise, simplesmente
porque essa corrente é estranha à tradição psicológica sovié¬
...
li ulcs
mos

I
italianos [ÿ•ÿ]. Vivemos na terra de Galileu. Sustenta¬
uma luta perversa e cruel pela ciência laica, da qual
uiuito nos orgulhamos, pois devemos ainda hoje defendê-la
preensão teológica da
nós".
ciência, que ainda perdura
da
entre

Gostaria de responder a esse primeiro argumento antes de


,.iminar o segundo. Parece-me que podemos chegar nesse
tipo, é ne¬ h m lo a um entendimento mútuo, pois,
como se pode concluir
cessário reconhecer que o artigo de F. Bassin encerra
afirma¬ I ideo¬
ções positivas. O que importa é que a discussão cada vez mais prias primeiras linhas do seu artigo, os posicionamentos
lógicos gerais do Prof. Musatti aproximam-se, por seu espírito,
se reduza às questões concretas. Pelo menos,
parece-me que o da filosofia do materialismo dialético, se é que não coincidem
artigo de Bassin encerra os elementos necessários para isso.
uiiciramente com essa última.
Chamo a atenção do Prof. Bassin para alguns grupos de
pesquisas, com os quais ele deveria ter travado conhecimento. Antes de tudo, quero expressar minha completa concor¬
Devo dizer, por meu lado, que no Ocidente também
devemos dância com o Prof. Musatti, que destaca que a avaliação de
estudar os trabalhos dos psicólogos soviéticos, que conhecemos uma concepção científica segundo o caráter da correspondên-
mal. Por exemplo, F. Bassin refere-se com frequência às I ia (ou não-correspondência) de suas deduções à realidade
pes¬
quisas de D. Uznadze e de sua escola, como uma corrente que objetiva é, sem dúvida, o critério fundamental, ou melhor, o
se dedica a pesquisas psicológicas concretas, que seria
neces¬ único critério da veracidade dessa teoria. Em que consiste
sário comparar com a psicanálise. Creio que isso seria muito então minha divergência com o Prof. Musatti? Em que não
útil para nós. existe apenas um único, mas ao menos dois planos diferentes de
avaliação de uma teoria científica. Pode-se avaliar uma teoria
do ponto de vista da sua veracidade, e pode-se avaliá-la, além
Resposta ao Prof. Cesare L. Musatti: disso, do ponto de vista do papel que essa teoria desempenha,
na história da cultura e da sociedade, e esses dois planos (e
O Prof. Musatti começa seu artigo assinalando
que gosta¬ nisso está a raiz do problema) nem sempre estão ligados entre
ria de explicar francamente a impressão geral que lhe
deixou si de maneira unívoca, muito pelo contrário. Existem teorias
a leitura do meu trabalho. O ponto
principal por ele destacado lalsas que não exerceram, quando foram discutidas, qualquer
consiste em que algumas formas de expressão do
pensamento influência na ciência. A teoria do flogístico ou a do éter são,
que encontrou no meu trabalho "para empregar a linguagem nos nossos dias, tão falsas quanto mortas. Mas existem teorias
jurídica [. . .] não são aceitáveis". Mais adiante, o Prof. Musatti que, sendo profundamente falsas, continuam, entretanto (é
apresenta argumentos que explicam por que é obrigado a as¬ necessário explicar por que, a um partidário do materialismo
sumir semelhante posição. histórico?) , a desempenhar grande papel na vida cultural e
O primeiro argumento consiste no que se segue: social, contribuindo apenas para que a humanidade marche
as concep¬
ções científicas, afirma o Prof. Musatti, só podem ser
aprecia¬ para trás e não para a frente. É exatamente a respeito dessas
das tendo como base um único critério
— correspondem ou teorias que dizemos serem reacionárias. Consequentemente, o
não à realidade. Não existem teorias
científicas progressistas qualificativo de "reacionário" é uma apreciação feita num
plano diferente do qualificativo de "falso". Inclui não só
ou reacionárias, mas apenas teorias o
confirmadas pela experiên¬ do pensa¬
cia ou que a contradizem. Segundo o Prof. Musatti, reconhecimento académico da "não-correspondência
não existe
outra apreciação possível de uma teoria
científica. A seguir, mento à experiência", mas um julgamento que fazemos da
fundamenta essa idéia com as seguintes palavras, em que se teoria como fator do progresso social, do seu papel histórico,
ou
sente toda a emoção e uma convicção
sincera: "Trata-se que não é determinado em momento algum pela sua justeza
de uma questão muito importante para mim e
para meus con- falsidade.
364 365
Mas, nesse caso, devemos renunciar ao direito de fazer
ÿ levantar essa questão para ver como é débil esse argu-
u nte
essa avaliação? Não significaria um empobrecimento neutraliza sua
imper¬ mcMto de que a crítica de direita da psicanálise
doável de nossas representações a introdução de um veto a esse «titica de esquerda. As pretensões do Íideísmo militante não se
meio de considerar as coisas? Por acaso podemos esquecer da dou-
encontram em qualquer relação lógica com a crítica
quanto tempo viveram determinadas teorias, não obstante se¬
rem falsas, quantos sofrimentos causaram, e que os descen¬ uina freudiana feita pelos pesquisadores soviéticos e não po¬
dem, portanto, servir, por princípio, de meio de defesa indi-
dentes dos grandes italianos
cença
—gigantes e mártires da Renas¬
não têm necessidade, menos que qualquer outra pes¬ iria da psicanálise por parte do Prof. Musatti.

soa, de que lhes recordemos tais coisas? Gostaria de chamar a atenção do Prof. Musatti para o
aspecto de que a posição crítica dos pesquisadores
soviéticos
Por isso, considero que o Prof. Musatti não tem razão
não absolutamente o caráter de
quando declara "não-aceitável" a noção do caráter reacioná- diante da psicanálise tem
unia atitude preconcebida ou de uma disposição
negativa sem
rio de uma teoria científica. Sua argumentação é muito
acadé¬ motivo. Até hoje não foram esquecidos os inúmeros trabalhos
mica. Ignora o fato de que uma teoria não é
a generalização
«líticos concretos dedicados, na União Soviética, à análise e
à
simples da experiência, mas uma generalização que tem seu Posteriormente, essa
destino histórico. Quando dizemos que tal ou qual teoria é discussão do freudismo, nos anos 20 e 30.
« t itica concreta extinguiu-se, pois a evolução da
concepção
reacionária (ou progressista) , isso significa que entendemos a última
psicanalítica destacou tanto, com a passagem dessa
teoria como uma expressão original da ideologia social, e
eu
para o domínio dos problemas sociológicos, o caráter não-cien-
não poderia renunciar a essa abordagem sem
renunciar ao
mesmo tempo aos fundamentos da minha concepção do mundo. lífico e (que o Prof. Musatti me perdoe) reacionário de todas
as construções de Freud, que as discussões com os adeptos
dessa
Penso que, após essas explicações, não está excluído
que o doutrina perderam o sentido para os pesquisadores soviéticos.
Prof. Musatti esteja de acordo com a legitimidade da
posi¬ A literatura soviética conservou com firmeza sua atitude nega¬
ção que defendo.
O segundo argumento do Prof. Musatti tiva amplamente difundida diante do freudismo, baseada, en¬
consiste em que tretanto, em motivos teóricos claramente formulados, que não
uma atitude negativa diante da psicanálise é observada
só da parte da ciência soviética, mas também da
não podem ser equiparados a nenhuma declaração dos espiritua¬
meios conservadores burgueses e clericais, da parte dos
parte dos listas sobre o materialismo da psicanálise. Constitui fato muito
ritualistas de todo tipo, que vêem na psicanálise uma doutri¬
espi¬ característico a animação evidente de uma disposição desfa¬
na materialista, anti-religiosa, destrutiva. Aqui, o vorável em relação ao freudismo, que se esboçou, nestes últi¬
não expressa seu pensamento até o final,
Prof. Musatti mos anos, fora da União Soviética (tenho em vista os traba¬
mas esse consiste
aparentemente em que, se os representantes de ideologias lhos de Wells, em primeiro lugar sua monografia fundamental
tas acusam o freudismo de ser
opos¬ Pavlov e Freud, as obras originais de Mette, Furst, Miiller-
simultaneamente reacionário, Hegemann, Michalova, Võlgyesi, O'Connor e muitos outros)
,
materialista e ateu, isso é uma prova de que todas essas acusa¬ de uma crítica
ções tomadas em separado são injustas. с que expressa a evolução e o aprofundamento
Penso que essa idéia da neutralização recíproca das acusa¬ científica concreta da psicanálise, cujas raízes penetram as pes¬
ções não é convincente. Sabemos bem que durante muitos sé¬ quisas dos autores soviéticos, realizadas ainda há vários dê-
culos a luta ideológica não foi travada apenas entre as cênios.
represen¬
tações das correntes idealistas e materialistas. Travou-se tam¬ Em geral, é necessário dizer que a exigência do Prof.
Musatti de não aplicar à teoria psicanalítica o epíteto de
bém (e hoje continua com grande agudez) entre as "rea-
diferentes uma discussão
escolas de orientação idealista. Se os neotomistas de
hoje con¬ cionária", que perturbaria o estilo estrito de
sideram as teorias dos positivistas lógicos ou dos semânticos científica real, exigência expressa de forma muito categórica
Com
contemporâneos como uma variedade da filosofia anti-religiosa no início de seu artigo, fica bastante abrandada a seguir
с materialista, será que isso aproxima das concepções de En¬ efeito, não constitui um abrandamento o seguinte reconheci¬
gels os pontos de vista de Moore, Russell e Whitehead? É sufi-
mento característico do Prof. Musatti?

366 367
//
Diz ele que, a respeito da teoria da psicanálise, podem-se,
certamente, colocar as
Mesmo considerando com muito respeito a primeira dessas
mais variadas questões, como, por exem¬ declarações (a respeito da popularidade da psicanálise nos
plo, a seguinte: será que essa teoria não apresenta determi¬ , como um fato que se deve levar
1 1 1 cios italianos de vanguarda)
nados aspectos que podem ter, no sentido social, um caráter ne¬ nos
fasto, perigoso? Se F. Bassin, prossegue o Prof. Musatti, em conta, não posso, entretanto, encarar esse fato como
quer, nbtigando a justificar o freudismo.
ao falar do caráter reacionário da psicanálise,
somente destacar
que, acentuando a importância dos fatores subjetivos do sofri¬ Se o Prof. Musatti considera que a psicanálise pode de¬
mento, desvia-se a atenção das pessoas dos conflitos sociais
que sempenhar um papel reacionário, desviando a atenção das cau-
se encontram na base da luta de classes e presta-se indireta- s.is reais das calamidades sociais, das quais
sofrem as amplas
mente, dessa maneira, um serviço aos elementos
conservadores massas no capitalismo, por que essa particularidade não se
(independentemente do fato de que a teoria seja correta) , manifestaria na Itália? Não conheço bastante bem a realidade
"não posso pessoalmente objetar nada a isso e estou inteira¬ social italiana, mas me parece que, na medida em que perma¬
mente de acordo com essa colocação". necem os traços essenciais do regime burguês, as influências
Alegro-me com essas palavras do Prof. Musatti e gostaria nocivas e especificamente inerentes ao capitalismo da doutri¬
de chamar-lhe a atenção para o fato de que coincidem,
em na psicanalítica continuam a ser possíveis.
muitos pontos, com as que usei para caracterizar, numa certa
ocasião, uma das razões da boa vontade de alguns meios dos A analogia com a situação na física é ainda menos con¬
EUA em relação à psicanálise. Tomo a iniciativa vincente. As concepções da física atómica surgiram fora de
de citar esta
caracterização: "As principais razões dessa boa vontade resi¬ qualquer ligação com a análise dos fenómenos sociais. A apli¬
dem na tendência do freudismo a explicar as tensões afetivas cação dessas concepções tornou-se um instrumento da prática
e as emoções negativas não pela exploração de classe, social igualmente válido para as representações das mais di¬
gendra, segundo a expressão de M. Gorki, 'todo o absurdo,
que en¬ versas ideologias. Isso é um truísmo. Mas, por acaso, é assim
a torpeza, a abominação do regime capitalista', mas
antes de
para a psicanálise? Qualquer pessoa que conheça a história
tudo pela repressão dos impulsos biologicamente dessa doutrina admitirá que a psicanálise se formou fora de
determina¬
dos. Não há necessidade de destacar como semelhante esvazia¬ qualquer ligação com a análise dos processos sociais e históri¬
mento da natureza social dos afetos é aceitável
para a concep¬ cos? Será que todo o ciclo dos trabalhos sociológicos de Freud
ção burguesa do mundo* de um período posterior, a passagem do freudismo a uma
Tendo, assim, reconhecido que num sentido determinado espécie de filosofia ou até mesmo a uma espécie de causa, como
é legítimo falar do caráter reacionário da psicanálise, o Prof. se expressa o Prof. Musatti, de uma "corrente de idéias e de
Musatti prossegue com seu raciocínio da maneira seguinte. costumes particular" constitui apenas a aplicação mecânica à
Segundo ele, a psicanálise é, na Itália, uma corrente que sociologia de uma doutrina acabada, que pode ser desviada
desempenha uma função "social progressista" (alegra-me que pelos sociólogos num sentido ou em outro? Penso que basta
o Prof. Musatti considere em princípio aceitável o colocar essa questão para verificar até que ponto é forçada e
emprego de
termos desse tipo ao falar de uma teoria científica)
e até "re¬ arbitrária a interpretação defendida neste caso pelo Prof.
volucionária". Para justificar essa afirmação, o Prof. Musatti Musatti.
assinala o amplo reconhecimento de que dispõe a
concepção Não é casual que ele não se detenha na apreciação citada
psicanalítica nos meios sociais italianos de vanguarda, inclu¬
em meu artigo das fases do desenvolvimento da doutrina freu¬
sive entre os comunistas. Entretanto, considera
possível com¬ diana, caracterizadas por uma atenção centrada nas circuns¬
parar a situação que se criou para a psicanálise com a da física
atómica, onde as mesmas concepções científicas tanto
podem
tâncias de ordem sociológica
tura da sociedade primitiva,

ao
as questões referentes à cul¬
papel que os instintos ditos
ser utilizadas no interesse da paz como da
os autores das teorias correspondentes
guerra, sem que inatos de destruição e de morte desempenham, segundo Freud,
sejam responsáveis. na vida da sociedade civilizada moderna, etc. Ninguém, cer¬
tamente, se decidirá a negar a ligação interna profunda desses
trabalhos com toda a evolução anterior da doutrina de Freud.
Vcstnik Akad. méd. nauk SSSR, 1959, 1.

368 369
/
E isso significa que a psicanálise não é "utilizada" apenas na
sociologia, como um instrumento originariamente neutro, e
que essa utilização pode ser feita em diversos planos e a par¬
tir de diferentes posições sociológicas, mas que a psicanálise
criou sua própria sociologia, sua abordagem própria e profun¬
damente característica da interpretação dos fenómenos sociais,
........
Im

.....
1 11
1 *
Iк métodos. O Prof. Musatti indica ainda "É estranho
Bassin,
I
os
que, por um lado, interpreta a recusa de Freud
uma posição metafísica e lhe atribui a degenerescência
lii' I isia das idéias de Freud, reconheça, por outro, seu cará-
iciodológico"
Л esse respeito, gostaria de dizer o seguinte- estou surpre-

. .. .
cujas raízes vêm do próprio núcleo da doutrina psicanalítica.
É precisamente por isso que a analogia com a
situação da fí¬ 'Iпни o fato de o Prof. Musatti atribuir-me a interpretação
sica é profundamente ilegítima. O freudismo não poderia che¬ 'li in usa de Freud a utilizar noções fisiológicas como uma po-
gar a qualquer outra conclusão diferente daquela a que che¬ .11 m "metafísica" (isto é, no caso dado, aparentemente como
gou e não estava em condições de criar qualquer outra socio¬ posição ligada à negação da existência de processos de
Meu artigo não contém nada
logia, a não ser aquela, específica, que criou. O ponto de vista
oposto é artificial, impossível de demonstrar e subestima cla¬
• 1 u is diferentes dos psicológicos)
1
ili.su. Ao contrário, nele se diz duas vezes, claramente, que
ramente o ordenamento lógico de todo o sistema de
representa¬ ÿ
I negação expressava exatamente uma posição
metodológica,
ções criado por Freud. I unindo uma posição incorreta de princípio, que conduziu,
ao impasse do idealismo. Essa a razão
Detive-me tão detalhadamente na análise das teses gerais Iи и isso, o freudismo
acima expostas porque, de outra forma, teria deixado sem р. и que considero que ele não tem razão de me acusar de incon-
resposta a primeira parte do artigo do Prof. Musatti a respeito rqíiência lógica. Isso, em primeiro lugar Em segundo lugar,
dos problemas de ordem ideológica. Passarei agora ao exame destacar que o Prof. Musatti não caracteriza com exa-
quisera
das considerações críticas do meu respeitável oponente rela¬ I I .in a posição de Freud diante do problema dos mecanismos
cionadas mais diretamente à teoria de Freud. 1 1 mlógicos da atividade cerebral. O Prof. Musatti teria razão
и .1 análise de Freud ficasse realmente restrita ao círculo das
A primeira dessas considerações está ligada aos problemas-
do psicologismo (ou do antifisiologismo) de princípio de Freud. noções psicológicas. Mas sabemos perfeitamente que não é
O Prof. Musatti polemiza com a afirmação do meu artigo de .r.siin, que Freud tentou mais de uma vez (ao menos duas em
que foi precisamente devido à sua "tentativa metodologica¬
h i vida) construir, a partir de suas representações psicoló-
mente viciada de construir a teoria da atividade cerebral igno¬
quadros e mecanismos fisiológicos da atividade cerebral,
! • iI :I s ,

rando a teoria fisiológica dos mecanismos cerebrais" que Freud' quadros sempre muito forçados e, mais tarde, inteiramente
se viu condenado a tirar conclusões idealistas e não-científicas.
fantásticos.
Contestando essa afirmação, o Prof. Musatti desenvolve da O antifisiologismo de Freud não consistia absolutamente
seguinte maneira seu pensamento. cm negar a existência de elementos nervosos e da significação
ilc suas ligações (não é possível atribuir posição tão ingénua a
Da mesma maneira que Pavlov diz ele afastou de
suas noções os elementos psicológicos, Freud afastou da quem foi, no seu tempo, um dos neurologistas mais instruídos
psi¬ da Europa!) Revestia-se de uma forma muito mais refinada
canálise os elementos fisiológicos. Isso era, entretanto, em am¬ Tratava-se de uma posição metodológica em que,
bos os casos, somente a expressão de determinada metodologia •decomplexa.
um lado, estava conscientemente excluída a possibilidade
de pesquisa, de uma estratégia científica mais vantajosa na
dada etapa do desenvolvimento da ciência, e não a negação de levar em conta produtivamente as ligações entre os pro¬
cessos psicológicos e fisiológicos e, consequentemente, as
in¬
metafísica da existência de processos de outro tipo. Pavlov dinâmica dos processos psicológicos pe¬
diz o Prof. Musatti não negava também a existência e a im¬ fluências exercidas na
los fatores de ordem fisiológica, a possibilidade de deduzir
as
portância do psíquico, da mesma maneira como Freud não como funções da ati¬
negava a existência e a importância do fisiológico, mas cada particularidades dos estados psicológicos
11111 deles preferia utilizar apenas um desses
vidade fisiológica e, de outro lado (certamente, como meio de
em
possíveis métodos
de análise da atividade cerebral, considerando prematura, na¬ superar a separação paradoxal e assustadora do psiquismo
ao seu substrato material, que se produz em tais con¬
quele nível atingido pela ciência, a utilização simultânea de relação
dições) as relações de ordem fisiológica eram deduzidas
como

370 371
encarnando diretamente, numa forma material e espacial, a es¬
trutura hipotética dos processos psicológicos*. Semelhante
abordagem privava todo o sistema de Freud da possibilidade
de apoiar-se nas representações realmente científicas dos meca¬
nismos da atividade cerebral e o conduzia inevitavelmente para
ir

I)
j|f
.. .... .
Иц|| и

I m
In psi< ológico desse conflito, observa-se certa ligação
<» l'rof. Musatti considera que uma visão semelhante

.
[mil"! I .is representações expressas no seu tempo por Janet,
li » coin as quais os sintomas histéricos não têm, a não
I . Isós raros", uma ligação de sentido com o
vivido ante-
o domínio do idealismo fisiológico. -
|Ítn I doente, mas que, de maneira geral, são despidos de
• I" 111 J 1 11 1 significação psicológica.
Com uma compreensão semelhante da posição de Freud,
fica claro que de maneira alguma minha observação, citada .
N I l.i/er a avaliação de tal posição, o Prof. Musatti consi-
|Ih i qui essa já é débil devido ao seu dualismo latente — a
pelo Prof. Musatti e segundo a qual seria injusto exigir de
Freud a análise dos mecanismos fisiológicos da tensão funcio¬
nal do impulso à ação, levando em conta as possibilidades da
fisiologia do final do século xix, pode ser utilizada como argu¬
pó .....
Ц|Im ii lo de que existam duas formas totalmente diferentes de
и se dos sintomas neuróticos: uma passível de inter-
mfliii.an psicológica e outra que nada tem em comum com
m" I In In pretação semelhante. Considera ser muito mais
con-
mento para justificar a posição geral de Freud. Se tal análise,
Freud, para o qual o sin-
da mesma maneira que muitas outras tarefas análogas, não • in. no o |K>nto de vista monista de
I

liiin I i|in nos parece despido de sentido psicológico na reali-


podia então ser realizada concretamente, disso não decorre
ilnli o possui, e somente põe em evidência nossa incapacidade

......
....
absolutamente que uma rejeição geral de toda interpretação
fisiológica seja justa. Não resta dúvida de que também nos • li ' li ol n i lo.
it

nossos dias as abordagens fisiológicas estão longe de ser claras \ esse respeito, gostaria de apresentar algumas precisões,
para todos os problemas psicológicos, mas será que essa circuns¬ iiob maneira de entender não foi exposta com total
tância poderia justificar a disposição a rejeitar em bloco tais t» и i.Ihi pelo Prof. Musatti.
abordagens?
I um efeito, destaquei no meu artigo que a "experiência

.....
....
Por isso, penso que o Prof. Musatti aborda todo o proble¬ iii m iode número de trabalhos realizados na clínica dos mais
ma da atitude de Freud diante das questões fisiológicas de iIi.ii iiii distúrbios mostra que se tem a ver, com maior fre-
uma forma que não é muito exata e que simplifica um
as coisas.
pouco ..
. com desordens não-específicas, que não estão ligadas
ili ш ин ii.I alguma com o conteúdo psicológico de conflito".
Passemos agora à questão à qual, não sem razão, o Prof. I no 1 1 . 1 nIo, não tinha em vista então apenas os distúrbios neu-

......
liilliii'i Л experiência dos trabalhos da escola pavloviana (rea-
Musatti dedica muita importância para uma justa compreen¬
são das idéias de Freud — o problema da ligação das síndromes ii ..ni", por M. Petrova e inúmeros outros autores), assim como

.....
patológicas com os conflitos afetivos ou os impulsos reprimi¬ h» pi sipiisas dos clínicos soviéticos, revelaram que,
nas condi-
dos, que se encontram em sua base.
Eis como o Prof. Musatti caracteriza minha posição em
relação a essa questão. Assinala que, por um lado, reconheço
. li unia "colisão" dos processos
modelo fisiológico
il. m pioduzir-se
original
distúrbios graves
do
de

não
excitação
conflito
só dos
dos
e de

reflexos
inibição
afetos) , po¬
condicio-
a existência de distúrbios que, sendo provocados iinlii'i, como também das funções vegetativas vitais, que con-
por um con¬
flito afetivo, não estão absolutamente ligados ao conteúdo diwiiin liiialmente a uma patologia orgânica grosseira. O con¬
psi¬ nu,, clciivo aparece, à luz desses trabalhos, como um fator ca¬
cológico desse conflito e que, por outro lado, não excluo os
po .li desencadear perturbações das mais variadas modalida¬
casos, muito mais raros, em que entre o caráter das
.

. .......
modifica¬ de I'm argumento de peso em favor da não-especificidade
ções funcionais, que ocorrem sob a influência do conflito, e o
é, em
(••li oli'igic a dos distúrbios patogênicos desse tipo (isto
I от da ausência de ligações significativas entre o caráter dos
Ver, por exemplo, na obra de Freud Do Outro Lado do Princípio .li bios с o conteúdo psicológico do conflito) é o fato, con-
do Prazer, os argumentos a favor da localização do .и lo um número ilimitado de vezes na clínica e experimen-
"sistema da
consciência" e das estruturas cerebrais "limítrofes" e "circundan¬ I iliiu nie, de que o caráter de distúrbios semelhantes depende

• m gi.mdc medida do estado funcional dos sistemas fisiológicos


tes", as considerações de que as formações cerebrais, que
recebem
os estímulos internos, estão desarmadas diante das excitações.
373
372
.....
no momento em que surge o muito tempo, até
conflito. No caso de debilitamí ii ЯН' "lin provoca e fixa esses sintomas por
to precoce de um sistema fisiológico, é mais forte [ ] remo-
precisamente esse sis
tema que se revela incluído principalmente ||u> lin.dmcnte, uma vaga de excitação suficientes
no processo paio Li * pontos inibidores [ ] Não temos razões
lógico, independentemente do conteúdo psicológico nesse caso, há uma simulação voluntária de
do conflito. Esse fato, pelo visto, revela de maneira concreio
ii.ii I I i/cr que,
...

. . .. .
partícula i llui É um caso de relações fisiológicas fatais" (Pavlov
mente convincente que é essa dinâmica
que aparece como oricn Hl) ) •
tadora na clínica da patologia orgânica, assim como nos dis
túrbios funcionais não-histéricos. até que ponto essa explicação
'iciia necessário sublinhar
determinam o surgimento de
No que diz respeito à histeria, frequentemente
encontra
mos aqui estados em que, entre o caráter do distúrbio e o con
.
iIh.. iciiómcnos

(I '
fisiológicos que
que têm um "sentido lógico" evidente se distingue
prefações psicanalíticas correspondentes? À luz
Ini cr
dessa
teúdo psicológico das impressões vividas anteriormente errado o Prof. Musatti quando
doente, se esboça determinada ligação lógica. Entretanto,
pelo H|plii h ,io, verifica-se como está entre o
não ÿ mi in In ;i que o reconhecimento de uma ligação lógica
entendo absolutamente as razões que levam o Prof. Musatti a o reconhecimento
incompatível com

................
estender a priori esse esquema de relações a uma quantidadi NhiiU lo с o sistema é

...
infinita de casos nos quais a análise mais minuciosa não escla IImiiiIiíIiico de uma ligação fisiológica entre eles. A principal
caso, em
( mi m da abordagem pavloviana consiste, nesse

.....
rece as ligações lógicas desse tipo. Essa intenção me I I
a con-
parca <• lógicas como
conter uma nuança de dogmatismo e eu prefiro, sem dúvida, piin I I entender a existência de relações fisiológica. E
a posição que, na análise de um fenómeno Lq de determinadas correlações de ordem
clínico tão singula i essa vantagem que, em princípio, a interpreta-
como a histeria, admite a existência de uma originalidade II
de
terminada também nos mecanismos da patogênese dos distúi ('• p.n analítica não tem.
bios histéricos. « > segundo ponto abordado pelo Prof. Musatti, ao discutir
As interpretações monistas são, certamente,
mas não se deve confundi-las com a tendência a

dinação a um esquema preconcebido.


impositivas,
unificar as
interpretações, que muitas vezes encerra uma simples

Entretanto, podemos dispor de representações a


subor

dos mecanismos fisiológicos concretos, que possam respeito


provocar,
4.....
Ф piolilcma da ligação entre a síndrome e

I pui analítica. Tendo

!..

li
1

•••
m têm de arbitrário
interpretações
I in m ili justificação daslembrado
essas
que destaco
o conflito, é o do
resultantes

interpretações
Ни и "In psicanalítico de qualquer capacidade
no

de
meu
que
da pesqui-
artigo o
privam
convencimen-
ilr iibjctividade, o Prof. Musatti rejeita resolutamente
l.utretanto, não defende concretamente
o

essa
sua posição, e
no histérico, o surgimento de sintomas clínicos, ele a respeito desse pro-
por exemplo. |nи isso não posso polemizar com

......
...
de paralisias ou de anestesias que têm sua relação lógica com
suas impressões afetivas? Parece-me que se deve, sem dúvida
hlriiiu
alguma, dar uma resposta afirmativa a essa questão, se nos lem que concerne ao fato de que a síndrome histérica pode
Nu
brarmos nem que seja das idéias expressas por Pavlov em seu и lu mí recordar o conflito que a provocou como expressar numa
artigo "Ensaio de entendimento fisiológico da sintomatologia patológica original o desejo de resolver esse conflito,
1 1 1 ili un contestação é certamente impossível
e a referência
da histeria" 1
e An-
Sintomas

......
• I" Ги il Musatti ao livro de Freud Inibições,
Tomo a liberdade de citar a idéia principal desse traba intui é inteiramente legítima. Se surge uma paralisia histérica,

.....
lho "É necessário e deve-se imaginar com frequência o bis I não-desejada por ela
t|ui I bera a doente de uma atividade
térico como cronicamente hipnotizado numa certa medida, determinada, certamente, toda a razão
até mesmo nas condições da vida cotidiana [ ] Os sintomas • m '.ii nação distúrbio como a expressão singular
temos,
de uma
il siderar esse
de inibição podem surgir no histérico hipnotizado in In pi ,i< ão patológica, e toda nossa tática terapêutica deve ser
por suges
tão e auto-sugestão [ ] Toda representação de um efeito de ÿ

mui ulda com base nessa suposição. Entretanto, uma inter-


inibição seja por medo, seja por interesse, seja por vantagem tática semelhante não devem, ao
I"' I.n_.it) semelhante e uma
[grifos de F В.] [ ] devido à emotividade do histérico, intei alguma, como uma
qui niendo, ser consideradas, de maneira
I

ramente da mesma maneira que, na hipnose, a


palavra do hip "I. ,.iii ao credo psicanalítico. As palavras acima mencionadas

374 375
de Pavlov a respeito da ligação do sintoma

.
bastante convincente [ .].
histérico
"interesse" e a vantagem do doente falam disso de com o>
maneira'

] Na conclusão de seu artigo, o Prof. Musatti aborda'


dois problemas que apresentam um interesse e uma
cia particulares, mas que são, talvez, muito importân¬
.
ma
.....
n il, a "unidade funcional" no sistema
I Iend é o impulso intenso para a ação.
a da estrutura funcional da

i.irs de Freud sobre as leis que


atividade,
psicológico real em que se produz o
de representações
E Freud não criou a
a teoria do siste¬
"movimento dos im-

determinam
das representa-
(iiilsos" Daí o caráter abstrato e inadequado a dinâmica dos
de

complexos para Considero


que se possa esclarecê-los suficientemente de и leios intensos e sua realização no comportamento.
passagem,
marcos de um artigo de revista. Trata-se, em primeiro nos discussão pudesse continuar, seria necessário de¬
lugar, que, se nossa e complexo*
da questão dos mecanismos da
recuperação pela tomada de liu ar atenção especial a esse problema importante
consciência de um impulso reprimido. O Prof. Musatti Outra questão não menos interessante abordada
pelo Prof.
mencio¬ métodos da psicanálise
na a existência de certa evolução das
idéias de Freud relativas- Musatti no final do seu artigo é a dos
do inconsciente, que
• da simbólica, como meio de expressão
aos mecanismos da recuperação, cujo
resultado foi a passagem, de destaque na
para a doutrina psicanalítica, da velha teoria da catarse «-.tá estreitamente ligada àquela e ocupa lugar
à com¬
preensão da dependência do efeito terapêutico noria da psicanálise.
a personalidade, diante da relação
diante de toda
que se estabelece entre o O Prof. Musatti apresenta-me duas questões
do domínio
impulso reprimido e todo o conjunto de experiências bastante. A
intelectuais e afetivas do enfermo. Segundo o Prof. Musatti, vividas do método que, eu o reconheço, me surpreenderam
primeira se considero justificado o uso do método da pesquisa
essa evolução é particularmente clara na obra (evidentemente, além
derholen und Durcharbeiten. Erinnern, Wie- de associações. A segunda, que métodos
para o estudo das formas
do psicanalítico) poderia eu propor
O Prof. Musatti considera que, à luz dessa "uão-conscientes" da atividade psíquica?
nha declaração de que a psicanálise trata todo o
evolução, mi¬
Respondendo à primeira dessas questões, gostaria de de
des-
problema da
organização funcional da atividade humana de maneira lacar a seguinte posição, que me parece ser uma posição
mática e simplificada não pode ser entendida. Estima esque¬ for
que a princípio considero que seria extremamente difícil (se ex¬
evolução das idéias que foram por ele acima mencionadas me possível) propor um dos métodos elaborados na psicologia
escapou e que, por essa razão, apenas, pude afirmar que a de¬ perimental a respeito do qual se pudesse dizer que
seu em¬
dução do efeito terapêutico da tomada de consciência do fato alguma. Parece-me não
da inserção numa atitude psicológica nova, numa
prego não seria justificado em condição como
não é o método
nova rela¬ ser necessário provar que o importante
ção com a realidade, foi sempre estranha a Freud. fornece, assim
tal, mas a interpretação dos dados que esse
ser muito dife¬
Realmente, eu o afirmo, apesar de as idéias como o objetivo a que serve. E esses podem
na obra mencionada de Freud poderem
desenvolvidas rentes, certamente, em pesquisas de orientações diversas. Por
produzir, à primeira emprego do método associativo é
vista, a impressão de um argumento em favor
da justeza das. isso considero que não só o
o do
justificado em suas mais diversas variantes, assim diferentes,
como
representações do Prof. Musatti. Entretanto, já indiquei que
toda essa questão, que nos forçou a apelar método de Rorschach e de outros procedimentos "clínicos",
estrutura psicológica da atividade, é muito
para a teoria da definidos no Ocidente como métodos psicológicos
complexa para como até (hornbile dictu!) um procedimento
"psicanalítico"
que se possa discuti-la atualmente de maneira dados muito in¬
situação complica-se particularmente, uma vez que ampliada. A como a análise dos sonhos, que pode fornecer
na consciência
o Prof. teressantes no estudo, por exemplo, do reflexo

---......... . .
Musatti, como ele mesmo o diz, não conhece os e do trabalho
trabalhos de onírica das diversas formas da situação exterior
D. Uznadze e de sua escola, nos quais as
questões dessa teoria 1 1
— " ~
1 , л cnnhrt
são colocadas de maneira interessante e
profunda. Por isso,
penso que o Prof. Musatti me perdoará se, por
der uma resposta desenvolvida às suas enquanto, não
observações críticas. O Ver no § 33 os dados relativos à teoria
da atitude e nos §1 115-116
princípio que me serviria de ponto de partida, se desse essa no Prof. Musatti mencionadas mais
posta, pode ser expresso da seguinte forma, o
res¬ a resposta dada às observações
elemento essen- acima.

376 377
e a profundeza do sono, na
investigação das possibilidades de ili pnidência e objetivo que inspira o respei-
um desejo de ser
agir sobre o caráter dos sonhos pela sugestão mesmo de parte daqueles
hipnótica, na anᬠiii por ele enquanto pesquisador, até
lise das relações entre a duração objetiva do suas convicções teóricas. Provavelmen-
sonho e a im¬ i|ni não concordam com
pressão vivida subjetiva da duração do
tempo durante o sono, ii sentindo como são movediças as construções dos psicana-
e em muitos outros casos. le.i.r. nesse domínio, o Prof. Musatti externa a opinião
de que
símbolos é, na pesquisa psicanalítica, um
No que diz respeito à questão dos métodos de ii uterpretação de
pesquisa que da medida
podem ser recomendados para o estudo das "impressões
vividas método auxiliar, que deve ser utilizado com senso
francamente que
não-conscientes", além dos aplicados pelos psicanalistas, em I algumas reservas. O Prof. Musatti informa
tinha a mesma
primeiro lugar, o próprio Prof. Musatti os enumera nu início do seu trabalho como psicanalista
quando "aversão") em relação às interpreta¬
fala dos métodos psicológicos experimentais desconfiança (até uma
que podem ser¬ percebe nos adversários da psicanálise.
vir para controlar objetivamente os
dados psicanalíticos. Esses res dos símbolos que afirma, esse sentimento não o abando¬
métodos estão destinados a evidenciar os fenómenos Além disso, conforme
psíquicos vividas
"profundos e ocultos" e encontram-se em condições, nou até hoje. Entretanto, considera que as "impressões
segundo manifestar-se no domí¬
alguns psiquiatras e psicólogos (como o indica o icio-conscientes" têm uma tendência a
Prof. Mu¬
nio do consciente sob a forma de símbolos. Para evidenciar o
satti) , de substituir o trabalho difícil e lento dos psicanalistas. parti-
Isso, por um lado. E, por outro, meu sentido real desses últimos, ele elaborou um método
artigo criticado pelo que
Prof. Musatti cita grande número de trabalhos inlar, que chamou de "análise convergente" Considera
realizados com is leis da simbolização foram descobertas pelas pesquisas de
a ajuda dos mais diversos métodos, mas
que têm, em todos os em relação a todo
casos, como objetivo evidenciar as Si hretter e Silberer e que, na minha atitude
influências no comporta¬ clara da
mento de fatores que permanecem esse problema, se revela uma falta de compreensão
inconscientes. Não os repe¬ vividas não-
tirei só vou dizer que seu princípio comum
e importante é o Iunção da expressão simbólica das impressões
de acompanhar, no comportamento ou nas I( inscientes.
reações vegetativas,
os deslocamentos provocados por um excitante Concluindo, o Prof. Musatti desenvolve a idéia de que,
semântico que o símbolo da im¬
não atinge a consciência, seja em virtude de um
estado fun¬ "para a atividade psíquica não-consciente",
inteiramente essa impressão e se iden¬
cional ou patológico particular do sistema fisiológico pressãovivida substitui
corres¬ o Prof.
pondente (por exemplo, nas experiências com doentes
afeta- tifica com ela. Nessa identificação manifesta-se, segundo
dos por surdez funcional ou com sujeitos Musatti, uma regressão do psiquismo adulto para psiquismo o
mergulhados num
sono normal ou hipnótico) , seja em virtude de infantil.
particularida¬ a algu¬
des (em geral, a sublimação) do próprio excitante. Em relação a esse problema, limitar-me-ei apenas
Na base de diversas modificações desse tipo mas observações.
de procedi¬
Mu¬
mentos, assim como na base da análise
do que se chama de As dúvidas, que até hoje não abandonaram o Prof.
atitudes, segundo o método de D Uznadze, foi possível satti, a respeito do problema do simbolismo, destacam com elo¬
acumu¬ unanimemente
lar, nestes últimos anos, grande número de
dados interessantes quência, segundo me parece, o que é afirmado
relativos às particularidades e à dinâmica das há decénios por todos os adversários da psicanálise:
precisa¬
reações de adap¬ desse problema,
tação não-conscientes. Por isso, parece-me que,
quando o Prof. mente a ausência, na colocação psicanalítica
com as quais
Musatti indica o perigo que me ameaça de
tornar-me "meta¬ de uma abordagem científica objetiva. As idéias
físico" (uma vez que admito a existência dessas o Prof. Musatti termina sua análise do problema do simbolismo
reações, mas com o conteúdo sim¬
não possuo o método para sua pesquisa) , isso não
deve causar- (indicação da identificação do símbolo entender,
mas, no meu
me pânico. bolizado) representam grande interesse,

num plano inteiramente diferente daquele que


seu autor tem
Finalmente, um último problema teórico o da simbólica as formas patológicas
como meio de expressão do inconsciente. Permito-me destacar em vista encontramos frequentemente
como é reco¬
dessa identificação na clínica da esquizofrenia
e,
que o próprio Prof. Musatti aborda esse problema com gran- Prof. Musatti, verificamos uma tendência
nhecido pelo próprio
378 379
a tal identificação em determinadas
etapas da ontogênese nor¬
mal do psiquismo; a análise posterior desses
processos pode, ih mi i|i:ilmente nos eua, e a concepção pavloviana do nervismo.
os debates que tiveram lugar quando do estudo
dessa
indubitavelmente, fornecer muito à compreensão das parti¬ Пт ице
dos
da delegação soviética e alguns
cularidades tanto da desagregação como da maturação do 11и .i.ii), entre os membros

pensamento [ ]. iniiii ipantes americanos e da Europa Ocidental (Wittkower,
1 • 1 man, Chertok, Rey e outros) as
1
, divergências de opiniões
[ ] Tentei responder às observações críticas do Prof Os delegados soviéti-
Musatti a mim dirigidas. Imagino que estarei expressando a • .inites nesse domínio foram precisadas.
1

1 1 hi expressaram também observações


críticas em relação à cor-
opinião de muitos dos pesquisadores soviéticos se disser que e destacaram que, no seu entender, os princí-
" mi dapsicanalítica

...
rejeitamos indubitavelmente a concepção psicanalítica. A so¬ não são bem entendidos por
ciologia e a filosofia do freudismo, que estão indissoluvelmen¬ !1I1114 teoria do nervismo muito
do freudismo, como se
I uns i>csquisadores simpatizantes
te ligadas à sua psicologia, são
reacionárias e idealistas. Fi¬
nalmente, a psicologia do freudismo é desprovida de base cien¬
. ÿli em suas intervenções. Os participantes da discussão con-
lai am em que a troca de opiniões que teve lugar foi
útil
tífica objetiva. Isso torna a doutrina de Freud inaceitável apro-
que a polémica surgida mereceria ser desenvolvida
1
e
para nós. discussão, o
liiinl.ida. Em conseqúência dessa apreciação da
Entretanto, não devemos perder de vista os importantes i iHMilente da União Internacional de Medicina Psicossomá-
fenómenos psicológicos e clínicos que a teoria psicanalítica iii a, o Professor E. D. Wittkower, que leciona Psiquiatria na
procura analisar e entender, utilizando, certamente, um méto¬ 1 diversidade McHill, enviou-nos amavelmente, a seguir, seu
do inteiramente diferente daquele utilizado uma abordagem psico-
por Freud. Seme¬ m ligo "Л psicanálise como ciência
lhante visão cria numerosos motivos para uma discussão fértil liuológica" (contendo as teses principais do informe de seu
com os adeptos das interpretações psicanalíticas e,
em primeiro ниш apresentado na II Conferência Ibero-Americana de Bue-
lugar, naturalmente, com o Prof. Musatti e seus colegas. E de darmos uma opinião
111 is Aires, em 1956) *, com a proposta
não resta dúvida de que semelhante troca de
pontos de vista, 11 li и a em relação a esse documento.
Agradecendo ao Prof.
principalmente se for realizada em torno de questões con¬ crítica que nos oferece, ex-
cretas e experimentalmente verificadas,
poderia contribuir em
boa medida para alcançarmos nosso objetivo humanista
co¬
Winkower pela possibilidade
~--
de
----
---—
i-nkolК rv inenirmi**
r\c

mum a descoberta das leis a que se encontra


submetida a
atividade mental do homem são ou doente. principal do artigo do Prof. Wittkower consiste
Л tarefa
Desejo expressar minha sincera gratidão ao Prof. Musatti • m examinar se a psicanálise é uma ciência e
fundamentar uma
pela atenção que dedicou à análise do meu trabalho e pelas O autor destaca que limita
11 *.
1 « »st a afirmativa a essa questão.
suas observações críticas, que me foram tão úteis. m.i análise ao domínio das relações entre a psicanálise e a fi¬
Gostaria que
nossa discussão, entabulada tão oportunamente por lologia, isto é, principalmente às questões relativas à teoria da
iniciativa
de nossos colegas italianos, não fosse interrompida com iiirilicina psicossomática.
estas
linhas, mas prosseguisse e se aprofundasse no futuro. Na introdução ao seu artigo, o Prof. Wittkower precisa
as
ÿ 1 hiii ias a que deve satisfazer o conhecimento
científico. In¬
du. 1 justamente que a acumulação de observações e seu regis-
Discussão com o Prof. E. D. Wittkower (Montreal Canadá) 1111 constituem apenas a primeira etapa da
análise científica e
definir as leis que regem a dinâmica
No Primeiro Congresso Tcheco-Eslovaco da
ÿ
1 1 и seu objetivo final é - — C-
---
« """4 ППСС1-
О
Psiquiatria, que
se realizou em Jesenik, 1959, e foi dedicado ao
problema das
neuroses, a atenção esteve voltada, em particular,
para a questão
das relações entre a corrente da medicina psicossomática Сand . Psych. Ass. J., 1957, 2, 2.
de
orientação psicanalítica amplamente difundida 110 Ocidente Л:; observações críticas abaixo expostas a
respeito do artigo do
primeira vez.
1'rof. Wittkower estão sendo publicadas pela
380
381
bilidade de prever os acontecimentos é apenas um aspecto Desde então, uma quantidade indescritível de trabalhos
desejável, mas não necessário, de um método científico. Não da corrente pavloviana não só mostrou a profundidade das in¬
poderíamos estar de acordo com essa representação, mas não fluências exercidas pela atividade nervosa (e, consequente¬
gostaríamos de aprofundar, por enquanto, a discussão dessa mente, por diversos fatores psicológicos, principalmente os
tese, que não está diretamente relacionada com a essência do estados afetivos) nos processos somato-vegetativos, mas tam¬
artigo em questão. bém estudou alguns mecanismos fisiológicos com a ajuda dos
O Prof. Wittkower, a seguir, detém-se nas correlações que (piais essas influências se realizam. Por isso, as correlações psi¬
foram evidenciadas, durante as sessões de psicanálise, entre a cológicas mencionadas pelo Prof. Wittkower (ligações dos ter¬
dinâmica das funções fisiológicas e as características psicoló¬ rores e dos acessos de raiva com as altas de tensão arterial, a
gicas. A esse respeito, lembra um caso de moléstia hiperten-
dependência das funções do estômago em relação ao estado
siva, relatado por Alexander, no qual se constatava uma liga¬
afetivo geral, etc.) não são inesperadas. Entretanto, o quanto
ção direta entre os paroxismos da agressão e os terrores, de um podemos entender, a existência dessas correlações não está cm
ligação direta com a questão de saber se o método psicanalítico
lado, e as crises de hipertensão, de outro. O autor cita igual¬
é científico. Por isso, essas correlações não podem servir de
mente uma observação curiosa descrita na literatura. Uma
argumento na discussão a respeito do caráter científico cla
doente, portadora de úlcera gástrica, foi submetida simulta-
psicanálise.
mente a um exame psicanalítico e à exploração sistemática da
2 A primeira das conclusões gerais do Prof. Wittkower
atividade motora e secretora do estômago. A análise psicana¬
lítica mostrou que a doente sentia sensações agradáveis du¬
consiste em que os fatores afetivos não só conscientes, mas tam¬
rante as manipulações terapêuticas ligadas aos toques na região
bém inconscientes, podem agir sobre o estado das funções
da úlcera, reagia à úlcera inconscientemente como a um órgão
fisiológicas. É impossível não concordar com essa tese geral.
Entretanto, será que admiti-la significa reconhecer o caráter
genital e tinha o receio reprimido {"repressed") de que a in¬
científico do método psicanalítico?
trodução brutal de um corpo estranho pela úlcera pudesse ser
mortal. Uma vez eliminados esses temores, a doente se sentia Os documentos apresentados pela delegação soviética ao
melhor e essa melhora psicológica refletia-se também nas fun¬ exame dos participantes do I Congresso Tcheco-Eslovaco de
ções do seu estômago. Baseado nessas observações, Wittkower Psiquiatria incluíam a descrição de grande número de pesqui
tira duas conclusões principais, a) a dinâmica das funções fi¬ sas clínicas, psicológicas e fisiológicas nas quais as influências
siológicas está ligada aos estados afetivos, não só conscientes, fisiológicas dos fatores não-conscientes do comportamento
como também inconscientes e b) tais estados afetivos não-cons- eram examinadas a partir de posições teóricas que nada tinham
cientes são acompanhados de uma reanimação dos traços do
de comum com a teoria psicanalítica. Gostaríamos também
comportamento e do psiquismo infantis.
de destacar agora que o que caracteriza o freudismo não é
simplesmente a afirmação do fato de que as sensações e as
A respeito dessas observações e dessas conclusões, gosta¬ representações não-conscientes influem nos processos fisiológi¬
ríamos de expressar as seguintes considerações. cos, mas a interpretação especifica dessa influência, uma deter¬
1 A idéia da existência de ligações regidas por leis entre minada teoria desses fatores não-conscientes e do seu papel no
a dinâmica das funções fisiológicas e diversas formas, inclusive comportamento do homem (assim como dos grupos sociais)
as mais complexas, da atividade nervosa, incluindo a atividade Não se pode admitir essa teoria, não só porque, em muitos
do segundo sistema de sinalização, não pode, em condição sentidos, ela não satisfaz as exigências apresentadas a uma con¬
alguma, ser considerada uma tese psicanalítica. Ainda em 1883, cepção científica*, mas ainda porque se transforma (e sobre
Pavlov já havia reconhecido como princípio importante que
essas ligações eram regidas por leis. Justificando a concepção
do nervismo, Pavlov a caracterizava como "[ ] uma corren¬ Não podemos, por enquanto, perguntar concretamente esta afir¬
mação geral, levando em conta a extensão e o caráter do pre¬
te fisiológica que visava estender a influência do sistema ner¬ todo
sente artigo, e nos contentamos em lembrar que, no fundo,
voso ao maior número possível de atividades do organismo" o conteúdo deste livro, do qual este artigo é um "anexo", está
(Pavlov, Obras Completas, M.-L., 1951, t. I) dedicado à justificação desta tese.

1X2 383
isto não gostaríamos de silenciar) em uma espécie de filosofia iiilaridades do estado psíquico e o ciclo menstrual. Como é
de tipo idealista. Por isso, reconhecendo inteiramente a in¬ indicado pelo Prof. Wittkower, esses autores chegaram a esta¬
fluência estabelecida clínica e experimentalmente, repetidas belecer que na fase de maturação dos folículos, caracterizada
vezes, e que é exercida sobre o comportamento pelos fatores por desvios hormonais específicos, observa-se uma tendência
psicológicos não-conscientes, não podemos considerar essa in¬ normal ao aumento do instinto sexual (ativação da atitude
fluência como prova do caráter científico da teoria psicana¬ heterossexual), após a ovulação, a intensidade do impulso di¬
lítica. Estimamos que a elucidação científica das leis que re¬ minui. À medida que as células do corpo amarelo se degene¬
gem o inconsciente e do seu papel só pode ser feita a partir ram, os desvios hormonais que caracterizam a fase pré-mens-
das posições materialistas-dialéticas na psicologia e na fisio¬ II uai se produzem e são novamente acompanhados de uma ati¬
logia, logicamente incompatíveis com a doutrina de Freud. vação das tendências afetivas de determinado tipo. Tal é, apro¬
ximadamente, a natureza das relações estabelecidas pelas pes¬
3 A segunda conclusão do Prof. Wittkower (de que os
fatores não-conscientes estão ligados à ativação dos elementos quisas, se são expressas numa terminologia que não é a inerente
à psicanálise.
do psiquismo infantil) está mais diretamente relacionada com
a apreciação do caráter da concepção psicanalítica, uma vez O Prof. Wittkower expõe os resultados de seus próprios
que aqui intervém determinada interpretação da natureza e do trabalhos do mesmo tipo. Conjuntamente com outros pesquisa¬
papel do inconsciente característica para o freudismo. Entre¬ dores, ele acompanhou as ligações entre as particularidades
tanto, como está defendida essa interpretação? dos afetos e as funções da tireóide. Os pesquisadores partiam
da suposição de que, quanto mais ativamente funciona a glân¬
Imaginamos que é essa argumentação que se deve acen¬
dula, tanto mais rapidamente ela elimina o iodo radiativo
tuar, caso se deseje fundamentar o caráter científico da con¬
anteriormente administrado com um objetivo experimental.
cepção psicanalítica. É inteiramente evidente que a questão de
Mais de 70 doentes afetados por distúrbios mentais como ter¬
saber se o método psicanalítico constitui ou não uma doutrina
rores crónicos foram submetidos a essa pesquisa. A intensidade
científica depende totalmente do nível de fundamentação das
<lo afeto patológico foi comparada com a intensidade do me¬
conclusões a que conduz esse método. Lamentavelmente, o
tabolismo do iodo. Entretanto, como o mostra o próprio autor,
Prof. Wittkower evita deter-se em especial nessas teses funda¬
esse estudo não evidenciou qualquer correlação determinada
mentais e, consequentemente, muito importantes no plano
entre a intensidade dos terrores sentidos e a hiperfunção
da discussão. Seu artigo não contém uma análise ou demons¬
tireoidiana.
tração da justeza da interpretação proposta pela concepção psi¬
canalítica da relação do doente frente a seu defeito somático. E Numa outra série de experiências, foi estudada a influên¬
isso significa que a questão do caráter científico do método cia exercida pelos paroxismos do medo patológico no meta¬
psicanalítico na discussão do caso clínico dado escapa, em es¬ bolismo do iodo Pbj131 fixado aos protídeos. Nesse caso, como
sência, ao exame. No entanto, o fato de que, após a eliminação no precedente, nenhuma singularidade do metabolismo, carac¬
dos temores "reprimidos" do doente, houve uma melhora em terizando os doentes, cuja intensidade do afeto patológico era
seu estado não é suficiente, por si só, para apresentar uma opi¬ mais forte ou mais fraca, foi evidenciada.
nião sobre a natureza do procedimento terapêutico empregado, Finalmente, numa terceira série de experiências, foram
pois um efeito curativo, como o mostra bem a experiência e considerados os dados dos trabalhos anteriores, os quais re¬
a história da medicina, pode frequentemente produzir-se sob a velam que, em diferentes formas de tireotoxicose, bem antes de
influência das mais diversas causas ocultas (por exemplo, a se manifestarem os sintomas específicos, podem surgir modi¬
sugestão) , que não coincidem com os fatores conscientemente ficações características no psiquismo e na personalidade do
utilizados pela medicina. doente. Os pacientes estudados (neuróticos com tendência aos
4 A segunda parte do artigo em discussão está dedicada medos patológicos) foram distribuídos entre dois grupos, a)
ao que é chamado de "estudos prognósticos" ("predictive sujeitos nos quais eram observadas modificações do psiquismo
studies") O Prof. Wittkower cita os dados de Benedect e Ru- típicas da tireotoxicose; b) sujeitos que apresentavam modifi¬
bcnstein relativos ao problema das correlações entre as parti cações afetivas de outro tipo. Quando se acompanham as par-

381 385
ticularidades do metabolismo do iodo em cada um desses gru¬ ilt 1v ion, os quais acompanham o ciclo menstrual ou a tireo-
pos, constata-se a existência de determinadas correlações entre são um exemplo, os pesquisadores que as descrevem
ii .ÿ Il lise,

as características fisiológicas e psicológicas, e é possível prever, An vezes destacam até uma conotação materialista que aparece
com certa exatidão, as particularidades desse metabolismo de Mi ' . is descrições (formação de traços psíquicos como função
acordo com os dados da análise psicológica. ÿI. |ii()cessos fisiológicos) e contrapõem a teoria desses efeitos
Na conclusão, o Prof. Wittkower lembra a obra de Mirsky, A» iiiicrpretaçôes feitas no espírito do freudismo ortodoxo.
semelhante às pesquisas descritas, na qual foram acompanha¬ Л primeira vista, essas tendências parecem confirmar cer-
das as correlações entre as características psicológicas, de um i i iproximação entre a teoria da medicina psicossomática e a

lado, e a atividade secretora do estômago e a tendência à for¬ do nervismo. Entretanto, com um exame mais aprofundado,
mação de úlceras do duodeno, de outro. A pesquisa revelou Ih.i inteiramente claro que a interpretação feita pelo nervismo
que, na base dos critérios psicológicos originariamente indica¬ • lo problema das ligações entre a atividade nervosa e os pro-
1 1 mis somato-vegetativos distingue-se radicalmente da abor-
dos pelos autores, é impossível traçar uma linha demarcatória
il.igcm específica da medicina psicossomática. Eis em que con-
entre os sujeitos com atividade secretora alta ou baixa. Somente
msicm as principais divergências:
após certa seleção desses critérios foi possível realizar essa de¬
marcação. Nesse mesmo trabalho, há uma tentativa de prever, A tendência, característica de algumas pesquisas psicosso-
com base nas particularidades psicológicas, em qual dos su¬ pôr em evidência a dependência direta das mani-
ni.ii icas, a
jeitos se pode esperar um processo ulceroso. O prognóstico de Imtações mais complexas da organização mental, das parti-
inlaridades da personalidade, da estrutura dos afetos (como
úlcera foi feito em relação a 10 sujeitos; em sete deles esse
.1 "tendência [. ] precoce à independência", "repressão de sua
prognóstico foi confirmado posteriormente. Lamentavelmente, própria agressividade", "tendência a conquistar a simpatia
o Prof. Wittkower não precisa na base de que critérios psico¬ .1 través de obséquios", "desejo de agradar e conciliar",* etc.)
lógicos essas correlações positivas e esses prognósticos corretos- cm relação aos fenómenos fisiológicos elementares (modifica-
foram feitos. ções da atividade tireoidiana ou das fases do ciclo menstrual)
A respeito de todas essas verificações, gostaríamos de fazer encerra o perigo de uma simplificação violenta das relações
duas observações. Antes de mais nada, tendo em vista a im¬ muito mais complexas, indiretas e, por isso, individualizadas
portância desse aspecto, é necessário destacar que o reconhe¬ lio mais alto grau. Consideramos que os pesquisadores que
cimento da existência de ligações entre as formas mais com¬ [Kistulam a existência de ligações diretas desse tipo entre os
plexas da atividade nervosa e a dinâmica das funções somato- processos psicológicos mais complexos e os processos fisiológi¬
vegetativas não constitui de maneira alguma uma tese especí¬ co elementares correm o risco de repetir um erro filosófico já
fica da concepção psicanalítica ou do método psicossomático. cometido uma vez durante a história do desenvolvimento de
A idéia a respeito de tais ligações já havia sido utilizada por nossa cultura.
Pavlov como princípio fundamental no início de suas pes¬ Hoje entendemos que o principal defeito das concepções
quisas, influenciadas sobretudo pelas idéias de Botkin, e assu¬ mecanicistas a respeito da dependência do "psicológico" em
miu, segundo Pavlov, a forma do "nervismo antecipando fre¬ relação ao "fisiológico", desenvolvidas pelos primeiros mate¬
quentemente os dados experimentais" (Pavlov, Obras Com¬ rialistas dos séculos xviii e xix, consistia na subestimação da
pletas, M.-L., 1940, T. I) . idéia do desenvolvimento, da "história" dos fatores que inte¬
Certamente, à luz da concepção do nervismo, a descoberta, ragem entre si, da dialética dos acontecimentos precedentes,
em muitos casos, de determinadas correlações entre as parti¬ que complica ao extremo a forma e a estrutura das ligações
cularidades dos afetos e a dinâmica dos processos somato-ve- psicofisiológicas e priva inevitavelmente essas ligações do ca-
getativos, da influência das primeiras sobre esses últimos ráter de relações diretas. Levando em conta essa lição da his¬
(como foi assinalado nem que seja nos casos acima evocados tória da filosofia, colocamo-nos de sobreaviso quando observa-
de uma patologia das funções gastrintestinais) , nada tem de
paradoxal. No que diz respeito às influências contrárias (isto Citamos as características apresentadas nos trabalhos a que se
é, os efeitos dos fatores somato-vegetativos no psiquismo) , cujos. refere o Prof. E. D. Wittkower

JSC, 387
mos tentativas de deduzir correlações diretas entre os pro¬ I ais são algumas das idéias que a leitura do interessante
cessos somáticos elementares e os traços da personalidade, isto o ilm lho do Prof. E. D. Wittkower suscitou. Resumindo, pare¬
é, os fenómenos sociais e psicológicos mais complexos. Não il nos que os dados desse trabalho não provam o caráter cien-
resta dúvida de que o desenvolvimento social e biológico do
I и и o do método psicanalítico e da concepção psicanalítica em
sujeito estudado deve deixar uma marca profunda na maneira и conjunto. Os princípios gerais dessa última não são subme-
ÿ

como se refletem no seu psiquismo os processos fisiológicos,


I и los ;i uma análise neste artigo. Quanto à abordagem da aná-
modificar esse reflexo, evidenciando-o, por vezes, e mascaran-
I • dos fenómenos psicológicos e fisiológicos, caracterizada no
do-o, outras vezes, mas 'Iretirando" sempre dialeticamente seu ' e especificamente psicossomática, encontra, a nosso
1 1 .1l>ii lho
caráter direto. É exatamente essa circunstância, segundo nos
parece, que explica o fato memorável de que os resultados de mi, objeções que procuramos formular
algumas tentativas, interessantes do ponto de vista do método Ло mesmo tempo, estamos convencidos de que os múl-
e que foram mencionadas mais acima, realizadas pelo Prof. I J ilos dados expostos no artigo do Prof. Wittkower permitem
Wittkower com a finalidade de descobrir correlações diretas Imender com maior profundidade as particularidades das in-
desse tipo, se revelaram negativas. iii pi elações existentes e os métodos de pesquisas difundidos
Por outro lado, no exame do processo oposto, isto é, das ÿ nesse sentido, são precisos e foi muito útil ter conhecimen¬
,

influências exercidas pelas formas superiores da atividade ner¬ to deles.


vosa na somática, a corrente psicossomática comete, a nosso
ver, o erro metodológico contrário, uma vez que, em lugar de Queremos expressar, mais uma vez, nossa gratidão ao
seguir os mecanismos não-especificos, propriamente fisiológicos, 1'iof. E. D. Wittkower pela oportunidade que nos concedeu de
nvnrnccar nnCCÍlQ orífiroc
da patogênese das síndromes funcionais, inúmeros trabalhos
seguem as modificações de ordem psíquica numa ótica pura¬
mente psicanalítica. Semelhante desconhecimento pela corren¬
te psicossomática das idéias sobre os mecanismos propriamente As discussões com os Doutores V Smirnoff, С Koupernik
fisiológicos da influência do sistema nervoso central na somᬠс II P Klotz (Paris, França)
tica não pode ser entendido e causa sério prejuízo à fundamen¬
tação científica dessa corrente. Em 1959, a Revue de Médecine Psychosomatique começou
Na grande maioria dos casos, o conflito afetivo, como o .1 sair em Paris. No primeiro e no segundo número dessa revis-
revelaram inúmeros trabalhos clínicos e experimentais, ativa i.i publicava-se, além do editorial caracterizando os objetivos
os mecanismos fisiológicos não-específicos para seu conteúdo cia nova publicação periódica, um artigo de caráter programá¬
psicológico, e é essa circunstância que devemos ter em conta tico do Dr Ch. Brisset. Em resposta ao Professor Ch. Brisset,
em primeiro lugar, na análise dos distúrbios funcionais de todo publicamos dois artigos na Revista de Neuropatologia e Psi¬
tipo. Quanto aos casos, muito mais raros, em que, entre a estru¬ quiatria S. S. Korsakov (1960, n.°s 3 e 10) Esses dois artigos
tura da síndrome funcional e o conteúdo psicológico do con¬ loram traduzidos e publicados em francês na Revue de Méde¬
flito afetivo responsável por essa síndrome, existe uma ligação cine Psychosomatique (1960, 2, 4, 1961, 3, 1) e houve inúme¬
semântica determinada (como ocorre na clínica da histeria) , ras respostas do lado francês: os artigos de Koupernik (Rev.
nesses casos os distúrbios surgem na base de mecanismos fisio¬ Méd. Psychosom., 1960, 2, 4), de Smirnoff (Rev. Méd. Psycho-
lógicos que, mais uma vez, nada têm em comum com os meca¬ som., 1961, 3, 1) , de Klotz (Rev. Méd. Psychosom., 1961, 3, 4) .
nismos postulados pela psicanálise (mas que a corrente psica¬ Nossa resposta ao Dr Smirnoff foi publicada na Revue de
nalítica nunca pôde demonstrar experimentalmente) * Médecine Psychosomatique (1962, 4, 2)
Abaixo são apresentadas as principais teses do artigo do
Temos em vista a conhecida teoria pavloviana das relações fisio¬
lógicas "fatais", que explica o surgimento de distúrbios "logica¬ Dr Smirnoff, trechos dos artigos do Dr Koupernik e do Dr.
mente compreensíveis" na histeria. (Para maiores detalhes, con¬ Klotz, assim como nossas respostas aos Doutores Smirnoff,
sultar o § 113.) Koupernik e Klotz, que antes não haviam sido publicadas.
388 389
As principais teses do artigo do Dr. V. Smirnoff 1. r.c do eficácia objetiva, mas que na realidade
critério de sua
ÿ m-itein duas maneiras diferentes de julgar a respeito da jus-
O artigo do Dr Smirnoff compõe-se de duas partes. Na o i de uma teoria científica. De um lado, sua autenticidade,
da
primeira, o autor aborda o problema da fundamentação expe¬ • li outro, o papel que desempenha uma teoria na evolução
rimental das idéias psicanalíticas e a questão dos critérios da , I nlinção e da sociedade, e esses dois pontos de vista nem sem-
verdade. A segunda parte é dedicada ao exame, no plano da |нг são coincidentes. Justamente esse fato
constitui para o
discussão, de questões mais especiais da teoria psicanalítica. l'iol. Bassin a verdadeira raiz do problema, pois quer ele quei-
I I ou não o critério final da veracidade de uma
teoria, para
Segundo o Dr. Smirnoff, nas páginas da Revista de Neu-
ropatologia e Psiquiatria S. S. Korsakov (1960, 10) , afirmamos .1 Prof. Bassin, é dado pelo progresso social. Para ele, uma
que as principais teses teóricas da corrente psicanalítica não temia falsa se define da seguinte maneira- é uma teoria que
têm comprovação experimental. o.io exerce, no momento em que está sendo avaliada, qualquer

O Dr. Smirnoff contrapõe a isso as seguintes objeções: oilluência sobre a ciência. E, ao contrário, existiriam teorias
] E essa comprovação experimental de que fala F Bassin que, sendo profundamente falsas, não deixariam, entretanto,
e que seria para ele indispensável para a fundamentação de uma
ile exercer considerável influência na cultura e na vida social,
teoria científica (e também, conforme supomos, se Bassin é • são cxatamente essas teorias que o Prof. Bassin denomina
ic.u ionárias".
consequente com ele mesmo, para criticá-la) , falta ao próprio
Professor Bassin na área que ele critica, isto é, na psicanálise. * O Dr Smirnoff conclui: "Tendo chegado a esse ponto do
debate, creio que está claro que a crítica feita por Bassin sobre
Essa comprovação experimental lhe falta, indiscutivelmente,
.1 leoria psicanalítica, que consiste em dizer que somente uma
para julgar tanto o método como a prática da psicanálise. E
essa circunstância transfere forçosamente o debate para o pla¬ teoria que conduza ao progresso social pode ser considerada
verdadeira, só permite a discussão desde que se utilize a afir¬
no teórico, para as opiniões e conclusões preconcebidas, sem
mação ou a negação dogmática"
que seja permitido apelar para os argumentos 'pragmáticos' nos
quais se baseia toda experiência. A discussão da psicanálise Passando ao debate de questões mais específicas e tocando
com os cientistas soviéticos só se pode apoiar no exame de na nossa observação de que Freud, ao partir de posições metodo¬
textos e conduzir a uma crítica metodológica." lógicas erróneas, chegou a conclusões fantásticas, o Dr Smir¬
O Dr Smirnoff não considera possível negligenciar essa noff indica: "A interpretação dada pelo Prof. Bassin das inten-
crítica metodológica. Entretanto, considera que, respondendo • õcs de Freud não corresponde certamente, a nada daquilo que
a essa crítica, não se tem o direito de utilizar todo argumento I rend pôde escrever Naquilo que sustenta o Prof. Bassin há
baseado na experimentação. ilgo de humor negro querer acusar Freud (isto é, alguém que o
A segunda consideração de ordem geral expressa pelo Dr Prof. Bassin reconhece ser competente, no seu tempo, no domí¬
Smirnoff diz respeito aos critérios da autenticidade do conhe¬ nio da neurofisiologia, e cujos trabalhos nessa área contaram
cimento científico. O Dr Smirnoff levanta essa questão a res¬ ют grande autoridade durante longo período) de construir um
peito da discussão que teve lugar na revista Voprossy Psycho- sistema fisiológico fantástico na base de um esquema psicoló¬
logun ("Questões de Psicologia") (1960, 3) entre nós e o Prof. gico hipotético seria sugerir uma espécie de delírio manso.
Cesare Musatti, adepto italiano da psicanálise, e na qual carac¬ 1'ambém estou certo de que Bassin entende literalmente os
terizamos essa última como uma teoria reacionária. modelos elaborados por Freud com títulos análogos, mas de
Ao intervir nessa discussão, Smirnoff diz o seguinte- maneira alguma aplicáveis a uma realidade fisiológica, qual¬
"[ ] O Prof. Musatti tem a possibilidade privilegiada de as¬ quer que seja"
sinalar que uma teoria científica não pode ser julgada à luz de O Dr Smirnoff expressa algumas observações críticas a
suas tomadas de posição idealistas ou não, mas na base dos icspeito de nossas considerações sobre a patogênese das sín¬
critérios de sua exatidão, de sua autenticidade, de sua relação dromes funcionais (Voprossy Psychologuii, 1958, 5-6, 1960, 3)
com os fatos. A resposta do Prof. Bassin é complexa. Diz ele A idéia segundo a qual é possível, na clínica da histeria, obser¬
que o Prof. Musatti só aprecia o valor dos dados científicos na var a existência de laços lógicos entre o caráter da síndrome

390 391
e o conteúdo psicológico do conflito afetivo,
que provoca a negligencia, em última instância, o papel de integra-
lliisset
síndrome, enquanto, na grande maioria dos Eu gostaria de ver
nicos, semelhantes laços não se manifestam,
distúrbios org⬠• in « de organização do sistema nervoso. seguintes.
das duas proposições
apenas faz ressus¬ ' issinatura embaixo
I
ÿ

citar, segundo o Dr Smirnoff, as idéias forçosamente


ultrapassadas e eclé¬ I) tudo aquilo que é psicossomático passa
ticas de Janet. О Dr. Smirnoff não considera
possível refutar a cerebrais;
teoria pavloviana da patogênese da histeria, !» I r. estruturas
não imagina o fundamento fisiológico que essa
entretanto, ele
toda ação do sistema nervoso, que se revela na peri-
sui. Segundo ele, o apelo a emoções complexas concepção pos¬ I. г não é obrigatoriamente de origem psíquica.
li
para explicar a fato psíquico,
patogênese da histeria aproxima nossa interpretação da
psicanalítica, apesar de nosso erro consistir em subestimarvisão
significação, na provocação de distúrbios histéricos, das expe¬
riências vividas afetivas não-conscientes, em confundir
experiências com o vivido consciente, o que nos faz confundir
a

essas
......
I

"ili
I in outras palavras, não há dúvida de que o
m Iodas as suas formas, é
.10 sistema nervoso
um estímulo
central, mas
influência de outros fatores [ ].
.1
poderoso
esse pode
no que con-
ser

Devo agora voltar ao artigo do Prof. Bassin. O simples


acionado

a histeria com a simulação. 1 1 o I que a Revue publique minha resposta parece


confirmar
Em sua conclusão, o Dr Smirnoff faz um apelo a não iiiii.i de suas afirmações, ou seja, que o artigo de Brisset repre-
co¬ Estou disposto a aceitar a acusação
locar em primeiro plano, na polémica, os ni.i o credo desta
ÿ Revue
pontos secundários, a condição
mas concentrar-se na discussão da "descoberta
principal do que Bassin nos dirige de "eurocentrismo", mas com
1I1 < 1 11c nos mostre em que as tradições da medicina chinesa e
freudismo", que teria importância tão revolucionária como a desen-
de maneira favorável no
descoberta de Copérnico ou o surgimento do materialismo dia- indiana puderam influenciar ser
lético, isto é, da descoberta do inconsciente É justamente volvimento do pensamento médico moderno. Isso poderia
nessa libjelo de um artigo interessante, uma vez que somos relativa-
direção que o Dr Smirnoff propõe orientar a discussão ulterior. exemplo, só
inrntc ignorantes em relação a essa matéria. Por
da medicina chinesa que existe a acupuntu-
1liemos a respeito
I I. que a meu ver não se apóia
em qualquer esquema anatô-
Dr С Koupernik
•IIito ou fisiológico válido.
No que diz respeito a antiga ani¬
mosidade alimentada pelos autores soviéticos em relaçãodo
a
Parece-me difícil responder ao interessante artigo do Pro¬ Viirhow, só posso expressar minha surpresa polida. A frase
fessor Bassin sem referir-me ao artigo de Ch. Brisset, Bassin
serviu de ponto de partida. Com toda a admiração
que lhe grande fisiologista russo, Sétchenov, que é citada por
pela ampli¬ \ célula viva do organismo, sendo uma unidade
do ponto de
tude da abordagem e o ecletismo de Brisset, não valor do ponto de vista fi¬
posso deixar M ia anatómico, não tem o mesmo
de formular, pelo meu lado, algumas críticas circunda ao espaço
a suas posições.
A crítica principal que eu lhe dirigiria é a de ter siológico; aqui ela é igual ao meio que a
base da
a patologia celular, na
silenciado a
respeito da contribuição feita pela fisiologia experimental mo¬ iniercelular É por isso que da
de uma independência fisiológica
derna. Essa última não se limita, seja lá o que se qual se encontra a idéia ao meio
diga, à téc¬ < <1nia ou pelo menos de sua
hegemonia em relação
nica pavloviana e às hipóteses de Selye. Brisset, falso" não leva em conta um
efetivamente, m ondante, é
ÿ um princípio
silencia a respeito de toda a tendência experimental no seu tempo, o da
neurofi- lalo fundamental e que não era conhecido
siológica ocidental, que está ligada com o problema das zonas intracelular e dos espaços
subcorticais essenciais, quer se trate das pesquisas do centroen- diferença de composição do meio
osmóticas, que têm lugar entre eles.
r\ iracelulares e das trocas
céfalo, realizadas por Penfield, dos trabalhos totalmente vã a disputa entre os
de Moruzzi e < à cio que essa noção torna
Magoun e de seus continuadores sobre a substância reticulada teoria celular e seus adversários, na medida
do tronco cerebral, quer se trate das partidários de uma suas con¬
inúmeras experiências rui que até mesmo os "celularistas" podem integrar
sobre o hipotálamo e o rinencéfalo [. .]. falar fran-
cepções nos marcos de uma patologia geral. E para considerar
Esses são aspectos particulares, mas o fato importante con¬ i.imcnte, parece-nos incompreensível que se possa
siste em que — e nisso estamos de acordo com o Prof. Bassin. válida a crítica que Engels dirigiu a Virchow
392 393
Voltando a Brisset, tenho a impressão de que esse é injusto surgem devido
com relação a Pavlov e de que Pavlov, com efeito, p.uir tem uma neurogênese, e esses distúrbios
renunciou à modificações fisiológicas pré-formadas, isto é, de maneira
psicologia e à terminologia psicológica apenas com o objet ivo î

de ser preciso. Entretanto, mesmo uma leitura atenta tu iiiossomática.


dos tia
balhos recentes ou relativamente recentes não nos permite foi Sempre considerei exageradas as pretensões psicanalíticas
mar uma opinião a respeito das concepções m monopólio de todo o domínio psicossomático e, de
minha
psicológicas que soviéticas para expressar esse

......
predominam na urss. Tudo nos leva a crer que essas teorias Cil le, não esperei pelas críticas
não reduzem o homem a uma mecânica integrada de punlo de vista. A observação dos fatos e a prática cotidiana im-
sos de inibição e de excitação, mas gostaríamos de ter procès
|ne,eiam-me a evidência do papel decisivo da tipologia prévia
a respeito no desencadea-
uma confirmação mais detalhada. • il.i fragilidade prévia de um dado sistema
to dos distúrbios psicossomáticos, isto é, de todos
esses hi-
obesidades, hipercorticismos, amenorréias, úl-
Î I î tiicoidismos,
iii.is de estômago, hipertensões,
etc., de caráter neuropsico-
Dr. H P. Klotz.
I'lllKOS.
Dessa maneira, se formos confiar nas constatações
clínicas,
Tendo lido com atenção os artigos de nosso colega sovié conven-
tico, o Prof. Bassin, a respeito dos fundamentos qui' valem todas as considerações e extrapolações, nos
teóricos da II î cílios de que é a fragilidade prévia
de um dado sistema fi¬
nossa revista e a resposta de V Smirnoff, membro do
nosso
comité de redação, devo reconhecer que não estou inteiramente siológico (isto é, de um conjunto de estereótipos dinâmicos,
satisfeito com essa resposta. de patterns) que o torna vulnerável frente a qualquer agres-
O próprio título do artigo de Smirnoff .111, incluindo as agressões neuropsicogênicas,
e não é a espe-
"As exigências colocado ou retirado que
da crítica. A respeito de uma crítica dos fundamentos da illicidade do problema psicológico
psi
canálise" sugere imediatamente que o autor se afasta da danifica particularmente esse sistema.
questão a que deveria ter respondido, uma vez que, em lugar Nesse ponto fundamental, estou inteiramente de acordo
de defender os fundamentos teóricos da Revue de Médecine î «un Bassin e creio que, na imensa
maioria dos casos, os me-
Psychosomatique ou da medicina psicossomática em geral, de¬ ÿ inismos fisiológicos desencadeados por um problema psíquico
fendeu os fundamentos teóricos da psicanálise (lapso revela¬ n.ío têm qualquer relação específica com o conteúdo concreto
dor que, de passagem, sublinha a identificação total que ele da tendência reprimida.
faz da psicanálise com a psicossomática) Esse dogma da especificidade e da "linguagem simbólica"
Ora, considero que essa defesa da psicanálise não responde do distúrbio somático constituía, entretanto, uma das cons¬
à questão colocada. tatações fundamentais dos criadores da psicossomática ame-
A questão não consiste em pesar (e de que maneira?) os I ii ana, como Dunbar, Alexander [ ] Sinto-me feliz por lem¬
respectivos méritos da psicanálise freudiana, retomada pelos brar que desde 1951 L. Michaux insistia na "meiopragie
americanos, e do nervismo soviético. d'appel", sublinhando com essa expressão "a tendência dos
A essência do problema para nossa Revue de Médecine processos psicossomáticos a localizar-se nos órgãos em corres¬
Psychosomatique consiste em precisar o lugar que deve ser pondência com suas insuficiências inatas ou adquiridas", e de
concedido à interpretação analítica e ao nervismo na com¬ constatar que Wittkower, de Montreal, em sua interessante
î t ónica recente, "Vinte anos da medicina psicossomática
na
preensão e no tratamento das enfermidades psicossomáticas,
isto è, dos estados somáticos que têm componentes psíquicos. América do Norte", escreve- "Observa-se em diferentes luga-
Estou me baseando na tentativa de definição das molés¬ rcs uma tendência a atacar conceitos já consagrados, o conceito
tias psicossomáticas que tive oportunidade de propor no meu da psicogênese, como diz respeito aos distúrbios psicossomá¬
ticos, foi 'demolido', foram despedaçados os conceitos de 'espe-
artigo anterior Lembrarei apenas que defendo uma posição
( ilicidade' Assim, na América do Norte, até a psicanálise re-
eclética, sublinhando que, se alguns distúrbios psicossomáticos,
como a histeria de conversão, têm uma psicogénese, a maior na nessa pretensão à especificidade do distúrbio orgânico em
(

ligação com o distúrbio psicogênico; esse recuo é significativo,


394 395
pois se trata de um dos elos
genética.
mais importantes da teoria psiсо

Ao mesmo tempo em qu,e se assiste a esse recuo, cada dia


.. . .
hum s sobre a psicossomática, me dará a oportunidade de res-
der ao meu respeitável interlocutor.
Antes de tudo, observo com satisfação que a imprensa

......
traz uma confirmação da importância do sistema nervoso cen li.mersa se interessa pelos nossos trabalhos. Não obstante toda
trai no controle das regulações fundamentais. ii diferença existente entre nossas principais posições quanto

Em consequência, atualmente é impossível praticar uma и idéias defendidas pelos autores franceses, partilhamos, jun-
medicina psicossomática negligenciando a importância do 'ner ute com nossos colegas franceses, preocupações práticas
vismo', isto é, da concepção que destaca o lugar preponderante * Ih tuins, principalmente com o objetivo de minorar o sofrimen-
do sistema nervoso central no controle dos fenómenos somá 1 > dos enfermos. É por isso que não devemos poupar esforços
1

ticos e, nesse ponto, os trabalhos da escola russa contribuíram lio sentido de eliminar do nosso debate o que pode ser supri¬
mido e, ao mesmo tempo, dirigir nossa atenção para alguns

.....
com dados muito preciosos.
Mais uma vez volto a repetir que, para nós, o problema Iи и 1 1 os que se revelam incompatíveis com nossas concepções.
\ N m disso, devemos abordar a discussão com franqueza e en-
não consiste em discutir os respectivos méritos da psicanálise
irar uma forma que venha a contribuir para uma com-
e da fisiologia corticovisceral. O problema atual é o de proce¬
der, em nossa prática psicossomática diária, a um estudo ana¬ Iи irrisão mútua mais aprofundada das idéias científicas. É
,i i m que eu gostaria, antes de iniciar uma discussão sobre a
lítico escrupuloso dos fenómenos somáticos, visando precisar
essência de nossas divergências, de fazer algumas observações a
quais têm uma patogenia psicogênica e uma significação simbó¬ и peito da forma da polémica desenvolvida.
lica e quais, uma patogenia neurogênica e uma significação
fisiológica. Se apenas o futuro poderá dizer o lugar respectivo Л troca de opiniões que se desenvolve entre os partidários
de ambas as categorias, tudo aquilo que sabemos a respeito de diferentes orientações científicas torna-se frutífera e inte-
1 ss;inte quando se consegue chegar ao esclarecimento das di-
1
da hereditariedade e da predisposição mórbida nos leva a crer
\ regências e destacar o essencial na discussão. E, ao contrário,
na importância predominante da segunda.
,i |H>lêmica torna-se de pouco interesse, se a crítica visa a falsa
Em suma, o fundamental da crítica de Bassin diz respeito
à excessiva importância, segundo ele, atribuída à psicanálise inlcrpretação da opinião do oponente, em vez de se dirigir con-
1 1 .1 sua verdadeira opinião. Vejo-me na obrigação de recordar
na fundamentação teórica de nossa revista e de nossa medicina
esse truísmo, pois, lamentavelmente e que o Dr Smirnoff
psicossomática. me perdoe —, seus argumentos em alguns casos vêm desmen¬
A isso Smirnoff não deu resposta. Apenas defendeu a psi¬ tir as constatações feitas por ele próprio. Erros semelhantes
canálise em si e o génio de Freud, em particular Mas não é são particularmente lamentáveis, uma vez que impedem o
nisso que consiste o problema levantado. Como já o dissemos leitor de compreender a essência da discussão, pois esse não
acima, essas discussões nos parecem ultrapassadas e o problema,
lei и a possibilidade de recorrer às fontes originais devido às
para nós, consiste em determinar o lugar exato da psicanálise ( iíiculdades provenientes do idioma. E é justamente assim
na compreensão e na terapia dos estados psicossomáticos. De
minha parte, se considero fundamental a intervenção da psica¬ que se coloca a questão desta vez, pois minhas objeções dirigi-
nálise nos estados neuróticos, qualquer que seja seu tipo, seu ilas ao Prof. Musatti, que constituem o principal objeto da aná¬
papel nos estados somáticos, mesmo que sejam psicossomáticos, lise do Dr Smirnoff, não foram publicadas em francês.
isto é, desencadeados ou mantidos por problemas psicológicos, Por outro lado, a discussão científica parece-nos de menor
parece-me limitado. eficácia quando são permitidas expressões violentas e injusti-
Inadas. Sem nada provar ,e sem mesmo testemunhar uma con¬
vicção verdadeiramente apaixonada, semelhante violência só
Resposta ao Dr. V Smirnoff. la/ contribuir para conceder à polémica um caráter emocional
e. dessa maneira, levar o adversário a emitir palavras duras de
A Revue de Médecine Psychosomatique, tendo publicado lorma .análoga. É fácil imaginar como semelhante violência
o artigo do Dr Smirnoff, que critica algumas de minhas opi- iM >de refletir-se no nível científico da discussão. Lamentavel-

396 397
mente,isso me ocorreu ao 1er alguns trechos escritos pelo I)i I li'ncia dessa teoria aos fatos. O Dr Smirnoff se convenceria,
Smirnoff. Mas passemos à essência do problema. Im dúvida, de que sustento esse ponto de vista, se as primei-
i,i4 linhas do mesmo parágrafo do meu artigo, cujo final ele

гч põe tão minuciosamente, não lhe tivessem escapado. Essas


Na primeira parte do seu artigo, o Dr Smirnoff apresem a piiineiras linhas, que não aparecem na tradução francesa, são
dois argumentos críticos. Um deles aborda a questão dos cri m seguintes. "Em primeiro lugar, tenho a dizer que estou intei-
térios da verdade de uma teoria científica. O outro está rela¬ Iи mente de acordo com o Prof. Musatti quando esse insiste
cionado com c\ problema da fundamentação experimental das ÿ
m que a apreciação da concepção científica segundo o nível
idéias psicossomáticas. Analisaremos de perto e sucessivamente de correspondência — ou não-correspondência de suas con-
cada um desses argumentos. I bisões à realidade objetiva é indiscutivelmente o único cri-

O Dr Smirnoff examina o que, segundo minha opinião, létio da verdade [grifo no orignal, F В.] dessa teoria"*. Que
и I)r Smirnoff responda com a mão na consciência: acredita
é o critério da verdade. Chega ele à conclusão de que "quer
se queira, quer não, o critério final da verdade [grifo de F В.] • I possível encontrar semelhança entre semelhante concepção
de uma teoria, para o Prof. Bassin, é dado pelo progresso so¬ do critério da verdade e essa interpretação vulgar, pragmática
cial" [e não pela concordância da teoria com a realidade objc- • dualista que ele me atribui? Estou quase certo de sua res-
tiva, F. B.]*. Após tirar semelhante conclusão, o Dr Smirnoff IMista.
faz a seguinte generalização: "Está claro que a crítica feita por Mas será possível que os parágrafos seguintes nos afastem
Bassin da teoria psicanalítica, que consiste em dizer que so¬ dessa concepção, a única justa e na prática admitida univer¬
mente uma teoria que conduza ao progresso social pode ser salmente na ciência contemporânea, substituindo-a por uma
verdadeira [grifos de F В.], estabelece um plano de discussão uiiicepção baseada em construções pragmáticas, como as que
em que só é possível a afirmação ou a negação dogmática" me atribui o Dr Smirnoff? Para afastar tal suposição, devo lem-
A respeito dessas observações do Dr Smirnoff, tenho a biar a razão pela qual, na minha resposta ao Prof. Musatti,
dizer o seguinte: se colocou o problema das relações entre as teorias e o pro¬
Se eu tivesse afirmado que o critério da verdade de uma gresso social. O Prof. Musatti declarou que eu não tinha o di-
teoria constitui o nível de sua contribuição para o progresso I eito de qualificar as teorias científicas de "reacionárias" A

social, o Dr Smirnoff teria razão de dizer que, apoiado em teoria científica diz ele pode ser justa ou falsa, quando
semelhante concepção pragmática, só seria possível chegar a ,i definimos como reacionária ou progressista, afastamo-nos de

apreciações dogmáticas. E ainda, quando mencionei um pouco sua estrita apreciação. Minhas objeções feitas a esse respeito
acima que os argumentos do Dr Smirnoff desmentem as cons¬ sa o as seguintes
tatações feitas por ele próprio, estava eu fazendo alusão justa¬ A veracidade de uma teoria científica é determinada, sem
mente a essa disputa a respeito dos "critérios da verdade" dúvida, pela correspondência dessa teoria aos fatos. Mas esse
De fato, teria o Dr Smirnoff razão de afirmar que, segun¬ ( I itério por si só ainda não define o papel que a teoria poderá
do minha opinião, "existem duas maneiras diferentes de julgar desempenhar como fator do processo histórico. Uma teoria
a respeito da justeza [grifo de F В.] de uma teoria científica. |Mide ser verídica e contribuir para que se avance, isto é, pode
por um lado, sua autenticidade, e por outro, o papel que de¬ ser progressista, e algum tempo depois pode perder seu senti¬
sempenha uma teoria na evolução da civilização e da socieda¬ do progressista, permanecendo, contudo, autêntica. É assim
de"**} Sou obrigado a rejeitar decididamente semelhante in¬
< Ine a teoria da máquina a vapor de Polzunov-Watt perdeu seu
terpretação falsa. sentido progressista após a invenção do motor elétrico, mas
O critério da verdade ou, ao contrário, da falsidade de leríamos razão para dizer que essa teoria se tornou "falsa" após
uma teoria só pode ser a correspondência ou a não-correspon- essa invenção? E, ao contrário, as linhas de Marx sobre a obra

* Ver o artigo do Dr Smirnoff, pp 390-392


** Ibidem. • Voprossy Psychologuii, 1960, 3.

398 399
de Malthus, citadas pelo Dr Smirnoff ("[ ] e entretanto,
situação semelhante nos proíbe [?! F В.] de usar em nossa
que impulso este pasquim deu ao género humano!"), não são discussão qualquer argumento baseado em nossa experiência"
uma ilustração de que, em certas condições, até mesmo uma
idéia falsa pode desempenhar um papel progressista? Gostaria de dizer a esse respeito que o Dr Smirnoff tem
razão quando afirma que não disponho de meus próprios dados
Daí fica claro o que subentendo em minha resposta ao
verificados experimentalmente para criticar a psicanálise. En¬
Prof. Musatti, quando falo de "dois planos diferentes de ava¬
tretanto, não está certo, quando se refere a todos os "cientistas
liação [grifo de F В.] de uma teoria científica" Não tenho em
soviéticos" A posição do Dr Smirnoff pode sugerir que a apre¬
vista as "duas maneiras diferentes de julgar a justeza" [grifo
de F В.] dessa teoria, como diz impropriamente o Dr Smirnoff,
ciação negativa da psicanálise atitude típica, como é sabido,
de parte da clínica soviética surgiu como resultado de uma
mas os dois aspectos diferentes do ponto de vista da qualidade
atitude contemplativa dos clínicos soviéticos em relação às pes¬
da apreciação da própria teorià em primeiro lugar, sua apre¬
quisas realizadas no Ocidente pelos partidários da doutrina
ciação do ponto de vista de seu relacionamento com a realidade, de Freud. Se as coisas fossem realmente assim, então uma dú¬
do que resulta a justeza ou a falsidade da teoria, e, em segun¬ vida legítima poderia ser expressa quanto aos argumentos de
do lugar, a avaliação da teoria do ponto de vista do papel semelhante apreciação negativa. A negação de um método por
progressista ou reacionário que desempenha em diferentes um pesquisador que jamais o experimentou é sempre pouco
etapas da evolução da cultura, como fator do processo histórico. convincente. Mas a atitude negativa em relação à doutrina
Renunciar a um desses aspectos seria desconhecer as diferen¬ psicanalítica apareceu, na realidade, na União Soviética, dessa
ças que existem entre a teoria como reflexo da realidade e a maneira?
teoria como organizador da consciência social. E isso seria tão
Para dar uma perspectiva correta dessa questão, façamos
inaceitável quanto identificar ambos esses aspectos. uma análise retrospectiva da evolução da corrente psicanalíti¬
ca em nosso país.
A segunda observação crítica do Dr Smirnoff, exposta A doutrina de Freud não teve êxito nem na Rússia, nem
na primeira parte do seu artigo, diz respeito ao problema do mais tarde na União Soviética. Desde o início, foram-lhe con¬
método de pesquisa. Criticando a corrente psicossomática, disse trapostas as tradições do método clínico e experimental obje-
eu que os documentos teóricos dessa concepção não têm uma tivo quanto à maneira de abordar as síndromes funcionais e
as idéias do nervismo, elaboradas em torno do ano de 1900, por
fundamentação suficiente do ponto de vista experimental* É
em resposta a essa afirmação que o Dr Smirnoff faz as seguin¬ I. Sétchenov, I Pavlov, S. Botkin, e Vvedenski e seus discí¬
tes objeções. pulos. Essa constatação poderia significar que, na Rússia e na
União Soviética, jamais se realizou a verificação prática das
Se uma experiência é necessária para provar a teoria, não
teses apresentadas pelo freudismo e que a crítica da doutrina
é menos indispensável para criticá-la. Entretanto, Bassin não
freudiana pelos clínicos russos teria sido baseada unicamente
possui uma argumentação experimental crítica desse tipo. Dis¬
no aspecto metodológico, uma crítica por parte de quem esta¬
so resulta que o debate sobre a psicanálise com Bassin e, em
ria privado de sua própria experiência na aplicação prática
geral, com os cientistas soviéticos só se pode apoiar no exame
dessa doutrina?
dos textos e só pode conduzir a uma crítica metodológica**
Aprofundando essa idéia, o Dr Smirnoff prossegue- "Não se Uma constatação desse tipo apenas revelaria um conheci¬
devem negligenciar as objeções 'teóricas' de Bassin contra a mento insuficiente da medicina russa. Os partidários da psi¬
psicanálise, mas, como nos defrontamos apenas com essas, uma canálise, que se esforçavam por introduzir essa doutrina na
prática clínica, trabalharam tanto na Rússia pré-revolucioná-
ria (Ossipov, Felzman e outros) , como na União Soviética dos
anos 20 e 30; seu número cresceu consideravelmente nesse
* Artigo acima citado da Revista de Neurologia e Psiquiatria S S.
Korsakov, 1960, 10. período. As idéias da psicanálise eram utilizadas sistematica¬
mente na prática clínica, era realizada sua propaganda em gran¬
Artigo do Dr Smirnoff, pp 390-392
de escala na imprensa médica, inclusive com a publicação de
1400
401
licos soviéticos da psicanálise só disporem de argumentos "teó-
uma série especial de monografias. Essa propaganda foi feita I icos", tudo isso não é lógico e revela a debilidade da posição
por I. Ermakov e seus discípulos, V. Kogan, assim como muitos que ele quer defender.
outros clínicos. Mais tarde, durante vários anos, alguns psi¬
Suponhamos por um instante que as provas que possam
quiatras soviéticos de renome (I. Kannabikh, V. Vnukov e ser apresentadas pela crítica soviética contra a doutrina freu¬
outros) , assim como vários psicoterapeutas soviéticos (I. Zal- diana só conduzam a uma crítica metodológica e teórica. Será
kind, D. Konstorum e outros) , desenvolveram esforços no sen¬
que mesmo nesse caso "a discussão [•••] com os cientistas so¬
tido de combinar a doutrina de Freud com a abordagem obje-
viéticos" não deveria ser conduzida pelos defensores da psica¬
tiva do problema dos distúrbios funcionais.
nálise justamente com o recurso aos argumentos experimentais
Os círculos médicoss soviéticos, como já tivemos oportuni¬ (se eles realmente existem) ? Diante do choque entre a teoria
dade de assinalar, não revelaram entusiasmo por todo esse с uma experiência bem-realizada, não é a essa última que cabe
trabalho. Entretanto, a atitude negativa em relação à psica¬ a decisão? Por acaso não foram as experiências que contri¬
nálise ficou mais clara na neuropatologia e na psiquiatria so¬ buíram para que os grandes naturalistas da Renascença des¬
viéticas em consequência das discussões que se desenvolveram truíssem as "teorias" escolásticas da Idade Média? Seria possí¬
durante vários anos, às vezes de forma violenta; assim, clie- vel acreditar que um desses naturalistas estaria "privado do
gou-se a essa convicção após um estudo minucioso das idéias direito" de contrapor sua experiência à teoria escolástica uni¬
de Freud e o esclarecimento do que oferece na realidade sua camente porque seus adversários "teorizavam"?! Mas se as
aplicação na prática clínica. Assim, essa tomada cie posição coisas são assim, então por que o Dr. Smirnoff considera que
nada tem a ver com aquela dos "contempladores", isto é, da¬ a utilização pelos críticos soviéticos da "teoria" apenas "nos
queles que seriam pouco versados naquilo que pretendem impede [isto é, ao Dr. Smirnoff e seus adeptos] de utilizar em
negar. nossa discussão qualquer argumento retirado de nossa expe¬
Tomei a liberdade de realizar essa incursão na história da riência?". É muito difícil entender a lógica de semelhante
nossa ciência para mostrar como é injusta a afirmação do Dr. conclusão.
Smirnoff, quando esse escreve que é impossível discutir com Gostaria de chamar a atenção do Dr. Smirnoff para o fun¬
cientistas soviéticos sobre o aspecto propriamente clínico da damental. Como já dissemos, toda essa discussão a respeito da
psicanálise. Se a psicanálise não é praticada atualmente na fundamentação experimental das teorias foi provocada pela
União Soviética, isso não quer dizer, em absoluto, que o pen¬ declaração que fiz de que as teses teóricas principais da medi¬
samento médico soviético não disponha de sua própria expe¬ cina psicossomática não têm semelhante fundamentação. Não
riência clínica bastante sólida, que o levou, no seu tempo, a parece ao Dr. Smirnoff que não só ele "tem o direito" de res¬
renunciar por princípio à concepção psicanalítica. Se, na União ponder à minha crítica violenta, como está logicamente obri¬
Soviética, nunca tivessem ocorrido tentativas de aprovação clí¬ gado a mostrar que minha opinião é falsa, que existem provas
nica da psicanálise, seria difícil contestar a posição do Dr. Smir¬ experimentais das principais idéias da psicossomática? Não
noff, que, falando francamente, não está desprovida de certa pensa ele que, ao afastar-se da possibilidade de refutar (basea¬
auto-suficiência. Mas já tivemos oportunidade de constatar do na "interdição" de utilizar em nossa polémica qualquer argu¬
que não se podem negar as verificações prolongadas e as dis¬ mento tirado da experiência) , leva involuntariamente à idéia
cussões sobre a psicanálise realizadas nos meios clínicos sovié¬ de que tenho razão, de que é muito difícil apresentar provas
ticos sem pretender ignorar o verdadeiro curso dos aconte¬ experimentais em favor das principais teses da psicossomática
cimentos. e de que essa é a razão pela qual seu apelo à "interdição" (de
A principal objeção que gostaríamos de fazer ao Dr. Smir¬ argumentar utilizando a experiência) não passa de uma saída
noff não reside, entretanto, nessa volta à análise das pesquisas original para uma situação muito embaraçosa, na qual acabou
psicanalíticas feitas pelos clínicos soviéticos, há muito ultra¬ se encontrando?
passadas. Creio que, uma vez que o Dr. Smirnoff renuncia por Passemos agora à resposta das observações críticas que se
princípio à utilização de argumentos experimentais em prol encontram na segunda parte do artigo do Dr. Smirnoff.
da psicossomática e justifica essa decisão com o fato de os crí-
403
ÿ102
A atitude de Freud diante dos "modelos estruturais" de uma barreira densa entre o substrato da consciência e as for¬
mações cerebrais internas. Ê nessa separação do substrato da
É nesse ponto que o Dr. Smirnoff utiliza expressões vio¬ consciência das excitações externas e internas que Freud vê o
lentas, cuja inutilidade já tive ojrortunidade de mencionar Diz mecanismo fisiológico que determina a dependência prefe¬
ele "desejar acusar Freud [ .] de edificar um sistema fisio¬ rencial da consciência em relação aos fatores intrapsíquicos
lógico fantástico na base de um esquema psicológico hipoté¬ congénitos. Ê pouco provável que seja necessário evidenciar o
tico, isso significa sugerir uma espécie de delírio manso"* O primarismo de semelhante argumentação fisiológica das princi¬
Dr Smirnoff expressa sua convicção de que tomo os modelos pais idéias da psicanálise. O que poderia ser apresentado como
elaborados por Freud ao pé da letra, no sentido lato da pa¬ uma alegoria, no melhor dos casos, é discutido como fator fi¬
lavra. As categorias psicanalíticas, como "o Eu , o "Id", o siológico que determinaria certo tipo de relações psicológicas.
'Superego" prossegue meu oponente são apenas elementos Até mesmo sendo muito indulgente com Freud, é muito di¬
da estrutura mental, privados de qualquer base fisiológica ou
fícil avaliar todas as suas interpretações fisiológicas assim
de qualquer localização. como algumas de suas hipóteses relativas às leis de funciona¬
Logo de início, gostaria de dizer que jamais considerei os mento dos neurónios do cérebro expostas no Projeto de
"modelos" psicanalíticos citados pelo Dr Smirnoff como rela¬ outra maneira que não seja considerando-as pseuclocientíficas.
cionados por Freud como determinadas formações cerebrais. As
afirmações de Freud não permitem uma interpretação tão sim¬
plista. Quando digo que "Freud tentava [. ], partindo de O problema das ligações entre o afeto e a síndrome clínica
suas representações psicológicas, esboçar os quadros dos meca¬
nismos fisiológicos do funcionamento do cérebro [ ] que O exame desse tema pelo Dr Smirnoff é acompanhado
tinham sempre um caráter inteiramente fantástico e pseudo-
não tanto de objeções como de observações relativas aos pontos
científico"**, tenho em vista não as "intenções" de Freud,
como o Dr Smirnoff supõe, mas, em primeiro lugar, a hipó¬ que ainda permanecem obscuros. Suas objeções são mínimas.
tese enunciada por Freud, em 1895, sobre a base nervosa da
Encontramos apenas uma na conclusão do capítulo, em que
atividade psíquica e, em segundo lugar, uma série de idéias a se diz- "Introduzindo na explicação [do sintoma histérico — F
respeito do fundamento cerebral da consciência e do incons¬ В.] sentimentos tão complexos como a vantagem e o inte¬
ciente, expostas em sua obra Além do Principio do Prazer e em resse do doente, ele [Bassin] introduz [ ] exatamente a mes¬
alguns outros trabalhos. Como exemplo, pode-se citar a faci¬ ma dimensão que os psicanalistas com apenas uma diferença
lidade com que Freud tirava conclusões fisiológicas a partir ] que consiste em que essas vantagens [ . ] devem ser
de suas hipóteses psicológicas, assim como suas incursões pouco inconscientes para o doente, jxns, caso contrário, não se tra¬
sérias pela doutrina da localização, sua tese conhecida, segundo tará mais de histeria, mas de simulação intencional"*
a qual o sistema da consciência deve estar localizado no espaço Gostaria de dizer a esse respeito que não concordo que a
de maneira inteiramente determinada- "no limite do exterior análise da dependência da síndrome histérica em relação aos
e do interior, estando voltado para o mundo ambiente e envol¬ "sentimentos complexos" seja específica da psicanálise. Como
vendo os outros sistemas psicológicos"*** É assim que, tendo se vê diretamente da citação mencionada pelo Dr Smirnoff,
localizado a consciência nas estruturas cerebrais "envolventes", I. Pavlov também atribuía importante papel aos "sentimentos
Freud dedica muita importância ao isolamento do cérebro do complexos" na patogênese da histeria.
meio ambiente pela caixa craniana e, inversamente, à ausência
O que é típico para a psicanálise não é a tónica colocada
no papel das emoções, mas determinada representação dos
* Artigo do Dr Smirnoff, pp 390-392 mecanismos psicológicos que, desencadeados por essas emoções,
*• F Bassin. "Resposta ao Prof. С L. Musatti" Voprossy Psy- realizam a síndrome, assim, dos fatores que são incorporados
chologuii, 1960, 3.
Sigmund Freud. Além do Principio do Prazer (citado por Wells,
in Pavlov e Freud (261) Artigo do Dr Smirnoff, pp 390-392

ÿ104 405
simultaneamente. Não se trata de entender se a "vantagem"
é fundamental para provocar a conversão histérica, mas de psicológico do afeto que provocou esse sintoma. Essa oposição
saber como se desenvolve essa mutação: na base da "conver¬ obrigou o Prof. Musatti a destacar a semelhança dessa inter¬
são", da simbolização, etc., ou, como decorre da concepção de pretação com as representações de P Janet. Em minha res¬
Pavlov a respeito das "relações fisiológicas fatais" em conse¬ posta ao Prof. Musatti ( Voprossy Psychologuii, 1960, 3) , for¬
quência da fixação da base neurodinâmica do sintoma nas es¬ neço provas em favor da minha posição, que me parece correta.
truturas cerebrais do histérico, modificadas funcionalmente Seria inútil voltar a repeti-las agora.
de acordo com o tipo hipnótico. A respeito da natureza das relações "lógicas" Como já foi
No que diz respeito à questão abordada de passagem pelo dito, de acordo com a concepção pavloviana (e não-psicana-
Dr Smirnoff, que se reduz ao fato de que a "vantagem" deve lítica) da patogênese dos distúrbios histéricos, não está excluí¬
ser inconsciente, como condição sine qua non para o surgimento da a possibilidade de surgirem distúrbios idênticos, mesmo
da mutação histérica (e não-simulada) *, esse problema me pa¬ tendo como base relações lógicas (entre a "vantagem" e a sín¬
rece mais complicado do que o Dr. Smirnoff pensa. A fórmula drome) de que se tem plena consciência e que não têm rela
rígida do Dr. Smirnoff (o interesse inconsciente leva à histe¬ ção alguma com a "conversão" psicanalítica, etc.
ria, o interesse consciente à simulação) é consequente do pon¬ A respeito das formas clínicas da histeria. No fundamen
to de vista psicológico. Quanto às representações pavlovianas e tal, não faço objeções às idéias do Dr. Smirnoff a esse respeito
a algumas interpretações de Kretschmer, pelas quais Pavlov (insuficiência das classificações existentes, etc.)
revelou interesse no seu tempo, sugerem uma concepção mais E, finalmente, a respeito da "argumentação fisiológica"
leve, sem excluir a possibilidade de distúrbios histéricos, até das representações pavlovianas sobre a patogênese da histeria.
mesmo quando o doente se apercebe claramente da "vanta¬ Resulta de grande experiência acumulada pela escola pavlovia
gem" que esses distúrbios lhe trazem. na a partir do estudo das particularidades do estado funcional
O Dr Smirnoff levanta, ao mesmo tempo, algumas ques¬ do sistema nervoso central dos histéricos e o efeito de diferen¬
tões particulares, quando aborda os problemas do afeto e da tes estímulos sobre os doentes. O Dr Smirnoff poderia ter
síndrome, qual o fundamento que temos para falar de tipos encontrado informações a esse respeito na polémica de Pavlov
com P Janet, publicada nas obra de Pavlov dedicadas espe¬
diferentes de patogênese cla histeria, de que tipo são as rela¬
cialmente ao problema da histeria e em numerosos outros do¬
ções "lógicas" que temos em vista, quando falamos de relações cumentos.
"compreensíveis" entre o conteúdo psicológico do conflito afe-
tivo e o caráter do distúrbio funcional, de que formas de his¬ (A seguir, em nossa "Resposta", são expostas resumida¬
teria se trata nos casos por mim analisados e, por último, qual mentealgumas das teses cpie foram desenvolvidas no funda-
é a fundamentação fisiológica da representação pavloviana so¬ damental no texto do presente livro.)
bre as "relações fisiológicas fatais"? Naturalmente, só posso
responder a essas questões resumidamente
A respeito dos "dois tipos de patogênese da histeria" No Adendo à "Resposta ao Dr Smirnoff" acima apresentada
meu artigo ( Voprossy Psychologuii, 1958, 5) , que foi objeto de
crítica por parte do Prof. С. L. Musatti, trata-se de uma con¬ O Dr Smirnoff termina seu artigo com as palavras seguin¬
traposição mais ampla de nm lado, os distúrbios jisicogênicos tes "Se eu pudesse propor ao Prof. Bassin uma nova direção
funcionais que não se encontram em qualquer tipo de relação para o nosso diálogo, escolheria o caminho que nos levasse,
com o conteúdo psicológico concreto do conflito, e, de outro talvez, à linguística ou à cibernética. Não me parece que se
lado, as síndromes histéricas, cuja análise revela a ligação ló¬ possam rever de maneira válida os fundamentos da psicanálise
gica existente entre a forma do sintoma clínico e o conteúdo nem ao nível dessas pretensas tomadas de posição, nein em suas
aplicações distantes da clínica psicossomática. Ë em torno do
problema fundamental da psicanálise que se deve concentrar
Artigo do Dr Smirnoff, pp 390-392. tanto sua elucidação como sua crítica, isto é, em torno do
*
inconsciente enquanto fenómeno particular [grifos de F В.]"
406
407
ii tunda diretamente e que, em consequência, não se pode,
О Dr Smirnoff emitiu essa opinião em 1962. Estimo que,
I I

a não ser com muita prudência, considerá-la uma unidade fi¬


tendo escrito este livro alguns anos depois, tenha feito o pos¬
lológica.
sível para atender aos seus desejos.

Resposta ao Dr. H P Klotz


Resposta ao Dr С Koupernik
Tenho apenas que expressar sinceramente minha concor¬
A meu ver, a resposta do Dr. Koupernik ao meu artigo dância com o espírito e o conteúdo fundamental do artigo do
não contém qualquer objeção de princípio contra as teses nele Dr Klotz, que encerra muitas formulações exatas e expressi¬
formuladas. Ao contrário, são apoiadas algumas das posições vas. A amplitude respeitável da abordagem dos problemas fei-
expostas. ta jjor esse pesquisador cria condições favoráveis para o apro-
Entretanto, sua atenção se volta para dois pontos espe¬ Inndamento de nossa discussão no futuro, levando em conside-
ciais. a questão da influência da medicina oriental — indiana I ação os diversos pontos de vista que nela foram
expressos.
e chinesa sobre a medicina européia e a crítica das idéias de Parece-me que as idéias do Dr. Klotz a respeito do aspecto
Virchow por Sétchenov. I ai ional do tratamento
psicanalítico das neuroses não estão
A primeira dessas questões é muito complexa e exige uma desprovidas de algumas limitações, que diferenciam sua posi¬
análise circunstanciada, que seria difícil dar nos marcos desta ção daquela que é característica para os psicanalistas ortodoxos.
resposta. Observo apenas, de passagem, que a opinião catego¬
ricamente negativa do Dr Koupernik em relação à acupuntura
me parece muito apressada. As pesquisas realizadas nestes úl¬ A discussão com os Professores H. Ey e Ch. Brisset (Paris,
timos anos revelam, antes, que a eficácia terapêutica desse mé¬ I1'rança)
todo é determinada, em grande medida, pela qualificação (pre¬
cisão) de quem a pratica. E esse fato interessante obriga a Em 1963, publicamos em conjunto com o Professor V
pensar que, nesse caso, temos a ver com uma ação sobre meca¬ Banchtchikov e o Professor S. Sarkissov um estudo intitulado
nismos fisiológicos perfeitamente reais, não obstante latentes Algumas Questões Teóricas da Neurologia e da Psiquiatria
e muito delicados, cuja natureza ainda não fomos capazes de Contemporâneas (Medguiz) O quinto capítulo dessa mono¬
entender grafia ("O problema do papel das noções neurofisiológicas na
No que diz respeito à segunda questão, tomo a liberdade psicopatologia") contém reflexões críticas a respeito das con¬
de chamar a atenção do Dr Koupernik para o fato de que sua cepções defendidas pela corrente psicanalítica e expostas por
argumentação está, no fundo, dirigida contra ele próprio. Com um eminente psiquiatra francês, Henry Ey, em seu informe
efeito, o Dr Koupernik afirma que a idéia de Sétchenov, de programático ("Teorias psiquiátricas") ao ш Congresso In¬
acordo com a qual a célula, sendo uma unidade anatómica, ternacional de Psiquiatria, cm Montreal, 1961*.
não o é do ponto de vista fisiológico, é rejeitada por um fato Formulamos aqui, igualmente, algumas de nossas objeções
desconhecido por Sétchenov a diferença entre as composições ao Prof. Brisset, que deu (na Revue de Médecine Psychoso¬
químicas das substâncias que se encontram no interior e no matique, 1961, 3-4) , como já foi mencionado, uma resposta
exterior da célula e as trocas que se efetuam entre essas subs¬ crítica desenvolvida aos nossos artigos publicados na Revista
tâncias. de Ncuro patologia e Psiquiatria S. Korsakov, 1960 3 e 10
Entretanto, considero que se esse fato fosse do conheci¬
mento de Sétchenov, ele o teria utilizado como mais um argu¬
mento em favor de sua tese de que a célula não é fisiologica¬ * D3 forma mais concisa, expusemos essas observações no artigo
mente autónoma, que essa "unidade morfológica" depende
"O m Congresso Internacional de Psiquiatria", publicado no
Jurnal Nevropatologuii i Psychiatrii S. Korsakov, 1962, 2.
profundamente no sentido funcional (fisiológico) do meio que
409
408
A RcxiUe de Médecine Psychosomatique publicou a tradu¬ I IA medicina psicossomática, segundo os psicanalistas,
ção do quinto capítulo da nossa obra citada e, a seguir, a res¬ é e não pode ser uma busca de símbolos. O símbolo é uma

.....
H.ti)

posta do Prof. Ey e uma curta réplica do Prof. Brisset (1965,

Citamos abaixo um trecho do artigo do Prof. Brisset, nossa


.
• I I lioração, em nível muito elevado, no domínio da linguagem

I
do gesto, no da motricidade, que melhor estão adaptados
i.i Iл a expressão. O símbolo é uma comunicação. Essa circuns-
ia é necessária para entender a diferença entre a histeria
rápida resposta (publicada pela primeira vez) , o texto inte¬
gral da resposta do Prof. Ey e a réplica do Prof. Brisset. . assíndromes psicossomáticas [ . .].
A histeria é uma expressão simbólica. Trata-se realmente
IIr uma linguagem do corpo, utilizada no lugar da linguagem
Trecho do artigo do Prof. Сh Brisset ni iculada, como o fazemos com a mímica ou com nossos gestos.
Com a síndrome ou á enfermidade psicossomática [,. .],
"Resta precisar o lugar da psicanálise nesta medicina [psi¬ . ii( ontramo-nos diante de um registro muito mais profundo. O

cossomática — F В.] Essa questão foi muito mal compreendida enfermo não nos comunica nada mais de simbólico. Ele sai
pelo Prof. Bassin [ ]. A psicanálise é um método de comu¬ do terreno das comunicações simbólicas tão radicalmente como
nicação intersubjetiva. Com base nesse método, surgiu, para o doente psicótico [ ] Isso quer dizer que seu comporta¬
as neuroses e perversões, um conjunto de conhecimentos cien¬ mento cleixa em geral de significar alguma coisa? Todo o pro¬
tíficos, admitidos por todos os espíritos que possuem conheci¬ blema se resume a isso. Da mesma maneira como as psicoses
mentos suficientes do problema [ .]. É isso, e apenas isso, que icvelam [ ] aos observadores significados compreensíveis, as
se pode chamar 'doutrina psicanalítica. A extensão das pes¬ síndromes ou moléstias psicossomáticas também podem deixar¬
quisas às psicoses e ao domínio psicossomático é muito recen¬ ia >s perceber, por trás de distúrbios profundamente ocultos na
te para que se tenha algo mais a oferecer nesses domínios que intimidade fisiológica, circunstâncias vitais, isto é, que adqui-
hipóteses de trabalho. Em Outras palavras, não existe uma I em caráter determinado na história da personalidade do en-

'doutrina' psicanalítica da medicina psicossomática. A psica¬ I« Tino. Não se trata de episódios puramente casuais [. . ] Mas,
nálise fornece um método, hipóteses, fragmentos coerentes en¬ da mesma maneira que a psicose requer, para aparecer, ou-
tre si de conhecimentos, e é tudo [ ] Todos esses conheci¬ II as condições além das ligadas à história da personalidade do
mentos não são demonstráveis experimentalmente [. .] A enfermo, as moléstias psicossomáticas requerem também outras
convicção científica nessa matéria não se baseia numa demons¬ ( ondições. predisposições, hereditárias ou adquiridas, que tor¬

tração experimental como nas ciências naturais. A limitação nam frágeis alguns sistemas fisiológicos. A questão que exige
do método experimental no que diz respeito às ligações racio¬ solução é, assim, a de saber por que meios o organismo chega a
nais faz com que a demonstração, nesse caso, seja de outro tipo. expressar alguns afetos pela via visceral antes que por uma
Trata-se de entender e não de explicar Encontramo-nos no psicose, ou uma neurose, ou pelas vias normais da linguagem
domínio das ciências históricas. A pessoa é uma história, 'pode- с do gesto. Essa questão não está resolvida e, justamente por
se explicar a natureza, mas pode-se apenas entender a história , isso, afirmo que não existe uma explicação psicossomática. Os
diz aproximadamente Dilthey, que estou citando de memória, psicanalistas estão estudando essa questão. Os não-psicanalistas
A concordância de certo número de espíritos científicos pode também. E, por isso, gostaria que o Prof. Bassin nos confiasse
ser feita em torno de questões desse tipo, porque se tem con¬ seu ponto de vista pessoal [ ]
fiança em seu espírito crítico, porque esses se controlam mu¬
tuamente, porque o tempo torna válidas a experiência e a
interpretação. Esse é o caso da psicanálise. O Prof. Bassin tem Resposta ao Prof Ch. Brisset
o direito de não acreditar nos psicanalistas, nias não tem o
direito de exigir-lhes 'provas' que são estranhas ao caráter de Acabamos de citar apenas um pequeno trecho do longo
seus conhecimentos [grifos de F В.] [ ] artigo do Prof. Brisset. Segundo nos parece, é nesse trecho que
Disso provêm muitos erros nos seus artigos [ ]. Assim, estão expostas as idéias principais que inspiram o Prof. Brisset.
tem ele uma idéia inteiramente falsa da noção de símbolo Gostaríamos de formular a seu respeito duas observações.

tio
1 411
Se о Prof. Brisset considera que a psicanálise fornece co¬ mostrou a irredutibihdade do estado normal da consciência ao
nhecimentos que não podem, por princípio, ser demonstrados, cu fundamento fisiológico e, consequentemente, a limitação
que no caso não se trata de uma "explicação", mas de uma do papel explicativo das concepções fisiológicas na teoria da
"compreensão", que os críticos da concepção psicanalítica "não (onsciência, que, ao contrário, os estados psicopatológicos nos
têm o direito" de exigir dos que defendem essa concepção "pro¬ levam a modificações neurofisiológicas — eis verdades eviden¬
vas" de qualquer espécie, etc., não lhe parece que, dessa ma¬ tes ou, pelo menos, que correspondem à concepção coerente
neira, está recusando à psicanálise o direito de interpretar de « Itic foi por mim elaborada tendo como base o modelo de uma
forma determinista todas as manifestações e todos os estados teoria organo-dinâmica da psiquiatria. Estou sensibilizado e
psíquicos, isto é, de assumir uma posição que alguns dizem leliz por poder encontrar pontos de contacto fundamentais com
ser particularmente característica de Freud? a "dialética marxista-leninista" e com os autores. Já tive opor¬
Consideramos que, aceitando a interpretação das possi¬ tunidade de assinalar (nas discussões de Bonneval sobre o
bilidades e das tarefas da psicanálise, proposta pelo Prof. Bris¬ problema da psicogênese das neuroses e das psicoses, em 1947)
set, antes que de outra maneira qualquer, essa concepção fi¬ < I( ic todas as concepções metafísicas e gerais a respeito da na¬
caria excluída não apenas do conjunto das ciências "naturais' tureza do homem e sua organização coincidem numa série de
(contrapostas às ciências "históricas") , mas também do do¬ pontos. Ë exatamente essa zona de convergência que garante,
mínio do conhecimento discutido racionalmente. Será que se¬ segundo me parece, ao pensamento filosófico e ao pensamento
melhante visão estaria de acordo com as colocações tradicio¬ ( icntífico sua validade, seu valor lógico e de realidade. E penso

nais da própria escola psicanalítica? •t esse respeito que a concepção da moléstia mental por mim

E uma segunda observação- o Prof. Brisset afirma que a defendida pode ser bem aceita tanto pelo materialismo dialé¬
síndrome psicossomática não é simbólica no mesmo sentido tico como pelo espiritualismo tomista, pois adota justamente
que a síndrome histérica. Só podemos concordar com essa opi¬ como objeto do nosso conhecimento aquilo que esses sistemas
nião. Mas em que consiste, então, a especificidade da síndro¬ I«líticos, religiosos ou filosóficos têm de essencial a própria
me psicossomática? Em que reflete, por trás do distúrbio fi¬ noção de uma evolução e de uma hierarquia das funções, que
siológico, "circunstância de importância vital" para o enfermo? determina o progresso dialético da construção do ser no mundo
Mas não é evidente que é justamente a ligação com a história circundante.
do enfermo, com a história do seu organismo e a história de Essa última formulação pode irritar os autores que pro¬
sua personalidade — e somente essa ligação que concede à curam analisar de maneira mais especial as concepções "idea¬
síndrome psicossomática seu papel de espelho original de "sig¬ listas" (?) da fenomenologia e da psicanálise em ligação com
nificações de importância vital"?! E não parece ao Prof. Brisset o emprego que fiz dessas teorias, isto é, da interpretação que
que, se o afeto se expressa pela "via visceral", e possível en¬ fiz da realidade clínica. Condenam-me por empregar uma abor¬
tender os mecanismos das ligações que aqui se manifestam — dagem dialética*, uma vez que, procurando superar as contra¬
como o faz a cada passo o clínico sem apelar para as repre- dições da psicogênese e da organogênese (as contradições entre
sentaçõies específicas da psicanálise? a causalidade dos fatores externos e internos) , tentei criar uma
Limitamo-nos a levantar essas questões, pois expusemos idéia, a mais clara possível, a respeito dos níveis estruturais
com muitos detalhes a resposta que lhes damos nas páginas que, inspirando-me nos princípios "científicos", como me pa¬
precedentes deste livro, em ligação com tudo aquilo que foi rece, de H. Jackson, estão ocultos no estado normal e que a
dito antes a respeito do papel patogenético das atitudes. moléstia "revela"
Esforcei-me por construir um modelo teórico essencial¬
mente arquitetônico, cuja organização das relações só possa
Resposta do Prof H Ey
aparecer quando se revela a totalidade da articulação das es¬
truturas, às quais as diversas teorias só são aplicáveis parcial-
Que a consciência só se realiza pelo cérebro, que, depen¬
dendo dos fa tores sociais, a consciência não pode ser reduzida
à sua base fisiológica; que a filosofia do materialismo dialético
Evidente mal-entendido.

412 413
. ....... . .
mente. Se os autores qualificam de ecletismo esse esforço de IHHIIihhLi d.i reflexologia dialético-materialista, isto é, pela
compreensão da totalidade da organização do ser humano, es¬ cultural do existencialismo ou pelo behaviorismo
tarei de acordo em aceitar ser eclético ou, mais exatamente, |hmI" hi hi ) A noção de dissolução ou de desestruturação fun¬
sintético em meu próprio trabalho científico. Se eles querem il,m .1 ÿ

p.u.i mim, essencial na patogênese dos distúrbios men-


dizer que sou eclético porque disponho de pontos de vista he¬ |.tia 1 1,i il maneira que, após ter adotado "ecleticamente" da

Pt tingia de Husserl e de Heidegger ou da psicanálise o


terogéneos e sem ligação interna, proponho-lhes o desafio (eles
me perdoarão por isso devido à estima que me dedicam e à que .
mim 1 1 lêin de bom, eu as rejeito igualmente em consequência
I

eu tenho pelos seus trabalhos) de 1er meu livro sobre A Cons¬ «lã «ни 1 11 1 J к >1 Alicia para nos permitir uma formulação científica
ciência. Não posso admitir que possam fazê-lo sem perceber Им h ih no natural que é o objeto da psiquiatria. Talvez eu
que a acusação que me fazem está mal-fundamentada. Com I ft ia pin isso, um eclético, que adota coisas à direita e à es-
efeito, não é porque eu adote da psicanálise sua noção (que MUinli mas que critica, à direita e à esquerda, as instituições
critico, baseado nos próprios textos de Freud) do inconsciente, ImihI muanais das concepções que lutam pelo campo da psiquia-
pois o ser consciente não pode aperceber-se de si próprio e,
ainda menos, sentir-se dentro da sua realidade sem que recorra
ao inconsciente nele contido; não é porque me apóie nessas
teorias, que os autores desprezam não sei bem por quê, ou,
melhor, sei muito bem por quê (o suficiente para discernir
suas intolerâncias filosóficas) , que seria eu eclético, isto é, preo¬
.........
h ia lu. it decorre não ser eu um eclético, mas um critico nas
Hilllliii» pnsições; não ser eu um eclético na teoria organo-dinâ-
IIIIt I ilt psiquiatria que formulei (referindo-me à organização

• lii
da dinâmica das relações), mas antes um "sintético",
mim li I a em consideração o caráter de integração das funções
Mil I ma nervoso central.
cupado apenas em tomar "um pouco daqui", "um pouco dali", I )uaiii loos autores me criticam por não mostrar "como
algo "à direita" e "à esquerda", sem tratar de elaborar todos и d 1 1 li m de uma análise fenomenológica de um quadro de es-
esses dados, criando um sistema coerente? ipii/nlii tua podem ser logicamente confrontados com os résulta¬

......
Mas a própria ordenação da organização da vida psíquica it. du csliido dos estereótipos dinâmicos reflexo-condicionados
e do sistema de relações que ela constitui não poderia ser vista l|lи иг desintegram", nem mostrar "como a abordagem existen-

. .....
como um determinismo rigoroso, cuja noção de reflexo — seja I lall'iia, que nega todo entendimento racional, pode ser com-

o reflexo absoluto ou o reflexo condicionado — exprimiria a lei, I la min o reconhecimento da determinação cerebral dos dis-
a ordenação e o sistema. É a "Gestaltisation" intencional do ser ÿ 1 1 1 1 m ia
psíquicos", quando esses eminentes cientistas reconhe-
consciente que lhe garante a autonomia e a liberdade. Considero pie não vêem nisso uma expressão de "negligência inte-
que é isso que choca os autores, a cuja honestidade de pensa¬ Iniii.d" e quando crêem que me seja impossível deixar de en-
mento permito-me fazer um apelo, pelo meu lado (em nome ii ildei que o meio, que permite chegar a uma síntese seme-
precisamente da dialética, que, organizando a consciência, deter¬ II. tule, nie para mim "uma das perspectivas mais perigosas
minou a elevação do homem da condição de animal ao nível qui ' podem abrir diante da pesquisa científica"*, encontro¬
realmente humano) . Pediria aos autores que aderissem a essa ou I m ao, no dever de perguntar-lhes se não pensam que as
idéia de que o sistema nervoso central é o órgão da liberalização,
e não de nosso aprisionamento (levando-se em conta o meio so¬
cial) . A liberdade do homem não depende apenas do meio so¬
cial, que sua linguagem ou seu comportamento refletem (é a
própria noção de reflexo) , mas de sua organização própria e
pessoal, cuja desorganização constitui a moléstia mental. Nesse
.....
piópiía", noções de evolução e de dissolução das funções ner-
". ci e. em geral, de integração

pui ..
.....
.....
(H. Jackson e a distinção do
pu ai ivo e do negativo na patologia neuropsíquica) ou ainda a
. dos sinais primários e secundários de Bleuler (que
Mu paiecc válida) não são exatamente noções fundamentais,
qui permitem construir um modelo científico, uma teoria que
ni essa crítica?
ponto, sou mais exigente que os senhores [...], considerando que
em última instância, são esses distúrbios das estruturas nervo¬
sas que provocam a moléstia, e não as vicissitudes das condições
Kvldonte mal-entendido. Havíamos assinalado que essa "psrspec-
sociais da existência. (Rejeitei, em particular, nos "Encontros IIvu perigosa" é criada não pelo meio que conduz a essa síntese,
Internacionais de Genebra de 1964", a sociogênese da moléstia к ih и, no contrário, "pela falta de indicações do meio que conduz
mental, tema defendido por uma ideologia que é precisamente и c;;.. ,it síntese". (Ver o artigo supracitado, P. B.)

ÿ114 415
De minlia parte, não querendo ser eclético, isto é, alguém
que concorda oportunisticamente com essa ou aquela escola
ou ideologia, devo dizer que a concordância acima sublinhada
entre nossos pontos de vista sobre questões fundamentais impe
de-me de deter-me em diferenças parciais. Critiquei e continuo BIBLIOGRAFIA
a criticar a teoria pavloviana do condicionamento aplicada à
psicopatologia, mas, graças a isso, tenho maior liberdade para
dizer que a importância da organização do cérebro, da qual
depende mais ou menos diretamente a do ser consciente, mc
parece primordial. Isso porque, mais uma vez, e esta será mi¬
nha última palavra, a moléstia mental não depende do mundo
exterior que o sistema nervoso incorpora ao indivíduo, mas
das modalidades patológicas de sua organização interna, como
a que constitui uma hierarquia vulnerável de estruturas que
compõem o campo da consciência (a experiência vivida atual-
mente) e o campo operacional, onde a pessoa (pela sua histó¬
ria e seu sistema próprio de valores) constrói seu próprio
mundo. Tais são, com efeito, a coerência e a coesão de uma L„ cf. Voprossy Psychologuii,
I Л Iinshev -Konstantinivski, A.
concepção científica que tentou (sem, talvez, consegui-lo na IHurt, 4, nervnoi deiatelnosti [Pro-
prática!) afastar as contradições incluídas em seu próprio objc- II. Anokhin, P K., cf Problemi visschei
nervosa superior], Moscou, 1949.
to a desorganização do ser psíquico, que não pode ser conce¬ I.li MIMA < In atividade
spetsificheskij i niespetsifiches-
bida sem uma hipótese geral a respeito de sua organização, I, Anokhin, P К., Vzzimodeistvie
v integrativnoi déiatelnosti golóvnogo тогда [Intera-
isto é, a respeito da integração do meio exterior em seu mundo Hl i n luizhdeni não-espscíficos da atividade in-
e

........
específicos
interior A consciência não é nem um simples reflexo, nem l« ' ""II с os estímulos na sesi Instituía normalnoi
li'Miiiiliiiu do cérebro], in Tézisi ãokládov [Teses das comunicações
um vago epifenômeno, nem uma cadeia de reflexos — é a fisiologíi AMN SSSR

.
I r"liiloguícheskoi
Patologia da Aca-
própria organização. de Fisiologia Normal e
Imi I и li мм;silo do Instituto URSS] Moscou, 1962.
do Ciências Médicas da entsiklopedia [Grande
i Anokhin, P K., Bólshaia meditsinskaia
1964, vol. 35, pp 339-357
ruicli lopódla médica] Moscou,

...
Réplica do Prof Brisset 1958, 5, pp. 133-145, 6,
Dassin, F V., cf. Voprossy Psychologuii,
I'M 140-153. borbá s sovremienim frevdiz-
Não quero eternizar a controvérsia com o Prof. Bassin. Dassin, F V., Ideologuicheskaia
M
ideológica contra o freudismo contemporâneo], in Icon-
Considero que devemos todos evitar pensar que dominamos ni |A luta
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