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A Maldição da Governança:

Mineração, Sustentabilidade e Insuficiência Regulatória no Brasil


Gabriel Meira Nóbrega de Lima1
Edivan Rodrigues Alexandre2
Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa
RESUMO

O presente trabalho investigou a tensão teórica entre mineração e desenvolvimento, à


luz da realidade institucional brasileira. Para tanto, utilizou o conceito de
desenvolvimento para Amartya Sen, que considera que o principal propósito do
desenvolvimento é reduzir as privações, ampliando as escolhas. Os instrumentos da
sustentabilidade sensata forneceram o aparato técnico de investigação das
consequências - externalidades positivas e negativas - advindas da atividade minerária.
A sustentabilidade sensata é corrente teórica que oferece resposta à tensão entre a
mineração, atividade que explora recursos naturais não-renováveis, e o desenvolvimento
sustentável, conciliando os dois pressupostos ao defender a possibilidade da conversão
das rendas minerárias como fator desenvolvimento humano, em uma dimensão ética
intergeracional. Identificou-se, ainda, que em países com instituições fortes, o efeito
econômico positivo da atividade minerária poderia conduzir a uma trajetória de
desenvolvimento, haja vista possibilitar um gasto público eficiente. Assim, conceitos
como capacidade institucional e boa governança no setor público seriam fundamentais
para uma estratégia de uso da mineração como desenvolvimento sustentável. O
problema não seria a resource curse, mas a governance curse. A análise da realidade
brasileira aponta um cenário em que a relação entre mineração e setor público tem
demonstrado resultados insatisfatórios no objetivo de conferir a esta atividade um papel
de centralidade em termos de desenvolvimento sustentável. De forma que os custos
advindos da atividade minerária, não se convertem em ganhos sociais potencias,
ocasionando um desequilíbrio na relação. Aponta-se um contorno ainda mais sombrio
em que os recursos oriundos das rendas minerárias não se convertem em melhorias
permanentes para a populações locais. O benefício oriundo da atividade minerária
parece restringir-se a um efeito temporário, que tão logo cesse a reserva mineral, restará
por herança apenas um passivo socioambiental para a comunidade local. A insuficiência
regulatória é apontada como uma causa fundamental na compreensão do fenômeno,

1
Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduado
em Direito e Processo Tributário pela Escola Superior da Advocacia - OAB/PB.
2
Mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduado
em Direito pela UFPB.
materializada na existência de um aparato jurídico permissivo e mal desenhado no
tocante ao uso dessas receitas.

Palavras-chave: Mineração. Desenvolvimento sustentável. Regulação. Governança.

ABSTRACT
This paper investigated the theoretical tension between mining and development, in
light of Brazilian institutional reality. Therefore, using the concept of development for
Amartya Sen, who considers that the main purpose of development is to reduce
deprivation by broadening the choices. The instruments of sensible sustainability
provided the technical apparatus for investigating the consequences - positive and
negative externalities - arising from mining activity. Sensible sustainability is a
theoretical current that responds to the tension between mining, an activity that exploits
nonrenewable natural resources, and sustainable development, reconciling the two
assumptions by defending the possibility of converting mining incomes as a human
development factor, into a dimension Intergenerational ethics. It was also identified that
in countries with strong institutions, the positive economic effect of mining activity
could lead to a developmental trajectory, in view of the possibility of efficient public
spending. Thus, concepts such as institutional capacity and good governance in the
public sector would be fundamental to a strategy for the use of mining as sustainable
development. The problem would not be the resource curse, but the governance curse.
The analysis of the Brazilian reality points to a scenario in which the relationship
between mining and the public sector has shown unsatisfactory results in order to give
this activity a central role in terms of sustainable development. So that the costs arising
from mining activity do not convert into potential social gains, causing an imbalance in
the relationship. There is an even darker outline in which resources from mining
revenues do not become permanent improvements for local populations. The benefit
from mining activity seems to be restricted to a temporary effect, which as soon as the
mineral reserve ceases, only a social and environmental liability will remain for the
local community. The regulatory insufficiency is pointed out as a fundamental cause in
the understanding of the phenomenon, materialized in the existence of a permissive and
badly designed legal apparatus regarding the use of these recipes.

Keywords: Mining. Sustainable development. Regulation. Governance.


Sumário: I. Introdução. II. Desenvolvimento e mineração. II.1 Do conceito de
desenvolvimento utilizado como metodologia de análise do trabalho. II.2 A tensão
teórica entre mineração e desenvolvimento. II.3 Sustentabilidade e mineração? A
possibilidade de desenvolvimento sustentável da economia minerária. III. Municípios e
aplicação das rendas minerárias. IV. Insuficiência regulatória e a armadilha do caixa
único. V. Considerações Finais

I. INTRODUÇÃO

As riquezas de uma nação, especialmente as originárias de bens minerários,


devem ser revertidas necessariamente para o desenvolvimento de seu povo e do bem
comum. No entanto, não é que se apresenta em muitos municípios produtores e
exploradores da atividade de mineração.

Ao ser descoberta, uma reserva mineral passa a ser uma riqueza em potencial
para a região. No momento da explotação, no entanto, essa riqueza nem sempre é
revertida para proveito do povo da região ou mesmo para o desenvolvimento do
município produtor.

Essa deflexão entre a existência da riqueza e sua reversão em desenvolvimento


é que será objeto do presente artigo, buscando encontrar explicações e motivos para a
ocorrência desta distorção.

As tensões entre o desenvolvimento e sustentabilidade são constantes quando


estamos no campo da mineração. No entanto, além dessas tensões, outros fatores são
determinantes para a não aplicação das receitas provenientes da mineração no
desenvolvimento social e humano. Um deles, passa necessariamente pelo equívoco do
marco regulatório tributário.

A extração mineral constitui a base econômica de muitos países, especialmente


nos chamados países periféricos, não fugindo o Brasil desta narrativa. A forma de
destinação dos recursos da extração mineral e sua tributação são determinantes para
entender seu aproveitamento.
O confronto se trava ainda no campo normativo, regulador. Enquanto as
empresas tomam contam das atividades exploradoras e auferem lucros, e muitas vezes
sistema de tributação favorável, não se encontra contrapartida com a finalidade de
desenvolver a região ou mesmo reparar os danos causados pela exploração mineral.
Ocorre uma captura dessa regulação por parte dos interesses das grandes empresas em
detrimento dos interesses nacionais, regionais e de desenvolvimento local.

Assim, a presente pesquisa tem como objeto a investigação científica das


consequências sociais e econômicas decorrentes da atividade minerária em municípios
brasileiros, com destaque para a regulação e o uso das receitas públicas auferidas em
razão desta atividade e suas consequências para o futuro desse municípios produtores.
Para tanto, o método dedutivo e indutivo serão os utilizados, com procedimento
monográfico e técnica de pesquisa bibliográfica.

II. DESENVOLVIMENTO E MINERAÇÃO

II.1 Do conceito de desenvolvimento utilizado como metodologia de análise do


trabalho

Armatya Sen, economista indiano, prêmio Nobel de 1988, é considerado uma


das grandes contribuições para o restabelecimento da dimensão ética na discussão dos
problemas econômicos. Confira-se:

Sen (2000) compartilha a ideia, ressaltada por Furtado (1974) Hirschman


(1977) Sachs (1986,2004) e outros, de que uma concepção adequada de
desenvolvimento deve significar muito mais do que simples acumulação de
riqueza e o crescimento do PIB e de variáveis associadas à renda. Ainda
assim, tanto esses autores como Sen (2000) não desconsidera a importância
do crescimento econômico. Eles reforçam a ideia de que é necessário
enxergar além dele.3

Para Sen, o principal propósito do desenvolvimento é reduzir as privações, ou


ampliar as escolhas. A privação é um conceito multidimensional que inclui: fome,
analfabetismo, sujeição às doenças, saúde fraca, exclusão, ausência de poder,
humilhação, insegurança, deficiência de acesso à infra-estrutura básica, ameaças ao

3
ENRÍQUEZ, Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento
sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008. P. 75.
meio ambiente, entre outros. Assim, para este economista, apesar de a elevação da renda
per capita poder resolver grande parte dessas privações, isoladamente, não as resolve
por completo.

Para Sen4, desenvolvimento é um processo de expansão das liberdades reais de


que as pessoas desfrutam. Que são destacadas em cinco tipos mais relevantes, quais
sejam: a) as liberdades políticas; b) facilidades econômicas; c) oportunidades sociais; d)
garantias de transparência; e) uma teia de seguridade protetora mínima. Perceba-se,
então, que para este economista o papel do gasto público é de crucial importância para a
promoção efetiva das liberdades e consequente desenvolvimento.

Neste sentido, a compreensão da qualidade deste gasto público é de fundamental


importância para este trabalho, que travará uma relação entre o aparato jurídico-
burocrático hodierno de nosso País com a eficiência do uso da receitas advindas da
atividade minerária pelo setor público, notadamente o municipal, tendo por objetivo
responder aos seguintes questionamentos:

1) Os recursos oriundos das rendas minerárias estão se convertendo em


ampliação do desenvolvimento para as populações locais?
2) Em que medida a legislação atual é responsável pelos resultados
encontrados?
3) Pode haver uma comunhão entre desenvolvimento sustentável e uma
atividade econômica de natureza temporária e exaurível como a mineração?

II.2 A tensão teórica entre mineração e desenvolvimento

Na ciência econômica, registra-se um intenso debate entre duas posições


principais divergentes acerca da possibilidade ou não de a atividade minerária poder ser
concretizadora de desenvolvimento, bem como no tocante às externalidades
socioambientais envolvidas nesta atividade econômica.

4
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento Como Liberdade. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000. P. 51-71.
Uma primeira corrente teórica5 sustenta que a mineração é uma atividade nefasta
e as economias de base mineira apresentam indicadores socioeconômicos inferiores aos
das economias não mineradoras. Neste sentido, apresenta estudos que procuram
demonstrar que o desempenho socioeconômico das economias mineradoras é inferior ao
das economias não-mineradoras e que elas têm muito mais custos do que benefícios.

Compartilhando da ideia de que a abundância de recursos minerais sabota o


desenvolvimento da região onde esta riqueza está concentrada, surgem as teses da
“Maldição dos recursos” e “Doença holandesa”. Que consistem, na linguagem da
análise econômica do direito, nas denominadas “falhas de mercado”.

Sendo assim, os teóricos dessa corrente apontam as seguintes falhas de mercado


ocasionadas pela mineração:

1) Maldição de recursos: Lewis6 defende que estaria relacionada a efeitos


negativos típicos do setor mineral como: baixa participação dos salários no
valor adicionado; grande parte das rendas vai para empresas multinacionais
ou governo, o que gera problemas de intermediação financeira e de alocação
de poupança, instabilidade da receita mineral devido às flutuações do
mercado internacional. Ademais, as economias de base mineira revelariam
má distribuição de renda e pouca diversificação econômica, pois a pujança
da mineração acaba dificultando o desempenho de outras atividades.
2) Doença holandesa (Dutch disease): expressão inspirada na experiência de
produção de gás natural na Holanda, Mar do Norte em 1970. A Dutch
disease ocorre devido às altas taxas de lucratividade do segmento mineral,
possibilitado pela renda diferencial da mineração, o que provoca excessiva
valorização cambial, reduzindo a competitividade das atividades não-
minerárias. Os salários do setor mineiro também tendem a crescer e essa
inflação de salários se espalha para outros setores da economia que acabam
perdendo a mão-de-obra qualificada para o setor mineral. O resultado é a

5
WHITEMORE, Andy. The emperor’s new clothes: sustainable mining?. In: Journal of
Cleaner Production. Vol. 14. P. 309-314. USA. Elsevier, 2006.
6
LEWIS JR, Stephen. Economic structure and performance. 1984. apud ENRÍQUEZ,
Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de
uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008. P.93.
queda de competitividade dos produtos não-mineiros no mercado
internacional.

Em comum, as teses da primeira corrente apresentam que a atividade minerária


tende a causar excesso de liquidez, em razão da entrada do saldo das exportações, que
mal gerida pode significar aumento da inflação e valorização cambial, e que por outro
lado, tendem a resultar em uma perda de competitividade dos produtos não minerários.
Um efeito que termina por inibir ou desestimular outras atividades econômicas.

Ainda, afirma-se que em países com instituições fracas e abundância de rendas


minerais, uma elite que se favoreça dessa bonança utiliza tais recursos com o objetivo
de se perpetuar no poder7. No entanto, reconhecendo o exemplo da Noruega,
reconhecem que produtores de minerais podem escapar da degradação econômica se
tiverem instituições políticas fortes e consistentes, desde o instante que as reservas
forem descobertas.

A segunda corrente8, por outro lado, defende que a mineração é, na verdade, um


trampolim para o desenvolvimento. Isso seria provado pela experiência histórica de
alguns países que se desenvolveram a partir da atividade minerária, como a Austrália e
o Canadá.

Para esta corrente seria inquestionável o crescimento econômico trazido,


considerando-o de per si, um pré-requisito para o desenvolvimento sustentável e para a
redução da pobreza. Para Radetski9, economias pobres, mas bem dotadas de recursos
minerais, devem extrair o quanto antes as suas jazidas, pois a mineração pode exercer

7
ENRÍQUEZ, Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento
sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008. P.94. Trata-se da
célebre expressão “comprar o povo com seu próprio dinheiro”.
8
Posição defendida em relatórios do Banco Mundial e em RADETZKI, Marian.
Regional development benefits of mineral projects. Resources Policy. 1982. Apud ENRÍQUEZ,
Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento sustentável a partir de
uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008. P.112
9
RADETZKI, Marian. Regional development benefits of mineral projects. Resources
Policy. 1982. Apud ENRÍQUEZ, Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do
desenvolvimento sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008.
P.112
um papel crucial no progresso econômico, visto que depósitos minerais muito valiosos
podem perder valor em função das mudanças tecnológicas.

Ademais, a renda gerada através dos encadeamentos orçamentários constituiria


um poderoso elemento de combate à pobreza. O aumento da capacidade financeira do
setor público possibilitaria aos governos implementar políticas voltadas para a
superação da pobreza, impulsionando uma trajetória de desenvolvimento, a exemplo do
Canadá e da Austrália.

Pinceladas as principais correntes teóricas sobre o assunto, cabe, então, imiscuir-


se na problemática apresentada realidade brasileira.

II.3 Sustentabilidade e mineração? A possibilidade de desenvolvimento


sustentável da economia minerária

O conceito de sustentabilidade e as atividades minerárias aparentemente


guardam divergências inconciliáveis, uma vez que os bens minerais, por definição, são
recursos de natureza não-renovável. Essa contradição, como colocado, é meramente
aparente. Inobstante a natureza não-renovável dos recursos minerais, é inegável que
estes produzem vultosas receitas.

Sendo assim, a destinação de parte das rendas minerárias para a criação e


fomento de alternativas produtivas sustentáveis, quando do esgotamento da mineração,
pode dar impulso a uma diversificação da economia. Residindo aí o seu caráter
sustentável.

Desta feita, apesar dos recursos minerais serem finitos e temporários, seu correto
investimento em capital humano é capaz de ocasionar um desenvolvimento social e
econômico perene e saudável para a sociedade. É o que se vem a denominar de
sustentabilidade sensata:

A idéia de sustentabilidade sensata ou prudente pressupõe a necessidade de


equilíbrio entre as diferentes dimensões do desenvolvimento. O esgotamento
de uma jazida mineral (capital natural) ao longo do tempo só se justifica se a
receita obtida com as vendas minerais se transformar em outras formas de
capital (humano, social, ou manufaturado) para os quais haja desequilíbrio ou
escassez, não negligenciando, entretanto, a necessidade de manter certos
níveis críticos dos diferentes capitais. Esta idéia admite a hipótese de
substituição entre o capital natural e o capital produzido pelo homem, mas
também reconhece a complementaridade que há entre eles. Essa é a pré-
condição para que o desenvolvimento seja considerado sustentável, dentro de
uma perspectiva prudente ou sensata (Serageldin,1995).
Nessa perspectiva, consideramos que é a idéia da sustentabilidade sensata
que melhor se aplica para pensar o desenvolvimento sustentável a partir de
uma base econômica estruturada na extração de recursos não-renováveis.
Dessa forma, a proposta de sustentabilidade sensata deve ser avaliada sob
duas perspectivas: da atual geração (intrageração), cujo pressuposto é que a
atividade mineral deve garantir o nível de bem-estar socioeconômico atual e
minimizar os danos ambientais decorrentes do processo produtivo; e da
geração futura (intergeração) para a qual a atividade deve ser capaz de gerar
um permanente fluxo de rendimentos e assim assegurar o nível vindouro de
bem-estar (Auty & Warhurst,1993).10

Demais disso, a partir das correntes teóricas supracitadas, pode-se fazer a


seguinte inferência: em países com instituições fortes, o efeito econômico positivo da
atividade minerária poderia conduzir a uma trajetória de desenvolvimento, haja vista
possibilitar um gasto público eficiente.

Assim, conceitos como capacidade institucional e boa governança no setor


público seriam fundamentais para uma estratégia de uso da mineração como
desenvolvimento sustentável. O problema não seria a resource curse, mas a governance
curse11.

No Brasil, conforme este trabalho buscará demonstrar, a relação entre mineração


e setor público tem demonstrado resultados insatisfatórios no objetivo de conferir a esta
atividade um papel de centralidade em termos de desenvolvimento sustentável, em
razão de dois fatores principais: i) o valor dos royalties minerários é insuficiente para
ocasionar uma internalização efetiva dos custos socioambientais oriundos da atividade;
ii) o setor público (notadamente os Municípios), em razão da ausência de uma regulação
limitadora e dirigente, essencial em países de imaturidade institucional, não tem sido
capaz de converter as rendas minerárias em desenvolvimento humano real para as
populações locais.

10
ENRÍQUEZ, Maria Amélia R. da Silva. Equidade intergeracional na partilha dos
benefícios dos recursos minerais: a alternativa dos Fundos de Mineração. In: Revista
Iberoamericana de Economia Ecológica, v. 5, 2006. P. 63. Disponível
em:<http://www.raco.cat/index.php/Revibec/article/view/57898/67959>. Acesso em: 03 de out.
de 2016.
11
PEGG, Scott. Mining and poverty reduction: transforming rhetoric into reality.
Journal of Cleaner Production. USA, Elsevier, v. 14. P. 376-387.2006.
Não se trata, em verdade, de uma maldição da mineração, mas sim de uma
dificuldade institucional na forma de lidar com a mesma. O grande problema é, em certo
ponto, uma “maldição de governança”.

Neste sentido, o objeto desta pesquisa são os efeitos da mineração, a governança


e aplicação das rendas minerárias nos Municípios mineradores, que de acordo com o
atual desenho do pacto federativo brasileiro, são os entes políticos que recebem a maior
parte das receitas públicas oriundas da exploração mineral, decidindo como esses
recursos devem ser gastos.

III. MUNICÍPIOS E APLICAÇÃO DA RECEITAS MINERÁRIAS

Este capítulo pretende responder ao seguinte questionamento: Os recursos


oriundos das rendas minerárias estão se convertendo em ampliação do desenvolvimento
para as populações locais?

No Brasil, de acordo com o desenho de repartição de receitas, além do


incremento na receita tributária advinda da atividade mineradora, em razão do ISSQN12
e do aumento na parcela transferida pelo Estado do ICMS13 sobre comércio, os
Municípios mineradores, de acordo com a lei n° 8.001/90 detêm a maior parte (65%)
das receitas da chamada CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais).

Inicialmente é importante definir a natureza jurídica da CFEM14, que não é


espécie tributária e, portanto, não constitui receita pública derivada. A CFEM é royalty.
A palavra royalty deriva de realeza, aquilo que é propriedade do rei, a bem ver, royalty

12
Imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência municipal e distrital (art.
156, inciso III, da CRFB/1988).
13
Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal de comunicação, de competência dos
Estados-membros e Distrito Federal (art. 155, inciso I, da CRFB/88), todavia, 25% de sua
arrecadação pertence aos Municípios, sendo três quartos deste total, no mínimo, em razão da
ocorrência do fato gerador em seu território (art. 158, inciso IV e parágrafo único, I, da
CRFB/1988).
14
Instituída pela lei n° 7.990/1989.
constitui uma receita pública originária, visto que advinda como compensação pela
utilização de um bem público, neste caso, os recursos minerais. Assim, apesar de a
Constituição Federal definir que os recursos minerais constituem bens da União15 (art.
20, inciso IX, da CRFB/88), a lei n° 8.001/90, ao dispor do produto da arrecadação,
definiu que os recursos da CFEM são distribuídos da seguinte forma: a) 12% para a
União (DNPM e FNDCT); b) 23% para o Estado onde for extraída a substância
mineral; c) 65% para o município produtor16.

No 1° semestre de 2015 a arrecadação da CFEM totalizou aproximadamente R$


692,6 milhões de reais17, tendo totalizado no 2° semestre de 2015 o valor de R$ 826,4

15
Art. 20. São bens da União:
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
16

Lei n° 8.001 de 13 de março de 1990. Disponível em: <


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8001.htm>. Confira-se:

Art. 2º Para efeito do cálculo de compensação financeira de que trata o art. 6º da Lei nº
7.990, de 28 de dezembro de 1989, entende-se por faturamento líquido o total das receitas de
vendas, excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as
despesas de transporte e as de seguros.

§ 1º O percentual da compensação, de acordo com as classes de substâncias minerais, será de:


I - minério de alumínio, manganês, sal-gema e potássio: 3% (três por cento);
II - ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias minerais: 2% (dois por cento), ressalvado o
disposto no inciso IV deste artigo;
III - pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais nobres: 0,2% (dois
décimos por cento);
IV - ouro: 1% (um por cento), quando extraído por empresas mineradoras, e 0,2% (dois décimos
por cento) nas demais hipóteses de extração. (Redação dada pela lei nº 12.087, de 2009)
§ 2º A distribuição da compensação financeira referida no caput deste artigo será feita da
seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 9.993, de 24.7.2000)
I - 23% (vinte e três por cento) para os Estados e o Distrito Federal;
II - 65% (sessenta e cinco por cento) para os Municípios;
II-A. 2% (dois por cento) para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -
FNDCT, instituído pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969, e restabelecido pela Lei n o 8.172, de
18 de janeiro de 1991, destinado ao desenvolvimento científico e tecnológico do setor mineral; (Incluído
pela Lei nº 9.993, de 24.7.2000) (Regulamento)
III - 10% (dez por cento) para o Ministério de Minas e Energia, a serem integralmente
repassados ao Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, que destinará 2% (dois por cento)
desta cota-parte à proteção mineral em regiões mineradoras, por intermédio do Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama. (Redação dada pela Lei nº 9.993, de
24.7.2000).” (GRIFO NOSSO).
17
Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM). Informe Mineral 1°/2015.
Brasília. P. 9. Disponível em: < http://www.dnpm.gov.br/dnpm/informes/informe-mineral-
2015-1o-semestre>. Acesso em: 02 de set. de 2016.
milhões18. Sendo assim, a arrecadação total de CFEM em 2015 alcançou R$ 1,519
bilhão, valor este que tem demonstrado expressivas quedas no tocante a anos anteriores,
visto ter alcançado R$ 1,703 bilhão em 2014 e R$ 2,376 bilhões em 2013, em razão do
fim do “superciclo da commodities minerárias” conforme relatórios do Banco
Mundial19.

18
Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM). Informe Mineral 2°/2015.
Brasília. P. 9. Disponível em: <http://www.dnpm.gov.br/dnpm/informes/informe-mineral-
2_2015.pdf>. Acesso em: 02 de set. de 2016.
19
World Bank Group. 2016a. Commodity Markets Outlook, January 2016. World Bank,
Washington, DC January 2016. 70p e Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM).
Informe Mineral 2°/2015. Brasília. Confira-se:

“Em 2015, os preços internacionais das commodities minerais sofreram quedas


contínuas a partir do início do ano, refletindo principalmente a oferta excessiva de substâncias
minerais, resultado da maturação de investimentos realizados a partir de 2010 e a fraca demanda
global, em especial de países emergentes/China, o que provocou o recuo de preços a cerca da
metade do que era em 2011 (Banco Mundial, 2016a).

Neste contexto a China desempenhou forte influência por participar de 50% consumo
global de metais. Por outro lado, este país tem sofrido uma gradual diminuição da taxa de
crescimento de sua economia desde 2010, resultado da transição de uma economia intensiva em
commodities para uma economia de serviços e consumo, o que tem levado a uma redução de sua
taxa de crescimento do consumo de metais a cerca de 1/3 do que era no período de 1995 a 2008.
Estimativas do Banco Mundial, indicam que uma redução de 1% na taxa de crescimento chinês,
em 2 anos, poderia resultar em um declínio de cerca 1,3 a 5,5% nos preços dos metais.

Ainda segundo dados do Banco Mundial (2016a), os preços médios da maioria das commodities
minerais em dezembro de 2015 em relação a dezembro de 2014, mostraram decréscimos que variam de
3,5% a 45,4%, tendo como exceção as rochas fosfáticas que mostraram aumento de 6,5% no ano.
As médias de preços das commodities no segundo semestre de 2015 em relação ao
primeiro semestre de 2015 mostraram-se declinantes, com redução dos preços do alumínio (-
13,6%), minério de ferro (-15,9%), cobre (-14,6%), chumbo (-9,4%), estanho (-10,8%), níquel (-
27,1%) e zinco (-19,1%). Com destaque, o minério de ferro (spot) manteve a trajetória contínua
de queda de seu preço, iniciada em 2014, atingindo em dezembro de 2015 o valor de US$
41,0/t. Os metais preciosos também apresentaram quedas nos seus preços com reduções de -
7,5% para ouro, -18,4% para a platina e -10,4% para a prata. Os preços médios dos
componentes dos fertilizantes, no segundo semestre de 2015, também mostraram reduções, para
o DAP (--7,2%), TPS (--2,6%), a Ureia (-9,4%) e o cloreto de potássio (-2,0%), embora a rocha
fosfática tenham aumentado o seu preço médio em 4,3% no período.”
Tabela de arrecadação semestral de CFEM
Fonte: DNPM/DIPAR

No 2° semestre de 2015, a soma da arrecadação dos 5 maiores municípios


produtores correspondeu a 33,6% de toda a CFEM arrecadada. O ranking dos cinco
municípios com maiores arrecadações da CFEM no 2º/2015 é composto por:
Parauapebas-PA (13,3%), Mariana-MG (7,2%), Marabá-PA (4,7%), Nova Lima-MG
(4,3%) e Congonhas-MG (4,1%). Confira-se:

Fonte: DNPM/DIPAR

Insta ressaltar que apesar de a arrecadação da CFEM ter alcançado R$ 1,519


bilhão em 2015, o Valor da Produção Mineral (VPM) brasileira somou R$ 78,7 bilhões
de reais em 201520. Valor que supera o Produto Interno Bruto anual de várias nações
latino-americanas.

A desproporção entre os valores arrecadados a título de CFEM, a compensação


pela utilização de tais minérios que são bens públicos federais, e o valor efetivamente
auferido pela iniciativa privada com a produção destes bens salta aos olhos.

No entanto, ainda que o valor da CFEM não cumpra efetivamente o seu papel de
compensação ao poder público e sociedade, como forma de internalizar os custos
sociais e ambientais trazidos pela atividade mineradora, é inegável que a CFEM garante
aos Municípios produtores uma fonte de arrecadação vigorosa em comparação a
Municípios não produtores.

A expectativa, então, seria de se verificar um sensível acréscimo em índices de


desenvolvimento humano e qualidade de vida da população dos Municípios produtores
em relação aos não produtores, haja vista o largo incremento de disponibilidade
financeira para ações em educação e saúde, naqueles verificados.

Não é este, todavia, o cenário que se desenha.

Aponta-se um cenário em que os recursos oriundos das rendas minerárias não se


convertem em melhorias permanentes para a população do município, não se convertem
em desenvolvimento. O benefício oriundo da atividade minerária parece restringir-se a
um efeito temporário, que tão logo cesse a reserva mineral, restará por herança apenas
um passivo socioambiental para a comunidade local, sendo os benefícios temporários
dissipados.

Um exemplo pesquisado foi o Município de Parauapebas, no estado do Pará, o


campeão de arrecadação da CFEM em 2015 (13,3%) e que além desta, obtém um
considerável incremento em sua receita tributária a partir do ISSQN e da maior parcela
de ICMS em razão da produção minerária local. Este Município contou em 2015 com
uma receita total (somando receitas correntes e de capital) no valor de R$ 1.350.000.000

20
Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM). Informe Mineral 2°/2015.
Brasília. P. 9. Disponível em: <http://www.dnpm.gov.br/dnpm/informes/informe-mineral-
2_2015.pdf>. Acesso em: 02 de set. de 2016.
(um bilhão e trezentos e cinquenta milhões de reais)21, com uma população que em
2016, segundo o IBGE22, alcançará 196.259 pessoas, ocasionando um orçamento per
capita de aproximadamente R$ 6829,21. De acordo com o relatório de IDHM (índice de
desenvolvimento humano dos Municípios brasileiros) em 2010, realizado pelo PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – órgão da ONU) o Município
de Parauapebas atingiu o IDH de 0,715.

Para realizar a comparação a título de aferir o grau de eficiência do gasto público


em Parauapebas, município privilegiado no tocante às rendas minerárias, tomamos por
base o município de Castanhal, também no estado do Pará, em razão da similitude de
condições culturais e geográficas, e também o município de São Caetano do Sul, no
estado de São Paulo, que guarda semelhanças no aspecto orçamentário e populacional.

O município de Castanhal-PA, em 2016, segundo o IBGE23, alcançará a


população de 192.571 pessoas. Porém, principalmente por não se beneficiar das rendas
minerais supracitadas, o município de Castanhal contou em 2015 com a receita total de
R$ 312.528.747,54 (trezentos e doze milhões, quinhentos e vinte oito mil, setecentos e
quarenta e sente reais e cinquenta e quatro centavos)24. Uma receita que soma
aproximadamente um quarto daquela do Município de Parauapebas, todavia com o
mesmo contingente populacional. Contando com um per capita de R$ 1622,92.

21
Disponível em:
<http://www.governotransparente.com.br/gestaofiscal/documentos/4507490>. Acesso em: 03 de
out. de 2016.
22
Disponível em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=150553&idtema=130>. Acesso em: 03 de
out. de 2016.
23
Disponível em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=150240&idtema=130>. Acesso em: 03 de
out. de 2016.
24
Disponível em: <http://portaldatransparencia.castanhal.pa.gov.br/>. Acesso em: 03 de
out. de 2016.
Apesar disso, o índice de IDH do município de Castanhal foi de 0,67325, no
mesmo período.

Perceba-se que, apesar de a prefeitura de Parauapebas dispor de um orçamento


aproximadamente quatro vezes maior que o da prefeitura de Castanhal, esta diferença
não tem se traduzido de forma relevante nos índices de desenvolvimento humano para a
população local.

Por outro lado, compara-se com o município de São Caetano do Sul, em São
Paulo, que segundo o IBGE26 atingirá em 2016 a população de 158.826 pessoas, e
alcançou em 2015 receita total de R$ 1.170.190.408,00 (um bilhão, cento e setenta
milhões, cento e noventa mil, quatrocentos e oito reais)27, o que resulta em um
orçamento per capita de R$ 7.367,75, um pouco superior ao de Parauapebas-PA (R$
6829,21). Assim percebe-se que em termos orçamentários e populacionais, os dois
municípios guardam maior similitude. A despeito disso, o IDH de São Caetano do Sul
foi de 0,86228, no mesmo período de análise das supracitadas.

Parauapebas (PA) Castanhal São Caetano do Sul


(PA) (SP)
População 196.259 192.571 158.826
(IBGE, 2016)
Receita total R$ R$ 312.528.747,54 R$
(2015) 1.350.000.000,00 1.170.190.408,00

25
Disponível em: http://www.deepask.com/goes?page=parauapebas/PA-Veja-o-IDH-
Municipal---indice-de-desenvolvimento-humano---do-seu-municipio. Acesso em: 03 de out. de
2016.
26
Disponível em:
<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=150240&idtema=130>. Acesso em: 03 de
out. de 2016.
27
Disponível em: < http://www.saocaetanodosul.sp.gov.br/images/PPA/5265.1.pdf>.
Acesso em: 03 de out. de 2016.
28
Disponível em: <
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?codmun=354880&idtema=118&search=sao-
paulo%7Csao-caetano-do-sul%7Cmunicipal-human-development-index-mhdi-&lang=>. Acesso
em 03 de out. de 2016.
Orçamento per R$ 6829,21 R$ 1622,92 R$ 7.367,75
capita
IDH (PNUD, 2010) 0,715 0,673 0,862

Desta feita, apesar da desproporção entre o valor arrecadado a título de CFEM e


o VPM (valor da produção minerária) constituir um problema real, aponta-se que o
simples aumento do valor da alíquota da CFEM não é a única resposta que se deve
perquirir.

O cenário de um aumento da arrecadação, mas com a manutenção de um aparato


jurídico permissivo, como a lei n° 8.001/1990, não ocasionará o efetivo
desenvolvimento humano a dotar de sustentabilidade a atividade da mineração. Como
se percebe empiricamente através dos dados apresentados do município de Parauapebas,
no estado do Pará.

Neste sentido, caminhamos para o dispositivo final deste trabalho, que visa
propor um critério de regulação de forma a possibilitar não só que as atuais rendas
minerárias sejam utilizadas de forma eficiente, mas que as resultantes de eventuais
aumentos de alíquota da CFEM, que porventura venham a ocorrer, também o sejam.

IV. INSUFICIÊNCIA REGULATÓRIA E A ARMADILHA DO CAIXA


ÚNICO

A lei n° 7.990/1989 institui em seu art. 6° a CFEM (compensação financeira


pela exploração de recursos minerais), recebendo sua pormenorização pela lei n°
8001/1990, que dispõe acerca da repartição da receitas desses royalties de recursos
minerais (não dispõe acerca de petróleo e gás) e pelo Decreto n° 1 de 11 de janeiro de
1991.

A regulação desses recursos, todavia, é mínima. A única previsão existente até


2013 é a que vedava a aplicação da CFEM em pagamento da dívida e no quadro
permanente de pessoal (art. 8°, da lei n° 7.990/1989)29. Em 2013, a lei n° 12.858/2013

29
Art. 8º O pagamento das compensações financeiras previstas nesta Lei, inclusive o da
indenização pela exploração do petróleo, do xisto betuminoso e do gás natural será efetuado,
mensalmente, diretamente aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da
alterou a lei n° 7.990/1989, incluindo o parágrafo primeiro do art. 8°, autorizando a
utilização das verbas supramencionadas na manutenção e desenvolvimento do ensino,
especialmente na educação básica pública em tempo integral. Neste sentido, tratou-se de
louvável iniciativa legislativa.

Apesar disso, deve-se ressaltar que se trata de uma mera autorização, uma
permissão legislativa, sem caráter vinculativo ao gestor municipal. Dito isto percebe-se
que a legislação aplicável não faz qualquer referência sobre o uso da CFEM. Não há
critérios mínimos de governança. Por outro lado, apesar da vedação legal de não
permissão da utilização a receita com pessoal permanente (art. 8° da lei n° 7.990/1989),
é noticiado pelos Tribunais de Contas que os Municípios vêm utilizando a verba para a
contratação de servidores temporários. Confira-se Enríquez:

(...) Embora a lei não permita, muitos gestores públicos usam os valores da
CFEM para custear a folha de pagamento dos servidores municipais. (...) A
maioria dos municípios usa a CFEM como um recurso orçamentário
qualquer, procedimento que foi denominado de “armadilha do caixa único”.
Com os valores assim “diluídos”, o gestor não percebe as potencialidades
transformadoras da CFEM.30

Deve-se compreender que os benefícios provenientes dos salários e receitas


tributárias e não tributárias (royalties) são temporários, restritos e existem apenas
enquanto houver atividade mineradora. As elevadas receitas públicas provenientes da
mineração na fase do apogeu (boom), declinam na fase do colapso (bust) e se tornam

Administração Direta da União, até o último dia útil do segundo mês subseqüente ao do fato
gerador, devidamente corrigido pela variação do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou outro
parâmetro de correção monetária que venha a substituí-lo, vedada a aplicação dos recursos em
pagamento de dívida e no quadro permanente de pessoal. (Redação dada pela Lei nº 8.001, de
13.3.1990)

§ 1º As vedações constantes do caput não se aplicam: (Redação dada pela Lei nº 12.858, de
2013)
I - ao pagamento de dívidas para com a União e suas entidades; (Incluído pela Lei nº 12.858,
de 2013)
II - ao custeio de despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, especialmente na
educação básica pública em tempo integral, inclusive as relativas a pagamento de salários e outras verbas
de natureza remuneratória a profissionais do magistério em efetivo exercício na rede pública. (Incluído
pela Lei nº 12.858, de 2013)
§ 2o Os recursos originários das compensações financeiras a que se refere este artigo poderão ser
utilizados também para capitalização de fundos de previdência. (Parágrafo inclúido pela Lei nº 10.195, de
14.2.2001)
30
ENRÍQUEZ, Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento
sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008. P. 358.
insuficientes para custear as despesas previamente assumidas e outros investimentos de
longo prazo. É a denominada “armadilha do caixa único”.

Assim, caso o ente federado simplesmente adicione aquela receita para cobertura
de suas despesas correntes usuais e obrigatórias (ex: como remuneração de servidores)
quando houver a fase do colapso da atividade (bust), visto a finitude da mina, o ente
entrará em crise fiscal e não terá como suportar as obrigações assumidas. Demais disso,
não se terá criado um ambiente econômico diversificado e sustentável a ponto de
ocasionar a substituição da atividade mineradora.

É o que vem acontecendo desde 2015 com os municípios do Estado do Rio de


Janeiro, no Brasil. Estes municípios possuem a maior parte de sua arrecadação oriunda
dos royalties do setor petrolífero, tendo incorporado as mesmas ao caixa único para o
pagamento de servidores e construções de obras vistas por muitos como desnecessárias,
como calçadões de porcelanato e a criação de uma “Disney municipal”31. Com a queda
do preço do barril do petróleo a partir de 2015, tais municípios tornaram-se insolventes.

Este é o risco por que passam os Municípios mineradores em razão de uma


legislação extremamente permissiva com as rendas minerárias. Segundo Mikesell32,
poupando uma parcela da renda mineira anual líquida e acumulando um determinado
montante anual a uma taxa de juros, é possível a criação de um fundo suficientemente
grande para garantir às futuras gerações uma receita líquida equivalente às rendas
minerárias. Trata-se de uma solução, inclusive intuitiva.

A criação de Fundos, com o objetivo de conter o excesso de liquidez e evitar a


excessiva valorização cambial (impedindo a “doença holandesa”) e gerando alternativas
de renda para quando do esgotamento das jazidas (evitando a “armadilha do caixa
único”) foi a solução adotada por muitas economias de base mineradora, especialmente

31
Para mais informações vide:
http://oglobo.globo.com/economia/quedanosroyaltiesdopetroleogeracrisenascidadesdorio18766
686
32
MIKESELL, Raymond F. Sustainable development and mineral resources. Resources
policy. UK, Elsevier, vol. 20, p. 83-86, 1994.
as produtoras de petróleo, com a Noruega, a província de Alberta, no Canadá, o estado
do Alaska, nos EUA33.

No Brasil, a lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010,


que dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros
hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em
áreas estratégicas (“Lei do Pré-Sal”), de maneira elogiável, criou o Fundo Social34. A

33
ENRÍQUEZ, Maria Amélia R. da Silva. Equidade intergeracional na partilha dos
benefícios dos recursos minerais: a alternativa dos Fundos de Mineração. In: Revista
Iberoamericana de Economia Ecológica, v. 5, 2006. P 61-73. Disponível
em:<http://www.raco.cat/index.php/Revibec/article/view/57898/67959>. Acesso em: 03 de out.
de 2016.
34
Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12351.htm>. Confira-se:
“CAPÍTULO VII
DO FUNDO SOCIAL - FS
Seção I
Da Definição e Objetivos do Fundo Social - FS
Art. 47. É criado o Fundo Social - FS, de natureza contábil e financeira, vinculado à Presidência
da República, com a finalidade de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional,
na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento:
I - da educação;
II - da cultura;
III - do esporte;
IV - da saúde pública;
V - da ciência e tecnologia;
VI - do meio ambiente; e
VII - de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
§ 1o Os programas e projetos de que trata o caput observarão o plano plurianual - PPA, a lei de
diretrizes orçamentárias - LDO e as respectivas dotações consignadas na lei orçamentária anual - LOA.
§ 2o (VETADO)
O FS tem por objetivos:
I - constituir poupança pública de longo prazo com base nas receitas auferidas pela União;
II - oferecer fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional, na forma prevista no art.
47; e
III - mitigar as flutuações de renda e de preços na economia nacional, decorrentes das variações
na renda gerada pelas atividades de produção e exploração de petróleo e de outros recursos não
renováveis.
Parágrafo único. É vedado ao FS, direta ou indiretamente, conceder garantias
Seção II
Dos Recursos do Fundo Social - FS
Art. 49. Constituem recursos do FS:
I - parcela do valor do bônus de assinatura destinada ao FS pelos contratos de partilha de
produção;
II - parcela dos royalties que cabe à União, deduzidas aquelas destinadas aos seus órgãos
específicos, conforme estabelecido nos contratos de partilha de produção, na forma do regulamento;
III - receita advinda da comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos
fluidos da União, conforme definido em lei;
IV - os royalties e a participação especial das áreas localizadas no pré-sal contratadas sob o
regime de concessão destinados à administração direta da União, observado o disposto nos §§ 1o e
2o deste artigo;
criação deste Fundo possui a nítida função de impedir a ocorrência da “doença
holandesa” e da “armadilha do caixa único”, ocasionando a sustentabilidade dos
recursos, nos moldes definidos neste trabalho. Senão vejamos:

Da Política de Investimentos do Fundo Social


Art. 50. A política de investimentos do FS tem por objetivo buscar a
rentabilidade, a segurança e a liquidez de suas aplicações e assegurar sua
sustentabilidade econômica e financeira para o cumprimento das
finalidades definidas nos arts. 47 e 48.
Parágrafo único. Os investimentos e aplicações do FS serão destinados
preferencialmente a ativos no exterior, com a finalidade de mitigar a
volatilidade de renda e de preços na economia nacional. (GRIFO NOSSO)

Desta feita, questiona-se por que em se tratando dos recursos minerais, em


especial os metálicos, ainda não se tomou medida semelhante.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, a questão em torno do debate sobre mineração no Brasil restringe-se


aos empreendedores e aos governos. Foi assim durante o período de regimes
democráticos ou ditatoriais. A regulação do setor trata a mineração apenas como
negócio, esquecendo os aspectos do desenvolvimento social, da proteção ambiental e da
construção de desenvolvimento sustentável.
As riquezas minerais de um país pertencem a toda a nação, ao seu povo e não
podem, sem critérios políticos democráticos, serem disponibilizadas apenas para fins
economicistas. A questão da mineração diz respeito a toda a sociedade. Trata-se de um
tema que deveria ser objeto de uma política de extração com a necessária reversão para
o efetivo desenvolvimento humano e da região produtiva.
Desta forma, os grupos de interesses, comunidades e grupos, rurais e urbanos,
beneficiários e prejudicados com a extração mineral devem ser ouvidos e participar do
processo de regulação e de autorização da exploração.
A exploração não pode ser simplesmente sinônimo de destruição para o meio
ambiente e lucros para as corporações. A sustentabilidade sensata e direcionada para o

V - os resultados de aplicações financeiras sobre suas disponibilidades; e


VI - outros recursos destinados ao FS por lei.”
desenvolvimento humano e social deve ser a marca da exploração, de forma a fazer da
mineração uma oportunidade, e não uma “maldição”.
Não se pode esquecer que a descoberta de riquezas minerais traz consigo tensões
e conflitos com as comunidades que vivem das atividades econômicas ligadas à
extração mineral, numa perspectiva de lucro e rendimentos imediatos, causando entre
esses próprios povos a despreocupação com as consequências apontadas com o simples
extrativismo, sem a devida preocupação com a sustentabilidade.
Nesse sentido, há ainda a necessidade de quebrar paradigmas de lucros
imediatos, apontando caminhos e oportunidades sustentáveis. Essa também é uma
política pública educacional e cultural que precisa ser estabelecida.
Uma nova fórmula de receitas públicas originárias e derivadas é possível e
necessária para melhor aproveitar os dividendos advindos da exploração, muitas vezes
desastrosa, da atividade de mineração. Uma forma de tributação social e voltada
necessariamente para o desenvolvimento, com vinculação e destinação para políticas
públicas de educação, de saúde e de inclusão social.
Os recursos da exploração das riquezas minerais devem ser revertidos para o
desenvolvimento, e não somente para fins econômicos e financeiros. Destinar à
manutenção da educação, da melhoria do setor de saúde e de políticas sociais de
desenvolvimento, a parcela da participação no resultado ou da compensação financeira
pela exploração, cumpre a finalidade dos objetivos fundamentais da Constituição
Federal de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com garantia do
desenvolvimento nacional (CF/88, art. 3º).
A definição de uma nova política para o setor deve ser fruto do debate
democrático, com participação efetiva da mais ampla representatividade social, com a
obrigatoriedade de consultas públicas, audiências e debates.
O marco regulatório deve servir de proteção para os danos previsíveis,
estabelecendo compensações ambientais e para a região explorada.
Mas não só. Acima de tudo, é preciso que se defina a destinação dos recursos
financeiros decorrentes da extração mineral para setores sociais que incrementem o
desenvolvimento regional e nacional. Políticas públicas precisam ser irrigadas com as
receitas decorrentes da atividade de mineração, numa verdadeira compensação pela
agressão ambiental e territorial ocasionada pela extração.
Neste sentido, conceitos como capacidade institucional e boa governança no
setor público são fundamentais para uma estratégia de uso da mineração como
instrumento de um desenvolvimento sustentável na perspectiva da sustentabilidade
sensata.
Em última análise, o que se constata é que o marco regulatório presente,
notadamente no que se refere ao controle e vinculação das receitas minerárias, não
favorece a construção de políticas públicas compensatórias dos graves prejuízos
causados pela exploração mineral. Essa insuficiência regulatória é fator relevante para
compreensão do fracasso institucional de conversão das riquezas minerárias nacionais
em efetivo instrumento propulsor de uma melhora na qualidade de vida e do
desenvolvimento social, regional e nacional do nosso País.
REFERÊNCIAS

Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM). Informe Mineral 1°/2015.


Brasília. P. 9. Disponível em: < http://www.dnpm.gov.br/dnpm/informes/informe-
mineral-2015-1o-semestre>. Acesso em: 02 de set. de 2016.

Departamento Nacional de Produção Minerária (DNPM). Informe Mineral 2°/2015.


Brasília. P. 9. Disponível em: <http://www.dnpm.gov.br/dnpm/informes/informe-
mineral-2_2015.pdf>. Acesso em: 02 de set. de 2016

ENRÍQUEZ, Maria Amélia. Maldição ou Dádiva? Os dilemas do desenvolvimento


sustentável a partir de uma base mineira. São Paulo: Signus Editora, 2008.

______. Equidade intergeracional na partilha dos benefícios dos recursos minerais: a


alternativa dos Fundos de Mineração. In: Revista Iberoamericana de Economia
Ecológica, v. 5, 2006. P. 63. Disponível
em:<http://www.raco.cat/index.php/Revibec/article/view/57898/67959>. Acesso em: 03
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PEGG, Scott. Mining and poverty reduction: transforming rhetoric into reality. Journal
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SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento Como Liberdade. São Paulo: Companhia


das Letras, 2000.

WHITEMORE, Andy. The emperor’s new clothes: sustainable mining?. In: Journal of
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