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Curso Livre de Filosofia

Acerca do diálogo
“Todo diálogo autêntico é ao mesmo tempo lucidez e participação. No limite, ambas
arriscam excluir-se: a lucidez pode sempre matar a participação e a participação, a lucidez.
Uma e outra acham-se presentes no verdadeiro diálogo, e constituem-lhe o interesse ao
mesmo tempo que a dificuldade. Dialogar não poderia ser, portanto, nem refutar o
pensamento do outro, nem simplesmente incorporá-lo ao seu próprio, mas sim pôr em
questão a si mesmo para progredir com o contato do outro. Não há diálogo sem esta
simpatia metodológica que te faz experimentar do interior o pensamento do outro, que te
transforma no sentido forte do termo e te obriga a uma verdadeira reavaliação. O excesso
de gentileza não vale mais que a denúncia das intenções. Um católico, tanto quanto um
comunista, não está dispensado do primeiro dever, que é o dever de ser inteligente. O
esforço de compreensão comanda tudo. E compreender é sair de si, pôr-se no lugar do
outro, suspender momentaneamente seu próprio pensamento para substituí-lo pelo do outro.
É o que negligencia a atitude que denomino apologética - e da qual todos os extremistas e
fanáticos deram e dão, através da história, demasiados exemplos.
Dialogar é expor-se, não aos golpes do outro, o que não é nada, mas ao transtorno de
seu próprio pensamento e talvez à perda de si mesmo. Quem não passou por essa prova
com temor e humildade, quem não tremeu de se ver constrangido a tudo recolocar em
questão, quem não sentiu sua razão modificar-se de algum modo sob a influência da razão
do outro, quem não aceitou e viveu livremente a possibilidade dessa espécie de holocausto
de si mesmo, não é um parceiro válido no diálogo dos homens.
Talvez, para melhor me fazer compreender, pudesse utilizar aqui, num sentido
analógico, a noção cristã de tentação. Todo homem é tentado, e isto nem é mesmo um
começo de culpa. Certamente, é - lhe proibido brincar com a tentação, reeditá-la, imaginá-
la com vontade de extrair dela uma espécie de gozo psicológico. Nem por isso é menos
verdade que só o fato de experimentá-la proporciona um conhecimento intelectual. De
maneira análoga, é pelo menos impossível compreender honestamente um pensamento
vigoroso sem experimentar-lhe a tentação.
Mas a participação não impede a lucidez. Todo diálogo é conflito. A pessoa é
capacidade de enfrentar as coisas e os homens. Na base do ser há a oposição e a luta. O
diálogo esforça-se por sublimá-las, não para perdê-lo; é sair de si para tornar-se no outro
sem deixar de ser em si mesmo. A idéia de coexistência pacífica é tão falsa para os
indivíduos quanto para os povos. Não se trata de coexistir, mas de dialogar. Coexistências
são monólogos justapostos. A vida não é coexistência, mas defrontação. E a defrontação
implica num risco muito mais grave e sério, mas também numa virtude infinitamente
fecunda, pois que postula a esperança de transformar-se uns aos outros, uns pelos outros. O
homem lúcido não procura impor ao outro uma verdade acabada e concebida como uma
coisa, mas sim colocar-se a serviço de uma verdade que é uma vida”.
Jean Lacroix (Texto transcrito do livro “Perspectivas do Homem” de Roger Garaudy)

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