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Vida e obra de Cheikh Anta Diop:

o homem que revolucionou o pensamento


africano
Diallo, Alfa O um ar'Diallo,
Cíntia Santos2

Introdução ao mundo m editerrâneo geográ­


fica, antropológica e c u ltu r a l­
Cheikh Anta Diop nasceu mente.
em 1923 num vilarejo senegalês E neste contexto singular­
cham ado Caytou. N a época, a mente hostil e obscurantista que
África estava sob dominação co­ Cheikh A nta Diop foi induzido a
lonial européia, depois do perío­ questionar, através de um a in ­
do do tráfico negreiro que se ini­ vestigação científica, metodoló­
ciou no século XVI. A violência gica, os fundam entos da cultura
da qual a África foi alvo não foi ocidental em relação à gênese da
exclusivamente de natu reza mi­ hum anidade e da civilização. O
litar, política e econômica. Mas renascim ento da África, que im ­
teóricos (Voltaire, Hume, Hegel, plica a restauração da consciên­
Gobineau, Lévy Bruhl, etc.) e ins­ cia h i s t ó r i c a , a p a r e c e p a r a
tituições européias (o Instituto Cheikh A nta Diop como um a t a ­
de Etnologia da França, criado refa inevitável à qual ele consa­
em 1925 por L. Lévy Bruhl, por g rará toda a sua vida.
exemplo) se empenham p ara ju s­
tificar estes atos abomináveis le­
gitimando, no plano moral e filo­ I - O s p rim eiros p a s s o s do
sófico, a inferioridade intelectu­ C h eik h A nta D iop
al do negro. A visão de um a Áfri­
ca sem história, cujos habitantes,
O jo v e m C h e ik h A n ta
os negros, nunca foram respon­
Diop “corre o risco, pela má dis­
sáveis, por definição, por um
posição do seu professor, o S e­
único fato de civilização, impõe-
nhor Boyaud, de repetir pela te r­
se agora nos escritos e se fixa nas
ceira vez o último ano do prim ei­
mentes. O Egito é, assim, arb i­
ro grau, o que m o tiv a ria sem
trariam ente, ligado ao Oriente e
sombra de dúvida a sua exclusão demonstração de que a civiliza­
do liceu. O Senhor Boyaud é um ção do Egito antigo era negro-
professor sin gu lar, sendo que africana , justificando os objeti­
tive a oportunidade, desde seus vos da sua pesquisa nestes ter-
p rim eiro s passo s no liceu, de mos^
constatar sua hostilidade à nos­
sa raça, às autoridades. Suas te ­
A explicação da origem
orias sobre a raça, que fazem dele
de um a civilização afri­
um discípulo de Gobineau, são
cana se to rn a lógica e
das m ais pern iciosas e fazem
aceitável, séria, objetiva
com que aum ente o abismo e n ­
e científica, somente se
tre o negro e o branco cada dia
a gente chegasse, por
U..”3
q u a l q u e r via, a e ste
E sta carta, redigida em branco místico em re la ­
agosto de 1941 por um dos re s ­ ção ao qual não temos a
ponsáveis pela adm inistração do menor preocupação em
liceu Van Vollenhoven de Dakar, justificar a sua chegada
foi endereçada p a ra o inspetor e instalação nessas regi­
geral do ensino na África Ociden­ ões. Entendem os, sem
tal Francesa (AOF). O Senegal dificuldade, como os s á ­
não existia ainda, e o clima que bios deviam ser condu­
reinava no meio do ensino, assim zidos no seu raciocínio,
como na pesquisa universitária, nas suas deduções, lógi­
estava fortem ente im buído de cas e dialéticas, à noção
c o lo n ia lism o e de r a c is m o de “brancos de pele n e ­
antinegro. g ra ”, muito expandida
Cheikh A nta Diop vai peg ar o no meio dos especialis­
contrapé teórico deste meio soli­ tas da Europa. Tais sis­
damente estabelecido n a univer­ temas são evidentemen­
te sem futuro, pois lhes
sidade francesa. Prim eiro pela
apresentação da su a tese, que faltam um a base real.
Eles se explicam somen­
será recusada, depois pela publi­
cação do seu livro Nações negras te pela paixão dos seus
e cultura, em 1954. autores, a qual aparece
O livro soa como um trovão no sob as aparências de ob­
céu tranqüilo do “estabelecimen­ jetividade e de serenida­
de.4
to” intelectual: o autor faz aí a
Se a o b ra incom oda os Precisou-se esperar mais de 20
guardiões do templo, isto acon­ outros anos p a ra que sua obra
tece não somente porque Chiekh fosse levada em consideração,
A n ta Diop p ro p ô s uma isso após a sua morte. Algumas
“descolonização” da história afri­ idéias de Cheikh A nta Diop, p rin ­
cana, mas também porque o li­ cipalm ente a historicidade das
vro cria uma “História” africana sociedades africanas, a anterio­
e se coloca n a s fr o n te ir a s do ridade da África e a africanidade
engajamento político, a n a lisa n ­ do Egito, não são mais discuti­
do a identificação das grandes das7.
correntes migratórias e a forma­
ção das etnias! a delimitação da
II - O e m b a te a c a d ê m ic o
área cultural do mundo negro,
que se estende até a Ásia Ociden­
tal, no Vale do Indus; a demons­ Em um a época em que jo­
tração da aptidão das línguas vens intelectuais africanos, de­
africanas para suportarem o pen­ cepcionados com o conceito de
samento científico e filosófico, e negritude, buscavam um a ideo­
fazendo, pela p rim e ira vez, a logia negra e m ilitante de subs­
tra n sc riç ã o afric a n a n ão tituição, p a ra Cheikh A nta Diop,
etnográfica destas línguas... uma das c o n d iç õ e s da
federalização do continente p a s ­
Quando da sua pu b lica­
sava pela consciência. R enovan­
ção, o livro pareceu tão revoluci­
do a história, um a consciência
onário que poucos intelectu ais
histórica p a ra os africanos, ele
africanos tiveram a coragem de
desejava sobretudo restabelecer
aderirem à causa. Somente Aimé
su a dignidade. Quem poderia
Césaire se entusiasmou, no seu
então acusá-lo de um a tal inicia­
discurso sobre o colonialismo,
tiva, assim como as ideologias
evocando “o livro mais audacio­
que ele combatia?
so que um negro jam ais escre­
veu”5. Precisou-se tam bém espe­ Ao lado do “e n ten dim en­
ra r 20 anos p a ra que um a g ra n ­ to cordial”, a controvérsia gira­
de parte das suas teorias fosse va em torno de três pontos im ­
reconhecida, durante o colóquio portantes: Cheikh A nta Diop era
internacional do Cairo de 1974, acusado p elo s e u egito -
organizado pela UNESCO, re u ­ centrismo, im portância a trib u í­
n in d o os m a is e m i n e n t e s da à noção de raça e a grande
egiptólogos do mundo inteiro6. influência do seu combate p o lítr
co sobre suas teorias científicas. Uma crítica que se encon­
Sua obra ficaria im pregnada de tra em Ibrahim a Thioub, histo­
ideologia. E preciso relem brar, riador moderno: “Mesmo que o
como fez o Senhor Aboubacary tráfico e a colonização represen ­
Moussa Lam, professor da Facul­ tem um segundo olhar da histó­
dade de Letras e Ciências H u m a­ ria egípcia, é impossível fazer
nas da Universidade de Dakar, tábu a ra sa neles. Pois é a nossa
que “Cheikh A nta não escolheu história também e a nossa a tu a ­
seu terreno de combate; ele so­ lidade, senegaleses e africanos.
mente respondeu aos debates da E por isso que suspeito que ele
sua época”. tenha atribuído m uita im portân­
cia ao Egito, em toda fé, sem se
Mesmo não conseguindo
dar conta.”
contestar as idéias do intelectu­
al sobre a origem africana da h u ­ Num outro plano, se a di­
manidade, o professor e sociólo­ visão da hum anidade em raças e
go P a th é D iag ne não “divide o fundam ento da distinção b r a n ­
mais seu egito‘centrismo. Com co/negro são considerados como
este recuo, é como se o professor provenientes de um a raciologia
sociólogo não tivesse se e n g a n a ­ antiga refutada pelo desenvolvi­
do sobre o Egito, mas vislumbra- mento da genética, pergunta-se
se que ele tinha estudado somen­ em qual medida podemos acusar
te o Egito”. Um ponto de vista Cheikh A nta Diop de utilizar a
c o m p a r t i l h a d o pelo S e n h o r term in o lo g ia da su a época. O
Amady Aly Dieng, professor e a n ­ Senhor Alain Froment, antropó­
tigo c o m p a n h e iro de C h e ik h logo na Orstom, explica que o fí­
Anta Diop, é o segu inte: “Como sico “ficou du ran te muito tempo
Senghor, e talvez aí esteja o ú n i­ fiel à separação racial que exis­
co ponto de convergência, ele con­ tia na prim eira metade do sécu­
tinua m editerrâneo-centrista na lo XX, o que a genética p ra tic a ­
sua análise da história africana. m e n te d e sm a n te lo u h á m uito
O professor P athé Diagne coloca tempo”8. Em relação à genética,
a Grécia no centro enquanto que ele evoca as datas de 1982 e 1984,
o professor Amady Aly Dieng cen­ ou seja, quatro e dois anos antes
traliza sobre o Egito. E se ele não do falecimento de Cheikh A nta
desenvolve u m a visão t r a n s a ­ Diop, portanto muitos anos após
tlântica. é para valorizar a cul­ a publicação das suas principais
tu ra negra. E por isso que ele si­ obras.
lencia sobre o tráfico negreiro.”
Como d e m o n stra ra m os pela UNESCO, em 1981; é p re ­
S e n h o r e s M a m a d o u D io u f e ciso reeducar a nossa percepção
Mohamed M’Bodj, dois intelectu­ do ser humano, p a ra que ela se
ais senegaleses^ desprenda da aparência racial e
se polarize sobre o homem des­
P o d e r-se -ia a d m itir a
provido de todas as coordenadas
acusação de racismo [...]
éticas?.” “E u não gosto de u sar a
se os danos causados em
noção de raça (que não existe)
nome da ‘raça’ se encon­
[...]. Não devemos dar uma im ­
trassem de forma igual
portância excessiva à noção de
de um lado e do outro, o
raça. E o acaso da evolução.”10
que evidentemente não
foi o caso. O utrossim , De fato, C h e ik h
este ‘racismo negro’ te ­ Anta Diop sonhava discretam en­
ria um valor se ele p u ­ te com um a síntese entre a p u ­
desse criar um comple­ reza e a mestiçagem cultural. “A
xo de culpabilidade nos plenitude cultural torna um povo
europeus, o que não era mais apto para contribuir ao pro­
o objetivo de C h e ik h gresso geral da h u m a n id a d e e
A nta Diop. Diop, assim p a ra se aproxim ar de outros po­
como ele não procurava vos em conhecimento de causa.”11
c o n fo rta r u m a crença Hoje os discípulos do “último dos
popular,' ele e sc re v eu f a r a ó s ” (T h é o p h ile O b e n g a ,
p a r a u m a elite f o r te ­ Aboubacary M oussa Lam, etc...)
m e n te c o n v en c id a da continuam a defender com brilho
igualdade da espécie h u ­ os resultados da sua pesquisai
m ana.9 claramente, 53 anos após a p u ­
blicação da obra “Nações negras
Por isso, é incontestável
e C u ltu ra”, os principais tem as
que ele se utilizou das mesmas
desenvolvidos no seu livro são
arm as que seus “adversários ci­
ainda de atualidade.
entíficos”; portanto, não podemos
acusar Cheikh Anta Diop de r a ­ E verdade que o contex­
cismo. Os testem unhos são u n â ­ to da época (1954) era um te rre ­
n im e s em a p r e s e n tá - lo como no propício às m a n ip u la ç õ e s,
uma gran d e fig u ra do pois, até 1848, a escravidão es­
hu m an ism o : “O problem a, ele ta v a ainda na p rática legal da
explica na sua intervenção no co­ Europa. Também a segregação
lóquio de A te n as, o rg a n iz ad o racial estava ainda em vigor em

■ r i7
países como os Estados Unidos mem que revolucionou o p e n sa ­
da América ou a África do Sul, mento negro, pois, com toda a
sem contar a colonização que es­ evidência, estávamos longe das
tava nos seus últimos anos. leis cientificas. E por isso que o
cientista senegalês retrucou di­
zendo que “agora não bastava só
III - A África, b erço da
ser negro da cabeça aos pés e ter
civilização?
cabelos crespos para ser negro!”.
Champollion-Figeac era o irmão
P a ra falar dos traços físi­ de Campollion o jovem - o p ri­
cos do negro, os argum entos de m eiro c ie n tis ta o c id ental que
um cientista ocidental tão “sério” conseguiu decifrar os hieróglifos
como Champollion-Figeac s u s ­ —, m as ele usou e sta fa ç an h a
tentavam, entre outros, não sem p ara contornar um a realidade da
provocar o sorriso brincalhão de época: os traços negros dos a n ti­
Cheikh Anta Diop, que “[...] es­ gos egípcios.
tas duas qualidades físicas (os
Estes seres selvagens que
cabelos crespos e a pele negra)
eram capturados no mato para
não são suficientes para carac­
serem a b arro ta d o s como gado
terizar a raça negra L.].”12
n a s c a r a v e la s com d e stin o à
De fato, nesta iniciativa América, “estes homens com os
tão laboriosa quanto desespera­ rostos sombrios”, segundo a ex­
da, Champollion-Figeac queria pressão favorita dos racistas -
s u s te n ta r os resultados de um ig n o ra d o s e h u m ilh a d o s , são
c ie n tis ta fran cês de boa-fé, o aqueles que deram ao mundo as
C om te [ t r a t a - s e de A u g u s to bases da c iv iliz a ç ã o .
Comte] de Volney (1757-1820), In a c r e d itá v e l! I n a d m is s ív e l!
que tinha observados nos coptas Q uem acred ita ria n isso ?
- o povo de onde se originaram Champollion não foi o único, in ­
os faraós - os mesmos traços da felizmente, nesta tarefa de te n ­
célebre esfinge d esco berta no ta r provar cientificamente a in ­
Egito. “[...] A colonização de ferioridade intelectual e cultural
Volney, relativa à origem antiga dos negros.
da população egípcia, é forçada
Os fatos relembrados e as
e inadmissível”, diria a rb itra ri­
provas trazidas por Cheikh Anta
amente Champollion sem a rg u ­
Diop não deixam nenhum a d ú ­
mentos. “Este Champollion to r­
vida de que são os negros que ex-
nou-se daltônico”, pensou o ho­
p an d iram a civilização nos ou­ Neste contexto, não seria
tros povos do mundo, primeiro um a surpresa ver o mundo cien­
através da N úbia - atu al Sudão tífico ocidental perder a cabeça
- (em torno de 6000 a.C.), e de­ e ficar im potente diante da a n tí­
pois no Egito (em torno de 4000 tese das suas teorias, trazida por
a.C.), portanto muitos milênios um jovem negro. O c ie n t is ta
antes da Grécia em torno de 2000 Cheikh A nta Diop (matemático,
a.C.) e mais tarde em Roma em físico, químico, egiptólogo, histo­
torno de 700 a.C.). riador, lingüista, além de des­
tru ir as teses mais “sólidas” que
Não satisfeito, Comte de
Gobineau, idealizador do nazis­ pretendiam que a civilização vi­
esse do m undo ocidental. Diop
mo no estado bruto, com o seu
provou que todos os homens são
pseudocientificismo, queria ex­
plicar o porquê da superioridade iguais, q u a lq u e r que seja su a
raça, e, por conseqüência, a colo­
da raça branca sobre os negros e
nização e, pior, a escravidão não
os o u tr o s 13. U m a c ele b rid a d e
podem servir p a ra ju stificar a
como Pierre Larousse, num a das
suas teses sobre a arte africana, sup eriorid ad e da ra ç a branca.
afirma de forma peremptória que Pois, além da dívida moral devi­
“o cérebro dos africanos tem o da aos n eg ro s e longe de um
apagão do passado, é necessário
mesmo desenvolvimento que o
cérebro do macaco, um outro ele­ reescrever a verdadeira história
da humanidade.
mento que comprova o seu lado
anim al e sua fraqueza intelec­
tual”. E prossegue afirmando que IV - O s te s te m u n h o s d o s s á b io s
“o cérebro dos negros é menor, gregos
mais leve e menos volumoso que
o cérebro do branco, e como em
N u m a b u s c a lógica,
toda a série animal, a inteligên­
Cheikh A nta Diop trouxe os te s­
cia tem uma ligação direta com
te m u n h o s dos a n tig o s gregos
as dimensões do cérebro, do n ú ­
Heródoto, Estrabo, Deodoro da
mero e da profundeza”. Outros
Sicília, etc..., esses mesmos que
“a f r i c a n i s t a s ”, como M au rice
são testem unhos oculares da ci­
Delafosse, S u r e t C anale, etc.,
vilização egípcia. Querendo ex­
mesmo sendo mais cautelosos e
plicar o fenômeno das in u n d a ­
m a is m o d e ra d o s do que
ções do Nilo, Heródoto, conside­
Gobineau ou Larousse, negaram
rado o pai da historiografia, es­
a evidência que Comte descrevia.
creverá em relação ao Egito que provarão que foi atribuída, por
“[...] a terceira razão vem do fato engano, aos gregos a p a te rn id a ­
de que o calor do lugar torna as de das descobertas do Egito a n ­
pessoas pretas L..]”14. O mesmo tigo. C heikh A n ta Diop revela
Heródoto prosseguirá, p a ra s u ­ que u m a p e r s o n a g e m como
blinhar a origem egípcia na base Estrabo não hesitou em tr a ta r
grega, afirmando: “[...] E q u a n ­ P itá g o ra s como “v u l g a r
do eles acrescentam que esta si­ plagiador”....
lhueta era negra, Heródoto nos Cheikh A nta Diop susten­
faz e n ten d e r que esta mulher, ta sua tese sobre os fu ndam en­
isto é, C leóp atra, e ra egípcia tos lingüísticos, então científicos,
[...]." O sábio grego diria o m es­ fazendo a demonstração do p a ­
mo em relação aos h a b itan tes de rentesco genético entre o Egito
Colchide nos arredores do atu al antigo e as línguas negro-africa-
M ar Negro, perto da Turquia, n a s 17, colocando o acento sobre
pois queria sublinhar a sua ori­ vários ritos, tradições, religiões
gem egípcia. “[...] Os egípcios e costumes negros que sobrevi­
pensam que estes povos são des­ veram além do Egito antigo. Bus-
cendentes de um a parte das tro­ car-se-ão, sem sucesso, os m es­
pas de Sésostris.15 Eu os exam i­ mos traços no Ocidente... Melhor
no com base em dois critérios: o ainda, são os argumentos forne­
primeiro é que eles são negros e cidos pelos próprios egípcios, que
que eles têm cabelos crespos se representavam como negros,
U . ”1B isso reforçado por novas técnicas
Outros cientistas gregos de pesquisa, tais como o carbono
14 p a ra a datação, mas também
da a n tig u id a d e , E strab o ,
P i t á g o r a s , T a le s, E u c lid e s , a química, a antropologia, a a r ­
queologia, a paleontologia.
Deodoro, cuja maioria iniciou-se
no Egito, confirmarão os te s te ­ Alguns ideólogos ociden­
munhos de Heródoto. Mesmo que tais vão te n ta r elaborar uma n e ­
a lgu ns o m ita m a inform ação, b u lo s a te o r i a da c iv iliz a ç ã o
notadam ente Platão, sobre a fon­ ham ita ou camita, perdendo de
te dos seus conhecimentos (reco­ vista a referência ao Cam (um
nhecendo todos sua iniciação no dos filhos de Noé, o patriarca da
Egito em todas as áreas das ci­ Bíblia), um a personagem que foi
ências da época deles!), os p ap i­ amaldiçoada, segundo esses m es­
ros redigidos pelos sacerdotes mos ideólogos. Segundo a Bíblia,
negros que resistiram ao tempo Cam seria o primeiro negro... Os
ham itas seriam, segundo os de­ origem da civilização, pois ele
fensores da “civilização branca”, está presente no primeiro país ci­
um a ramificação desta civiliza­ vilizado do mundo.”18
ção ocidental que eles queriam
U m a das m anobras mais
ap resen tar como precursora da
grotesca por parte dos cientistas
civilização h um ana. Em outros
ocidentais foi, sem som bra de
termos, num momento em que o
dúvida, a criação de todas as p e­
conceito de civilização não exis­
ças do crânio de um “hom em ”,
tia no espírito dos ocidentais, os
para reforçar a tese da raça b ra n ­
ham itas tinham colocado as b a ­
ca.
ses da civilização nos negros...
antes de desaparecerem.
V - A n ova a p ro x im a çã o
O obstáculo p rin cip al a
este tipo de masturbação intelec­
tual é que em nenhum lugar no Até o seu falecimento em
mundo encontrou-se, pelo menos 1986, Cheikh A n ta Diop sempre
e n tr e os d e fe n so re s da “r a ç a defendeu a tese segundo a qual
branca”, traços de civilização que é o negro que migrou em direção
dominam ao mesmo tempo a ge­ aos outros continentes p a ra se
ometria, a arquitetura, a a ritm é ­ a d a p ta r a estes locais, em todos
tica, a química, a astronom ia, os estágios da evolução do h o­
etc., na época do Egito antigo mem, inclusivo o Homo sapiens
negro e pelo menos dois milêni­ sapiens (que corresponde ao ho­
os depois do surgimento desta ci­ mem moderno). E assim que as
vilização. Pois, d u ra n te muito outras raças teriam aparecido. O
tempo, o Egito foi o único centro fóssil de Homo sapiens mais a n ­
intelectual do mundo. tigo da época, segundo Cheikh
A estas teses fantásticas A nta Diop, é um negro (Omo I,
do ham ita “civilizador”, a respos­ em torno de 150.000 a.C.), e as
ta de Cheikh Anta Diop foi ta m ­ outras descobertas sobre os con­
bém fantástica^ “[...] Vê-se então tin e n te s são do tipo negróide
que, dependendo da causa e da (Homem de Grimaldi, etc.).
necessidade, Cam é maldiçoado, A tese de C h eik h A n ta
preto e se torna o ancestral dos Diop não foi d esm en tida pelas
negros. E o caso toda vez que se recentes descobertas. Segundo a
fala das relações sociais contem­ revista “A História “ de dezem­
p o râ n e a s . M as ele é e m b r a n ­ bro de 2004, os pesq uisad ores
quecido toda vez que se busca a acharam em 2003 um novo fós­
sil... na Etiópia! A revista indica Conclusão
que o fóssil se apresenta “sob a
forma de centenas de fragm en­
Mesmo que o debate este ­
tos, que são os restos de dois
ja aberto neste estágio da pesqui­
adultos e de uma criança sendo
sa, ele não resolve o problema da
atribuídos por Tim White a um
origem da civilização. Querendo
Sapiens: Homo Sapiens Idaltu -
s a n a r todas as dúvidas sobre os
esta últim a palavra significa ‘a n ­
traços negros de Ramsés II (uma
tigo’ na língua local... Ele foi d a ­
das m úm ias mais conservadas),
tado de 160.000 anos.” Conclu­
apesar das provas trazidas hoje
são: “Eis e ntão o m ais antigo
p e la a r q u e o lo g ia ( p i n t u r a ,
Homo S a p ie n s conhecido nos
estatuetas, língua, etc.), Cheikh
nossos dias.”
A nta Diop revelou na sua obra
Todavia, se a quase to ta ­
“Civilização e barbárie” que soli­
lidade dos cientistas do mundo
citou às autoridades egípcias, por
concordam hoje sobre a origem
ocasião do congresso científico de
a fric a n a do hom em , eles não
1974, alguns milímetros da pele
compartilham as vias escolhidas
do fa ra ó p a r a f a z e r t e s t e s
por Cheikh Anta Diop. U m a p e r­
laboratoriais. Ele não teve êxito,
sonalidade científica como o fran ­
sob a alegação de que não queri­
cês Yves Coppens, que fazia p a r ­
am tocar na integridade física da
te do grupo que descobriu o mais
múmia...
antigo esqueleto de astralopiteco
até os nossos dias (3,2 milhões D urante toda a sua vida,
de anos), é adepto da teoria do o pesquisador senegalês se con­
policentrismo. Em outras p a la ­ frontou com este tipo de m ano­
vras, o Sr. Coppens tende p a ra a bras. O seu principal objetivo era
teoria que quer dem onstrar que de provar a raça negra dos a n ti­
houve um a separação no estágio gos egípcios que fundaram a p ri­
do homo erectus (“o homem de meira civilização do mundo.
pé”, an terior ao Homo sapiens
sapiens) e que muito centros h u ­
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