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DRAMATURGIA
CHRISTIANE JATAHY
Esse
texto
foi
criado
em
colaboração
com
os
atores;
Cristina
Amadeo,
Daniela
Fortes,
Kiko
Mascarenhas,
Marina
Vianna
e
Pedro
Bricio.
O
cenário
é
composto
por
uma
mesa
cercada
por
6
cadeiras.
Na
mesa
estão
dispostos
utensílios
para
fazer
comida,
além
de
salada,
legumes,
temperos
e
uma
carne
crua.
No
fundo
um
grande
forno
industrial.
Do
lado
a
mesa
de
som
e
de
luz
que
serão
operadas
pelos
atores
em
cena.
O
público
entra.
Eles
cumprimentam
as
pessoas
e
entre
eles
conversam
sobre
sexo
e
traição.
KIKO
-‐
(para
o
público)
Eu
queria
pedir
desculpas
em
nome
da
produção,
mas
a
gente
vai
atrasar
um
pouquinho
porque
estamos
esperando
um
dos
atores
que
já
está
chegando,
ele
teve
um
probleminha
mas
já
está
perto
daqui....e
nós
vamos
ficar
aqui
esperando
com
vocês...só
um
pouco
de
paciência.
Eles
seguem
conversando,
abrem
uma
garrafa
de
vinho,
oferecem
para
algumas
pessoas
do
público
e
aos
poucos
a
conversa
vai
ficando
mais
aberta
com
a
participação
espontânea
do
platéia.
Improviso.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO
–
Vamos
jogar
cara
ou
coroa
para
ver
se
a
gente
continua
ou
muda
de
assunto.
Cara
a
gente
muda,
coroa
a
gente
continua.
(joga
visivelmente
roubando).
Coroa!
A
gente
continua.
MARINA
–
(baixo
para
uma
parte
pequena
da
platéia
mostrando
o
Cd)
A
minha
sogra
passou
a
vida
inteira
traindo
o
marido
com
o
Elvis
Presley...
PEDRO
–
Eu
tenho
uma
história
sobre
traição...
Minha
mãe
tem
um
amigo
que
tinha
um
casamento
ótimo,
tinham
vários
filhos
deles
e
alguns
adotados,
então
eles
resolveram
adotar
mais
uma
menina,
uma
cambojana,
a
menina
cresceu
virou
uma
cambojana
linda
e
um
dia
a
mulher
descobriu
que
o
marido
tava
tendo
um
caso
com
a
filha
adotiva!
Eles
se
separaram
e
o
marido
e
a
filha
estão
juntos
até
hoje.
E
tem
uma
coisa
mais
incrível
ainda...Esse
cara
está
aqui
no
teatro
essa
noite.
Alguns
olham
para
a
platéia,
comentários
sarcásticos
sobre
o
“
amigo”
da
mãe
do
Pedro.
Cris
levanta.
CRIS
–
(para
uma
parte
pequena
da
platéia)
Eu
conheci
uma
moça
que
a
mãe
dela
se
apaixonou
pelo
obstetra
que
fez
o
parto
dela,
a
mãe
na
época
se
separou
do
marido
para
ficar
com
o
obstetra
e
o
pai
da
menina
nunca
mais
quis
ver
essa
menina,
e
ela
não
perdoa
esse
obstetra
até
hoje.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Na
mesa,
Marina,
Dani
e
Pedro
continuam
conversando.
São
várias
histórias
e
comentários
simultâneos.
Kiko
vai
atrás
da
Cris.
KIKO
–
(para
uma
parte
da
platéia)
Quando
eu
era
pequeno
a
minha
mãe
entrou
em
casa
aos
pratos
dizendo
que
o
meu
pai
tinha
um
diamante,
ele
tem
um
diamante,
eu
não
entendia
porque
ela
tava
chorando,
eu
pensava
“que
ótimo
ele
tem
um
diamante!”,
só
depois
eu
entendi
que
ela
tava
dizendo
que
ele
tinha
uma
amante.
MARINA
–
(para
uma
parte
da
platéia)
Quando
meu
pai
saiu
de
casa,
eu
me
escondi
no
box
com
a
mala
dele,
achava
que
era
um
jogo,
que
era
não
era
verdade,
fiquei
lá
com
a
mala,
brincando
de
pique
esconde,
por
mais
de
duas
horas,
enquanto
ele
gritava
perguntando;
cadê
minha
mala?
PEDRO
–
(para
a
mesma
parte
da
platéia
que
a
Cris
contou)
Eu
conheci
um
obstetra
que
se
apaixonou
por
uma
mulher
na
época
que
ele
fez
o
parto
dela,
ela
também
se
apaixonou,
se
separou
do
marido
e
casou
com
ele,
e
esse
obstetra
cuida
da
criança
que
nasceu
como
se
fosse
sua
filha.
DANI
–
(para
uma
parte
da
platéia)
Eram
dois
adolescentes
que
se
conheceram,
ela
tinha
14
e
ele
16,
começaram
a
namorar,
e
um
dia
descobriram
que
o
pai
dela
era
avô
dele,
o
velho
tinha
duas
famílias
e
nunca
contou
para
ninguém.
CRIS
–
(um
tempo
depois,
para
a
mesma
platéia
que
a
Marina
falou)
Quando
meu
pai
saiu
de
casa,
eu
me
escondi
no
box
com
a
mala
dele,
achava
que
era
um
jogo,
que
era
não
era
verdade,
fiquei
lá
com
a
mala,
brincando
de
pique
esconde,
por
mais
de
duas
horas,
enquanto
ele
gritava
perguntando;
cadê
minha
mala?
Pausa
Verdade
ou
mentira?
NOVASDRAMATURGIAS.COM
KIKO – Outro dia um amigo meu me disse; vi seu irmão na feira com a mulher dele,
uma loura linda! Eu disse; a mulher do meu irmão é morena. Eles tinham dois meses
de casados...
PEDRO – (só para o Kiko)Não gosto quando você me expõe Kiko.
KIKO – (só para o Pedro)Eu não tô falando de você Pedro. Tô falando do meu irmão.
PEDRO
(em
inglês)
–
(Conta
que
conheceu
o
Kiko
no
Rio
de
Janeiro,
que
eles
se
olharam
e
falaram
um
para
o
outro;
eu
gosto
dos
seus
olhos,
eu
também,
gosto
dos
seus
lábios,
eu
também,
então,
eles
foram
juntos
no
corcovado,
ao
pão
de
açúcar,
ao
Buraco
da
Lacraia...).
Kiko
enfia
a
faca
na
laranja,
para
cortar
o
Pedro,
o
gesto
é
um
pouco
exagerado,
todos
olham,
ele
levanta
a
laranja
e
sorri
sem
graça.
KIKO
-‐
Bom...(como
se
fosse
falar
alguma
coisa
importante
fala
da
receita)
Pedro
sai
da
frente.
Chega
para
o
lado...Bom,
a
gente
vai
preparar
um
jantar,
vamos
fazer
uma
carne
no
forno
com
batata,
salada
de
alface..,
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Pedro sai.
KIKO
-‐
Bom,
a
gente
vai
ter
que
atrasar
um
pouco
mais
porque
além
do
outro
ator
não
ter
chegado...o
ator,
Pedro
Brício,
resolveu
dar
uma
volta.
KIKO – Na verdade, agora somos quatro. Porque o Pedro saiu e o outro ainda não chegou.
Vazio
um
tempo.
Dani
levanta
e
anda.
Kiko
e
Marina
cortam
legumes
Partituras.
Cris
tira
a
música.
Dani
conta
a
terceira
versão
da
história
do
obstetra
para
alguém
da
platéia.
Cris
chega
atrás
da
Dani
e
fala
coisas
que
não
ouvimos,
elas
cochicham.
Ao
mesmo
tempo
Marina
conversa
com
o
Kiko.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA -‐ Você nem perguntou sobre o hamster do meu filho...
MARINA
-‐
Ele
morreu!
De
pneumonia,
coitado,
eu
deixei
ele
na
varanda,
porque
hamster
fede
muito
aí,
ele
pegou
pneumonia,
levei
ele
no
veterinário,
ele
falou
três
gotinhas
de
Berotec,
eu
peguei
aquele
inalador
coloquei
o
hamster
dentro,
mas
não
adiantou
o
bichinho
morreu,
meu
filho
chorou
copiosamente,
aí
eu
liguei
para
o
pai
dele
que
tava
na
rua
e
falei;
ele
tá
mal
porque
o
hamster
morreu,
quando
ele
chegou
em
casa
ele
trouxe
outro
hamster,
meu
filho
falou...
MARINA – Ele disse; Pai eu sabia que você não ia me deixar na mão.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA – A gente lá em casa sempre teve relação com bicho...
Tempo.
KIKO
–
Bom,
eu
também
tive
um
hamster,
uma
vez
eu
levei
ele
para
a
praia
e
ele
entrou
num
buraco
de
siri,
nunca
mais
saiu.
MARINA
–
Que
isso,
Kiko?
Hamster
na
praia?
Na
nossa
época
nem
existia
hamster
era
porquinho
da
índia.
Lembram?
(para
platéia)
Eu
tive
vários
porquinhos
da
índia.
Toda
a
vez
que
a
gente
ia
visitar
meu
pai
na
prisão
a
gente
trazia
um
porquinho
da
índia,
eram
uns
quarenta
na
varanda
lá
de
casa.
KIKO
–
Minha
mãe
também
teve
um
cachorro
que
morava
na
varanda
lá
de
casa,
era
um
dálmata,
ela
tinha
o
nome
da
primeira
cachorra
lançada
no
espaço,
Laika.
KIKO
–
Outro
dia
eu
descobri
que
eles
não
tinham
como
trazer
o
foguete
de
volta.
A
cachorra
deve
estar
seca,
girando
em
órbita
até
hoje.
Cris coloca Mutantes. Pedro volta perguntando pelo Kiko Mascarenhas em outra
língua, vai até ele, Kiko aponta uma faca.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA -‐ Vamos! Deixa só eu só passar um batom.
KIKO -‐ Já falamos isso, Pedro, ninguém mandou você sair...
CRIS
–
(pergunta
para
a
platéia)
Que
horas
são?
(ouve
e
repete
a
hora)
Vamos
esperar
um
pouco
mais...
PEDRO -‐ Vamos começar gente. (não dá certo) Quem mexeu no microfone?
DANI -‐ Antes de começar eu quero falar uma coisa.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
DANI – Não vou falar mais... Eu tô passando a bola. (coloca a laranja na mesa)
CRIS
–
Eu
vou
fazer
uma
coisa
então,
vamos
lá,
fica
todo
mundo
de
costas
para
mim,
aqui
na
mesa.
MARINA
–
Ela
vai
tirar
a
roupa.
Toda
vez
que
ela
não
sabe
o
que
fazer
ela
tira
a
roupa.
Brincadeira,
Cris.
PEDRO – (indo para frente) Eu vou contar uma história sobre a Cris.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO
-‐
A
Cris
é
filha
da
mãe
e
da
avó
dela,
ela
foi
abandonada
muito
cedo
pelo
pai
dela,
por
isso
ela
começou
a
fazer
terapia
aos
quatro
anos...
DANI – Três
PEDRO
-‐
Ela
nem
sabia
falar
e
já
fazia
terapia
freudiana.
A
avô
dela
levava
ela
todos
os
dias
da
tijuca
para
o
Leblon
para
terapia...
PEDRO
-‐
Ela
teve
duas
figuras
masculinas
muito
importantes;
o
avô
e
o
Seu
Amadeo...Ex-‐
sogro
dela...
Cris procura a caixa de fósforos que devia estar ali. Olha para o Pedro irritada.
PEDRO
-‐
Sempre
que
começa
essa
cena,
a
Cris
fica
deprimida.
Você
quer
fazer
isso?
Porque
já
é
a
terceira
vez!
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Ele ri.
DANI – Uma era o avô dela a outra o Seu Amadeo, ex-‐sogro dela
KIKO – O Pedro sempre rouba as coisas, se sumir alguma coisa na platéia foi ele.
Ele fala.
KIKO – Eu tenho tanto horror de esperar que eu nasci de seis meses
MARINA
–
No
enterro
do
meu
avô
a
gente
ficou
esperando
o
corpo
que
ficou
preso
no
trânsito...
Pedro apaga a luz. Cris canta parabéns pra você. Dani pega a câmera. Ninguém
sabe de quem é o aniversário. Marina sopra as velas.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA – Nossa Cris, não precisa ficar assim, acende as velas de novo, Pedro cadê...?
MARINA – Eu só tava tentando participar da sua performance, Cris.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA
–
Eu
achei
que
você
ia
tirar
a
roupa,
a
Cris
adora
tirar
a
roupa,
ela
morou
anos
em
Nova
York
e
é
toda
By
the
way,
ela
fazia
performances
no
Central
Park
nua
e
.....
CRIS – O que você tá falando, Marina? Deixa de ser mentirosa. (começa a tirar a roupa dela)
MARINA – Para Cris, eu não quero ficar nua, Kiko me ajuda pelo amor de Deus!
MARINA
–
Mentirosa
é
você,
o
nome
dela
não
é
Amadeo
é
Cristina
Coelho,
é
verdade!
Ela
se
chama
Cristina
Pinto
Coelho...
MARINA – Ela se chama Pinto Coelho, eu vi na casa dela, mas ela quer se chamar
Amadeo, tem um A enorme na casa dela, um A de um metro e setenta, igual ao
tamanho da minha vó Elza.
Pedro tenta oferecer o microfone para Cris. Kiko ajuda a Marina a se vestir.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
CRIS – Meu pai me abandonou e eu não queria ficar levando o nome dele comigo. O
seu Amadeo me deu esse nome, eu sou a filha que ele queria ter. Foi a última coisa
que ele me disse antes de morrer .
Cris e Marina vão para a mesa, Kiko fala algo no ouvido da Dani e do Pedro
CRIS – Eu entrei no quarto dele e falou com a enfermeira, ela era morena, assim,
alta...ele falou, essa é a nora que eu te falei, a filha que eu não tive...
Kiko e Dani preparam a cena. . Dani coloca Piazolla e muda a luz. Kiko faz um sinal
para o Pedro.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Ele repete cinco vezes essa frase se aproximando dela. Ela cai nele e eles dançam.
Pedro envolve a cabeça com filmito. Cris e Kiko vão para a mesa. Eles mudam a
arrumação da mesa, novas possibilidades. Sentam. Pedro equilibra a saladeira na
cabeça. Tempo.
DANI – Tem que esperar para jantar, não para botar a comida no forno.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
KIKO – Não Pedro, você sempre manipula o jogo, vamos tirar par ou ímpar.
Pedro topa.
KIKO – Com você não, você quer a mesma coisa que eu.
Ele tira par ou ímpar com alguém da platéia, dependendo do resultado, colocam ou
não no forno.
Falam de novo uns por cima dos outros sobre as mudanças de moedas no Brasil.
KIKO – Nem fala do plano Collor! Meu tio ficou maluco por causa desse plano.
KIKO – Mas meu tio que foi parar no Pinel. Minha mãe me ligou e falou, seu tio tá no
hospício e só quer falar com você! Lá fui eu para o Pinel, cheguei lá, ele tava num
pátio cheio de galinha em volta, e a minha mãe e a minha avó, para distrair ele,
imitavam as galinhas e falavam, olha a galinha, olha a galinha, Paulinho, e eu olhando
de longe, eu pensava, quem é louco, ele ou são elas?
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Cris põe a música da Janis Joplin. Marina pega na bolsa uma surpresa.
MARINA – Quando a minha mãe tinha 35 anos, ela deu uma festa e disse...
MARINA
–
Deixa
essa
música.
Deixa
essa
música
bem
alta.
Quando
a
minha
mãe
fez
35
anos,
(para
o
público)
eu
tenho
35
anos,
ela
disse,
tô
na
metade
da
vida!!
MARINA – Eu trouxe essa surpresa, era pra quando ele chegasse, mas decidi fazer
agora...
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Cristina abre o embrulho e encontra um champanhe. Marina vai para trás. Gritos de
alegria. No champanhe está escrito Amadeu. Cris mostra para o público o
champanhe com o nome dela.
CRIS
(para
Marina
de
brincadeira
abaixando
o
lenço
que
está
na
testa
dela
para
os
olhos)
–
1972!
Era
Pêra,
uva,
maça
ou
salada
mista?
Pedro se aproxima, Dani se aproxima com ele. Pedro cede a vez, elas se beijam.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Voltam a brindar e fazem brindes a personagens, programas, etc dos anos 70.
Acabam com o jingle das Casas da Banha.Marina imita a porquinha em pé em uma
cadeira.
CRIS – (para alguém do público) Vocês lembram da porquinha rosinha das Casas
Bahia?
MARINA – Eu não to falando com você, Pedro! Não vou ficar malhando, malhando
para agradar as pessoas, o que importa é eu estar bem consigo mesma.
Kiko e Cris estão na frente falando da primeira vez que ouviram a música “. Pedro
tira no momento que a Janis começa a cantar. Kiko reclama, Cris começa a
perguntar para ele sobre lembranças dos anos 70...
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA – Eu vou mostrar para vocês como eu sempre tive esse corpo.
Enquanto tira, comenta as coisas que encontra, fotos, lembranças, coisas que não
deveriam estar na bolsa e estão, como um controle remoto, um dinossauro do filho,
Ela conta a história da mãe na praia, Pedro conta a mesma história com um outro
ponto de vista. Dani se aproxima e pega uns brincos, Cris uma roupa, Kiko um lenço.
MARINA – Quando eu era pequena e ia a praia com a minha mãe ela era toda
liberada e ficava, meio bêbada com as amigas feministas dela, falando alto e sempre
ficava com o sutiã deixando a auréola do peito aparecendo, eu ficava ali do lado,
tentado consertar o sutiã dela, e ela falava para mim, não corta meu barato! Então eu
ficava quietinha para não incomodar ela. O que essa fita tá fazendo na minha bolsa?
PEDRO – Quando eu era pequeno minha mãe me levava para a praia e ficava meio
bêbada com as amigas feministas dela, e ela sempre deixava o sutiã mostrando a
auréola do peito. Eu morria de vergonha e ficava o dia todo assistindo vôlei e eu odeio
vôlei! Você tem boas lembranças dos anos 70?
CRIS –Você se lembra quando você era pequena e queria que a sua mãe usasse bobs,
se pintasse e visse Silvio Santos?
CRIS – Lembra que um dia você pediu para sua mãe receber Yakult em casa.
MARINA - Eu achava que isso era o máximo da normalidade de uma família receber
Yakult em casa...
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA – Pedro, eu encontrei em casa esse dinossauro do meu filho e trouxe para
você. Achei a sua cara.
PEDRO – Obrigada.
MARINA – (mostrando uma foto) Essa aqui era a minha babá, graças a ela, minha
mãe conseguiu ser uma feminista, uma ativista...
Kiko se aproxima os dois se olham e andam para trás juntos. Cris abaixa a música.
DANI –Lembra que você me contou quando um carro preto parava na porta da sua
casa e você com cinco anos já sabia que não podia dizer o nome dos seus pais e seu
endereço?
Marina silencia.
DANI – Você lembra que os piores palavrões na sua casa eram dedo duro e
torturador?
MARINA – Eu liguei para minha mãe e perguntei se ela tinha memórias boas dos
anos 70...Pausa.
KIKO – Eu liguei para minha mãe e ela perguntou quando ia ser a estréia porque ela
precisava marcar uma escova...
NOVASDRAMATURGIAS.COM
CRIS –Eu liguei para a minha mãe...Na verdade minha mãe é que me ligou! Ela me
liga todos os dias!
PEDRO – Eu liguei para minha mãe e falei que estava fazendo uma peça sobre
família e que a gente ia botar todos os podres, e ela disse que bom não é meu filho
porque na nossa família não tem nenhum...
Cris coloca o Cd da Dona Baratinha que pegou da bolsa da Marina. “Quem quer
casar com a Dona Baratinha que tem dinheiro na caixinha...”
MARINA - Se você pensar essa história é uma crítica feminista, a história da dona
baratinha. Porque ela fica só esperando marido, esperando e ela se fode.
Pedro pega uma faca e aponta para ele mesmo. Kiko pega outra e aponta para o
Pedro. Pedro fazem uma ação paralela com as facas. Marina tira o CD.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Kiko canta Carmem Miranda. Marina cata as coisas. Partitura. Dani introduz o
assunto do namorado com o pai. Eles sentam. Kiko percebe uma cadeira que ficou
vazia. Cris coloca a carne no forno, senão tiver sido colocada na hora do par ou
ímpar com a platéia.
DANI – Eu uma vez estava no Lamas com meu pai e meu namorado na época e meu
pai falava, sobre a atitude política da geração dele e perguntava; O que a geração de
vocês tá fazendo? O que a geração de vocês está fazendo?
MARINA – Mas isso quem perguntou foi o meu pai...O que a gente ta fazendo? O
que você ta fazendo?
Pausa
MARINA – (repete) Ele tem razão. O que a gente ta fazendo? O que você ta fazendo?
O que a nossa geração ta fazendo? O que você ta fazendo Kiko?
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO – Posso...
PEDRO –Vamos fazer o seguinte; vamos jogar cara ou coroa, se der coroa a gente
continua falando desse assunto, se der cara a gente muda. Cara a gente muda!
KIKO – Você sempre faz isso, Pedro, quando a gente começa a falar de uma coisa
séria você...
PEDRO – (joga) Cara, que pena! A gente muda! Nós somos cinco atores que...
KIKO – Seis.
PEDRO – (para a platéia) Sinceramente, eu não tenho mais nada para falar.
Senta. Silencio.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA – É gente, nós estamos aqui contando histórias e uma história puxa a outra.
Vocês não lembram de nenhuma?
Improviso. Muitas vezes alguém da platéia conta uma história, a Dani pega o gancho
da história e continua
Eles começam a formar uma fila atrás da Dani, passam um na frente do outro para
falar.
MARINA – Eu sou Marina Vianna eu sempre acho que estou mentindo e morro de
medo que as pessoas descubram que é verdade...
Kiko sai. Todos; agora fala Kiko, não tava reclamando da fila!!!!
NOVASDRAMATURGIAS.COM
KIKO – Vem cá, eu queria saber...(eles voltam a falar juntos) não, não, eu queria
saber quem foi que botou a carne no forno desligado?
KIKO – A gente tá esperando essa merda ficar pronta à horas, a gente não conseguiu
nem começar...
KIKO - Você ta rindo?! O que a gente veio fazer aqui Cris, me explica.
CRIS – Desculpa.
KIKO – (falando por cima) O que a gente veio fazer aqui, Cris?
NOVASDRAMATURGIAS.COM
KIKO - Então liga a merda do forno. Vocês vão ter que esperar mais um pouquinho,
tá?
KIKO - Era só que me faltava. Marina, você que conhece esse forno melhor do que
ninguém... (Pedro sai) Pedro, onde é que você vai? Agora não Pedro! Agora não!
KIKO – Eu não acredito! Marina você que conhece bem esse forno pode ...
KIKO - É claro que ele não ta ligado, ele ta desligado da tomada!!!Puta que o pariu,
desculpa, eu perdi totalmente as estribeiras, pra mim acabou, eu encerrei. Chega.
MARINA – Gente, a salada ta quase pronta! Tem alface, rúcula, agrião, só falta ralar
a beterraba!
NOVASDRAMATURGIAS.COM
DANI – Eu também tenho uma surpresa, na verdade eu tenho duas...Não eu tenho três
surpresas.
DANI – Perucas!!!!
KIKO - (para a platéia) É incrível, como a gente ta sempre esperando alguma coisa,
uma notícia boa, um telefonema...algo que...
Dani animada coloca a peruca em cada um, eles reagem, o Pedro acaba ficando com
uma
PEDRO – Você não devia dizer isso, você ta indo contra a sua raça.
PEDRO – Vocês sabiam que na idade média, jogavam os ruivos na lama, como um
ritual de purificação? Até na família tem preconceito, quando eu nasci, meus pais tem
cabelo preto, quando eu nasci minha avó achou que eu era filho do meu tio judeu, e eu
NOVASDRAMATURGIAS.COM
achava que era filho do pipoqueiro ruivo da minha rua, e esse preconceito continuou,
quando eu tinha quatro anos, no natal minha avó deu para o meu irmão, sabe o que?
Um autorama, e sabem o que ela deu para mim? Um carrinho de bombeiro,
vermelho!!!
KIKO – Eu vou ter que me solidarizar com você Pedro. Também ganhei um carrinho
de bombeiro no natal, eu fiquei um ano todo me comportando como um anjo, para
ganhar uma bicicleta do Papai Noel, quando cheguei na árvore de natal, tinha um
carrinho de bombeiro, eu falei, Mãe, Papai Noel trocou meu presente, deve ter alguma
criança que ficou com a minha bicicleta, a gente precisa procurar ela e destrocar os
presentes, ela então me disse, meu filho, mamãe precisa dizer uma coisa muito séria
para você: Papai Noel não existe, é a mamãe que compra seus presentes com muito
sacrifício, eu pensei; dancei na bicicleta, abracei o carrinho, ela teve que me falar a
verdade e eu tive que mentir...Aquilo foi um golpe para mim, eu nem acreditava em
Deus, mas eu achava que Papai Noel olhava para mim o tempo todo...
CRIS
–Eu
quero
fazer
um
brinde!
Hoje
é
um
dia
muito
importante.
Meu
pai
ta
fazendo
setenta
anos
hoje.
Eu
quero
fazer
um
brinde
a
esse
homem
que
faltou
a
todos
os
meus
aniversários,
nunca
me
abraçou,
não
segurou
minha
mão
quando
comecei
a
andar,
não
me
contou
historinhas
e
nem
me
deu
presentes
de
natal,
não
me
obrigou
a
estudar
e
não
NOVASDRAMATURGIAS.COM
conheceu
meu
filho
de
dezessete
anos,
apesar
de
morar
na
mesma
cidade
que
eu.
Um
brinde
a
esse
pai
que
nunca
foi
pai,
um
brinde
ao
homem
que
me
negou.
Momento suspensão. Eles brindam e bebem em silêncio.. Pedro afia a faca. Todos
olham para o Pedro, ele para e começa a jogar a faca para o alto, olha para cima e
joga, todos observam, ele joga a faca em cima de um pote de vidro. Barulho de vidro
forte. Ele vai colocar uma música. Dani faz a mesma ação que ele com a faca. Eles
se entreolham, Kiko chama a Marina e põe a máscara do sorriso nela, depois na
Cris, entra a música “Eu te amo” do Roberto Carlos. Dani vai até o e lhe entrega a
fala ele limpa a faca, dá para ela, Kiko mostra a máscara, põe nele, Pedro põe na
Dani e ela fica com o sorrido e com a faca na mão, Pedro pega a Dani como um balé
e a deixa em frente ao público, ela levanta a blusa e coloca a faca no umbigo, como
se o desatarrachasse. Cris levanta o copo como se fosse fazer um brinde, Pedro
também, Marina serve o vinho copo, Cris com um copo, Marina com o copo. Pedro
equilibra a saladeira na cabeça, Kiko vai para o microfone. Marina com o copo e o
vinho na mão, Cris coloca copo na cabeça equiibrando-o, Dani põe o copo na cabeça
também, Pedro equilíbrio parado, Cris e Dani de frente leve diagonal, com o copo na
cabeça. Marina vê o que a Cris está fazendo e estende um outro copo para ela sem
olhar para ela, Cris pega sem deixar de equilibrar o copo, Marina bebe o vinho no
gargalo por um tempo.. Durante toda essa cena de equilibro dos copos, Kiko conta
no microfone a história do pai.
KIKO
–
Meu
pai
na
cama
do
hospital.
Câncer
terminal.
Irreconhecível.
Ninguém
foi
visitá-‐lo;
só
eu.
Ele
estava
internado
em
São
Paulo
e
sempre
perguntava
pelo
meu
irmão.
“Onde
está
seu
irmão?”
–
E
eu
sempre
inventando
desculpas,
para
não
dizer
a
verdade,
que
meu
irmão
não
queria
ir
visita-‐lo.
Na
última
vez
que
o
vi
com
vida,
ele
não
me
reconhecia
mais.
Achava
que
eu
era
meu
irmão.
Eu
fingi
que
eu
era
meu
irmão.
Eu
menti.
(tempo)
Nesse
dia,
ele
morreu.
Pedro
tira
a
música.
Eles
voltam
para
a
mesa
rindo,
falam
alto.
Kiko
no
microfone,
ele
tenta
falar...Pedro
se
aproxima
do
Kiko
fala
para
ele
sair
do
microfone,
eles
discutem
baixo.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
KIKO
-‐
Uns
meses
depois
chegou
lá
em
casa
uma
caixa
com
os
pertences
do
meu
pai,
uma
panela
de
pressão
sem
a
borracha,
um
par
de
galochas
tamanho
38,
eu
calço
quarenta,
fotos
de
família
mofadas
e
uma
carta
que
eu
mandei
para
o
meu
pai
quando
tinha
8
anos,
falando
mal
do
meu
irmão.
Eu
fiquei
pensando
que
a
herança
que
um
pai
deixa
para
o
seu
filho
não
cabe
numa
caixa.
DANI – Kiko para de mentir! Você só pode ser mal aprendido, porque te ensinar eu
te ensinei!
KIKO
-‐
Eu
e
meu
irmão
ficamos
muitos
anos
sem
nos
falar,
um
dia
eu
encontrei
com
ele
na
rua
e
peguei
uma
carona
com
ele,
começamos
a
brigar,
ele
me
acusava
de
não
ter
defendido
ele
numa
briga
quando
a
gente
tinha
dez
anos.
Me
perguntava,
“por
que
vc
não
me
defendeu
do
Oswaldinho?”
Tivemos
que
parar
o
carro
em
um
posto
de
gasolina,
para
brigar,
rolamos
no
chão
aos
socos.
Eu
me
perguntava,
como
alguém
pode
guardar
uma
magoa
por
tantos
anos?
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Verdade ou conseqüência. Tiram o Pedro. Prova que você é ruivo. Ele mostra os
pentelhos, elas riem.
Dani – Ai, ai, (canta um trechinho da musica da Carmem Miranda) Minha mãe
falava para mim, põe um salto Dani, olha a Carmem Miranda, ela também era
baixinha.
KIKO – Se você vai contar uma história minha, você vai falar bem de mim.
Pedro se silencia. Fala bem de mim! Kiko fala cinco vezes. Pedro continua fazendo
seus movimentos ignorando o Kiko. Cris continua tentando chamar a atenção do
Kiko. Depois da quinta vez que o Kiko falou.
PEDRO – Eu tô fazendo dança contemporânea, Kiko. (Descreve tudo o que vê, até
chegar na mesa e enfiar a faca em uma laranja e dizer) Um brinde aos anos 80.
Marina e Dani falam coisas dos anos 80, Cris se agarra ao Kiko. Pedro continua
falando.
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sensível e disse, você vai voltar lá agora e vai bater nele, porque senão eu vou bater
em você.
PEDRO – Alguns anos depois, esse mesmo menino foi incapaz de defender o irmão
que estava apanhando de um outro garoto na rua...Como era mesmo o nome do
menino Marina?
MARINA – Osvaldinho...
Cris continua chamando o Kiko para tirá-la dali, diz para ele esquecer o Pedro e vir
ficar com ela.
KIKO – A história não foi assim, o menino tentou defender o irmão, ele sempre
protegeu esse irmão...
PEDRO – Essa história se fecha trinta anos depois, quando esses dois irmãos se
encontram em um posto...
Cris começa a tirar a roupa e jogar no Kiko. Kiko fala com uma parte da platéia,
tentando mostrar outra versão da história.
Marina se aproxima do Pedro para fazer ele parar, ele insiste, diz para ela repetir o
que ele diz.
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PEDRO – Por isso que no leito de morte o seu pai não quis ver você, mas só o seu
irmão! Fala.
KIKO – Sai Marina, sai daí. Pedro sabe qual é o seu problema? O seu problema é que
você é um covarde, você fica usando a Marina de otária para me dizer coisas que você
não tem coragem de me dizer na cara. Sabe qual é o seu problema Pedro? É que
enquanto eu falo com você, você fica com esse sorrisinho cretino, seu problema é que
você olha para baixo e faz essa cara de foda-se, o seu problema Pedro é que a gente ta
aqui há uma hora, uma hora e meia preparando esse jantar enquanto você fuma um
cigarro atrás do outro achando que ta dando uma grande contribuição para o
espetáculo, o seu problema é que você pega um dinossauro e aperta achando que ta
fazendo comédia, sabe qual é o seu problema Pedro é que você quer controlar o jogo,
você pega uma moedinha joga para cima e manipula o resultado, enquanto eu jogo os
dados meu irmão e corro todos os riscos, você não. Você manipula, Pedro, você é um
manipulador, esse é o seu problema ( improvisa falando do Pedro)
PEDRO – Canastrão...
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KIKO – Fracassado. Você é um fracassado Pedro (pausa) Mas eu não vou discutir
com você porque você ta bêbado Pedro, tão bêbado como todos os homens da sua
família. Bêbado.
Silêncio. Kiko tira a Cris de cima da mesa, Dani tira a música, Marina olha o público
e tentando melhorar o clima fala sobre o Pedro.
KIKO – Marina.
MARINA – Quando o Pedro nasceu, a avó dele achou que tinha acontecido alguma
coisa, que ele tava com a cabeça cheia de mercúrio cromo, mas ele era perfeito, um
menino lindo, veio direto para o peito da mãe...
MARINA
–
Isso
é
Madonna,
eu
amo
Madonna,
me
disserem
que
ela
fez
essa
música
para
a
filha
dela...
MARINA
-‐
Aos
nove
meses
Pedro
pesava
10kg
e
media
73cm.
Ele
engatinha
para
todos
os
lados.
É
muito
curioso,
explora
todos
os
cantinhos
da
casa.
Ele
bate
palmas
bonitinho,
às
vezes
uma
das
mãos
fica
fechada,
assim
também
no
“thau!”
Tem
um
gênio
que
não
é
mole,
apesar
de
ser
doce
e
amoroso.
Quando
quer
algo,
aponta
e
se
não
vê
seus
desejos
atendidos
faz
manha
e
muxoxo.
Ainda
mama
no
peito
(volta
para
trás)
embora
já
coma
bastante.
Hoje
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ele
falou
“alô!”
Adora
telefone
(de
verdade).
Vó
Lúcia
sempre
fica
com
ele
para
a
mãe
e
o
pai
poderem
trabalhar
e,às
vezes,
sair.
Papai
é
meu
herói
e
mãe
é
mãe.
CRIS -‐ Daqui a dez anos, esse menino vai ter vergonha do pai.
Sai o som.
CRIS
–
Vai
estar
chovendo
lá
fora
e
o
pai
dele
vai
chegar
na
escola
para
pegá-‐lo
de
capa
de
chuva
e
galocha...
PEDRO – Nunca vou esquecer isso, vou ter que fazer muita terapia.
CRIS
–
A
capa
de
chuva
vai
até
aqui
e
aparecem
as
pernas
sem
meias
com...Daqui
a
dez
anos?
DANI
–
Como
é
que
é?
Ele
estava
com
catapora
e
o
pai
dele
apareceu?
(tentando
lembrar
o
que
aconteceu)
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DANI – Aí o pai dele resolveu levar ele para um banho de chuva?
MARINA – O pai dele vai levar ele para tomar banho de chuva com catapora.
Cris
continua
tentando
lembrar.
Dani
começa
a
dançar.
Marina
também.
Pedro
continua
falando
no
futuro.
PEDRO - Vai ser uma tempestade (pausa) eu vou olhar pela janela da minha casa por
uma tarde inteira, eu vou ver desenho animado por duas horas, vou para casa das
minhas primas e elas vão dançar para mim, à noite minha tia vai chegar e ela vai estar
chorando, vai ser a primeira vez que ela vai chorar eu vou perguntar porque ela está
chorando, e ela vai dizer; eu estou chorando porque John Lennon morreu. Foi
assassinado. John Lennon foi assassinado. Essa será a primeira vez que a minha tia
vai chorar, ela nunca tinha chorado antes, mas quando o John Lennon morrer ela vai
chorar a tarde e a noite inteira.
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KIKO – Foda-‐se a sua tia, desculpa, mas quando é que você chora?
Pausa.
Pausa.
DANI – Ele...
DANI – Ele...
MARINA – Lê pra ser ouvida, não precisa gritar, é pra você ser ouvida
DANI – (ela lê muito baixinho, para poucos espectadores) Ele engatinha para todos os
lados. É muito curioso, explora todos os cantinhos da casa. Palminha: uma palavra
mágica. Ele bate palmas bonitinho, às vezes uma das mãos fica fechada, assim
também no “thau!” Tem um gênio que não é mole, apesar de ser doce e amoroso.
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DANI - Quando quer algo, aponta e se não vê seus desejos atendidos faz manha e
muxoxo.
DANI - Ainda mama no peito embora já coma bastante. Feijão, legumes, frutas,
cabelinho de anjo, franguinho desfiado e muito, muito biscoito de polvilho.
PEDRO - Choro pela aquela pessoa que eu queria ser e não fui...
MARINA – Kiko...
DANI - Vó Lúcia sempre fica com ele para a mãe e o pai poderem trabalhar e às
vezes, sair.
PEDRO - Choro quando vejo a sala vazia, as cadeiras vazias, no natal quando todas as
pessoas que já morreram não estão mais lá.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO
-‐
Meus
dois
avós,
meu
tio,
meu
irmão,
uns
onze
ou
doze
passarinhos,
por
esses
eu
não
choro,
algumas
dezenas
de
peixe,
mas
também
esses
eu
não
choro,
MARINA – Chega, por favor, eu quero fazer xixi, quando eu não consigo fazer xixi
eu choro.
PEDRO - Dez anos depois eu ouvi os Beatles, talvez você não acredite Kiko. Eu
chorei pela morte do John Lennon.
Pausa
KIKO – Desculpa gente eu não queria provocar isso. (sorri para o Pedro) Chega, né?
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO (põe uma música) Não, agora a gente vai até o fim!
DANI
(rindo)
Eu
chorei
quando
o
Tom
Jobim
morreu
e
a
minha
irmã
falou;
Por
que
você
ta
chorando?
Você
nem
conhecia
ele!
DANI -‐ Antes de a gente começar esse negócio eu precisava dizer uma coisa...
KIKO – Psiiuu!
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO
-‐
Milhares
de
pessoas
choram
no
mundo
se
a
gente
acha
que
as
nossas
dores
são
tão
extraordinárias,
vamos
chorar
agora
e
mostrar
para
eles.
PEDRO – Vamos misturar. Não, vão achar que eu quero ficar no meio.
Pausa. .
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA
-‐
Quando
ela
era
pequena
o
pai
pedia
para
ela
mostrar
o
muque,
pra
ver
se
ela
tava
forte
igual
aos
irmãos
dela.
DANI -‐ Eu queria ser menino porque menino pode tirar a camisa no ônibus, fazer xixi na rua.
(pausa)
Dani ri.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA
-‐
Meu
filho
enfiou
um
negócio
no
ouvido,
ele
queria
usar
brinco
e
ele
enfiou
um
negócio
no
ouvido
ele
diz
que
é
um
diamante.
(pausa)
PEDRO -‐ Uma vez eu taquei uma tesoura pela janela...
DANI -‐ É que eu lembrei daquela história de você com a sua avó.
Cris ri. Dani imita a mãe do Kiko meio chorando, meio rindo.
DANI -‐ Ele tem um diamante. Ele tem um diamante.
MARINA -‐ Mas a minha mãe ele tava dizendo para a minha avó que ele tinha uma amante.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
CRIS
-‐
E
eu
entendia;
ele
tem
um
diamante,
e
pensava,
mas
por
que
a
minha
mãe
tá
chorando?
É
tão
bom
ter
um
diamante.
Dani
senta
do
lado
do
Pedro.
Eles
choram
por
um
longo
tempo..
Todos
sentados
de
frente
para
o
público.
Eles riem, levantam e falam foi ótimo gente. Bem legal. Marina volta para acabar a salada..
NOVASDRAMATURGIAS.COM
Silêncio
KIKO – E se eu disser agora que eu sou HIV positivo. Seria verdade ou mentira?
(pausa)
KIKO
-‐
Eu
espero
que
eu
não
morra
tão
cedo
porque
eu
vou
sentir
muita
saudade
de
disso
tudo.
Verdade
ou
mentira?
(Ele
sorri)
(pausa)
CRIS -‐ Que você ta com aids ou que você vai sentir saudades?
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MARINA -‐ Na África existe um deserto imenso e lindo que se chama Saara.
Pedro e Dani sentados, várias cadeiras vazias. Cris pega as coisas no chão.
CRIS
-‐
Para
se
fazer
um
suco
de
laranja,
precisa
da
laranja,
lima
ou
pêra,
água
e
faca,
precisa
cortar
a
casca,
espremer
a
laranja,
se
você
misturar
com
água
você
faz
uma
laranjada.
PEDRO
–
Desculpa
gente
ele
ta
falando
no
celular,
vamos
esperar.
Por
favor
desliguem
seus
aparelhos
celulares,
pagers...
NOVASDRAMATURGIAS.COM
CRIS
–
Mentira!
Nessa
peça
você
pode
atender
seu
celular,
atender
seu
Pager,
você
pode
falar
com
o
colega
do
lado,
você
pode
fazer
o
que
você
quiser.
CRIS – Pode fazer um suco de laranja ou uma laranjada.
PEDRO – Eu preciso dizer uma coisa, gente! Bob Dylan não morreu!
Pedro
aumenta
a
música
Jokerman.
Alguém
fala,
Tá
pronto!
Tá
pronto!
Eles
começam
a
arrumar
a
mesa.
Tiram
tudo
da
mesa
e
colocam
no
chão
enquanto
arrumam
a
mesa
com
uma
toalha
branca,
pratos
novos
e
copos.
Tiram
a
música
quando
está
tudo
pronto
e
colocam
outra
música,
eles
sentam
a
comida
está
na
mesa.
DANI
-‐
Tem
uma
coisa
que
eu
to
tentando
dizer
desde
que
a
gente
chegou
(pausa)
eu
to
grávida.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
MARINA
–
Dani
que
loucura!
A
gente
não
sabe
nunca
como
os
filhos
vão
ser,
sabe
lá
se
você
vai
gostar
do
seu
filho
daqui
a
trinta
anos.
MARINA – Sabe lá se ele vai ser uma pessoa legal? Vai ser uma pessoa bacana?
CRIS -‐ Fala Dani fala um mês um mês e meio?
MARINA
–
Ah,
você
ta
linda.
O
cabelo
fica
super
brilhante.
Depois
cai
tudo.
Tem
que
comer
muita
salada...Já
tem
madrinha?
KIKO – Um brinde ao futuro quando a gente não vai estar mais aqui.
É tudo muito baixinho, tranquilo e intimista. Tempo. Pedro pega um livro.
NOVASDRAMATURGIAS.COM
PEDRO
–
Eu
também
trouxe
uma
coisa.
Vou
ler
ta?
“Temos
um
atraso
de
pelo
menos
200
anos,
pouco
mais
do
que
nada
aconteceu
em
nossas
terras,
não
temos
nenhuma
atitude
definida
em
relação
ao
nosso
passado,
nós
filosofamos,
falamos
das
nossas
tristezas,
bebemos,
no
entanto
tudo
é
tão
claro,
se
quisermos
de
fato
viver
verdadeiramente
no
tempo
presente,
então,
antes
temos
que
expiar
o
passado,
liquidá-‐lo,
só
podemos
expia-‐lo
sob
imenso
trabalho,
infatigável
e
intenso,
guardem
bem
isso”.
Anton
Tchékhov.
Tem
a
ver?
Ele
coloca
o
livro
no
chão,
eles
comentam
algumas
coisas
sobre
a
comida.
Vemos
os
cinco
elementos.
Um
bolo
partido,
uma
garrafa
de
champanhe
vazia,
uma
peruca,
um
sorriso
de
papel,
um
livro
do
Tchékhov.
Pedro
levanta,
vai
até
a
mesa
de
luz.
PEDRO – Começou.
FIM
NOVASDRAMATURGIAS.COM