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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Resumo:
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Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de Brasília (PPGCom/UnB)
1. Novas representações dos afetos: outra abordagem para o amor feminino no
cinema
As relações amorosas nos filmes denominados como clássicos 2 acontecem de
forma romantizada, elas representam um ideal de amor contextualizado às aspirações da
época: um amor que busca a completude identitária através da relação afetiva.
O Brasil foi bastante influenciado pelas narrativas hollywoodianas, havendo uma
ruptura com a chegada do cinema novo e, mais recentemente, com os movimentos do
cinema independente que nega as narrativas hegemônicas propostas pelas grandes
produtoras e distribuidoras do audiovisual. Dadas as discussões estéticas e sociais dos
últimos anos, seria possível falar sobre um cinema de pós-retomada com características
narrativas e estéticas próprias? Há um aumento, nas últimas duas décadas, de filmes
brasileiros calcados nos dramas íntimos do cotidiano e que têm em suas narrativas
personagens substanciais. As mulheres não aparecem mais como “mocinhas” ou como
objeto de desejo sexual, mas como atuantes – agentes e responsáveis pela sua trajetória.
Nessa perspectiva, como se configuram e como são representadas as relações
afetivas/amorosas das personagens femininas? Como as mudanças na linguagem
audiovisual pode ressignificar a representação dos afetos?
2. Objetivo geral
2 O teórico David Bordwell caracteriza o cinema clássico hollywoodiano a partir dos conceitos de
estabilidade e unidade da narração marcados pela unidade de ação, espaço e tempo – critérios neoclássicos
de representação. A narração do cinema clássico é onisciente, comunicativa e autoconsciente. A temática
atrelada esta linguagem está quase sempre ligada aos melodramas.
3 Filmes calcados na visão do diretor como principal força criativa, em que existe uma marca autoral. Na
maioria dos casos, os roteiros são escritos e dirigidos pelo mesmo profissional. A nouvelle vague e o
neorrealismo italiano empregaram o cinema de autor. No cinema atual americano, podemos citar Quetin
Tarantino enquanto um cinema de violência, porém reflexivo. No Brasil, os exemplo de produções neste
estilo são os recentes filmes pernambucanos que carregam a marca autoral dos seus diretores.
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condição das mulheres das mais variadas formas. Nesse sentido, este projeto se justifica
por buscar compreender como são representadas as problemáticas subjetivas vivenciadas
por estas personagens.
Dentro da linguagem cinematográfica, as possibilidades de contar uma história são
diversas. Um projeto audiovisual é uma oportunidade para o desenvolvimento da mescla
destas mais diferentes formas. Discorrer sobre sentimentos é algo dito como difícil,
transformar as emoções em linguagem exige uma capacidade de meditação grande. O
cinema quer representar por meio das imagens e do som as sensações humanas. Nesse
sentido, é necessário explorar os imaginários, as personalidades das personagens, os
diálogos afim de compreender melhor como os afetos são representados em uma análise
de imagem e som.
Para isto é preciso entender o cinema não só enquanto obra artística individual,
mas, também, como produto de uma sociedade, influenciado pelos contextos culturais e
históricos da época em que é produzido, mas igualmente influenciando esta realidade. O
cinema aparece como uma das variáveis que atuam sobre os imaginários. Poder-se-ia
ainda compará-lo ao trajeto antropológico, definido por Gilbert Durand como “[...]
incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e
assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”
(DURAND, 41: 1997).
3. Objetivos específicos
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4. A mulher enquanto representação do amor romântico
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imagem silenciosa da mulher, ainda presa a seu lugar como portadora de
significado e não produtora de significado (MULVEY In XAVIER, 1983:
438).
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O autor faz referência ao conceito de Stendhal, mas não segue o significado que ele atribui. O amour
passion em Giddens é caracterizado como sentimento avassalador, ligado a sexualidade e é universal,
diferentemente do amor romântico, muito mais cultural e específico.
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relação amorosa romantizada, em que a problematização dos afetos é resumida na busca
pelo par ideal. O herói é a motivação única da vida da protagonista, reforçando a ideia de
que a realização pessoal feminina estaria ligada unicamente ao relacionamento romântico,
na maioria das vezes, heterossexual. Sobre o olhar masculino que desemboca em um tipo
de violência simbólica, Bourdieu disserta sobre o problema da dominação masculina não
como uma questão binária entre gêneros, mas em uma lógica estrutural de construção dos
discursos reproduzidos e aceitos socialmente:
E as próprias mulheres aplicam toda a realidade e, particularmente, às
relações de poder em que se veem envolvidas em esquemas de pensamento
que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam
nas oposições fundantes da ordem simbólica. (BOURDIEU, 2011 :45)
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Estúdio e produtora que vigorou entre as produções brasileiras nas décadas de 1930 a 1950.
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entanto, o amor é ainda tratado, na maioria dos casos, de forma romântica e idealizada – o
happy end entra como atmosfera para a maior parte destas produções.
Se o mundo exterior, das viagens, era dos homens, a intimidade deixa de ser
prisão para emergir como possibilidade de resistência, de demarcação da
diferença. Se já não se trata de falar da história dos grandes fatos e
acontecimentos, mas também do cotidiano, uma linhagem feminina se constrói
onde aparentemente só havia silêncio e opressão. Por um lado, isso levou a um
trabalho de arquivos, de resgate, mas levou também a apontar as possibilidades
estratégicas de uma estética feminina (LOPES, 2006: 388).
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a institucionalização do pecado pela igreja, a sexualidade sempre esteve presente em
nossos discursos (confissões cristãs e médicas, em círculo de convivência); porém de
forma atenuada, para que ninguém percebesse. A questão para Foucault é a forma como
se fala sobre sexualidade, pois a sexualidade em si, está presente em todo discurso.
Foucault coloca o discurso da sexualidade como poder-conhecimento. Giddens vai além
da proposta do filósofo, e pensa a sexualidade como reflexividade institucional.
Institucional, pois a sexualidade seria elemento estrutural básico da atividade social na
modernidade. “É reflexivo no sentido de que os termos introduzidos para descrever a vida
social habitualmente chegam e transformam” (GIDDENS, 1992:39). Desta forma,
pergunta-se: diante das transformações sociais, políticas, discursivas, ideológicas, como é
representado o amor e a sexualidade na perspectiva das personagens no novo cinema
brasileiro?
O objetivo específico é analisar a desconstrução do amor romântico nestes filmes.
A hipótese de pesquisa levanta a possibilidade de uma pré-existência do amor idealizado
e romantizado nas novas narrativas cinematográficas brasileiras (cinema autoral), mas
que no decorrer da história é desconstruído pelas ações das personagens e suas formas de
representação. O conceito de sexualidade é um dos caminhos para compreender como
acontece essa quebra narrativa. Enquanto houve um reforço no discurso social e também
cinematográfico de que a mulher estaria ligada ao amor romântico e o homem ao amor
sexual, a discussão sobre a sexualidade da mulher envolve novas possibilidades de
representação do afeto no cinema.
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do pesquisador, do seu contexto cultural e histórico. “Não olhamos senão por meio do
modo como pensamos, e pensamos de acordo com o nosso lugar na história”
(MEKSENAS, 2002: 15). Em relação às pesquisas sociais e ao estudo do imaginário, a
subjetividade é ainda mais explicita dada a complexidade dos métodos qualitativos e de
análise que os envolvem: o próprio objeto é dinâmico e mutável, dependente de
fenômenos históricos, relações de poder e manifestações culturais. Ao discutir sobre o
lugar de fala do pesquisador, a pesquisa busca não somente se concentrar em seu objeto
de estudo, mas problematiza a criação deste enquanto processo metodológico.
Composto de imagens arquetípicas, inconsciente coletivo e noções interpretativas
à luz da fenomenologia, é impossível uma análise do imaginário que não leve em
consideração o contexto do pesquisador. O que se propõe é fazer uma análise segundo a
metodologia complexa proposta por Morin, em que objeto e sujeito fazem parte de uma
mesma estrutura aberta, respeitando as trocas afim de acessar o conhecimento de forma
mais profunda e menos previsível. Nesse sentido, Morin chama de scienza nuova o
método científico que incorpora aspectos excluídos pelo ciência clássica como o acaso, o
individual, o acidente, as subjetividades. No entanto, a scienza nuova não nega a ciência
clássica, mas sim a incorpora.
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5.1 Análise fílmica
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Olmo e a gaivota é uma co-produção entre Brasil, França, Portugal e Dinamarca. Uma das diretora é
brasileira.
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Em uma primeira análise, os três filmes tratam sobre afetos e quebras de
expectativas diante das mudanças que acontecem na vida destas mulheres. Neste sentido,
as primeiras possibilidades para a análise fílmica seriam a análise do filme como
narrativa e análise do filme enquanto imagem e som.
Tendo em vista que os critérios para a escolha dos filmes que compõe o corpus se
baseiam em temas e concepções narrativas específicas, é preciso analisar as obras a partir
de seu conteúdo e temática. Assim como o objeto de pesquisa, “[...]o conteúdo de um
filme nunca é um dado imediato, mas deve, em qualquer caso, construir-se” (AUMONT,
2013:120). O cinema, como um campo produtor de significado, expressa o conteúdo
também através da forma. Por isso, é essencial para a interpretação buscar como as
estruturas se relacionam afim de criar um discurso.
No contexto narratológico, poder-se-ia destacar quais seriam os pontos de
enunciação dos filmes. A partir desta prática, seria possível analisar o ponto de vista do
personagem e o ponto de vista do narrador. Os três filmes a serem analisados propõe uma
busca pelo entendimento dos afetos. As obras são compostas por vários planos de câmera
subjetiva7 e as histórias em muitas cenas narradas pela a própria personagem. Assim se
misturam a língua do narrador e do personagem, a que propósito estético essas técnicas
pretendem atingir? Como a narrativa se constrói a partir destes elementos? A análise
busca investigar por meio da construção narrativa os propósitos e os desencadeamentos
segundo as ações e percepções das personagens.
[...] é certo que a linguagem da arte só poderá ser compreendida nas suas
relações mais profundas com a teoria dos signos. Sem esta, qualquer filosofia
da linguagem permanece fragmentária, porque a relação entre linguagem e
signo vem das origens e é fundamental. (BENJAMIN, 1994: 195).
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Câmera sob a perspectiva do personagem
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Se a narrativa é composta pela junção entre os signos, é preciso compreender
como se dá essa relação. A análise de imagem e som, é na verdade, um complemento da
análise narrativa. Nesta perspectiva, o filme é entendido enquanto meio de expressão e
composto de uma linguagem. O trabalho do pesquisador é analisar a construção da
linguagem a partir dos signos dentro do espaço fílmico.
A análise de imagem e som utiliza os conceitos cinematográficos com
enquadramento, mise-en-scène, iluminação, trilha sonora e composição sonora em busca
da constituição de sentido. Existe uma preocupação com a semiologia do quadro fílmico,
a imagem e som são analisados enquanto produtores de significado.
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processo de depuração, impossibilitado pelo curto tempo destinado ao mestrado. Por este
motivo, proponho enquanto triangulação de pesquisa, um estudo de recepção na web,
buscando entender qual é a percepção dos expectadores em relação ao tema “amor
feminino” através de comentários em sites de crítica e trailers de filmes. Além disso
propõe-se também fazer entrevistas em profundidade com uma dezena de diferentes
espectadores. O objetivo é compreender outras percepções em relação ao tema que
dialoguem ou contraponham a análise do pesquisador. Para isso, iremos buscar grupos
específicos levando em consideração categorias como classe social, faixa-etária, grau de
escolaridade, orientação sexual e religião.
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Cinema de autor, filmes recentes brasileiros, personagens femininas, discussão sobre amor e afeto.
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BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In. LIMA,
Luiz C. (Org.). Teoria da cultura de massa. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1978. p.205-
240.
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MULVEY, Laura. O prazer visual in XAVIER, Ismail (org). A experiência do cinema.
Graal, Rio de Janeiro, 1983.
PLATÃO. O Banquete. Martin Claret, São Paulo, 2015.
MEKSENAS, Paulo. Pesquisa social e ação pedagógica – conceitos, métodos e práticas.
Edições Loyola. São Paulo, 2002.
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