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CONSTITUIÇÕES

BRASILEIRAS

Politize!
ÍNDICE
Introdução: um passeio pela história ............................................ 1

Constituição de 1824 ........................................................................... 3

Constituição de 1891 ........................................................................... 7

Constituição de 1934 ........................................................................... 12

Constituição de 1937 ........................................................................... 19

Constituição de 1946 ........................................................................... 25

Constituição de 1967 ........................................................................... 31

Constituição de 1988 ........................................................................... 39

Material publicado em 15 de março de 2017

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UM PASSEIO PELA HISTÓRIA


Cidadania estendida a todos os brasileiros, sem trajetória política de nosso país e identificar tendências
restrições, independente de renda, gênero, profissão, ou correntes de pensamento que nos guiaram por
alfabetização. É isso que nos é garantido em lei hoje, décadas e décadas.
mas será que sempre foi assim? Direito de ir às ruas
protestar, fazer críticas públicas aos personagens Na história das Constituições brasileiras, há uma
políticos e suas medidas: desde quando podemos fazer alternância entre regimes mais fechados e mais
essas coisas? democráticos. O caráter dos governos teve
repercussão na aprovação das Cartas, que foram
Entende-se por Constituição ou Carta Magna o ora impostas, ora aprovadas por Assembleias
conjunto de princípios fundamentais que regem Constituintes. Por tudo isso, o Politize preparou este
todas as leis do país. Analisando nossas antigas eBook apresentando todas as constituições já feitas na
constituições, podemos perceber que certas garantias história do Brasil, suas principais características e a
de que hoje usufruímos são verdadeiras conquistas. evolução dos direitos dos cidadãos.
Além disso, inserindo cada Carta Magna em seu
contexto histórico, podemos compreender melhor a

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A tabela a seguir resume em linhas gerais as constituições a serem apresentadas:

CONSTITUIÇÃO QUEM FEZ PERÍODO

1824 Imposta por Dom Pedro, Imperador Império

1891 Aprovada por Assembleia Constituinte República

1934 Aprovada por Assembleia Constituinte Era Vargas

1937 Imposta por Getúlio Vargas, ditador Era Vargas

1946 Aprovada por Assembleia Constituinte Democracia Populista

1967 Aprovada no Congresso por exigência do Regime Regime Militar

1988 Aprovada por Assembleia Constituinte República Contemporânea

A partir do próximo capítulo, vamos destacar os principais tópicos de cada Lei Maior que já tivemos,
relacionando-as com o momento histórico correspondente. Vamos voltar no tempo?

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1. A CONSTITUIÇÃO DE 1824
CONTEXTO

Em 7 de setembro de 1822, o Brasil deixou de ser


colônia de Portugal, no processo conhecido como
independência. Dom Pedro I, que a proclamou, passou
a ser Imperador do Brasil, mesmo pertencendo à família
real portuguesa. Achou estranho um português decretar
a independência do Brasil de Portugal? Pois foi
realmente uma situação inusitada, e isso diz muito sobre
o que veio a acontecer no país nos anos seguintes.

A proclamação da independência foi feita por interesses


políticos, em retaliação aos inimigos liberais da família
real portuguesa, que desejavam que o Brasil voltasse à
condição de colônia. Essa possibilidade foi descartada
por Dom Pedro. Assim, nos anos seguintes, o Brasil
tornou-se uma monarquia isolada entre as repúblicas
recém-libertas da antiga América Espanhola.
Mas o que isso tudo tem a ver com a Constituição de
1824? O fato de termos sido governados por um
imperador autoritário, na época, fez com que nossa
primeira Carta Magna fosse conservadora em seu
Retrato de Dom Pedro I, primeiro imperador conteúdo e autocrática em seu funcionamento.
brasileiro. Artista: Simplício Rodrigues de Sá, 1830.
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A ELABORAÇÃO DA PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO

Nosso primeiro projeto de Constituição foi elaborado Esse projeto, porém, foi abortado no dia 12 de
em 1823, por uma Assembleia Constituinte. Esse novembro de 1823. O imperador Dom Pedro I
projeto foi apelidado popularmente de Constituição dissolveu a Constituinte no que pode ser considerado o
da Mandioca. Isso porque um dos seus mais peculiares primeiro golpe de Estado do Brasil independente, em
aspectos era que o voto era restrito apenas àqueles um episódio conhecido como “Noite da Agonia”. Ele o
que tivessem certo nível de renda, que por sua vez era fez porque a Constituição da Mandioca buscava
medida em – pasme – quantidade de farinha de estabelecer limites a seu poder, submetendo-o
mandioca. Quem tivesse menos de 150 alqueires de ao parlamento.
plantação de mandioca não teria direito ao voto.
Poucos meses depois, ele outorgou a Constituição de
Mas qual era o sentido de medir a riqueza com base em 1824, que lhe conferia amplos poderes por meio do
um produto agrícola? Ora, essa era uma forma de Poder Moderador. Esse texto vigorou por mais de 60
excluir da vida política, de uma só vez, a população anos, a Constituição brasileira de mais longa
pobre, que não tinha esse nível de renda, e os duração até os dias atuais.
comerciantes portugueses, que tinham renda expressa
em dinheiro. Assim, o direito ao voto ficava reservado
apenas à elite agrária, a única parte da população que
tinha sua renda medida em farinha de mandioca.

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A Constituição de 1824 estabelecia, principalmente: poder de dissolver a Câmara e direito de aprovação


ou veto de quaisquer decisões da Câmara e
– Monarquia constitucional e hereditária; Senado. Nota-se facilmente que, na prática, o Poder
– Voto censitário (para ser eleitor era necessário ter Moderador conferia ao imperador poderes
uma determinada renda mínima) e descoberto, ou seja, quase absolutos.
não secreto;
Além disso, a primeira constituição brasileira proibia o
– União entre a Igreja e Estado, sendo a católica sua
voto de mulheres, escravos, criados e qualquer pessoa
religião oficial;
que possuísse renda anual inferior a 100 mil-réis.
– Quatro poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário O autor Laurentino Gomes, em seu livro 1808, realiza a
e Moderador. conversão aproximada dessa quantia para o Real
e estabelece que 100 mil-réis equivaliam a cerca
MAS O QUE ERA ESSE PODER MODERADOR? de R$ 12.300.

O Poder Moderador, assim como o Executivo, era Como a Constituição determinava que o Estado era
exercido pela pessoa do Imperador, apresentada pela oficialmente católico, a construção de templos
Constituição de 1824 como figura inviolável e sagrada. identificáveis de outras religiões era expressamente
Sua função seria a de intervir sempre que surgissem proibida. Os cultos não-católicos deveriam ser
conflitos entre os demais poderes, determinando qual realizados apenas em ambiente doméstico, sem serem
deles tinha razão. Além disso, o Poder Moderador vistos abertamente pela sociedade.
atribuía ao Imperador a função de nomear senadores, o

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Muita informação de uma vez? Então vamos


recapitular através deste infográfico:

O país continuou Excluía minorias


sendo uma da participação
CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO monarquia entre
repúblicas, apesar de
política e impunha
limites à liberdade

DE 1824 independente de credo

Outorgou a Cancelou a
CARACTERIZOU-SE POR SER Constituição de 1824, “Constituição da
que o apresentava IMPERADOR Mandioca”, que
CONSERVADORA E AUTOCRÁTICA como inviolável e AUTORITÁRIO impunha limites
sagrado ao seu poder

POR QUÊ? Gozava de arbitrariedade


ao exercer os poderes
moderador e executivo

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2. A CONSTITUIÇÃO DE 1891
CONTEXTO

O Segundo Reinado (1840-1889) foi o período da


história brasileira compreendido entre o golpe da
maioridade, episódio que possibilitou que D. Pedro II
se tornasse Imperador com apenas 14 anos, e
a Proclamação da República (15 de novembro de
1889). Nos primeiros trinta anos desse período,
alcançou-se uma estabilidade política no Brasil sem
precedentes desde a independência. Ofuscando a
essência autoritária do Império, figurava certa
aparência democrática.

A partir da década de 1870, entretanto, esse cenário se


inverteu: ganharam muita força, a partir de então, novos
grupos socioeconômicos, que possuíam interesses
incompatíveis com o aparelho burocrático do Império.
Esses novos setores sociais foram decisivos para a
derrubada da Monarquia.

Marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República


e primeiro presidente do Brasil. Retrato de 1888.
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MAS QUE SETORES SOCIAIS ERAM ESSES?


Conforme o café se tornava o carro-chefe da economia apoio. Além dos grupos citados acima, outros já haviam
nacional, a elite agrária, composta principalmente por também perdido a simpatia pelo regime monárquico,
cafeicultores paulistas, se fortalecia e passava a tais como a Igreja católica, a camada média de forma
alimentar a ambição de possuir uma autonomia de geral e os fazendeiros escravocratas, descontentes
províncias que não existia no Brasil Império. Sendo com a Abolição da Escravatura de 13 de maio de 1888.
assim, esse grupo social passou a nutrir, abertamente,
um anseio por reformas, o que tornou esses Em novembro de 1889, após muitos anos de desgaste
cafeicultores importantes adeptos do republicanismo. do Império, o marechal Deodoro da Fonseca aceitou
chefiar o movimento que derrubaria o governo, sem
Outro setor social decisivo para a queda da Monarquia nenhuma participação popular. O período subsequente
foi o dos militares, os quais, fortalecidos moralmente da História do Brasil é denominado Primeira
pela vitória da Guerra do Paraguai (1864-1870), República ou República Velha (1889-1930).
passaram a almejar uma representação política que
não possuíam no Império. Assim que surgiu a República, foi preciso elaborar
uma nova Constituição. A nova Carta Magna foi
Pode-se observar, dessa forma, que a Monarquia promulgada em 1891 e era inspirada no modelo
brasileira, no final dos anos 1880, se encontrava norte-americano.
enfraquecida, por ter perdido importantes bases de

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VOCÊ SABIA?
A CONSTITUIÇÃO DE 1891:
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS A Constituição de 1891 também não fazia referência
às mulheres, mas considerou-se implicitamente que
Os principais tópicos desse texto estabeleciam, elas estavam impedidas de votar. O voto feminino só
principalmente: seria conquistado décadas depois.

–República federativa liberal, com sistema Na República Velha,o voto era descoberto, ou seja,
presidencialista de governo; não-secreto. Essa situação acabou favorecendo o
chamado “voto de cabresto”, ou seja, a manipulação
– Três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, eleitoral por parte dos “coronéis” (personalidades
sendo que o Poder Moderador foi extinto; muito influentes no meio agrário e que normalmente
– Fim do voto censitário ou por renda: seriam eleitores estavam ligadas ao governo) sobre a população, que
todos os cidadãos, mas analfabetos, mendigos, era essencialmente rural nessa época da história
soldados e membros de ordens religiosas não eram brasileira. Essa influência passou a ser denominada,
considerados eleitores e eram impedidos de votar; mais tarde, de coronelismo. Os coronéis eram figuras
– Separação entre Estado e Igreja; semelhantes aos atuais prefeitos e recebiam,
na época, influência política dos governadores
– Autonomia dos estados, conforme almejava a elite
dos estados, que por sua vez eram influenciados
agrária ao apoiar o republicanismo. pelo presidente.

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É possível observar que a Constituição de 1891, no


plano teórico, se mostrava mais justa, equilibrada e
liberal que a anterior, apesar de apresentar falhas. Mas,
na prática, ela acabou por assegurar o controle da elite
agrária sobre a máquina administrativa, política e
econômica do Brasil, até o episódio conhecido como
Revolução de 1930.

Não parece normal que a hegemonia de um pequeno


grupo, em algum momento, descontentaria os
demais? No próximo capítulo, vamos entender por
que a queda da República Velha transformou
o Brasil.

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CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
DE 1891

NA APARÊNCIA NA PRÁTICA
PRESIDENTE
JUSTA, LIBERAL FOI EXCLUDENTE COM AS MINORIAS
E FAVORECEU OS CAFEICULTORES
E EQUILIBRADA
PAULISTAS GOVERNADORES
POR QUÊ? POR QUÊ?
exclui o voto censitário estabeleceu autonomia CORONÉIS
dos estados
extinguiu o poder moderador
marcou o fim do não votavam mulheres,
autoritarismo do império analfabetos, mendigos, POPULAÇÃO
entre outros RURAL
garantiu algumas
liberdades individuais sustentou o coronelismo

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3. CONSTITUIÇÃO DE 1934
Vimos que um aspecto fundamental para a crise
do Segundo Reinado e a queda da Monarquia foi o
surgimento de novos grupos socioeconômicos que
possuíam interesses incompatíveis com aquele regime.
Pois bem! Com a República Velha, a coisa terminou do
mesmo jeito. Entenda neste capítulo por que o Brasil se
revolucionou após os anos 1930.

CONTEXTO
Os trinta primeiros anos do século XX foram um período
de fortalecimento de setores sociais e políticos que foram
determinantes para o enfraquecimento da Primeira
República no Brasil. Assim, o sistema político vigente foi
sendo, aos poucos, corroído em suas bases de apoio.
Dessa forma, em 1930, quando uma grande revolta
explodiu, ele não conseguiu oferecer resistência e caiu.
Esse episódio, conhecido como Revolução de 1930,
transformou os rumos do Brasil, que passou da condição
de país agrário-exportador para a de urbano-industrial.

Para compreender essa importante mudança na estrutura


nacional, portanto, é necessário avaliar cuidadosamente
cada uma dessas novas forças e como elas
Getúlio Vargas (ao centro) e outros líderes da chamada desestabilizaram o sistema político. Vamos nessa?
Revolução de 1930, em Itararé, São Paulo.
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AS NOVAS FORÇAS SOCIAIS E POLÍTICAS

É importante destacar que a indústria brasileira se Assim, foi surgindo gradualmente o movimento de luta
expandiu durante a República Velha, embora de forma dos trabalhadores, que faziam suas reivindicações por
muito lenta. Paralelamente a isso, houve o meio de greves, frequentemente respondidas com
fortalecimento da burguesia industrial, que, apesar de violência e repressão policial. A mais importante do
não ter contestado o regime da República Velha, era período foi a Greve Geral de 1917, ocorrida em São
uma classe que passou a gozar de um prestígio social Paulo, que tomou grandes proporções e obteve
equiparável aos dos cafeicultores. Portanto, essa nova repercussão nacional.
burguesia representava uma ameaçava à hegemonia
da classe dominante, algo que não havia existido Uma outra força política essencial para a preparação da
até então. Revolução de 1930 foi o tenentismo, organizado por
jovens militares de baixa patente que almejavam
Se teve fortalecimento da burguesia industrial, teve reformas políticas e sociais. Durante os anos 20, esse
também a expansão do operariado! A população movimento se ampliou significativamente, pois ganhou
operária de São Paulo e Rio de Janeiro aumentou o apoio de vários setores da classe média e se tornou
substancialmente com o crescimento das indústrias. conhecido pelas inúmeras revoltas que organizou
Sua insatisfação com as péssimas condições de contra o governo.
trabalho permitiu que essas pessoas simpatizassem
com idéias anarquistas, socialistas e comunistas, em
geral difundidas pelos operários imigrantes europeus.

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O líder tenentista mais conhecido foi o capitão secundários para a economia, que, apesar de ocuparem
Luís Carlos Prestes, figura que abordaremos mais à o poder em seus estados, não se sentiam
frente ao tratar da Era Vargas (1930-1945). Chefe da representados por um sistema político preocupado em
famosa Coluna Prestes, Luís Carlos e outros proteger, acima de tudo, o café. Assim, essas
tenentistas percorreram 25 mil quilômetros a pé pelos oligarquias passaram a reclamar do predomínio
sertões brasileiros em apenas 21 meses, incentivando absoluto exercido por São Paulo e Minas Gerais na
a rebeldia e a revolução. Esse espírito de luta esfera federal e acabaram se aliando ao tenentismo e
incomodou o governo brasileiro, que passou outros grupos sociais para fazer oposição ao governo.
a perseguir e, em alguns casos, até a exilar os
líderes tenentistas. Pode-se observar com facilidade que, ao final dos anos
20, a oposição ao regime oligárquico era forte. A partir
Por último, mas não menos importante, havia as de então, o fim da República Velha passou a ser apenas
oligarquias dissidentes. Essa expressão engloba uma questão de tempo.
latifundiários, geralmente exportadores de produtos

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A REVOLUÇÃO DE 1930
Nas eleições para presidente de 1930, as oligarquias e, em apenas um mês de luta, o então presidente
dissidentes apresentaram uma chapa de oposição ao Washington Luís foi deposto. Getúlio Vargas assumiu o
candidato paulista, Júlio Prestes. O nome dessa chapa comando do Governo Provisório (1930-1934).
era Aliança Liberal, composta por integrantes minei- Encerrava-se, assim, a República Velha e começava o
ros, gaúchos e paraibanos. Seu candidato à presidência período da História brasileira denominado Era Vargas
foi o governador do Rio Grande do Sul Getúlio Vargas. (1930-1945).
Suas propostas eram basicamente a anistia aos exila-
dos, o voto secreto e as reformas sociais, de modo que A elite paulista, a principal beneficiada pela “máquina”
conquistou o apoio dos grupos de oposição já da República Velha, foi também a mais prejudicada pela
apresentados anteriormente. Mesmo assim, nas vitória da Revolução de 1930. Vargas, ao assumir o
eleições, Júlio Prestes saiu vitorioso. poder, depôs os governadores estaduais da época e
passou a nomear interventores à sua maneira, de modo
Com a derrota nas eleições, as oligarquias dissidentes a eliminar o coronelismo. Assim, poucos meses depois
e os outros grupos passaram a cogitar uma revolta da revolução, os paulistas organizaram uma revolta que
armada, que se concretizou após o assassinato de João buscava derrubar Vargas e seus aliados do poder. Era a
Pessoa, político paraibano da Aliança Liberal. Embora chamada revolução constitucionalista, para os
esse assassinato tenha ocorrido por motivos de ordem paulistas, ou a contrarrevolução, para os getulistas,
pessoal, a culpa foi atribuída ao governo. Iniciou-se movimento que recebeu apoio da oligarquia cafeeira.
uma revolução em vários estados do Brasil

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A REVOLTA PAULISTA DE 1932 A CONSTITUIÇÃO DE 1934 –


PRINCIPAIS INOVAÇÕES:
É importante saber que, apesar da mudança drástica de
regime, Vargas ainda não havia promulgado uma nova Além dos tópicos mantidos da Constituição de 1891,
Constituição. Diante dessa situação, os paulistas como República federativa com sistemapresidencialista
incluíram uma nova Carta Magna entre suas pautas, de de governo, observe algumas das inovações trazidas
forma a convencer seus inimigos políticos sobre suas por esse texto:
intenções democráticas. Entretanto, o que eles
realmente queriam é que as oligarquias paulistas – Voto secreto;
retornassem ao poder, e exigiram também que Vargas – Voto feminino;
nomeasse um governador para São Paulo que fosse
– Legislação trabalhista (previdência social, jornada de
civil e paulista.
trabalho de 8 horas diárias, salário mínimo, férias, etc.);
Após vários confrontos, por vezes violentos, entre civis – Autonomia dos sindicatos;
e o governo, o movimento foi derrotado, mas Vargas –Medidas nacionalistas defendendo as riquezas
atendeu ao desejo de se criar uma nova Constituição. naturais do país;
Ele também nomeou um interventor paulista para o – Criação da Justiça Eleitoral;
estado. A Assembléia Constituinte foi composta por – Obrigação de as empresas manterem, no mínimo,
diversas categorias sociais, o que fez da Constituição
dois terços de empregados brasileiros.
de 1934 a mais democrática que o Brasil já tivera em
sua história até aquele momento.

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É inegável que essa Constituição, liberal e progressista


em relação aos direitos trabalhistas, refletia, de certa
maneira, o populismo e o nacionalismo econômico
tão característicos da Era Vargas, de forma que
Getúlio conquistou a simpatia de grande parte da
população brasileira.

Mas, o Governo Constitucional de Vargas


(1934-1937) durou apenas três anos, devido ao golpe
de Estado que ocorreria em 1937 e implantaria nossa
primeira ditadura, invalidando essa Constituição.

Quer conferir as cenas dos próximos capítulos? No


próximo, mostraremos por que a Constituição de
1934 foi nossa Carta Magna de menor duração até
os dias atuais.

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CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
DE
DE 1934
1934
CARÁTER LIBERAL E PROGRESSISTA

Auxiliou na construção da Influenciada pela


ENTRETANTO
popularidade da figura constituição alemã Essa tentativa de construir uma democracia
política de Vargas da época com bases sólidas não foi eficiente, visto
que após três anos foi dado o golpe do
Estado Novo (1937).

Teve como causa imediata


Caracterizou-se pelas leis a revolta paulista de 1932,
DESSA FORMA
trabalhistas, direitos que tinha como uma de A experiência democrática do Brasil só
democráticos e suas reinvindicações uma se efetivou com a Constituição de 1946,
nacionalismo econômico nova carta magna anos mais tarde.

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4. CONSTITUIÇÃO DE 1937
Já vimos que a Constituição de 1934 durou apenas três
anos, a Carta Magna brasileira de menor duração até hoje.
Afinal, por que tivemos duas constituições em um
intervalo de apenas três anos? O que aconteceu para que
essa nova fase da república fosse interrompida, dando
espaço à Constituição de 1937? É o que vamos explicar.

CONTEXTO
Em 1937, Getúlio Vargas concretizou um golpe de estado
que iniciaria um período de ditadura de oito anos, que se
estendeu até 1945: o Estado Novo. Curiosamente, essa
ditadura estava prevista por Constituição, legitimando os
poderes absolutos do ditador, enquanto direitos humanos
eram recorrentemente violados pelo aparelho repressor
do Estado – a Polícia Especial. A Constituição de 1937,
que recebeu apelido de “Polaca”, por ter sido inspirada
no modelo semifascista polonês, era extremamente
autoritária e concedia ao governo poderes
praticamente ilimitados.

Getúlio Vargas em 1940, quando estava em


vigência o Estado Novo.
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MAS POR QUE GETÚLIO DEU O GOLPE DE ESTADO?

Os principais fatores que contribuíram para que Vargas continuassem crescendo, o que explica o fato de
buscasse fortalecer seu poder pessoal através de uma também não terem visto com maus olhos o
ditadura foram o apoio da elite a esse fortalecimento, fortalecimento do Executivo.
bem como a radicalização dos grupos de esquerda e de
direita no período de 1934-37. As razões políticas para esse apoio se resumiam, tanto
por parte dos cafeicultores quanto dos industriais, ao
O apoio da elite, composta, principalmente, pelos medo da “ameaça comunista” e ao receio em relação
cafeicultores e industriais, se dava por motivos aos possíveis resultados de um maior engajamento
econômicos e políticos. Como, na época, o governo político do operariado e da classe média.
passou a comprar os excedentes de café de modo a Para que entendamos o pretexto utilizado por Vargas
evitar abalos na economia brasileira, os cafeicultores ao dar o golpe, é necessário analisar a radicalização
passaram a simpatizar com a idéia de um política ocorrida tanto na direita, quanto na esquerda
Executivo forte, que continuasse a auxiliá-los. Já os durante os anos que o precederam, bem como a
industriais precisavam do apoio do governo para que postura do governo diante dessa oposição.

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OS CHOQUES ENTRE A DIREITA E A ESQUERDA

Em 1934, surgiu no Brasil uma organização política de que desejavam o governo popular, a proteção
caráter fascista denominada Ação Integralista aos pequenos proprietários, a nacionalização das
Brasileira (AIB). O comando desse movimento estava empresas estrangeiras, entre outras coisas. Diante disso,
nas mãos de Plínio Salgado, político e intelectual, e suas poucos meses depois e sob influência das classes mais
propostas de Estado forte, governo autoritário e conservadoras, a Câmara aprovou a Lei de
sociedade militarizada foram inspiradas nos governos Segurança Nacional. Esse foi respaldo legal que
nazifascistas da Itália, Alemanha, Espanha e Portugal. permitiu a Vargas fechar a ANL. A ANL tentou reagir
Conforme de costume nos regimes totalitários, o nacio- através de um levante armado – a Intentona
nalismo também estava presente: os membros Comunista –, que falhou por ter tido pouca adesão de
da AIB se vestiam com camisas verdes e se seus membros.
cumprimentavam levantando o braço direito e
gritando a palavra indígena “Anauê”, remontando, assim, Em resposta ao levante, Vargas decretou estado de sítio
aos índios nativos do Brasil. e a Polícia Especial iniciou uma repressão sistemática e
violenta. A partir de então, quaisquer
Em reação ao integralismo, foi formada, em 1935, a elementos que oferecessem resistência ao governo,
Aliança Nacional Libertadora (ANL). Compunham esse além dos comunistas, foram perseguidos, presos e, não
movimento comunistas, socialistas e líderes sindicais raro, torturados ou assassinados.

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O GOLPE DE 1937 A CONSTITUIÇÃO DE 1937:


PRINCIPAIS TÓPICOS
Em setembro de 1937, os jornais anunciaram que o Dessa forma, a Constituição de 1937, que já estava
Exército havia descoberto um plano comunista para a pronta há meses durante a preparação do golpe, foi
tomada do poder. Essa situação havia sido forjada por imposta ao povo. Seus tópicos principais estabeleciam:
um militar integralista pertencente ao Exército, que
criou o boato – com o nome de Plano Cohen – de que os – Fechamento do Poder Legislativo nos três níveis
comunistas, nos dias subsequentes, incendiariam (Congresso Nacional, Assembléias Estaduais e
igrejas, desrespeitariam os lares, promoveriam greves Câmaras Municipais);
e massacrariam líderes políticos. Aproveitando-se – Poder Judiciário subordinado ao Executivo;
dessa (falsa) acusação e argumentando que era preciso – Total liberdade de ação à Polícia Especial;
defender a liberdade, Vargas instalou a ditadura do – Propaganda a favor do governo no rádio mediadas
Estado Novo. Poucas semanas depois do suposto plano pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda);
comunista ter vazado na imprensa, Getúlio desferiu o – Eliminação do direito de greve;
golpe, fechando o Congresso Nacional e anunciando
– Reintrodução da pena de morte;
no rádio o “nascer da nova era”.
– Estados seriam governados por interventores
nomeados por Vargas.

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Nota-se, assim, que a constituição de 1937 se mostrou


como o respaldo legal para o regime autoritário do
Estado Novo e um retrocesso, se comparada à anterior,
em termos de democracia e direitos humanos. Vale
lembrar que os crimes e as perseguições a quem se
opôs a essa forma de governo continuaram até o fim do
regime e, quando este chegou ao fim, as atrocidades
cometidas ficaram impunes.

No próximo capítulo, abordaremos o fim do Estado


Novo dentro do contexto do pós-Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) e a instalação da
Democracia Populista.

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CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
DE
DE 1937
1937

Respaldo legal do Simbolizou o golpe


Governo autoritário do Estado Novo

A POLACA
Antecedida pelos choques Retrocesso em termos
entre comunistas (ANL) de Democracia e
e integralistas (AIB) Direitos Humanos

Concentrou o poder nas mãos Proporcionou liberdade de ação


de Vargas com o fechamento à polícia especial (aparelho
do Congresso repressor do governo)

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5. A CONSTITUIÇÃO DE 1946
Vimos no capítulo anterior que o Estado Novo
interrompeu nosso período democrático depois de apenas
três anos, e instituiu um aparelho repressor que impunha
limites às liberdades individuais. Continue conosco neste
capítulo e entenda por que a nossa primeira ditadura
chegou ao fim, além de, é claro, entender como surgiu a
Constituição de 1946.

CONTEXTO
1) O BRASIL E A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL (1939-1945)
Conforme afirmamos no capítulo anterior, a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) trouxe consequências para
a política do Brasil. Nesse importante conflito, os países
rivais estavam organizados em dois blocos: o do Eixo
(composto pela Alemanha, Itália e Japão) e o dos Aliados
(formado pela União Soviética, Inglaterra, França e, mais
tarde, Estados Unidos).
Getúlio Vargas (abaixo, terceiro da esquerda para a
direita) e o presidente dos Estados Unidos Franklin
Delano Roosevelt, à sua esquerda, em 1943.
Foto: Reprodução/Plano Brazil.
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Diante desse cenário, Vargas manteve o Brasil neutro É importante notar que esse posicionamento ao lado
em um primeiro momento - ou seja, sem apoiar dos Aliados trazia, consigo, uma contradição ao regime
abertamente nenhum dos blocos. Apesar disso, dentro do Estado Novo: o Brasil era uma ditadura de caráter
do governo havia personalidades políticas francamente nazifascista, ao mesmo tempo em que suas tropas
favoráveis aos nazistas, tais como o general combatiam o nazifascismo na Europa.
Eurico Gaspar Dutra e o chefe da Polícia Especial,
Fillinto Müller. Assim, pode-se afirmar que a entrada do Brasil na
guerra tornou questionável o esquema repressivo
A partir de 1942, entretanto, essa situação de montado por Vargas, de forma que surgiram, a partir
neutralidade mudou. O Brasil entrou na guerra ao lado de 1944, inúmeras manifestações a favor
dos Aliados, chegando a enviar milhares de soldados da redemocratização.
para combate na Itália. Os motivos que levaram Getúlio
a tomar essa atitude foram, principalmente: Pressionado, Vargas cedeu: convocou eleições
presidenciais para o final de 1945, aceitando a
– a intenção de não romper as relações diplomáticas formação de novos partidos políticos. Entretanto,
antes mesmo de as eleições chegarem, a oposição,
com os EUA, país que vinha financiando a construção
liderada pelos militares Gaspar Dutra e Góis Monteiro,
de grandes obras no Brasil (como a usina siderúrgica de
derrubou Vargas, forçando-o a renunciar após ter
Volta Redonda – RJ);
nomeado seu irmão (Benjamim Vargas) para o cargo de
chefe de polícia. Assim, encerrou-se o Estado Novo e
– o fato de a opinião pública ser mais a favor dos
teve início a redemocratização do país, com sua
Aliados do que do Eixo, após os alemães terem atacado primeira presidência (1946-1951) exercida pelo
vários navios mercantes brasileiros. general conservador Eurico Gaspar Dutra.

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2) AS NOVAS FORÇAS POLÍTICAS QUE DERAM ORIGEM À CONSTITUIÇÃO DE 1946

Conforme afirmamos acima, após a queda do Estado Do outro lado, estavam os progressistas. Organizados
Novo surgiram novos partidos políticos e, com a no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e
mudança de regime (de ditadura para democracia) representados em grande parte pelos operários,
fez-se necessária uma nova Constituição. Embora defendiam o capitalismo nacionalista, que seguisse os
todos os três partidos de maior porte que surgiram a interesses do Brasil e não das grandes potências. A
partir de então tenham contribuído de alguma forma apresentação desses grupos opostos também é
para a elaboração da nova Constituição, é importante importante para que você possa entender, mais à
ressaltar que eles possuíam diferenças ideológicas frente, a implantação da ditadura militar de 1964.
entre si.
Sob controle desses partidos, em 1946, a Assembleia
De um lado, os conservadores estavam representados Constituinte aprovou a nova Carta Magna brasileira.
pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Os aspectos da Constituição de 1946 se
partido Social Democrático (PSD). Nesse grupo, assemelhavam aos das Cartas Magnas de 1891 e
estavam a burguesia, os industriais, a alta classe média, 1934, e incluíam:
grandes comerciantes e proprietários de terras. Esses
setores da sociedade defendiam a implantação de um
capitalismo totalmente aberto ao capital estrangeiro e
às grandes companhias internacionais.

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– Poder Executivo exercido pelo Presidente da Com a deposição de Vargas, a condução do processo
República, eleito pelo povo para um mandato de para a redemocratização foi feita pela mesma elite
cinco anos; política que comandava o regime varguista. Assim, a
restauração democrática não produziu uma
– Poder Legislativo constituído pelo Senado Federal substituição radical dos grupos no poder, mesmo que
e Câmara dos Deputados. Tanto os senadores quanto tenha acontecido uma reformulação político-
os deputados eram eleitos pelo povo; os primeiros, na institucional. Como esse processo foi conduzido pela
quantia de três por estado, e os segundos, de forma mesma elite do regime anterior, a formulação da
proporcional à população de cada estado; Constituição de 1946 deixou praticamente intacto
muitos pontos da estrutura institucional do
– Poder Judiciário formado por tribunais federais de Estado Novo.
cada estado e pelo Supremo Tribunal Federal;
O fato desse curto período democrático ter
– Autonomia política e administrativa para desmoronado apenas 19 anos mais tarde nos mostra
os estados. que a nova democracia liberal brasileira apresentava

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falhas e não possuía bases sólidas que a fizessem mais do sistema político dominado pelas mesmas elites
permanente. Nesse sentido, é importante notar que o do getulismo.
candidato à presidência eleito em 1945, o general
conservador (PSD) Gaspar Dutra, que veio a assumir a A Constituição de 1946 pode ser vista como liberal e
presidência em 1946, havia sugerido, no contexto da adequada ao contexto da Redemocratização. No
Segunda Guerra, que entrássemos no conflito ao lado entanto, seus itens começaram a ser considerados
dos nazistas. Ele também esteve envolvido na inválidos a partir de 1964, com a criação dos Atos
montagem do Estado Novo. Institucionais do Regime Militar.

A nova estrutura política estabelecida a partir de 1946 Agora que você entendeu toda a contradição por
carregava muitos aspectos do sistema anterior. O trás da Constituição de 1946, mostraremos no
cenário político continuou dominado pelas mesmas próximo capítulo como esse cenário influenciou a
elites e a ascensão de novos partidos era dificultada de implantação da ditadura de 1964, a mais repressiva
várias formas. O período da redemocratização que já tivemos em nossa história e essencial para a
mostrava-se, assim, como uma forma de continuação compreensão dos dias atuais.

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CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
DE 1946

VIGENTE NO PERÍODO
ENTRE DITADURAS: POSSUÍA CARÁTER
Estado Novo (1930 - 1945) LIBERAL
Regime Militar (1964 - 1985)
Tripartição de poderes Autonomia política e
seguida à risca administrativa para
os estados
ORGANIZADA POR MEMBROS
DOS NOVOS PARTIDOS ENTRETANTO:
POLÍTICOS:
PSD, UDN, PTB Caiu por terra anos mais tarde, com a criação dos Atos
Institucionais do Regime Militar e Constituição de 1967.

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6. A CONSTITUIÇÃO DE 1967
A década de 1950 teve fundamental importância para a
implantação do regime militar em 1964. Entender essa
ditadura é essencial para o debate sobre o Brasil
contemporâneo. Neste capítulo, vamos explicar o
contexto em torno da Constituição de 1967 e como foi
esse episódio tão comentado da história brasileira.

CONTEXTO
A LUTA PELO PODER NOS ANOS 1950
No último texto, falamos sobre o surgimento de grupos
políticos com interesses opostos no contexto do período
democrático de 1945 a 1964. Esses grupos,
representados de um lado pelos progressistas e do outro
pelos conservadores, acirraram a disputa pelo comando
político nacional após a presidência do general Gaspar
Dutra (1946-1951). O conservadorismo de Dutra, com
sua vigilância sobre os sindicatos, repressão a protestos
contra o governo e manutenção dos salários a níveis
Tanques na Avenida Presidente Vargas em 1968. baixos, foi interrompido com a vitória de Getúlio Vargas,
Foto: Correio da Manhã. ex-presidente e líder progressista, nas eleições de 1950.

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Vargas voltou ao poder como candidato do PTB e, para classe social que, apesar de composta principalmente
isso, utilizou-se nas campanhas eleitorais do apelo às por conservadores, possuía elementos progressistas
massas trabalhadoras e setores da classe média. que foram sendo esmagados pelos rivais.
Prometia o aprofundamento da política social e
nacionalista do Estado Novo, que retornaria, agora, em Já a principal vitória dos progressistas foi a criação da
um contexto democrático. Petrobrás, empresa estatal de exploração petrolífera
cujo surgimento foi amplamente contestado pelos
Essa campanha foi imbatível para seus adversários e conservadores. Esses últimos eram a favor da
assim, Getúlio voltou ao poder em 1951. É importante intervenção de multinacionais e do governo dos
atentarmos para o fato de que, em sua campanha Estados Unidos nessa empreitada, o que, na visão dos
eleitoral, Vargas fez alianças com parte dos progressistas, faria do Brasil um país ainda
conservadores, apesar de ser progressista. Desse mais dependente das grandes potências. A opinião
modo, contraiu “dívidas” que precisavam ser pagas, pública se mostrou favorável à Petrobrás, de forma que
principalmente com os conservadores que a derrota dos conservadores nesse episódio
colaboraram com sua vitória em São Paulo e Minas foi inevitável.
Gerais. Por isso, Getúlio nomeou ministros
conservadores e, consequentemente, surgiu a primeira Entretanto, a retaliação conservadora não demorou
contradição de seu governo: apesar de progressista, o para chegar: a grande imprensa, o capital estrangeiro, a
ministério era conservador. burguesia nacional, militares e a UDN se uniram em
uma dura ofensiva contra o governo Vargas, sob a
A partir desse momento, ocorreram intensas lutas liderança do jornalista Carlos Lacerda. Essa campanha
entre progressistas e conservadores, com vitórias para tinha por objetivo implantar, já em 1954, um regime
os dois lados. A grande vitória dos conservadores pode militar, fato que Getúlio adiou por dez anos através
ser vista como o fim do apoio dos militares a Getúlio, de seu suicídio.

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A TENTATIVA DE GOLPE EM 1954

Dentro do contexto dessa ofensiva contrária ao prejudicial a Getúlio, que perdeu todo o apoio político
governo progressista, um incidente mudou os rumos que lhe restava, apesar de nunca ter sido provado o
da História brasileira: na madrugada de 5 de agosto de envolvimento de Vargas ou de seus assessores com o
1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual crime. Forçado a renunciar, Vargas suicidou-se na
morreu o major da Aeronáutica responsável por sua manhã de 24 de agosto de 1954.
proteção. Esse incidente ficou conhecido como o
“Atentado da Rua Tonelero”. O inquérito conduzido A notícia de sua morte e a publicação de sua
pela Aeronáutica apresentou, nos dias subsequentes, carta- testamento abalaram o país: multidões saíram às
Gregório Fortunato como o mandante do crime: nada ruas nas principais capitais. Amedrontados com essa
mais, nada menos que o chefe da guarda pessoal de reação, os conservadores recuaram em seu plano de
Getúlio. Em outras palavras, os progressistas teriam instalar uma ditadura militar. Assim, concordaram com
supostamente encomendado a morte de Lacerda, e a posse do vice-presidente Café Filho. Foi assim que a
falharam ao acertarem o major, em vez de atingir o seu tentativa de golpe fracassou.
alvo. A repercussão desse incidente foi extremamente

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A PARALISIA DECISÓRIA DA POLÍTICA BRASILEIRA

Muitos teóricos defendem a ideia de que o período que era governado por uma maioria conservadora, e a ideia
precedeu o golpe militar brasileiro de 1964 foi que se seguia era de que nenhum programa
marcado por um comprometimento no funcionamento governamental poderia ser implantado enquanto a
operacional político brasileiro, em um cenário iniciativa do Executivo dependesse de aprovação
dominado por disputas entre partidos políticos, com do Legislativo.
pouca ou nenhuma oportunidade para a adoção de
novas políticas, mesmo aquelas urgentemente Pela Constituição de 1946, a maioria das decisões
necessárias. Assim, o golpe militar teria resultado envolvendo a alocação de bens e valores à sociedade
sobretudo de uma paralisia decisória em que se deveria ser tomada mediante consulta ao Congresso.
encontrava a política brasileira. Assim, qualquer proposta de decisão coletiva, para ser
aprovada, tinha que ser encaminhada ao Legislativo.
A baixa produção do Congresso foi notada já no Até mesmo as medidas de curto prazo deveriam ser
governo de Jânio Quadros, que afirmou que o Brasil autorizadas pelo Legislativo antes de entrarem em
era ingovernável com o Congresso que apresentava, funcionamento, e a implementação de qualquer
convencendo-se de que nenhum Presidente poderia política era acompanhada de perto pelo Congresso. Em
governar com sucesso havendo tantas restrições praticamente nenhuma área o executivo dispunha de
impostas pelo Congresso Nacional. Esse Congresso “carta branca” para agir.

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A PREPARAÇÃO DO GOLPE DE 1964

Nos anos que se seguiram após o fim do governo de política e economia do Brasil. Anos mais tarde, o regime
Café Filho e ainda no período democrático, foram três militar reataria esse laço internacional, adotando
os presidentes que o Brasil teve: Juscelino Kubitschek as medidas necessárias para tal aliança, trazendo
– conhecido como JK (1956-1961) –, Jânio Quadros capital e tecnologia para o país em um período
(1961) e João Goulart – “Jango” (1961-1964). político autoritário.

JK iniciou um modelo econômico baseado na Jânio Quadros foi eleito depois do mandato de JK e,
industrialização por substituição de exportações, que apesar do sucesso das eleições, perdeu o apoio do povo
levou o país à crise econômica, pois os grandes grupos ao adotar medidas impopulares. Tomou também
internacionais se recusavam a fornecer o capital e a medidas que foram contrárias aos interesses dos
tecnologia necessária para isso, já que os produtos conservadores, e sua intenção propagandística de se
brasileiros substituiriam os seus no mercado alinhar com os países comunistas desagradou os
internacional. Para continuar fornecendo recursos ao progressistas. Com todas as suas bases de apoio
Brasil, os capitalistas estrangeiros exigiam que o país perdidas, Jânio renunciou.
adotasse medidas que lhes dessem o controle da

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A SUCESSÃO DE JÂNIO QUADROS A POLÍTICA REFORMISTA DE JOÃO GOULART

Com a renúncia de Jânio, ministros militares se mostraram Jango queria promover muitas reformas: agrária, do
contrários à posse do vice-presidente João Goulart, que sistema bancário, do processo eleitoral, do sistema
havia sido eleito diretamente pelo povo - na época, a tributário e da legislação que dizia respeito ao capital
votação para vice era separada da votação para presidente. estrangeiro. O objetivo era reformar o Brasil como um
Entretanto, as próprias Forças Armadas possuíam todo, defendendo para isso uma reforma da Constituição
contradições internas (nem todos os militares estavam de 1946.
contra Jango nesse momento; alguns queriam que ele
tomasse posse) e assim, essa outra tentativa de golpe Entretanto, assim que anunciou seus planos, Jango foi
fracassou em 1961. Chegou-se, então, a uma solução acusado de ser um “agente do comunismo internacional”
conciliatória: o poder seria dado a Jango, mas seria restrito infiltrado no Brasil, o que era uma grave acusação no
pela adoção do sistema parlamentarista no Brasil. Assim, contexto da Guerra Fria. Mesmo assim, ele tentou
foi feito um Ato Adicional à Constituição de 1946, implantar sua política reformista. Os conservadores,
estabelecendo o parlamentarismo no Brasil. Mas, poucos entretanto, apoiados pelo governo estadunidense através
meses mais tarde, o parlamentarismo foi extinto, da Operação Brother Sam – uma empreitada que visava
através de um plebiscito, de forma que Jango, agora livre dar apoio logístico e militar aos golpistas, mas que não
da burocracia, tornou-se presidente com plenos chegou a ser necessária –, derrubaram João Goulart em 31
poderes. Assim ele conseguiria por em prática o ponto de março de 1964. Era o início da ditadura militar. Goulart
central de sua política: as reformas de base. teve de abandonar o país e partiu para o exílio no Uruguai,
onde morreria alguns anos mais tarde. Com Jango
removido do poder, o marechal Castelo Branco assumiu a
presidência pouco tempo depois.

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OS ATOS INSTITUCIONAIS E A CONSTITUIÇÃO DE 1967

Logo após os militares tomarem o poder, a O AI-5, o mais violento e duradouro de todos os atos
Constituição de 1946 começou a ser invalidada pouco baixados pela ditadura, suspendia o habeas corpus,
a pouco, através dos Atos Institucionais (AIs), decretos dava ao presidente poderes para fechar o Congresso
autoritários que davam ao presidente poderes Nacional por tempo ilimitado e de suspender os
praticamente absolutos, apesar de haver uma direitos políticos de qualquer cidadão. Qualquer
Constituição em vigor. pessoa atingida pelos efeitos do AI-5 estava proibida
de reclamar na Justiça.
O AI-1, decretado poucos dias após o golpe e redigido
pelo autor da Constituição Polaca de 1937, dava ao Observa-se que, nos anos que sucederam 1964,
Executivo poderes para cassar mandatos a expansão do autoritarismo foi constante.
parlamentares e suspendia os direitos políticos dos Paralelamente às medidas autoritárias, figuravam a
cidadãos por 10 anos. repressão e a violência, com prisões arbitrárias,
demissões em massa de funcionários, cassações de
O AI-2, também de 1964, decretou o fim dos partidos mandatos e vinganças pessoais. O regime foi
políticos e decretou que os crimes contra a segurança endurecendo cada vez mais, mostrando que o grupo
nacional seriam julgados por tribunais militares. que tomou o poder pretendia ficar nele por
muito tempo.
O AI-3, de 1966, eliminou as eleições diretas
para governador. Contudo, após dez anos de endurecimento
(1964-1974), a ditadura iniciou o processo de
O AI-4 determinou as regras para que fosse aprovada a abertura política (1974-1985). No próximo capítulo,
Constituição de 1967, projeto dos militares que você confere mais detalhes sobre o Regime Militar
fortalecia tremendamente o Poder Executivo e que foi e a crise que culminou no fim do regime e na
aprovada sem discussões. promulgação da Constituição de 1988.
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CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
DE 1967

Reunia as medidas ditatoriais dos atos institucionais


os quais garantiam o autoritarismo através de
princípios democráticos, como:
ELABORADA PELO
CONCESSÃO DE AMPLOS PODERES
REGIME MILITAR ÀS FORÇAS ARMADAS:

Poder de suspender Poder de cassar


Teve início com o Golpe de 1964 em que
direitos políticos mandatos legislativos
conservadores derrubaram Jango apoiados pelos
EUA (Operação Brother Sam)
Suspensão do Fim dos partidos
Habeas Corpus políticos, etc.

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7. CONSTITUIÇÃO DE 1988
E chegamos aos nossos dias! A Constituição de 1988, con-
hecida como Constituição Cidadã, é a que rege todo o
ordenamento jurídico brasileiro hoje. Vamos aprender
como chegamos até essa Constituição?

CONTEXTO: AUGE E DECLÍNIO DA


DITADURA MILITAR

Para começar, vamos estudar um pouco mais sobre o


regime militar e o período que antecedeu a volta da
democracia no Brasil. O Regime Militar pode ser
didaticamente dividido em 2 fases: a de expansão
Manifestação das Diretas Já, em Brasília.
do autoritarismo (1964-1974) e a de abertura política
Foto: Arquivo da Agência Brasil. (1974-1985).

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A EXPANSÃO DO AUTORITARISMO (1964-1974)

Quanto a essa primeira fase, cabe destacar que o nacional por parte dos militares, enquanto outros
sistema partidário do país foi extinguido pelo AI-2, que optaram pela realização de movimentos de guerrilha
determinou o fim dos partidos até então existentes. urbana. Entretanto, a luta armada acabou por
Após esse decreto, as autoridades federais permitiram fortalecer o regime, pois deu-lhe a oportunidade de
a formação de dois novos partidos: a ARENA (Aliança criar métodos cruéis no combate aos opositores, tais
Renovadora Nacional), que apoiava o governo, e o como a tortura, prisão política e, não raro, assassinatos.
MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que o Os protestos estudantis também foram marcantes. Um
combatia. A ARENA era amplamente majoritária no acontecimento notável foi o assassinato do estudante
Congresso e dispunha de total apoio oficial do governo, Edson Luís pela polícia, a tiros, durante uma
enquanto o MDB estava permanentemente ameaçado manifestação no Rio de Janeiro.
de ter seus deputados e senadores cassados.
Entre as personalidades políticas, a oposição ao regime
Nessa época já aumentava a resistência à ditadura, se deu através da Frente Ampla. Políticos como
apesar da repressão e da censura à imprensa. Apesar Juscelino Kubitschek, João Goulart (no exílio) e até
de grande parte dos opositores do regime terem mesmo Carlos Lacerda se organizaram nesse
optado pelo silêncio, muitos se aliaram ao MDB como movimento, que acabou extinto em 1968 pelo general
forma de resistência àquela situação de controle Costa e Silva.

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VOCÊ SABIA? O “MILAGRE ECONÔMICO”

Ao se falar sobre a fase de expansão do autoritarismo, é


Não parece estranho que Lacerda, que colaborou com impossível não abordar o famoso “milagre econômico”.
a subida dos militares ao poder, tenha passado para a
No governo do general Emílio Garrastazu Médici
resistência ao regime? De fato, essa mudança de
(1969-1974), foram comuns os slogans de “ninguém
postura foi muito recorrente entre os que apoiaram a
implantação da ditadura. Muita gente se assustou com segura este país”, “este é um país que vai pra frente” ou
a longa permanência dos militares no poder e com o ainda, “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Durante esse governo,
caráter cada vez mais violento do regime. Essa tivemos um crescimento econômico sem precedentes
situação levou Lacerda a afirmar: “na medida em que na história brasileira, que nos levou ao status de
ajudei esses aventureiros a tomarem o poder, tenho o país campeão de crescimento econômico mundial na
dever de mobilizar o povo para corrigir esse erro do década de 1970 e que fez com que nosso PNB
qual participei”. (Produto Nacional Bruto) chegasse a ser o décimo
do mundo.

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As causas para esse “milagre” foram internas, mas O período do milagre foi, habilidosamente, explorado
principalmente externas. O governo concedeu, nesse pelos governos militares, por meio de grandes
período, muitos incentivos fiscais, favorecendo novos propagandas em prol do regime. A vitória da seleção
investimentos por parte de empresários brasileiros, brasileira na Copa do Mundo de 1970 acabou se
além de investir muitos recursos em nossa economia. tornando um verdadeiro ícone desse momento de
Mas os principais responsáveis por esse crescimento nacionalismo e otimismo. Foi também nessa época que
foram fatores externos. No início dos anos 1970, o foram construídas obras públicas faraônicas, como a
comércio internacional entrou em uma fase muito Transamazônica, a ponte Rio-Niterói e a Usina
dinâmica, de modo que as exportações brasileiras Hidrelétrica de Itaipu. Os projetos-impacto, de grande
aumentaram muito, colaborando muito para o efeito propagandístico para o regime, também estavam
crescimento. Além disso, as autoridades concederam presentes, como o Mobral (para alfabetização de
uma vasta gama de privilégios às multinacionais, que adultos) e o Rondon (para assistência médico-sanitária
passaram a investir em peso no Brasil. Enquanto isso, a populações carentes).
os bancos internacionais concediam empréstimos
gigantescos, o que também alimentou esse rápido
crescimento na economia brasileira.

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O FIM DO “MILAGRE”

Apesar desse crescimento ter sido real, em poucos econômico, de forma que as camadas mais ricas, nessa
anos a economia brasileira entrou em declínio e o época, tenham ficado mais ricas, enquanto as mais
“milagre econômico” ruiu. O quadro de recessão que pobres permaneceram na pobreza. Durante o milagre,
surgiu após esse período de crescimento acelerado não produzimos o que era fundamental para nossa
continuou após o fim do Regime Militar, mantendo-se população, mas sim o que era lucrativo para as
até o final do século XX e início do século XXI. A classe multinacionais. Contraditoriamente, enquanto
média, que durante o milagre podia comprar exportávamos centenas de milhares de toneladas de
automóveis, televisão a cores e equipamentos de som, soja (um dos alimentos mais nutritivos), grande parte
passou a ter que fazer filas nos supermercados e da população sofria de subnutrição.
açougues para comprar alimentos, antes que a
hiperinflação corroesse o valor da moeda. Quando a euforia da economia mundial se conteve, a
partir da crise do petróleo de 1973, as nossas
Uma das causas para o fim do milagre foi a falta de exportações caíram. Para que nossas indústrias
preocupação com os aspectos sociais do país. Em continuassem a vender seus produtos, seria necessário
outras palavras, o crescimento não trouxe um grande mercado interno, o que não era o nosso
desenvolvimento. Isso porque a esmagadora maioria caso. A classe média, a essa altura, já estava
dos brasileiros não se beneficiou do crescimento “empanturrada” de bens de consumo duráveis, tais

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como automóveis e televisões, e não tinha mais Diante desse cenário melancólico, o regime militar
condições de consumir a grande quantidade de recorreu a uma intensa privatização do Estado, na
produtos que entrava diariamente no mercado. Já a tentativa de deslocar os prejuízos da recessão para o
classe baixa, que nunca teve condições de consumir setor privado. Isso permitiu que pequenos grupos
esses bens de consumo, obviamente não poderia econômicos controlassem segmentos do Estado
fazê-lo agora, por causa dos baixos salários. buscando seu exclusivo benefício, o que ajudou a
estagnar o desenvolvimento brasileiro e acabou por
A consequência dessa queda de consumo foi produção agravar a crise, que se estendeu por muitos anos após o
industrial estagnada, arrocho salarial da classe média, fim do regime. Foi nessa época que surgiram as raízes
desemprego generalizado, inflação galopante e dívida das privatizações de que tanto ouvimos falar hoje.
externa absurdamente elevada.

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A ABERTURA POLÍTICA

A partir do governo Ernesto Geisel (1974-1979), Em meio à liberação de novos partidos, ocorrida em
percebeu-se que se a ditadura continuasse como 1979, os que apoiavam o governo – antiga ARENA –
estava, a insatisfação ficaria tão generalizada que permaneceram unidos em um único partido, o PDS
poderia levar à sua queda. Isso porque a economia só (Partido Democrático Social), enquanto o MDB se
se deteriorava com o fim do “milagre”, a sociedade civil dividiu em PMDB (Partido do Movimento Democrático
estava cansada da falta de liberdade política e as Forças Brasileiro), PT (partido dos Trabalhadores) e outros.
Armadas começavam a se desgastar devido à sua longa
permanência no poder. Sobre a Lei da Anistia, aprovada em 1979, é importante
dizer que não somente os presos e exilados políticos
Assim, o governo optou por promover a abertura foram anistiados, mas também os agentes de órgãos de
política. É importante ressaltar que essa liberalização segurança do Estado que cometeram crimes de abuso
do regime não visava restabelecer a democracia no do poder, tortura e assassinato.
Brasil, mas sim dar condições ao regime de sobreviver
em uma época de dificuldades políticas e econômicas. No ano de 1980, foi aprovada emenda constitucional
que restabelecia as eleições diretas para governador.
Desse modo, a repressão policial aos poucos diminuiu, Isso mostra que as proporções da abertura política
os atos institucionais foram suspensos, o movimento estavam aumentando, o que desagradava grupos mais
estudantil se reorganizou, o sistema eleitoral foi conservadores. O episódio do Riocentro é um ícone
democratizado, a imprensa se libertou da censura, os dessa época do país: no feriado do dia do trabalho,
exilados e presos políticos foram anistiados militares ligados aos órgãos de repressão tentaram,
(perdoados) e permitiu-se a formação de novos sem sucesso, explodir uma bomba em um show que
partidos políticos. contaria com a presença de grandes nomes da música

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popular e milhares de pessoas. Por um “acidente de candidato à presidência o governador de Minas Gerais
percurso”, a bomba explodiu no colo do sargento, Tancredo Neves e à vice-presidência, José Sarney, que
matando-o e ferindo gravemente o capitão que estava se desligou do PDS e se filiou ao PMDB. Enquanto isso,
ao seu lado em um carro. o PDS escolheu como candidato Paulo Maluf.

Esse episódio contribuiu muito para o desgaste do A opinião pública apoiou abertamente a candidatura de
governo, inclusive entre os próprios militares. Não é Tancredo, que acabou sendo eleito pelo Colégio
exagerado dizer que apressou o fim do regime. A Eleitoral. Assim, sua vitória acendeu muitas
oposição se intensificou, endurecendo sua posição, e esperanças. Surgiu, nessa época, a expressão “Nova
seu movimento mais significativo foi a famosa República” para denominar o regime que substituiria a
campanha das Diretas Já, que começou depois que o ditadura militar. Significava a esperança de que, a partir
deputado Dante de Oliveira apresentou projeto de do restabelecimento da democracia, caminhássemos
emenda constitucional que instituiria eleições diretas para uma condição de menor desigualdade social,
para presidente em 1984. O projeto não foi aprovado crescimento econômico e combate à corrupção e à
no Congresso, devido a uma mobilização do PDS e inflação.
particularmente do então presidente desse partido,
o senador José Sarney. A participação popular na E então, subitamente veio a doença e a morte de Tan-
Diretas foi imensa, de modo que até hoje é considerado credo. Perplexa, a população assistiu à posse de Sarney
um dos maiores movimentos de massas já visto na para a presidência da República. Sarney havia apoiado a
história do Brasil. ditadura, fora senador pela ARENA, presidente do PDS
e principal articulador da derrota da emenda Dante de
Mesmo com a pressão popular, as eleições para Oliveira. Essa situação permite que questionemos a
presidente de 1985 foram indiretas (o Congresso eficácia desse processo de redemocratização.
escolheu o presidente). O PMDB lançou como

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A ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E A
CONSTITUIÇÃO CIDADÃ
Feita essa revisão da ditadura militar, podemos falar da
Constituição de 1988, que está vigente até hoje! Em
1986, durante a presidência de Sarney, houve eleições
para o Congresso Nacional (deputados e senadores). Os
559 eleitos formaram a Assembleia Constituinte, que
elaborou a nova Constituição entre 1987 e 1988. A
maioria dos constituintes eram de partidos do chamado
Centro Democrático, partidos como PMDB, PFL, PTB e
PDS. O presidente da Constituinte foi o deputado Ulysses
Guimarães, do PMDB. Entre os constituintes também
estavam figuras importantes, como os futuros presidentes
Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva
e Michel Temer.

O resultado de mais de 19 meses de assembleia foi a


Constituição de 1988, apelidada de cidadã. É uma
das mais extensas constituições já escritas, com 245
artigos e mais de 1,6 mil dispositivos. Mesmo assim, ela
é considerada incompleta, pois vários dispositivos
Sessão final da Assembleia Constituinte, no dia 22 de
setembro de 1988. Foto: Arquivo da Agência Brasil. que dependem de regulamentação ainda não entraram
em vigor.

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Confira a seguir algumas das principais determinações A Constituição de 1988 alterou significativamente a
dessa Carta: divisão de poderes entre legislativo e executivo.
Enquanto no período de redemocratização após o
– Sistema presidencialista de governo, com eleição Estado Novo até mesmo as decisões de curto prazo
direta em dois turnos para presidente; dependiam de aprovação do Congresso, na
– Transformação do Poder Judiciário em um órgão Constituição atual o poder está concentrado no
verdadeiramente independente, apto inclusive para Executivo. O executivo hoje tem fortes poderes de
julgar e anular atos do Executivo e Legislativo; estabelecer a agenda dos trabalhos legislativos,
– Intervencionismo estatal e nacionalismo econômico; principalmente através das Medidas Provisórias.
– Assistência social, ampliando os direitos dos
Internamente, o Congresso também se organiza de
trabalhadores;
maneira diferente. O Congresso atual se apresenta de
– Criação de medidas provisórias, que permitem ao forma altamente centralizada, com um rígido controle
presidente da República, em situação de emergência, por parte do Presidente da Câmara e dos líderes
decretar leis que só posteriormente serão examinadas partidários, sobre o processo legislativo. Além deles
pelo Congresso Nacional; serem responsáveis pelas pautas legislativas, os líderes
– Direito ao voto para analfabetos e menores entre 16 têm o direito de representar as bancadas dos partidos,
e 18 anos de idade; podendo assinar petições em nome de todos os
– Ampla garantia de direitos fundamentais, que são membros da bancada. Essas prerrogativas estavam
listados logo nos primeiros artigos, antes da parte ausentes, ou eram restritas pelo regimento da Casa
sobre a organização do Estado. durante o período 1946-1964.

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Ainda que a fragmentação partidária tenha aumentado No conjunto, a Constituição de 1988 se caracteriza por
em relação ao regime democrático pré-regime militar, a ser amplamente democrática e liberal - no sentido de
coesão partidária no período após 1988 é muito maior. garantir direitos aos cidadãos. Apesar disso, nossa
No atual sistema, o apoio político ao governo é obtido Carta atual foi e continua a ser muito criticada por
de forma similar a sistemas parlamentaristas com diversos grupos, que afirmam que ela traz muitas
governos multipartidários: o presidente distribui aos atribuições econômicas e assistenciais ao Estado. O
partidos posições em ministérios, de maneira a formar presidente na época da promulgação, José Sarney,
um governo com apoio legislativo desses partidos. chegou a afirmar que ela tornaria o país “ingovernável”,
Essas coalizões ocorreram nos dois períodos pelo excesso de responsabilidades sobre o Estado. De
constitucionais, mas no período atual elas se todo modo, a Constituição é considerada por muitos
intensificaram ainda mais. especialistas como uma peça fundamental para a
consolidação do Estado democrático de direito no país,
No novo sistema, percebe-se que a relação entre bem como da noção de cidadania, ainda tão frágil para a
executivo e legislativo está longe de ser conflituosa. O população brasileira.
Congresso não é um obstáculo às iniciativas
presidenciais, como era no período pós-Estado Novo.
Há uma cooperação entre os dois poderes e, assim, não
existe paralisia decisória como no período 1946-1964.

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CONSTITUIÇÃO
CONSTITUIÇÃO
DE
DE 1988
1988

PROMULGADA APÓS O FIM DO REGIME MILITAR ESTABELECIA:


Sistema presidencialista de governo,
Ruiu pois o com voto direto;
Consolidado após Necessária após
crescimento náo foi
o longo período o fim do milagre Fortalecimento do Judiciário;
acompanhado por
de abertura política econômico Internacionalismo estatal e nacionalismo
desenvolvimento
econômico;
Assistencialismo social, com ampliação
ELABORADA DURANTE A PRESIDÊNCIA DE SARNEY dos direitos dos trabalhadores.

Tomou posse após Foi eleito indiretamente por tudo isso, foi apelidada de
a morte de após a derrota das
Tancredo Neves “Diretas Já” CONSTITUIÇÃO CIDADÃ

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CONCLUSÃO
Chegamos ao fim desta jornada! Agora você já
conhece a história das sete constituições brasileiras,
documentos que refletiram o espírito de diferentes
épocas da história do país e que também
direcionaram em grande parte os rumos da política
nacional. Mais do que formalidades, as constituições
possuem grande peso político e são um registro
histórico de grande importância.

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REFERÊNCIAS:
Boris Fausto: História do Brasil
Material didático: Curso Anglo de ensino
Senado
Brasil Escola
UOL
Info Escola
Época: Constituição de 1988
SANTOS, Wanderley G. Parte 2: Anatomia da crise (Cap. 8, 9 e a Conclusão). O Cálculo do conflito:
estabilidade e crise na política brasileira. Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: Editora UFMG/IUPERJ.
SOUZA, Maria do Carmo Campello. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo,
Alfa-Ômega, 1976.
FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando. “Instituições Políticas e Governabilidade.Desempenho
do governo e apoio legislativo na democracia brasileira” in MELO, Carlos R. & SAEZ, Manuel A. A
democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

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