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REPORTAGEM

Captação
de acordeão
O acordeão não é utilizado somente para gravar forró. Ao contrário do que
se pensa e dependendo do gosto do arranjador, o instrumento é popular
nas gravações de outros estilos no Brasil e de fácil captação e mixagem.
Karyne Lins
karynelins@backstage.com.br

O segredo do acordeão não está nas teclas, mas na


técnica de fole, do peito e do braço, e o que vai fazer
a diferença não é o instrumento, é a pegada do músi-
co. Apesar de ser popular, é incomum o seu uso devido às
barreiras de preço, comercialização e por ser bem pesado.
A interferência dos acordeonistas
“Eles querem sempre o melhor timbre possível”, resumiu Manuel
Jeneci, que estuda o instrumento há 16 anos. Érico Paiva, Clébio
Diniz e Eliseu Ribeiro, que trabalham juntos há quase dez anos e já
gravaram com Dominguinhos e Waldeci Araújo, falaram sobre a
Ele é a última opção para quem quer aprender um instru- importância dessa parceria. “Cada músico sabe os limites e virtudes
mento. As pessoas precisam perder o preconceito em rela- do seu instrumento e nós utilizamos essas informações como base
ção ao instrumento. para posicionamento e escolha dos microfones. Sem falar na pega-
Já gravei gospel, pop, rock, qualquer estilo que em seu arran- da e execução de cada acordeonista, que interferem bastante no
jo ele possa ser aplicado”, opinou o acordeonista e técnico Leno timbre e, logicamente, na técnica de captação”.
Maia, que tem em seu currículo gravações com a cantora Rodolfo Forte, há dez anos gravando acordeão em Fortaleza,
Cassiane e Banda Quatro Por Um. gerencia procedimentos para gravação por meio de orientações

Fotos: Divulgação

Leno Maia

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Rodolfo mostra como faz a captação Erico Paiva, Clebio Diniz e Eliseu Rbeiro Marcos Farias

e dicas, já que o acordeão é bem peculiar Sonoridades Marcos Farias concorda que o desempe-
em relação à afinação e ao abafamento. Manuel Jeneci faz eletrificações para nho dos acordeões que possuem microfo-
Marcos Farias já gravou e acompanhou Zé acordeão e alguns músicos que gravam ne interno para performances quando
Ramalho, Elba Ramalho, Morais Moreira com seu sistema são Dominguinhos, bem microfonados são maravilhosos.
e foi um dos pioneiros nas gravações evan- Sivuca, bandas de forró, e, segundo ele, o “Dependendo da proposta do traba-
gélicas com Shirley Carvalhaes, Rose desempenho dos acordeões que possuem lho até pode ser admissível. A sonoridade
Nascimento e Tuca Nascimento. No seu microfone interno pode ser bom, desde serve para um trabalho de estúdio. Eu
caso, em particular, ele tem mais influên- que a eletrificação seja boa. “Domingui- prefiro gravar com V’Acordeon Roland
cia nessa parte do que o técnico do estú- nhos grava muito em estúdio usando dois já adaptado por mim com timbres nordes-
dio. “Tenho uma timbragem particular e canais, um para o baixo e um para teclas tinos. A microfonação tem que estar nas
os oriento na captação”. com a sanfona em linha”, disse Manuel. tampas laterais do instrumento e não

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dentro do fole, a monitoração tem que Para Marcos Farias, vai depender da
estar baixa, com os devidos cortes de fre- situação. “Em um show, um dinâmico ser-
qüência e o músico tem que emitir o som ve muito bem, porém, para uma gravação
de uma maneira bem linear”, explicou em estúdio, os microfones como os AKG
Marcos Farias. C 441, Neumann U87, Berhinger B1 e
Sandro Haick, músico e técnico de CAD da linha E são bons parceiros”. “Os
estúdio há 15 anos, gravou recentemen- cardióides são bons, entretanto, o acor-
te com Dominguinhos o seu último CD, deão é um instrumento de sopro e, por
Conterrâneos, além de Oswaldinho do esse aspecto, se possuir uma excelente
Acordeon e Alessandro Kramer. Ele pre- microfonação, poderá ser utilizado em li-
fere microfonar o som acústico, mas já nha”, opinou Rodolfo.
gravou trabalhos de Dominguinhos em A posição ideal desses microfones na
linha algumas vezes. hora da captação é o bom direcionamen-
to. Em relação à distância ideal, depende
Microfones e formas de do modelo do acordeão, pois a posição
captação Detalhe do posicionamento dos microfones fica entre as teclas e a tampa. Manuel
“Dependendo de qual acordeão (mar- lembrou que se um estúdio não possui os
ca, modelo com ressonância ou não) e dos e reproduzem com mais fidelidade não só microfones citados, se o acordeão tem
microfones utilizados e de como forem o som, como o ambiente, a energia e o uma eletrificação boa, grava em linha e
posicionados, podem ou não servir”, disse fole. Os grandes problemas em microfonar fica tudo resolvido. Em relação à micro-
Rodolfo Forte. Os microfones cardióides acordeões em estúdio são os ruídos mecâ- fonaçao de acordeão em estéreo, uma
são os mais indicados para captação deste nicos, por isso o uso de microfones cardiói- desvantagem é porque o músico precisa
instrumento porque são pequenos, ativos des como primeira opção. de duas linhas. A melhor técnica para
resolver isso, segundo Manuel, seria usar
um cabo Y.
Lista de equipamento Érico Paiva diz que acordeão com mi-
Em cada região do Brasil, o acordeão instrumentos mais simples ou mais re- crofone interno (plugado) de maneira ge-
é conhecido por um apelido diferente quintada fez com que historicamente os
dado pela cultura local. Primeiramente, o irmãos sulistas representassem o tão
ral são utilizados em shows e em estúdio
nome correto é acordeão. Esses instru- amado acordeão de outra forma, tam- quando a proposta é dar uma textura de
mentos de sopro e foles possuem divi- bém muito importante. Em relação à cap- show ao vivo. “Existem acordeões plugados
sões técnicas e de tessitura como exem- tação, não podemos afirmar que haja o
com o som muito bom”, disse Érico Paiva,
plo, a sanfona do nordeste, a gaita do mesmo esquema, entretanto, devemos
Sul do Brasil, fisiharmônica na Europa, sugerir o nosso caminho seguindo seus que utiliza SM-81, AKG 451, Samson C-2,
etc. São uma infinidade de modelos, tais limites diferenciais”, disse Rodolfo. Manu- Neumann KM 184, Neumann U-87, AKG
como as concertinas de oito baixos, os el Jeneci explicou que os músicos nor- 414, Áudio-Tecnica 4050 e Behringer B-1
acordeões concerto de baixo solto e as destinos gostam de dois microfones para
para captação.
sanfonas cromáticas. Em verdade há dentro da tampa com o baixo bem grave
nomenclaturas diferentes para o mesmo e os músicos gaúchos gostam da captar Clébio Diniz e Eliseu Ribeiro usam o
instrumento e uma infinidade de subdivi- utilizando os microfones para fora. posicionamento pela frente para captar
sões para os instrumentos de fole. Na melodia e harmonia, microfone ao lado do
região sul é chamado de Gaita Gaúcha, Acordeão digital
Bandaneon, Gaita Ponto. No Nordeste, é O acordeão digital tem como vanta-
teclado na mão direita e, para os baixos,
apelidado de sanfona, concertina, etc. gem a diversificação de timbres e o som posicionados próximos à mão esquerda. A
Os instrumentos de 80 e 120 baixos são pronto para utilizar. O maestro Oswal- distância varia entre 5 e 40 centímetros.
idênticos. A diferença está na gaita pon- dinho usa nas recentes gravações e
“Alguns técnicos captam o som so-
to, pois são de botão e possuem 8 e 12 shows o primeiro acordeão digital, que é
baixos. As técnicas para captação são o SR7 Roland. “É o primeiro digital do mente do teclado. Outros já fazem a cap-
as mesmas, segundo alguns técnicos, mundo e acho sua captação melhor. Já tação de tecla e dos baixos. Dependendo
mas Rodolfo não concorda. “As técnicas vem com tecnologia que não precisa do tipo do arranjo, eu não uso os baixos,
são bem diferentes no ato de tocar, a equalizar e posso utilizá-lo em linha”, dis-
porque é como se fosse um acompanha-
predileção por determinadas marcas de se Oswaldinho.
mento de um contrabaixo”, disse Leno

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Equalização e mixagem
“O som de um bom acordeão está quase
pronto se utilizarmos a técnica, microfone e
bons pré-amps. A equalização é uma questão
de correção como filtro pass”, disse Érico
Paiva. Marcos Farias recomenda a equali-
zação e mixagem da seguinte forma: em uma
sala sem reflexão, com uma taxa de compres-
são de 2.1 em menos 10 db e em relação a
Fernando Moreira Sandro
equalização, variando de instrumento para
Maia, que usa o Neumann TLM 170 potência de captação entre teclado e instrumento, reverb PLATE 1.8 de time.
para teclas e o C414 da AKG para baixos. baixos, já que o baixo sempre tenta enco- Leno não gosta de equalização. “O que
Quanto à distância ideal dos microfones, brir o som do teclado. Volumes individu- varia na sonoridade é o bom gosto na
os entrevistados sugerem, dependendo ais para mão esquerda e direita, ou seja, mixagem e uma boa mixagem pede boa
da sala, que seja entre 30 e 50 cm. baixos e teclado. Posicionamento dos sala, bons microfones e só um reverb. Nada
castelos do instrumento em relação aos de equalizações”, opinou Leno Maia.
Interferência da sala microfones, havendo ou não castelos Sandro disse que depende da proposta.
Para os entrevistados, o som da sala é deitados. Uso de pré-amplificadores “Gravo flat com um bom pré-amp e bons
muito importante, pois o som gravado re- valvulados com funções diversas. microfones e para a mixagem equalizo
produz fielmente como soa o instrumento “Acho que tem que ser com um bom como precisar, com um filtro no médio, um
dentro da sala. Na opinião de Manuel, a microfone, no mínimo um par de 414 pouco de agudo, depende da base. Na ver-
sala do estúdio não interfere na captação. AKG; a coisa vai depender mais do mú- dade, não existe uma regra. Tem que soar o
sico mesmo. A dinâmica é com o músi- mais fiel possível ao som do instrumento
Captação de notas co. Dominguinhos é perfeito, o som já acústico”, finalizou Sandro Haick.
equilibradamente e evitar vem pronto e equilibrado, e quanto ao
ressonâncias e captação vento, não corto nada, tudo faz parte do Dicas
do vento som”, opinou Sandro. Manuel acredita “Nunca microfone um instrumento
Rodolfo Forte enumerou alguns deta- que não existe um segredo para essa sem ouvi-lo antes. Isso é regra básica. Para
lhes. Marca e modelo do microfone, cap- captação. Vai depender do jeito de to- qualquer instrumento, estilo, ritmo. Peça
tação utilizada. Posição, sustentáculos e car, pois cada músico tem uma assinatu- ao músico para tocar um trecho do que vai
ra diferente. ser gravado, escute na técnica, depois es-
cute no estúdio na posição dele. Em segui-
Microfonação em estéreo da, tome as suas decisões”, diz Érico Paiva.
A técnica é usar microfones da mes- “Procure sempre ouvir muita música
ma referência em uma distância entre boa, pois são referências. Músicos bons têm
os pedestais de um metro e meio de uma sempre um ótimo som, de preferência gra-
forma triangular a onde o acordeão seja vado nos anos 50, 60, 70 e 80, na era análo-
a ponta do triângulo com uma distância ga. Tenho muita saudade dos sons de vinil,
de 30 cm do mesmo. Sandro Haick das fitas de duas polegadas, acho que te-
microfona o acordeão em estéreo e diz mos que acompanhar a tecnologia sim,
que não vê desvantagens. Ele faz com o mas gosto mais daquele som sem copy e
teclado para um lado e o baixo para o paste”, afirma Sandro Haick.
outro, não totalmente aberto, e quando “Escutar o som do instrumento antes
tem dobra, Sandro inverte tudo, então o de colocar os microfones pode dar refe-
lado esquerdo terá o teclado do primei- rências ao músico, porque cada instru-
ro acordeão e o baixo do segundo, e o mento tem uma acústica diferente”, acre-
Dominguinhos com o acordeão digital Roland lado direito terá o inverso. dita Manuel Jeneci.

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