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Gilberto Dupos tin Rees (capitulo V); ¢, finalmente, Zygmunt Bauman, Ignacio R. de Moura, Nietzsche ¢ Laymert Garcia Cabem, por fim, varios agradecimentos. Celso Lafer indi- cou-me as obras de John Bagnell Bury e Robert Nis capitulo 1. Fabio colaborou também com varias los Ie V. Adalton César da sugestdes, especialmente nos c: L, Oliveira repassou com o cuidado habitual os dados econdmi- cos, referencias, bibliografia indice onomés Lima Soares, como sempre, fez . Rosana de jidadiosa leitura final. Maria ice Salgado garantiu a retaguarda geral. Muitos outros interlo- cutores, meus amigos membros do Grupo de Conjuntura Inter- nacional da USP ou do IEEI, tiveram a paciéncia de ouvir ou ler ‘minhas reflexdes parciais sobre o tema do progresso, que servi- ram de preparagio para este trabalho durante os diltimos dois anos. A todos eles, o meu mais sincero reconhecimento, 28 i) A evolugdo do conceito de progresso modo geral as pessoas se sentem mais conforiveis © menos impotentes com 2 confianga, or mals vaga que sei, de que a histéria td ao seu lado, Albert Hirschman) [Nascemos, Afigimo-nos. Morremos. (Carl Sandburg) (Oh, esta Pars! Que enorme, que grosseiro bazar! nfm, meu fiho, uma Babel Paris parecia demente.. Um hor As idéias representam ansei der decisivo na hist6ria, Algumas delas — como justica, toleran- cia, igualdade, mercado, livre-concorréncia e socialismo — de- pendem de uma elaboragio intelectual mais refinada, Outras, como € 0 caso de fé, Providéncia mortalidade, sto adotadas pelos homens como verdades reveladas ¢ correspon- ineira de eles suportarem a angis- 10 aceitas ou rejeitadas nao por humanos € exercem um po- 2 Gilberto Dupat serem verdadeiras ou falsas,” mas por serem consideradas ade- quadias ou nao para deserever algo em que temporariamente se acredita, Progresso é dessas idéias-forca que podem estar em uma ou outra das categorias mencionadas, dependendo de se- rem vistas como resultado de uma agio coletiva dos homens ou encaradas como um proceso inexorivel. Em termos gerais, _progresso supe que a civilizagio se mova para uma direglo en- tendida como benévola ou que conduza a um n cexisténcias felizes, Mas, visto assim, 0 problema se recoloca no que vem a ser felicidade, Para J. B. Bury (2004)? « teoria do progresso humano envol- ve uma visio do passado € uma profecia sobre o futuro. Ela é baseada numa interpretacto da hist6ria que enxerga a humani- dade avangando lenta € indefinidamente em uma dirego dese- jfvel. Esse proceso precisa originar-se da natureza social do homem e nao de forcas externas. Mas, ainda assim, se a diregao € inexordvel, como deixar de vé-la como um destino? Torna-se, nesse caso, obrigat6rio associar a idéia de progressoa possibili- dade de retrocesso ou declinio, Embora se possa julgar, por cri- érios mais subjetivos ou objetivos, que houve progresso ou de- clinio num perfodo passado, parece claro que nao pode haver garantia nenhuma de continuidade de qualquer dessas alterna- tivas no futuro. Até porque garantia € incompativel com hist6- ia. Como Bobbio (1997, p.52) costumava advertir, a tinica coisa ‘que ele havia compreendido em sua longa vida € que a his € imprevisivel. Ou ainda, como pensa Iauzquiza (2004), o real ‘que o futuro construiré encontrar sua verdade em seu proprio contexto de possibilidades, Atender as condigdes da realidade supde atender aos espagos de possibilidade. © que realmente existe € apenas um nivel de realidade que se sustenta sobre um niimero de 30 CO mito do progresso Isso significa introduzir a insegura leveza da probabili- dade; exige dinamitar segurangas e advertir que a tinica rigidez possivel € a do risco. Como garantir, pois, linhas de cor sas, num mundo descontinuo formado de sobressaltos? Um dos contemporineos, radical adepto da idéia do pro- et (1980, p.5). Para ele, esse conceito po- ices € povos durante toda a hist6ria, pelo menos dos gregos até a atualidade. O ser humano, movide por essa idéia, teria avangado “desde uma condicao nativa de ismo, barbarismo e até inutilidade ... e continuard avan- um futuro previsivel” (Ibidem, p-4-5), que Nisbet imagina glorioso. Ele entende avango como a passagem de um cestigio inferior para um superior. Esse entendimento esta sujei- toa duas concepgbes quando pensado sob a idéia de progres- so: de actimulo de conhecimento cientifico ¢ tecnolégico; e de “melhorias morais e espirituais” para que o homem seja “mais feliz, tanqtillo ¢ sereno”. Para ele, mesmo com alguns reveses, © tempo caminha para frente, avangando sempre de uma con- digio inferior para outra superior. Conseqientemente, o pre- sente serviri sempre dle alicerce para avangos no futuro, Como prova evidente desse avanco, ele aponta a medicina; como re- vés eventual, sugere o surgimento de tendéncias totalitérias. Lembremos que sua obra de referencia foi escrita nos anos 70, quando a Guerra Fria ainda era o quadro predominante no sis- tema internacional. Nisbet considera a idéia de progresso como parte essencial do desenvolvimento dos povos, uma espécie de dogma que sustenta a evolugio. Para o melhor entendimento da genese da idéia de progres- so, fagamos uma retomada hist6rica. Entre os gregos, 0 ponto 31 a Gilberto Dupat de partida da civilizagao teria sido uma era dourada de perfei- ‘s40 ¢ simplicidacle depois da qual os homens decairam; os pen- sadores gregos formulavam, com base nesse declinio, a doutri- na de uma sequéncia gradual de melhorias sociais e materi Eles viam a histéria como uma sucessio de grandes ciclos em que um periodo dourado era seguido de uma fase de decadén- ia, evoluindo novamente para um novo esplendor; e assim por diante. Os estéicos adotaram parte dessa teoria, que influenciou Marco Aurélio em suas Meditagdes:“A alma racional ... conside- rando as periédicas destruigdes € renascimentos do univers, reflete que nossa posteridade nio vera nada novo, e que nossos ancestrais no descreveram nada maior do que jé vimos” (apud Bury, 2004, p.13). Foi ainda um outro filésofo estéico, Séne (cf. ibidem, p.13), quem acabou almejando 0 progresso da ia a0 valorizar um futuro conhecimento sobre a causa dos 8, acreditando que a vida do homem seria periodi- camente destrufda; e que cada novo per uma idade do ouro, numa bela e inocente simplicidade. J4 Nisbet (1980, p.13-8) considera, ao contririo de Bury, que © conceito de progresso esteve sempre presente naqu ra, Hesfodo, ‘sem se dar conta” de que isso viria a representar a idéia de progeesso, reflete sobre a percepcao de avanco ao lon- 80 do tempo. Seu mito principal € sobre a formacao da Terra € as eras de cinco ragas de humanos que os deuses criaram: a pri- meira raga € a dourada, criada por Cronos — predecessor de Zeus -, ignorante das artes, da moralidade, do pacifismo e d: cultu- felicidade; a segunda era a prateada, que tinha sede de guerra e foi extinta por Zeus; a terceira, de bronze, pi raga, dos homens-heréi, viveu as guerras de ia mas respeitava a justica e, ext |, teve muitos dos seus impo para viverem etemamente; finalmente a 2 O mito do progresso quinta, a dos homens de ago, era a do proprio Hesiodo € vivia ‘em meio a tormentas, injusticas e privagdes. Embora muitos in- terpretem essas eras como um ciclo de degeneragio, Nisbet as vé como crenga na sos. A titima raga, a de ago, embora maligna, no possuiria si- nais de que seria extinta por Zeus. Em meio as infelicidades traba- que com alguns retroces- ‘momentineas, tempos melhores viriam com disci Iho € honestidade. Esses elementos guardam alguma semelhanga com a ética protestante que lastreou muitos séculos depois, segundo Weber, 0 capitalismo vitorioso. Outro mito fundador da idéia dle progresso seria o de Prometeu. Observando a condigdo de- plorsivel ca humanidade, ele entregou o fogo aos homens ¢ ca- pacitou-os ao desenvolvimento € A criaglo da civilizagio, '5 0 mito de Prometeu. Atenas, onde 0 com det era desenvolvida em Esquilo tr: filésofo v cultura; € teria sido o auge da ci ‘mento do fogo. Prometeu é condenado por Zeus, por fornecer as condigdes ao homem para sair de seu estado deplorivel, Dé-lhes 0 fogo e 0 conhecimento sobre artes, ins} volta con 0. Nisbet também vé fortes evidéncias da idéia de progresso na obra de Platio (cf. ibidem, p.27-32), espe quando ele fala do longo periodo de tempo no qual a vida so- ial se desenvolve até 0 surgimento da cidade. Mas how liderada por Epicuro (cf. ibidem, p.35-6), que afirmava ser a civilizacao humana o resultado da apli éncia por longos pe- iodos ¢ nio da imposigio de forgas externas ou de modelos Originais. Ele via esse processo marcado por conquist I6gicas” como 0 descobrimento do fogo, 0 uso de met senvolvimento da linguagem, da navegaglo, das artes, lia e da orcem social. Para Lucrécio (cf. ibidem, p.37-43), essa lizagao a partir do recebi- ode fami. 33 Gilberto Dupas visio epicur ertou o homem da escuridao intelectual em diregao a luz. Em Sobre a natureza das coisas, Luerécio, de cer- to modo, antecipa teorias como a da selego natural de Darwin, Sua paixo era o natural e o racional, por isso recorria a deuses € mitos para buscar explicagdes ~ método que aprendeu com seu grande dor, Epicuro. Ele descreve com detalhes a evolugao dos homens desde que andavam e dormiam soz até aparecem cabanas, roupas ¢ fogo, passando pela formacio dos costumes conjugais e pelo surgimento das famil invengdes e confortos e, na visio de Nisbet, introduz as primei ras sementes da palavra progresso—e da fé nele—em toda a lite- ratura conhecida, Na verdade, desde o tltimo periodo da hist6- ra grega — com as conquistas de Alexandre o Grande — surgi a Percepeio do mundo como uma totalidade, da raga humana ‘como um todo. Ea Kosmos significa juntar — em oposi Bury, 2004, p.23) jf apontava a conexio entre a pol xandre e as ligdes cosmopolitas de Zeno, que si pitito expansionista de Al tarde com as teorias imperiais romanas. Bury lembra que o ter- mo mundo (orbs, terrarum), mais que um exagero patrtstico ‘que os poetas utilizavam para designar o império romano, sig- nificava 0 ideal no realizado desse império. E a idéia de pro- gresso surgindo na concepgio de interconexio entre povos ¢ contribuindo para um todo civilizaciona Para Nisbet, o principal representante do pensamento ctis- Ho para a idéia de progresso foi Santo Agostino (cf. Nisbet, 1980, p.47). Fascinado pela natureza, para ele Deus que o criadlor do mundo; constituia-se parte do desenvolvimen- to da natureza. Agostinho desenvolve a idéia globalizadora de vunidade na humanidade, uma espécie de sercom infincia, ado- lescéncia ¢ maturidade. Ele divide a hist6ria em seis etapas, de Ado até Cristo, apontando os niveis dle progresso de cada uma hos indre, assim como o fizeram mais, 34 Omito do progresso mente presente em fa partir dos gregos, passando por Darwi ha um ponto de vista of teologia cristd. Desenvol por Agostinho, visava le grupo de pessoas predestinadlo pela crenga na revelaga +a dar uma oportunidade & humanidade, a palavra € a agio de Deus apareceram para resgatar aqueles que cressem na revela- ferno, Mas era a crenga na Providencia di © espago do futuro, Nessa doutrina, marc pela idéia do pecado ori io havia espago para a idéia de progresso. Apesar disso, a teologia crista acabou por construir uma sintese que tentava dar um significado ao curso dos even- tos humanos. A abertura cle uma brecha para 0 desenvolvimen- to da ciéncia no rigido conservadorismo das doutrinas da Igreja meio de um frade franciscano memorivel, Roget Bacon (cf. Bury, 2004, p.25). Sua obra principal, Opus mats, a pretexto de \¢2o ao papa Clemente IV sobre suas pes- 3 De certo modo, essa visio prevalece hoje nos fund: nas tori le 35 Gilberto Dupas A maior parte dos historiadores, 4 excegio de alguns como Jacques Le Goff, trata o perfodo medieval como uma espécie de um forte progresso, garan- or duas ferramentas que mudaram a hist6ria da humani dade: 0 machado de aco ¢ arado. Ele também vé avangos nas arquitetura e astronomia, bem como na concepgiio de in- dividuo. As invengdes mecinicas de Roger Bacon no século XIII, assim como seus trabalhos em 6tica e fisica, representaram grande evolugio. A célebre frase andnima “Somos andes sobre 0s ombros de gigantes” € uma metéfora importante para se en- tender a era medieval. Muitos a atribuem a John de ny. Em vez de ver nela uma prova de que a qualidade do pensa- mento estaria se degenerando através dos tempos, Nisbert en- xerga nessa imagem uma capacidade de admiraco e respeito pelos clissicos; e a idéia de que se podia ver além do olhar dos antigos pensadores, por se estar assentado sobre o actimulo de conhecimentos deles. As nagdes européias levaram trés séculos para passar da atmosfera ment lia Aquilo que chamamos de mo- demidade. Maquiavel (cf. Nisbet, 1980, p.66-8) foi um dos prin- ipais representantes do pensamento europeu da época. Ante- ipando uma abordagem dle natureza psicol6gica, ele apostava € vicios — era sempre a mesma, tanto em momentos de prospe- sidade quanto em momentos de d 1 hist6ria como ciclica, repleta de mens sio mais in ‘maior parte do ixos que a io. O florentino entendia tos € baixos. Como os ho- idos para o mal do que para o bem, na 10 sO OS maus que governam; portant 8. Prova da compreensio ci a observacio que faz dos Estados: 36 Omit do progresso In their normal variations, countries generally go from order to ‘have no furtber possi ne dou ‘come to their utmost perfection a sing, they must go down. Likewise, when they bave through thetr defects bave reached the lowest depib, they necessa- ily rise, since they ca down to bad and from bad rise o good: (apud Nisbs 1980, p.107) ‘Além disso, Maquiavel coloca boa parte dos eventos como sorte, do acaso, da fortuna, retirando do engenho manos 0 motor da hist6ria. ‘A idéia de progresso retomou pouco 2 pouco na et do Renascimento, especialmente a partir das do século XVII Jean Bodin (cf. ibidem, p.19-29, ainda com -vinculos renascentistas, tide por Nisbet como 0 formista. Bodin entendia que o estudlo do passado, e das causas que levara eventos, era fundamental para que se enten- desse o presente. Pa o homem aprendeu aos poucos so- bre a vida em sociedade: -Homens estavam espalhados como animais nos campos e bos- um somente aquilo que poderiam ter e manter pela for- quese ‘sae pelo crime, até que gradualmente eles fossem levados da fero- cidade e barbaridade ao refinamento dos costumes e da sociedade 4 Tim sas vartagdes normals, os paises geralmente movense da ordem para A desordem, ¢ desta voltam para a ordem, porque ~ uma vez que a Natureza ‘lo permite que as coisas do mundo permaneyam estticas ~ quan ‘Rem 0 miximo de sua pereigio e nto ttm mals possblidades de elevars {o, sempre descem do bom to rum, e do ruim sobem de volta 20 bom] 7 Gilberio Dupes ida pela Tei em que nos encontramos. (apud Nisbet, 1980, Apesar das precérias evidéncias, Bodin também tentava en- contrar sempre o progressono desenvolvimento da hist6ria, Por exemplo, a0 comparar seu tempo lo sempre m: rior =, pois a “Natureza posst hecimento que nao podem ser exauridos numa era” (apud Nisbet, 1980, p.123). Para ele o presente do; € 0 futuro seria bém a idéia de ciclos - 0 novo , Por definigio, melhor que o passa- hor que o presente, Bodin publicou seus ia quarenta anos depois da morte de Ma- 1¢ tudo faz parte de um plano divino ntou evitar 0 fatalismo a0 afirmar que os rumos da histéria depen- dem também da vontade do homem. Com isso, erto das idéias de progresso que vigoraram a partir de meados do século XIX. Bodin rejeitava a teoria de degeneracao, via cer- ta superioridade nas ciéncias e nas artes de sua geracio sobre a Antiguidade Clissica ¢ estabelecia uma concepgio ecuménica Parecida com a dos gregos ¢ dos romanos, agora iluminada pe~ lo impacto das grandes navegagdes. As concepedes de progres- so também germinavam nessa época nos estudos de Francis Ba- con (cf. Nisbet, 1980, p.112-5). Para Bacon, a grande renovacio 5 E interessante lembrar, para conteapor a mais de tts séculos de evolugo, ‘unicamente peta forga e pela barbarismo e ferocidade mar- netra de meios entre os dois pases. 38 mito do prog do conhecimento foi visar sua humana. Em vez de sonhar com 0 pasado, haver do Tempo. tecnolégicos — impren: la ~, mudando o esta- do geral na literatura, na guerra e na navegagio. Bacon deixou sugerida a proposta do New Atlantis, um colegiado de ci investigadores voltados a novas descobertas que pudessem al terar as condigdes de vida do ser humano. Nessa direcio, surgi ram a Royal Society em Londres (1660) ¢ a Academia de Ciéncias de Paris (1666). Jf Descartes (cf. ibidem, p.1 7) fol o articulador de algu- mas das da razio— a invariabilidade das leis da natureza, que colidia frontalmente com a teoria da Providéncia divina, Para Descartes, as regras para a aquisicio do conhecimento eram quatro: nunca aceitar nada como verdade, a nao ser que fosse axiomatico; dividir to- ide do que se examina nas menores fragdes pois nao se pode lidar logo de inicio com grandes es; conduzir o pensamento sempre numa ordem l6gi ca, comegando do mais simples e facil para o mais dificil; eraci Ocinar rigorosamente, como numa ciéncia exata, tendo certeza de que nada escapou a ldgica empregada. Faltava, no entanto, uma projecao para o futuro que pudes- ‘se estruturar a idéia de progresso como ela acabou se fixando mais tarde. Foi Fontenelle (cf. Bury, 2004, p.109-10) quem assu- tamente a certeza da inexorabilidade do progresso ia e do conhecimento. Para ele miu iy or meio da evolugio da cit “cada ciéncia desenvolve-se apés um certo ntimero de ciéncias Precedentes terem se desenvolvido, ¢ somente entao ha que es- 39 Gilberto Dupos erar seu turno para abrira concha" Capud Bury, p.110). Mas foi 4 popularizac2o da ciéncia, um dos fcones daquele século, que ‘marcou 0 sucesso definitivo de uma doutrina geral de progres- 80, © avango da astrono! aaa co da Terra ~e a necessi restava-nos, pet roria menos grandiosa par nar nosso futuro de habitantes desse pequeno planeta, Os puritanos do século XVII ja haviam promovido uma ver- indo como base a fé re- jiosa de que o progresso Weber (cf. Nisbet, 1980, p.125), 0 sur terpretando a bfblia, achavam que o Juizo Final seria pre- cedido de um enorme avango no conhecimento, que se espa- Tha inextricavelmente ligados para pessoas como Isaac Newton ( haveria um cataclismo social, um. criagto de uma vida melhor. A ia era de constante avanco, ainda que com tropecos € retro- cessos. reditava que a Providéncia divina &s questdes relacionadas ao progresso, embora © mal existisse, ele achava que do rei da Prissia, Lei cera Fundam CO mito do progresso ‘cada coisa tem sua fungao no universo. Jf que foi Deus quem deci- di essa necessidade, esse € o melhor universo possivel. .. Para pereeber em sua complementaridade a beleza universal e a perfet- ‘gto do trabalho de Deus, nés dlevemos reconhecer um certo per- em frente, umo & perfeicio. (apud Nisbet, 1980, p.157) ainda que “o fim do progresso nunca seja alcangado”, Iden if com certa clareza, a de que o homem constr6i mentalmente realidades sem as quais ficaria impossivel suportar sua solidio ¢ seu desamparo. Imagi- nar um mundo movido pelo acaso, sem Deus ou sem uma dire- Ao inexoriivel de progresso, ainda que no futuro remoto, insuportivel & finitude humana.’ Jé Vico (cf. Nisbet, 1980, p.160-7), em pleno século XVIII, apesar cle extremamente liga- do 2 idéia de Providéncia, deu importante contribuigio a idéia de progresso nas reflexées a respeito do método ¢ dos sistemas de pensamento. Ele concebia a ciéncia como relativamente au- to-suficiente para explicar os caminhos da evolugao. Os séculos XVIII e XIX: dos enciclopedistas @ riqueza das nagdes Foram intensas as disputas ocortidas nos séculos XVIII e XIX sobre se a ciéncia, ali € 4 filosofia dos modernos teria Sido, de fato, uma evolugio sobre o conhecimento dos gregos © mentalmente por causa de seu cariter cumu tura ¢ na filosofia a disputa foi muito mais acirrada. Nisbet lem- 6 Volaremas «esse tema no final deste capitulo. ff a Gilberio Oypos bra varios intelectuais e obras que, & época, dedicaram-se exclusivamente a esse debate. A partir desse momento, a dis- cussto sobre a idéia de progresso passa a ser feita de maneira mais aberta, 2004, p.129-43) era de seus divulgadores. Em seu Projeto para aperfeicoar o gover- no dos Estados (1773) a era de ferro tinha si cia da sociedad entre os selvagens dla América e Africa; ecipou o humanismo dos enciclopedistas, que fizeram definitivamente do homem o smo temperado de cinismo. Ele se preocupava com o enca- deamento causal dos eventos € com as motivagdes imediatas dos homens; os acontecimentos que nao eram guiadlos pela ra- 720 humana o seriam pelo acaso. J Montesquieu (cf. ibidem, p.145-8) investigava as grandes causas gerais ¢ preocupava-se em como os problemas da sociedade poderiam ser controlados idem, p.153-8), digerindo as idéias de Montesquieu, estruturou sua grandiosa Histéria universal. Ee ‘constr6i uma miitua interagao entre todos os fenémenos soci como religito, ciéncia, artes, governo e moral, encadeando-os com 0 progresso. Ao passo que a revolugio do conhecimento a2 CO mite do progresto de camponeses, levantan- cia da corte Bs tence cemativa A degradagao. Ea doa bandeira da ig questio social entrando em cena mais to de progresso, sadores deixavam de lado a influéncia de Deus ¢ abriam esp: [para que o progresso se realizasse por meio da ago humana, ‘gresso" €, entre os puritanos reformi © “pro- res como Marx 0 progresso nano. £ verdade que Deus. Mas, no geral, gresso como Providéncia’, pa poderia ser explicado pelo engenho ssociados & evoluy so notar que, em pleno XXI, voltam a se propagar com intensidade idéias ultraconser- No século XVIII, 0 Iluminismo desafiou a posigao teolégica de que o céu estava longe da terra. A Revolucao Industrial pare- cia tomar possivel o paraiso, e sua imagem era confundida com 4 das capitais européias i culos, especialmente no fulgor da Paris de mercadorias ¢ arca- das monumentais, ambas transformadas em fetiche (Buck- ‘Morss, 2002, p.112). Mas progresso também foi nessa fase, mui- : a . Gilberto Ovpos tas vezes, associaclo a crescimento econémico. Voltaire, por exemplo, gostava de dizer que con dade € progresso ‘eram insepardveis. Com a idéia de liberdade também jé consa- Srada entre os pensadores clessa época, a crenca era que o pro- ‘gresso conduziria necessariamente & liberdade: mais livres as essoas, mais progresso haveria. ’a Franca, 0 abade Morellet (ef, Bury, 2004, p.192) dizia que ia das sociedades representava uma continua altern’n- cia entre luz ¢ escuridao, raziio e extravagincia, humanidade e barbarismo, embora acreditasse na tendéncia de uma melhora ‘gradativa nas sucessivas geragdes. A utopia do progresso estava sendo construida aos poucos, mas com resistencias. Quando ‘Sébastien Mercier (cf. ibidem, p.193-8) escreveu, em 1770, Lan 2440, sua obra foi imediatamente proibida na Franga, Ele toma- va como referéncia a frase de Leibniz: “O presente esta grivido turo" (apud Bury, 2004, p.194). Vi t6ria. Turgot ~considerado o filésofo do progresso — uniu com mais precisio Progresso ¢ liberdadle. Um discurso seu marca a idéia “moder- fa” de progresso ao afirmar que “o curso geral do avanco da humanidade" é marcado por “uma corrente de causas ¢ efeitos Que unem o estado atual clo mundo com tudo © que ocorreu antes” (apud Nisbet, 1980, p.180). Nesse avango, por meio de “interesse préprio, ambigio e vangl6ria", as maneiras sio “refi- nadas, a mente humana minada, nagdes isoladas sé junta. das; lagos politicos e econdmicos finalmente unem toda parte do globo" (apud Nisbet, 1980, p.180). Mesmo com cificuldades, 4 humanidade caminhava *vagarosamente, A grande obra de Turgot rumo a perfé » 10 épocas marcadas pot eventos iosos, mas sim pelos avangos da humanidade, como 0 do- inio da agricultura, Para Turgot, que vivia nos tempos em que 44 (O mito do progresso liberdade a classe burguesa era revolucionsria, ee eee Nisbet, 1980, p.182). Outra inovaclo sua fot atribuir ao nivel de cultura das civilizagbes a medida do seu estigio de avanco. Isso ia contra o pensamento de Montesquieu (cf. ibidem, p.183), por ‘exemplo, que afirmava ser a geografia a explicagio determi ante para o grau de “ de liberdade individual para 0 lum sistema econémico; ¢ a Marx, quanto & de sistemas econ6micos. (Os pensadores franceses tiveram grande influéncia sobre as idéias contestadoras da burguesia ascendente nas, déca- das do século XVIII; € os governos tentaram proibir a divulgacao de suas idéias, consiceradas perigosas aos tronos ¢ aos altares. langar, preparando a Revolugio de 1789. Certamente, 0 exemplo norte-americano também foi muito importante. Inicialmente os te6ricos pensavam em refor- ‘mas, mas 0 estimulo da Declaragio dos Direitos de 1774 €a vi- t6ria das colénias acabaram levando a uma convulsio. O oti- mismo dos enciclopedistas somou-se 3s idéias de sobera popular de Rousseau. As teorias de igualdade deixaram de set especulagio, mais uma vez mirando na democracia i que fundava a Constituiglo Americana. Bury nos lembra que, ‘no primeiro period, a Revolugiio estava t aasmo ingénuo de que poderia ser p © poder de ponta-cabega, inaugurar-se um reino de justica © fe- dade, Sustentado com a crenca do progresso, esse movimen- to acabou ignorando 0 poder da meméria social e das tradi- §0es. A ilusio da grande mudanga acabou se transformando em terror, mas persistiram as esperangas de que mudangas radlicais seriam possiveis. de progresso . . Gilberio Dupas Condoreet (cf. Bury, 2004, p.206-16), um jove dista, passou os dltimos meses de Ihotina e per enciclope- esperando pela gui- lo progresso humano, Ele escre- veu uma biografia sobre Turgot e apaixonou-se pela teoria do ‘rogresso. Em seu trabalho “Esbogo de um retrato hist6rico do Progresso da mente humana", Condorcet no s6 apostava Ro progresso, como também identificava seu rumo em deta- Ihes, di ria em dez, perfodos de evolugio, que coresponderiam a etapas de conhecimento. Os trés primeiros issam pelas sociedades primitivas, a era chegam quarto Grécia antiga, 0 ia grega © as ciéncias na época de Aristételes, No quinto, o progresso softe avangos e recuos sob as » Ro sexto, enfrenta o obscura ‘Mo preparou o mundo para o oitavo: invengaio Condlorcet achava que se re da supe lo por ‘enormes avangos das ciéncias e das artes, A décima etapa, es- va, referia-se ao mundo p6s-Revolugao Francesa, onde a liberdade determinou um periodo para ides humanas, pois o apesfeigoamento do homem é realmente indefinido", O progresso nunca seri vertido enquanto a Terra ocupar esse lugar no vasto sistema do universo, enquantoas eis gerais desse sistema nio pro- duzirem um cataclismo geral ou a depravagdo das capacidades ¢ «los recursos necessirios 2 raga humana. (apud Bury, 2004, p.211) 4“ CO mite do progresto Condor questoes via na educagio peci-chave para a solugiio dos problemas que surgiriam da propria evolugio. Ble era discfpulo, amigo ¢ Di6grafo de Turgot e deu asas is idéias de seu mestre; mas Turgot ‘0 calmo do pesquisador e nao acteditava na necessidade de cet falava com o est de um profeta, Para ele, o sol ainda bri- terra de homens livres ... onde tiranos ¢ escravos, padres e suas estipidas e hipScritas ferramentas teriam desapa- recido” (apud Bury, 2004, p.208). Condorcet fez a ligago entre ‘© progresso do conhecimento € a idéia de progresso social, avangando para melhorar as massas enquanto rag: \¢lo foi ter concebido u exercitando sua razio no vazio. do do seu contexto sox culava-se, ento, sobre as possibilidades de sucesso daquela aventura. Do lado norte-americano, esse debate foi notadamen- te respondido por Franklin, Adams, Jefferson, Benjamin Rush do e numa misstio que teria sido delega Ligados a de "progresso-como-Providéncin’,viam em cada avango que obtinham a prova de que seu trabalho era expresso do plano divino, Muitos eles, John Adams, que tinha grande fé no futuro das instituicdes a Gilberto Dupor Politicas dos EUA. Outro deles, Benjamin Franklin, escreveu a ‘um amigo: ‘Tanto tenho me impressionaclo com dade da humanidade, dos avangos da até mes © crescimento da felici- sofia, mora ~-COm a aquisiglo e invengao de novos instrumentos € 1, 2s vezes, deseje ter sido meu destino nascer dois ou trés séculos mais tarde. (apud Nisbet, 1980, p.200) utensflios Mas, sem ddvida, a grande obra produzida na Inglaterra a Fespeito de questdes sociais € do desenvolvimento humano, no século XVIII, foi A riqueza das nagdes ce Adam Smith (cf. ibi- dem, p.187-93). Ble elegeu a idéia de liberdade econdmica indi- vidual ou “liberdade natural" como motor de um sistema eco- némico eficiente para “progresso da opuléncia”, A ‘metifora da “mio invisivel” do mercado garantia que ele funcl- onaria melhor com mei do Estado, No entanto, © fundamental em Smith foi a exigéncia do “esforgo natural de cada individuo para melhorar sua condigao”. Ble a 'oria gradual do progresso econémico da sociedade explorou 0 conceito de bem enfrentando 0 va queza para a civilizacao e da felicidade para o ser humano. Para Smith, 0 livre-comércio entre povos e nagées seria de grande vantagem para todos ¢ um elemento essencial de sua idéia de Progresso. lisou tra importante contribuic2o dos progressistas ingle- ‘ses ~ aproveitando os ventos da Revolucao Francesa e driblan- do a censura imposta pelo governo ~ foi o trabalho de Willian Goldwin (cf. ibidem, p.212-6), Justica politica (1793). Sua tese defendia a i ‘mente perversas, perpetuavam injusticas e entravavam 0 desen- volvimento. Ele atacava a monarquia e pregava a aboligao dos ‘governos, Embora reconhecesse certos progressos co passado, achava a uma seqiiéncia de horrores. Goldwin ¢ Rous- 48 © mito do progresso seau sto os campedes do século XVIII na defesa das massas ‘primase sofeidas, Mas Goldwin fol alm, enunciando 0 go- ‘veo como fonte de comupgio e pregando que esse “demé- jo” desaparecesse, junto com a autoridade po! entio a humanidade poderia ser feliz. Um pouco depois, quase na virada para o século XIX, aparece Malthus (cf. ibis 1p.216-20) com seu famoso Ensaio sobre o principio da popula- ilo ainda de forma anénima, em 1798. Como sa~ bemos, ele afirmava que a populagto mundial dobraria em 25 anos, mas os recursos para produzir alimentos cresceriam mui- to menos, criando uma situacio insolivel que geraria grave fo- <1 em cingiienta anos. Essas teses alarmantes e pessi- mistas de Goldwin e Malthus tiveram grande impacto na sociedade da época. As condicdes para o surgimento das idéias tas estavam germinando. wra socialisia surgiu simultaneamente na Inglaterra Entre os ingleses, foi em artigo de um periécico edi- tado por H. Hetherington, em 1883. No ano seguinte, socialts- ‘moapareceu em oposiglo a individuatismo em artigo de P. Le- roux para a Ree Encyclopédique. A pat (a0, apreser smo, Sua primeira imon na Franga e Robert Owen na Inglaterra. Se as ins Ponsiveis por criar 0 com os socialistas ¢ idealistas ~ afirmava que o desenvolvimen- to do homem seria um sistema em que a autoridade de um no- Vo Estado era fundament ‘anarquistas. 9 Gilberto Dupas Do lado alemao, ‘génese das seorias do progresso inicio ismo césmico ~ para fir- 1980, p.220-3), Leibniz € excegio entre os pensadores alemaes de sua época, Para os quais o pensamento dom nava-se sempre com aspectos supraindl © propésito do progres- 50 € viabilizagio da liber ividual, por meio da politica: Aistéeia: inidade, vista como um todo, pode ser enten- dida como a realizagao de um plano secreto da natureza para trt- er a0 mundo a constituigio politica .., 0 Gnico estado no qual todas as capacidades implantadas por ela (natureza) na m ‘mana podem se desenvolver completamente. (apud Nisb p.222) 1980, Nao que Kant acreditasse na cet, mas apostava no cont ira perfei¢ao, como Condor- uo avango da humanidade: Ev irei arriscar admitir que a raga humana esteja continuamente avangando na civilizagio e cultura como um propésito nat conseqilentemente, esti fazendo continuo progresso part ‘melhor relacao com a moral e sua existéncia. E progresso, embora Possa ser interrompido algumas vezes, nunca seri compl paral. (apud Nisbet, 1980, p.223) Kant considerava 0 progresso algo provavel, embora seu ‘maior obsticulo fossem as guerras e suas graves conseqiiéncias, Portanto, tudo devia ser feit Paz perpétua. Kant apropriou-se da teoria do progresso, da idéia de reforma universal e da doutri as pOs a servico de sua teoria metafis Fichte (cf. ibidem, p.272-6), em cuja py primeiros anos do sécu ria & plena realizaglo da obra — dataca dos XIX—acentuou que o universo tende- erdade, seu fim e objetivo, Ele cons- 50 mite do progretto catolicismo ¢ de valores do classicismo. Chateaubriand (ct. Bury, 2004, p.263-5), um pensador de grande talento, em Gi sua época era mera espectadora. Enquanto {sso, a filosofia de Vico (Sei , 1832) era traduzida pe- la primeira vez na Franca por Michel tava-se assim a0 es- 12a nuot tomanos. Agora, no entanto, tratava-se de uma espécie de espi ral ascendente, onde cada novo retorno se daria num ps iazendo a humanidade de volta para 51 Gilberto Dupas A Igreja cat6lica da Idade Média havia oferecido 0 exemplo de uma grande organizacio social baseada em uma doutrina geral de natureza religiosa. Agora era necesséria uma doutti- na geral cientifica. © poder espiritual passou ‘lo mais dos religiosos; os cientistas seriam os novos € dirigiriam o progresso da ciéncia e da educagao pi membro da comunidade deveria ter papel e obrigacSes defini- das; € 08 novos caminhos seriam con tados por uma mu- danga gradual, no mais uma revoluglo. Nessa etapa, foi Auguste Comte (cf. ibidem, p.290-306) quem deu a colaboracao ais decisiva 2 idéia de progresso como grande farol rho hui 10, criando uma lei que pertencia exclusivamente a uma “nova” cigncia. Comte pretendia langar as bases de uma nova sociedade baseada no positivismo, usando para tanto até a forga ~ se necessirio fosse. O lema para 0 desenvolvimento dessa sociedade seria “Ordem e Progresso"; ¢ o problema mais, importante era a determinagio de Com apenas 22 anos, Comte publicou o Plano para as ope- ‘ragbes ciemtificas necessdrias para a reorgantzag@o da socieda- quear fica, em que ela se submete aos fatos positivos. A prova incontestivel do tercei- 10 estigio seria o reconhecimento da is do homem como conse- a hist6ria era governa- ingido o estigio permanecia no segundo esti- ositivo, mas o fendmeno soc gio, € era imperioso passi-lo ao terceiro. Outro pri - oria de Cor idariedade, que assegu- raria a harmonia ea ordem do desenvolvimento. O movimento f€ era 0 do consenso ou s 82 O mito do progresso thado, mas osci- através das trés etapas nfo estaria sempre Jando de maneira desigual em azo da raga, do clima e da agio ica deliberacla; esses fatores aceleravam ou retardavam es- nunca, entretanto, paderiam inverter sua ordem se moviment ‘ou mudar sua natureza, No entanto, para Nisbet (1980, p.229-36), foi Spencer quem mais perfeitamente unit a idéia de progresso ao individualismo liberal no final do século XIX. Seu pensamento era baseado na {dia de um proceso que partia de um estadk sgéneo para um heterogéneo. No campo social, isso significa dizer que 0 progresso parte de uma sociedade monolitica, estitica e repres- siva, para uma organizagio social mais diversificada, plural € 10 do Estadio € do governo. de coergio, como uma per- ainda que 0 p.230). Spencer também era um Entendia-os como for sisténcia do uso prim Estado fosse fruto do Ho pen foi essenci mas seria impossivel voltar& vida anterior. Isso ocorrer -evolugio que, por forga das cir- ente desenvolve o resto de nossas facul dades, é inerente 8s espécies e aos in 1980, p.243). Ou seja, uma volta s teirio a natureza humana, Mas, para Rousseau, & medida que 0 homem evoluiu e acumulou propriedade, houve crescente in- Sequranca e surgiu a exigéncia da criaglo do Estado, que aca bou assumindo feigdes trinicas. 53 Gilberto Dupas ssa pode que col sicos; esses pod ah 1980, p.244-5) mem novamente na trilha do progresso benéfico. Essa io da vontade geral. Investido no poder desse novo tipo de governo, yomem poderia restabel seria a fungio de um governo que se ancorasse no princi © que consolidou, de fato, a idéia contemporinea de rogresso foi a revolugio provocada por Darwin com sua A ori- potente da Terra e do homem como centros do universo. Ago- mais uma degradaclo: © homem nao seria mais um: de Deus, mas t hor por meio da ev até um pouco antes do inicio da Segunda Guerra Mun © progresso era sempre suposto como axioma. Mas, para aque- nuava um. (rio, moderna e do racionalismo, bem como & liberdade pol la que se a associasse ao crescimento da nha que elas se desenvolveram com mais latitude. Isso resultou numa concep¢io de Estado-nagio com grande concentragio de poderes, que deveria ser o principal agente incentivador e for- necedor de condigées para o progresso, Johann Gottfried von CO mito do progresso Herder (cf. dade ao longo do tempo, especi Era contra q ‘mento individ kantiano. Mas, aos ; dade, especificamente da nado alemd. presentavam a fnagio a potenci sal; passava-se a tr iam na vanguarda. Esse era 0 ppara 0 qual 0s ci perar por protegiio e imp Essa idéia de progresso, como vimos, permeou a qu: lidade da obra de Hegel (cf ibidem, p.276-86), estruturada so- bre a dialética. Hegel afirmava o conceito de Estaco-nago, €s- hao dever de ga- que os homens se desenvolvessem, ‘io na obra maior do Estado. Nesse ranti conscientes de sua parti sentido, afirmava que (© poder estatal €... um ganho de todos ... onde os individuos s2a essencial express ‘encontram su: cia particular 6 a conscién: base absoluta para todas as suas agdes. (apud Nisbet, 1980, p.251) Hegel, que era capaz. de justificar a guerra por razdes étnicas ‘© progressistas, foi um dos que melhor trabalharam o tema do ain Gilberto Dupes “progresso-como-poder’. Finalmente, no final do século XIX, Karl Marx também acreditou profundamente no progresso ‘advento do comunismo, Porém, com a histéria ta de classes, seria necessario o emprego do po- der até que se do proletariado. do socialismo real ao capitalismo global tomas de descrenga do ambiente intelectual em torno da ‘do durante 0 século XIX, por influéncia — entre outros - de Tocqueville, Buckhard Schopenhauer, Nietzsche e Weber. Apesar le Tocqueville pare- ista quanto ao futuro da democracia, ele apontava inia da maforia ~ que poderia ser resolviddo 5 — € para a equalizagio da sociedade, de progresso j4 haviam aj cer um ot para o risco ele. Schopenhauer, por sua vez, voltava a0 modelo da hi das nagdes como ciclica, indo € voltando do sucesso ao fracas- que a Europa iluminista era pior que a do Renascimento e continuaria se degradando. E, finalmente, Weber denunciava a burocratizagao como um vetor para minagio da criatividade. 56 CO mite do progresto lectuais partilhando dessas Com © tempo, 0 ntimero de desnecessirios e cruéis. id€ias de progresso partir dai — passou- ‘mundo novo, ia de progresso, herdada do século anterior, persist pelo menos até o primeiro quarto do século XX; mas foi quase abandonada no periodo das duas guerras mundiais e, depois, fundida com o Estado-nagio, gerando um vetor de forcas que levou ao conflito seguinte. Hayek chegou a afirmar que ‘rasa’. Apesar da grande massa da ‘glo, na maior parte do mundo, ainda ter esperanga no cont rogresso, 6 comum entre intelectuais question coisa ou, pelo menos, se 0 progresso & desejivel. (apud Nisbet, 1980, p.299) Mas, ainda assim, ele ressalvava que a preservagio do tipo de civilizagio que conhecemos depende da operagio de forcas ‘que, sob condigdes favoriiveis, produzem progresso. 7 Gilberto Dupas Entre os comuni mente como experién do socialismo real - implantado ica na URSS, nos paises do Leste europeu e ia do progresso inevitivel consol dou-se por inexordvel caminho do mundo para uma sociedade sem ses. A progressiva revelagio do aparato ditatorial e repressor do regime de Stélin encarregou-se de introduzir as decepgdes qu imentado foi de uma sociedade fi zer puro ‘tual, onde se poderia receber numa espécie de Terra 0 conceber que as relagdes entre o homem e a maquina se es- tabeleceriam democraticamente, com os homens decidindo o fariam clos novos resses econdmicos do capital. ‘Mas, entre as vertentes erticas centro do proprio pensamen- to marxista, a mais original, quando se trata de reflexio sobre o conceito de progresso, so as teses de Walter Benjamin (cf. Lewy, 20058) em Sobre o conceito de Historia, Esse tral extrema riqueza imaginativa e conceitual, mais parece um des- vio para uma rota desconhecida, um manifesto para a abertura da historia sem nenhuma iusto sobre graus excessivos d berdade absoluta, mas pleno de novas possibilidades, Ele inicia sandonando os trechos da obra de Marx e Engels que atrela- vam 0 progresso inexorivel as “leis da hist6ria’ 58 ‘Omit do progresso nizagio da vi ade e o desencant realiza 0 ataque a ideologia do progresso em no- me da revolugio. As verdadeiras questdes que se impoem ps dade no silo problemas técnic ficos, mas ques- icas de Plato € de Espinosa, dos romfinticos e de Nietzsche, A vida da humanidade & um processo de realizagdo € no um caminhar rumo ao tempo infinitamente vazio, carac- ante na sua época. Ble nilo concebe a revolucao como 0 resul- tado natural ou inevitavel do progresso econdmico e técnico ou da contradigio entre forcas e relagées de produc; pelo con- trério, prega a interrupgio de uma evolugio hist6rica que leva~ Tia A catdstrofe. Sua preocupagao é com as ameagas que 0 pro- ‘Bresso técnico € econdtr sobre a humanidade. Para Benjamin, 0 otfmismodos partidos burgueses ¢ da soct- al-democracia é apenas um “poema de primavera de ma qu: dade”. Contra esse “otimismo de diletantes” ele opde um pessi- do, pritico; prega que acionemos um voltado para impedir a todo custo 0 ad- vento do desastre. Unico dos pensadores marxistas que anteci- 59 Gilberto Dupat (© mito do progresso da hist6ria” levariam, necessariamente, & cri- ria do proletariado — na versio Pou com premoniglo as catistrofes que ameagavam a Europa ¢ sociedade, na versio s0% limentando, sobretudo, a técnica da guerra, E reco meciinico nao s afastou-se cada vez mais do marxismo oficial de St a i la ajuda da teologia, que é 0 pequeno anao escon- ardasse admirag2o por Trotski O ensaio Sobre 0 conceito de Historia foi salvo pou foculta no interior do material Paris. Ele conseguiu enviar o manuscrito a Adorno, nos EUA, aparentemente por meio de Hannah Arendt. A mente envolvidas na temdtica que tratamos aqui, esse te extraido de Michael Lowy. ‘TESE I~ Diante do taby jue repousava sobre uma ampla sa, sentava-se um boneco em trajes turcos. Um sistema de espe- Ihos despertava a ilusto de que essa mesa de todos os lados era transparente. Na verdade, um ano corcunda, mestre no jogo de gia que se tornou um boneco imol xadrez, estava sentado dentro dela e conduzia, por fios,a mio do Be rismo a revitalizou. boneco. Pode-se imaginar fia uma contrapartida dessa aparelhagem. © boneco mo hist6rico" deve ‘TESE II A imagem da felicidade que cultivamos est inteiramente sganhar sempre. Ele pode medirse, sem sitio, desde que tome a seu seri mente, é pequena e feia ¢ que, de toda man Histria toma por sua causa, passa-se 0 mesmo. Nao nos sar ver. Ghidem, p41) I ls, levemente um sopro de ar que envolveu os que nos precede- fam? Nao ressoa nas vozes a que damos ouvidos um eco esto, ag Ireas geragdes passadase a nossa, Fomos esperados sobre 1 Vez por todas, nos remeteu o de~ tingida pelo tempo a que, ‘curso de nossa existéncia. Com representagio do passado, (© materialismo histérico percebe a hist6ria como um ‘maquina que conduz “automaticament 0 de a0 triunfo do socialis- 60 Gilbeso Dupes Nos foi dada, assim como a cada geragilo que nos precedeu, uma fraca forga messiinica arefas do aniio teolégico escondido Ro materialismo. Mas, para que a redengo acont a reparagio do soft midos da hist6ria. Cada geragio possui messifnico e deve se esforcar para exercé-la, Enfim, cabe aos hhomens fazer sua pr6ps garantida, € apenas u preciso saber agarrar. ‘TESE IV — A lta de classes € uma uta pelas coisas brutas e materta- is, sem as quais ndo bd coisas finas eespinituats. Apesar disso, estas tiltimas ...pordo incessantemente em questdo cada vitérla que cou- idler, p58) Os personagens de Brecht em A pera dos irés primero lugar, 2 comi que a classe dominada no conseguiria lutar por su: cio se no fosse estimulada por algumas qualidades morais. Lowy, o olhar de Benjamin tem a perspectiva dos ver © uma visio evoluciondria da hist6ria como acumulagio de “conquistas”. ‘TESE VIII ~ A tradiglo dos oprimidos nos ensi excegio” no qual vivemos € a regra. Precisamos “estado de eg 2 © mio do progresso ist6ria que dé conta disso. Ent ‘nossa tarefa, a de instaurar o real estado de excegao. (Lowy, 2005a, ps) Um dos trunfos do fascismo teria sido a confusio entre seus TESE X — ... 0s politicos, em quem os adversirios do fascismo ti- nnham colocado as suas esperangas, jazem por terra ... A crenga bstinada desses politicos no progresso, sua confianga em “base dle massa’ e, finalmente, sua submissio servil a um aparelho foram 2s aspectos de uma Unica e mesma coisa m, p96) ‘TESE XI ~ 0 conformismo que, desde o inicio, sen na social-cemocracia, adere no s6 a sua titica pe bem as suas idéias econdmicas ... Nao ha nada que tenha corrom- pido tanto o operariado alemilo quanto a crenca de que ele nadava ‘com a correnteza, © clesenvolvimento técnico parecia-Ihe o decli- cia, era apenas, Itabalho, cujos lago Gilberto Dupas que levaria necessa fico” no sentido positivis- te poderia levar 0 movimento operirio & passividade e ao imobilismo. Benjamin percebera claramente o aspecto modero, incado" do nazismo, asso- clando 0s maiores “progressos dominio militar —aos mais terriveis retrocessos sociais. O que, € claro, nao quer dizer que ~ para Benjamin —o progresso técnico seja necessariamente nefasto. Radicalizando o argumento, Enzo Traverso (cf. Lowy, 2005a, p.103) lembra que nos campos de mente 20 triunfo do soci ta, na realidade somé -cnicamente ccapitalista de que falava Marx, 10 de Taylor e a adimi rocritica segundo Max Weber. A transformagio radical da socie- dade, 0 final da exploragio “nao sio uma aceleragio do pro- ‘gresso, mas um salto para fora do progresso” (ibidem, p.99) ‘TESE XII ~Nessa escola a classe trabalhadora desapt dio quanto a vontade de sa dos ancestrais eseravizados, dos. 108) apenas quando serve par p.108), Benjamin afirma: Nao sou daqueles que pretendem que o progresso seja Sbvio, Para ele, como comenta Lowy, um elo fundamental hist6ria: 0 proletariado modemo seria o herdeiro d ‘© mito do progresso romano, seus ancest Babilonia, os torturados e que' “martires dle Ch poema “Aos que vierem depois de nés”, Brecht pede as gera- es que se lembrem dos sofrimentos da sua. “Pedl- que vierem depois de nés nto a g 10 de nossas derrotas. Is80 € 0 finico consolo dado aqueles que niio tém mais esperancas de serem consolados" (apud Lowy, 2005a, p.115). ‘TESE XIII - 0 progresso, tal como ele se desenhava na cabega dos Tinicos momentos de dades, quando os op ‘emancipar. TTESE XIV Ahi 80, eujo lugar no € formado pelo tempo homogéneo e vazio, mas saturado pel Powde-agora, A moda tem faro para o tual, onde quer que ese se ‘mova no emaranhado do outrora. Ela é 0 salto do tigre em diregl0 Gilberto Dupas dialético, que Marx compreendeu como sendo a revolugio. (ibi- dem, p.119) Cada instante contém uma chance tinica, uma constelagaio singular entre 0 relativo e o absoluto; o m« de rememoragio, qi hhist6rica, Ha o caso dos atos emblemticos em que se nos rel6gios durante a Reve nper 0 tempo vazio, como Josué, seguida — 20 futuro. Salvar inspirar para interromper a catistrofe presente cons diregio a0 pasado”, presenga explosiv: nancipadores da heranca cultural revolucionaria no 10 dialético sob o livre céu da hist6ria inspiran- momento explosivo do passado carregado de ser preciso tecer a trama do pre- sente com os fios da tradicio que se perderam nos séculos. mentos presente, © do-se de pelos navegantes portugueses, um grupo de indi chas contra um reldgio patrocinado por uma grande rede de te- Tevisio que marcava os dias e as horas do centenatio. ‘TESE XV — Os calendarios no contam 0 tempo como rel6gios Ainda na Revolugio de Julho ... chegado anoitecer do primeiro dia de luta, ocorreu que em varios pontos de Paris, a0 mesmo te ‘TESE XVI - 0 Historicismo arma a imagem “eterna” do passado; 0 ‘materialistahistérico, uma experiéncia com o passado que s {como nica, deixando aos outros se desgastarem com a pro era uma vez" no prostibulo do © bastante para fazer explodir o continuo da sua intuig2o divinar Dizem que irrtaclos contra a hora vos Josués ~ a0 pé de cada sram nos relégios para parar o dia. (idem, p.123) torre — de suas foreas, historia. (ibidem, p.128) (cho indlustrial-capitalista foi dominada progressiva- mente, desde o século XIX, pelo tempo do relégio - de bolso, de pulso, da torre, agora digital e visto em toda parte -, que me- deo tempo de maneira exata, estritamente quantitativa e obses- siva. Lowy lembra que as paginas de O capital stio cheias de ‘exemplos terriveis da tirania do relégio sobre a vida dos traba- Mo”, recebia os vencedores um apés outro. Nai "105 para se dar a um e, em seguida, abandoné-lo em prol do se- 66 Gilberto Dupas (O mio do progresso imagem do pasado como experiéncia tinica. Trata-se de perce- na social-democracia de inspiragio neokantiana € seu imobilis- ber — “num lampejo" — a constelagio cr que esse fragmento: do passado forma repentinamente com o presente. Mais uma vez, Lowy faz uma associagio com movimentos recentes na ‘América Latina, Na sublevagio zapatista de Chiapas, em janeiro de 1994, por ‘um “salto de tigre em diregio ao passado”, os combatentes indi- genas do EZLN — Exército Zapatista de Libertagio Nacional contaminaram-se com as energias explosivas da lenda de Zapa- ‘a, rompendo 0 conformismo € rompendo a pretensa continui- que cada momento hi ] tencialidades revoluciondrias, as quais os revolucionitios de- rol do rompimento Para Lowy, essas teses 7 flexao: “A busca di jo mexicana de 1911-1917 eo regi- BB espetho: me autoritirio de PRI. A utopia foi resgatada no discurso do seu ‘comandante: alavras dos mais antigos de nossos antepassados se en- ia, Apareceu a ima- | El vimos o lugar para onde deveriam evoluir nossos passos para se tomarem verda- deitos, ¢ 2 ‘aos se encl Quanto a esperanga, por enquanto é va. TESE XVIIa ~.. Na ealdade, nao hd um $6 a _histéria continua aberta e comp. gue consigo a sua chance revo pe | lcionarias e emancipadoras,n definida como uma chance : tarefa inteiramente nova ' ‘min pocem parecer revelar um de estrtamente com a ago politica. A sociedade sem classes no é Mas ele estava muito menos preocupado com met €speranca” do que com a necessidade urgente de orga Pessimismo, ou, como diz Lowy, Aha que canta” do que nos perigos imine humanidade. E, né 0 hist6rico nos oferece é fartissimo. 0 progresso na histéria, mas sim sua interrupga0 nalmente efetuada. (ibidem, p.134) O reino messifinico e o tempo meciinico produzira minismo, a idéia bastarda de progresso. © que Benjamin 68 0 cil 0 Dupos (© mito do progresto Do ponto de vista de um futuro diferente, 0 discurso tinico Para uma concepeio aberta da histéria, a aco emancipado- dominante atual traduz uma concepgao categoricamente fecha- a-revoluciondria deriva, em tkima andlise, de uma espécie de dada hist6ria; em suma, 0 néo bd alternativa ao modelo que.es- ‘aposta onde niio hé nenhuma garantia de sucesso. O imperati- 1 af ransformou-se até em sigla (NHA). De acordo com essa ¥y0 categ6rico ético que preside essa ago, Marx o havia formu- perspectiva dominante, apés a queda do socialismo real, o tri ¥ Jado assim: “Lutar para derrubar todas as condigdes sociais em unfo do capitalismo glob: s que 0 ser humano é um ser rebaixado, subjugado, abandonado, desprezado. Lutar pela supressto dos sistemas socias injustos e desumanos" Capud Léwy, 2005a, p.157). A contribuicao funda- entre os destrogos das du mental de Benjamin ao sentido da hist6ria, segundo Lowy, & conseqiiéncias, durou pouco. O sinal de alarme mais estridente fugir da celebraglo das rotas hist6ricas de mio tinica escritas parece ter sido os ataques terroristas as torres de Nova York | pelos vencedores e ca inevitablidade da vitoria dos que triun- busca ut6pica lade teve a faram, assumindo a constatagio essencial de que cada presente , do barco que sai em busca da des- idade de futuros possiveis. Muita coisa € evi- tvel, como teria sido a eventual decisto de nao fabricar a bom- culo XIX, o das grandes invengbes, predominou a ima- ba nuclear, apesar de dominar 0 ciclo atmico completo. Ou, rem que avanga para um futuro resplandecente, Ber pelo menos, de nao langi-la sobre Hiroshima ¢ Nagasaki. A Sree Cie eee ee pprofunda mensagem de esperanca de Benjamin & que o futuro se eerie ideo iain acetate ecicacton pode reabrir os dossiés hist6ricos fechados, cen pea fone ctreennein aialten ease eteteenee ace irp: |] caluniacas, reatuatizar aspiragdes vencidas, redescobrir bons gresso, como veremos durante os capitulos seguintes. O trem combates esquecidos — ou considerados ut6picos ¢ anacrénicos da hist6ria estaria mais uma vez avangando em direglo mo. E preciso acionar urgentemente 0 freio de emergéncia. E Progresso. rocurar novos caminhos para evitar que essa viagem coletiva termine em catistrofe. Trata-se de um brado de alerta, uma ten- tativa desesperada — e fundamental — de impedir 0 pior. Benja- __ As contribuigdes da psican s e da escola de Frankfurt hum: =, especialmente por estarem contra o discurso hegem@nico de refere-se m como 0s uj tos da prékeisemancipadora. Mas, na metifora do trem, € toda a humanidade que ele faz acionar “os freios de emergéncia”. Es A nog de progresso foi afetada também, durante a maior abordagem universalista 6, na atualidade, ainda mais funda- atte do século XX, pelo advento das novas doutrinas psicanali- mental, pois permite repensar a emancipagaio social ¢ a supres- | ticas. Sigmund Freud, seu fundador, dedicou algumas de suas sfio da dominagio do ponto de vista da multiplicidade dos su- Feflexdes A questio do progresso. Para cle a civilizaglo humana. jeitos coletivos ¢ indi =entendida como tudo aquilo em que a vida humana se elevou aeima de sua condigio animal 7 Gilberto Dypas CO mito do progresso Inclui todo © conhecimento e capacidade que o homem adquiriu fim de controlar as forgas da natureza © extra ladles humanas; por o1 ‘goas com uma compreensio intema (insigt) ~ dades da vida, e que se tenham erguido 2 al proprios cesejos instintuais. Geragies novas que forem edi justar as relagdes dos ho- ‘com bondade, ensinadas a ter uma {que experimentarem os beneficios da ide diferente com ela. Ser elevada da razio, € tero uma at taro prontas, ferentes a0 trabalho e 8 satistago i ppara a sua preservagio. Estara 0 diferirio dos seus lideres. (bide suse Mas “fica-se com a impressio de que. ci foi imposto a uma maioria resistente por uma minor que com- preendeu como obter a posse dos meios de poder coer¢io" Gbidem, p.16). Embora reconhecesse que a huma ‘Nada parece tRo distante dessas premissas quanto 0 quadro, efetuado evidncias de que um pro- Herbert Marcuse, alimentando-se das construgdes psicanal- manos. Ele nao parecia co = umteprde- ticas de Freud ~ e embebido nas idéias da Escola de Frankfurt: namento das relagdes hui s “fetoma a questio sobre © progresso afirmando que conceito insatisfagao para com a ci | perturbados pela discérdi | a repressiio dos snamente & aqui tema ~€ renunciando & coergio € intos , os homens pudessem dedicar-se que estivamos apenas com das capacidades humanas utilizados para uma submissio cada aque se ¥vez mais ampla da natureza e do meio ambiente. A apl que estariam presentes em to- Hesse conceito, associado 2 I6gica ca le prod peat tendéncias destrutivas e, pare ti-s¢ FOU apenas mais riquezas como actimulo geral de bens. Nao Gabem aqui consideracoes sobre o cariter excludente desse sis- ‘tema de producio, que mbém gerando mais concen- portamento delas na sociedade humana. Tago de renda e miséria em amplas partes do mundo. Até por- Freud s6 consegue esbocar um certo otimismo — um peque- Glee, a0 tempo das reflexdes de Marcuse sobre o eespao para a utopia ~ ul NOS anos 60 e contidas na chamada fase *dourada” do capitalis- ‘Mo -, ainda aparecia como yr ao modelo vigente a ele achava que a ci ergo ea rentincia a0 € indo a seguinte bela construcao $6 através da inf ‘exemplo e que se recor ia de individuos que possam fornecer um scam como lideres, a8 massas podem ser induzidas a efetuar o trabalho ¢ suportar as rentincias de que @ cexisténcia depende. Tudo correrii bem se esses ideres forem pes- a 73 Gilberto Dupos (© mio do progresso indo a vertente il lista de Hegel ¢ do undéncia, que € essencial a liberdade, aparece como fi 0,2 saber: um maior ntime- 5 que, conscientes do valor pudessem incitar sua ampliagio. cujo crescimento Ideve set considerado o valor supremo € 0 principio motor. A li como fim em si, ¢ rigorosamente disso- iberdade infeliz, aparecendo co- ‘mens, ao desaparecimento da escravi mo um fardo (Marcuse, 1968). slo e do soft ss eram levantadas por Mi rento. A época de Marcuse, tentava-se resolver a sses dois conceitos colocando a evo! técnica como pré-condiglo para todo progresso humano:'o do- gerando a riqueza social e possibilitando a realizagio das neces- sidades humanas. Aprencemos nas décadas finais do ‘que progresso técnico nio conduz automatic 10 poderiam ser, assim, que esta fundada na restrigao, no regido pelo is quer do que evitar a dor e obter m, a rentincia as pulsdes tornar-se-ia decorréncia Jinevitivel do trabalho penoso e das frustragdes que, enquanto tomariam © argumento de Marcuse progresso, o trabalh vida, no importa 0 quanto sat ra que, dentro do conceit Possivel o progresso da civilizacao. essencial a0 progresso por sto dle morte — | des humanas ficaram relegadas para os bobbies, a | lazer apés 0 trabalho. No novo conceito de progresso, satisfac, realizaglo, paz € felicidade passaram a ser subordinadlos, deixando de ser fin dades em “fago das necessidades seja possivel: eros s6 aspira a um prazer “sempre mais intenso e curack ro; e a pulsio de morte tende jquilagio da prop aparece essencialmente como um prin- seria preciso conter as pulsdes cipio de indo ¢ reprimindo os instintos. Segundo a idéia de progresso em vigor, ade é definida em relagio A coacio das pulsdes e los sentidos como transcendéneia. Essa ragdes que a socie- 7 75 CO mito do progresto Gilberto Dypas eles fossem mantidos no trabalho alienado, permanecendo dade. Nesse sentido, o principio de realidade seria idéntico a0 Principio do progresso, canalizando energia pulsional para 0 trabalho desprazeroso € socialmente produtivo, Na linha freu- diana, Marcuse lembrava que tudo comegara com a proibigio do incesto. ‘Tudo teria comegado com a imposigao absoluta do pai pri- ivo, 0 mais forte da hort, estabelecendo sua dominago a0 {lo dlela todos os outros membros. Em suma, um déspota que seaproveitava da escassez e da fraqueza e reservava apenas pa- , atribuindo tarefas aos outros membros «a horda. imposta pelo pai, significa a der- do principio do Nirvana, ¢ a ua subordinagio 4s pulsdes de vida. Pols no desejo incestuoso pela mae vive também o fim dimo da pulsio de morte, a regres- silo a um estado sem dor, sem necessidades e, nesse sentido, a0 es- tado prizeroso anterior: sefivel quanto mais a propria vida & sentida como desprazerosa e ccheia de dor. (ibidem, p.4) "thos contra o despotismo do pai, O pai acabava assassinado pe- "fos filhos ¢ devorado coletivamente numa refeigao finebre. A dominacao teria acabado, segundo Freud, quando os filhos re- Dpeldes ou irmios entenderam que € impossivel naio haver do- ‘minagdo e que 0 pai era necessério, por mais despético que fos- ‘8. O pai € reposto como moralidade; rentincias ¢ restrigdes so ss pulsdes, no lugar daquelas exigidas pelo p: teriorizagao da dominagao paterna — origem mento, que se torna tanto mais de- ‘Transformada dessa forma, a energia da pulstio de morte ae “Vilizagio. A repressio das pulsbes tornar-se intiria e fnteriorizada; e a dominagio paterna reapareceria na figura dos ‘muitos novos pais que irio impor 20 préprio cla restricio das ulsoes e assegurar sua transmissio 2s novas geragbes. Essa dindmica repetirse-4 de uma forma atenuada, segundo conhecidos dentro ¢ fora da nacio; energia destrutiva em moral soci pondo ao ego as exigéncias do meio dessa transformacio reps _gresso cultural se torna possivel ¢ g Submetida ao principio de ultura e da civilizagio: na puberdade, como rebeliao de todos 95 filhos contra todos os pais; no recuo a essa rebeliaio apés a ionais originais, prazerosos mas socialment sformaria em produtividadle soci Contexto social, numa submissio voluntat exigida pela sociedade; em seguida os 108 pais, O mesmo ter folucdes € seus retornos, caso Ja um potencial ainda maior para mais produtividad« sucessivamente © progresso a patamares sempre uma espécie de circulo vicioso do progresso. As ‘goes dos homens estariam condenadas a ser continuamente sa- 7 Gilberto Dupes masse de um estigio em que a eliminagiio da repressio das pul- sdes se tomasse uma possibilidade histérica realizavel. Ele consti6i, entio, a sua utopia ainda tipica dos tempos ant a crescente mecanizagio fores sional desviada para o trabalho das pulsbes de vida Nesse caso, com todos os individuos provides de suas ne- cessidades igo geral de uma sociedade , 0 tempo da vida seria o tempo livre. Para isso, seria preciso que um principio de realidade qualitaiva- mente diferente substituisse © prin vo, trazendo consigo uma mudanga radi bem como no préprio plano h qtiéncia seria que s forcas e todos os comportamentos cerdticos que haviam sido restringidos e dessexualizados pelo de repressivo poderiam ser reativados. Em conseqtiéncia, a sublimagio “no s6 nao acabaria, mas, inversa- ado voltasse a ser energi ser mera sexualidade para tornar-se uma forga que determinaria © organismo em todos os seus comportamentos, dimensdes € lades. Buscar a satisfagio em um mundo de fel principio sob o qual se desenvolveria a existéncia huma- nna” Gbidem, p.6). A experiéncia fundamental da vida jé no seria a luta pela existéncia, ¢ sim a sua fruigio. O trabalho alienado transfor- mar-se-ia no livre jogo das forgas e das capacidades humanas. (© tempo ji no apareceria como linear, mas como curso lar, eterno retomo, da forma que Nietzsche 0 pensou como “eternidade do prazer”. Assim, a busca da satisfago, apropria- da A natureza conservadora das pulsdes, seria capaz de rei 78 ‘© mito do progresso sob um principio de progresso 10 se transformasse em livre jogo das {fazem de conta que no percebem — & que as sociedades tives- ‘uma divisto justa da riqueza entre seus mem- Ibros, ce modo que suas necessidades materiais estivessem sa Aisfeitas © que o cio aparecesse como sin6nimo de prazer, € “ino de *barriga vazia" por falta de trabalho. Marcuse deixava claro, no entanto ~ relembrando que o fa- zia na década de 1960, qué a realidade de sua época jf nada ti- ‘nha a ver com as hipéteses ut6picas que levantou fexatamente 0 contririo, Ele concluiu: FE certo que nto se pode imaginar maior contraste entre essa Utopia ea realidad do que aquele que existe atualmente. Masta vex a importincia desse contraste ‘Quanto menos a rentincia € as resrigdes so mente necessérias, tanto mais os homens precisam ser transforma- repressiva que os desvia da idades sociais em que teriam pensado por | Conta propria. Talvez seja hoje menos irresponsivel pintar uma "Wtopia fundamentada que difamar como utopia condigdes € possi- | Dilidades que j& hé muito se tomaram possibilidades realizaves, Gbidem, p.8) Mais uma vez, também essa utopia marcusiana, compreen: Vel diante das realidades dos anos 60, parece soar totalmente Gilberto Dupas lugao da histéria. O segundo, Jiirgen Habermas, d em tempos de Guerra Fria ~ a transfor técnica em instrumentos ideol6gicos do cay mente como hegemdnico. ramente, em 1955, condenado pela , los penetra, nos molda” (apud Dupas, 2005c, p.A2). Como um ci ‘le sugeria que a primeira fonte da verdade religiosa deveria ser encontrada no mundo real ¢ no no magistério da Igreja. ‘Assim como Marx, que havia virado de cabeca para baixo a filosofia ¢ a sociologia, Chardin tentava 0 mesmo com a teolo- gia. Para ele, a ciéncia poderia ser um espelho no qual se pode- ria ver refletida a imagem de Deus: Se eu perdesse a fé em Cristo, como resultado de alguma revo- lugio interior, sinto que cont acreditar no mundo. £ por essa Fé que eu vivo; € por ela, no momento da morte, elevando-se sobre todas as minhas dividas, eu me entregaei. Gbidem, p.A2) Essa visto magnifica de um cientista que nao queria perder a {€ foi sua perdicio pessoal. Mas, com ele, durante poucas déca- las a Igreja ganhou novas perspectivas e abriu brechas em suas rigidas couracas para que cristios invocassem Cristo como mo- "4s sociais como objetivo maior © mito do prog ‘compromisso com 0 mundo da natureza e dos la eterna), lutar pelos oprimidos e pelos excluidos, proteger a qureza como uma expressio do proprio Deus foram belas metiforas que engajaram seguidores da Igreja com a politica € com os movimentos ce esquerda, De alguma forma recuperan- do a idéia de progresso, agregando a ela mais uma vez os valo- ard de Chardin tentou smo e ciéncia numa visto de hist6ria do cosmo em /o aperfeigoaria © homem e, em conse- semelhantes esta- por Bei ‘agio entre marxismo e ide perplexidade ¢ incompreensio na Igreja € inspirou as 5 da “teologia da libertaga Gilberto Dupos -ano, restaurando a Igreja sob a otientagio do proprio cardeal Ratzinger. Os expurgos na Companhia de Jesus foram teologia da libertagao muito du- Leonardo Boff, meio in, sofreu duas condenagdes e foi gado a afastar-se da Igreja, Ele tentou, a0 estilo de Chard conciliar nao a ciéncia, mas sim a mensto de siralizar 0 mundo foi rejeltada na prioridade pela f6, pelos dogmas ¢ pela vida eterna, Assim, a Igreja foi perdendo oportunidades de iluminar ca- minhos para o renascer de utopias terrestres e da transformacao do mundo. E também nao se engajou duramente no compro~ misso de preservagio da vida por meio da luta pela protecito do meio ambiente, esse novo “imperativo categorico” batizado por Hans Jonas. Ao contritio de Joao XXIII, a prioridade de Joao Paulo I foi o pastoreio das . Afinal, nenhuma grande Imas”. Afi surpresa. Dogmas slo incompativeis com ciéncia e filosofia, que exigem espago aberto para 0 questionamento, o susto da descoberta ¢ a busca de valores éticos, tomando-se como base ‘© homem, Quanto & politica — gostem ou nfo, e seja na ago ou ‘omissio-, nada escapa a ela no seu sentido amplo de organiza- ‘¢80 da agi coletiva para a busca do bem comum. Ja no inicio do século XX, a Igreja Catélica fez sua aposta escolhendo 0 que Ratzinger representava, Em vez de abrir espagos para 0 so- centando sobreviver pela continua revitaliza- Ao de seus mitos, dependente de comportamentos de massa sensiveis a0 estimulo midiético capaz de mobilizar multid&es na morte de seus papas. Feita essa op¢io, ela estar competindo com outros proces- ‘808 psicossociais competentes que com ela concorrem, £ 0 a2 O mito do progres gue evidencia 0 avango dos evangélicos com seus templos gi- escos € a promessa de curas e con cinio da realeza ~ que mobilizou ida globalizacto que garante a Paulo Coelho n pelo mundo afora. A Igreja, sempre muito sens idos tempos ~ que chama de “Iuzes do Espirito Santo’ XVI, ela parece ter voltado a ficar mai “mais proxima do seu Deus. E, com isso, o discurso hegem6ni- +€0 da globalizacao perdeu um dos seus cri " portantes. | Otrabalho seminal de Habermas sobre o tema do sentido do [progresso foi La technique et la science comme *idéologic’, licado em 1968, Em seu preficio, Jean-René Lads izou a ciéncia a ponto de torn stante dos homens 0 numa ideologia que pode solucionar todos os prob! Como o progresso cientifico e técnico é acumul “Bo é um “tigre de papel” e busca uma arqueologia da nogao de sso. Ele lembra que no século XVIII a ciéncia prometia Bresso intelectual e moral para todos: era a chegaca do esp\ ito das luzes. No século seguinte o progresso técnico prometeu wiado a fim de atenuar sua ica revolucionatia, Foi depois das grandes invengdes do sé- lo XIX que ciéncia ¢ técnica entraram numa relagio de de- Gilberto Dupar trugio), deixando de fazer sentido as convicgdes do idealismo alemao quanto as virtudes formadoras da ciéncia. A propria ins- ‘uiglo universitiria muda de natureza e o complexo cientifico técnico integra-se definitivamente & produgio de bens ¢ servi- 0s. O modo de producto capi permanentemente a renovacio das técnicas para operar 0 seu conceito motor schumpeteriano de destruigio criativa: ou seja, produtos novos a serem promovidos como objeto de desejo, sucateando cada vex mais rapidamente o produto anterior ¢ mantendo a l6gica de acumulagio em curso. Integrado A grande corporacio, € com a primazia crescente do setor técnico-cientifico, 0 pes sador contemporiineo esti vinculado aos mesmos prineipios da divisto do trabalho que vigora na economia geral Ao discutira tese de Herbert Marcuse sobre como o poder li bertador da tecnologia se converte em obsticulo a liberago do homem, Habermas lembra que Max Weber (cf. Habermas, 1973, p.3) introduziu 0 conceito de ractonalidade para caracte- rizar a forma capitalista da atividade econér ‘guesa das mudangas ao nivel do di ma disfargada de dot sociedade, Para ele, o conceito de razo técnica era — ele mes- mo — ideol6gico, pois técnica ja € dominagao metédica, cient cae calculada, Nas sociedadles capitalistas industrialmente desenvolvidas, a dominagio tendeu a perder sua caracteristica de exploragio € de repressio, para cobrirse com o manto da raci de. O crescimento das forgas produtivas veio acoplado ao progresso 20 € técnico, associado ao crescente dominio da nature 22 € da produtividade que asseguraram aos individuos condi- a4 Omito do progresso sempre mais confortiveis a partir da idade mo (anos 60-70). Nesse universo da tecno- fesenta sob a forma de uma sub- ‘que dé mais conforto a existéncia gumenta a produtividade do trabalho. Assim, a racional ica nilo poe em causa a le formacaio a longo pratzo de ‘a intengio é a de manter uma dominagio ocultaca por uma re- 108 técnicos. Deformada pelo c ia de uma simples ‘um computador pode estar a servigo de uma socie ide capitalista ou socialist foguete langador pode nuclear quanto um satélite de comuni- ies. Como determinar, entao, o que significa dizer que a for- racional da ciéncia e da téc bra que as civilizagées apoiadas sobre uma bas al, operando com inovagées técnicas mui te ts séculos, nunca gera duas centenas dle délares por ano per capi © © modelo estivel de produgio pré-ca Gilberto Dupas , religiosas ou metafisicas. Foi s6 depois que o modo de pro- dugio capitalista dotou o sistema econdmico de um mecanismo que assegurasse 8 produtividade do trabalho um crescimento continuo ~ com excegio das crises — que a introducao continu: de inovagdes, novas tecnologias e estratégias fo insttucion zada. Como Schumpeter e Marx neira, o modo de produgio capitalista € um mecanismo garantir um alargamento das atividades racionais que by isseram, cada um 2 sua ma- modo de produ- universal a ter institucionalizado 0 crescimento econémico ¢ sua auto-regulacio. O que passa a ser novo & um nivel de desenvolvimento das forcas produtivas que gera per- ‘manente expansiio racional das atividades, buscando um fim; e pOe em questio a forma de legitimagio da dominago por uma interpretagao cosmolégica do mundo, ento em vigor. Sto vi- 0es miticas do mundo tentando responder duas questdes fun- rentais: 0 sentido da vida coletiva e o destino individual. 0 capitalismo se define por um modo de produgo que situa tan- t0.0 problema como sua solugio. Sua legitimagao j4 nao emana da tradigio cultural, mas é estabelecida sobre a a0 sistema social do trabalho, ou seja, cada um é livre para ven- rabalho no mercado pelo melhor prego. © quadro ins- tamente econdmico € apenas indiretamente imaglo econémica permite ao sistema de domi- CO mito do progresso [No processo de secularizagio, as visdes do mundo tradi iperciem seu poder e sio transformadas em éticas, crengas ubjetivas que asseguram © cariter obrigatoriamente pi ls orientagdes moclernas em Na sua Economia politica, ele {ruturou sua teoria do valortrabalho destruindo a ilusio de li- lo para, segundo Marcuse, legitimar a n Osas para o sistema, que ameagavam o capi idova si mesmo. A forma privada de exploracao do capital fgia corretivos estatais, no minimo para estabilizar os ciclos ondmicos. Além disso, o Estado combinava o tema da ideo! fa burguesa de desempenho com a garantia de um certo em-estar, incluinclo-se a perspectiva cle seguranga cle empre- Com o Estaclo visando estabilizar as disfungdes do sistema, Politica adquiriu um cardter negativo: orientava sua agio para riscos que poderiam p6r o sistema em perigo, nto para i finalidades priticas que interessam diretamente a0 ci- € voltou-se para temas técnicos que escapavam & com- Kensio ¢ ao interesse piblico direto, Para Habermas, isso exigiu uma despx zac st cla populacio, com a opinito péblica percendo sua fun- Politica. Para tornar plausivel diante das massas sua propria a grande 7 Gilberto Dypas despolitizagao, surge a ideologia do progresso técnico no qual ciéncia e técnica assumem o papel de garantidores vel redengio. Com 0 aparecimento da pesquisa industrial em industrial sto do Estado, v¢ fluindo para 0 setor civil. Fe indo as condigdes de ay larx a concebeu, Nao havia mais senti © progresso técnico-cientfico havia se transformado numa fon- te independente de mais-valia em relagio Aquela outra que Marx considerava, reduzindo agora a importancia da forca de itura bastante confundidos com os de manter o sistema de acumulacio, continuavam a determi- nar a dirego, as fungdes € a rapidez do progresso técnico. A ava uma certa lealdade das, Foi assim que 0 progresso {quase auténomo da ciéncia ¢ da técnica transformou-se em va~ rlivel independente. Para Habermas, dai resultou a percepgio de que a evolugio do sistema social parece ser ceterminaca pe- ico. A politica fica Implantada a ilusio do progresso técnico redentor, a propagan- du se encarregou de explicar e legitimar as razdes pelas quais, des modernas, um processo de formagio democri interessam ao cidadiio e conformar-se com decisoes plebiscita- 88 Omit do progresso is como quem serio novo chefee de Esta- jo pela intervengo do Estado bloque- 5, asseguran’ ompensatérias ¢ evitando confflitos. esse peri tensdes per~ “eigio” da politica tomou-se uma tendéncia que as insuficiéncias do modelo tecnoeratico at ‘mesma racionalidade que permite a so- ipar a nao ser que, ans, faga-se uma met nda no inicio da segunda metade do século Passado, o novo liberalismo, apesar de manter premissas sobre advogava o planejamento e ¢ Dewey ~ também apoiavam a reforma da idéia 160 do Estado. Mas atropeladas pela ntaram — e foram sustentadas — pelo intenso proceso de Gilberto Dupas jo que se instalou a partir do fi Nele, 0 Estado v “abram, privat izem que tudo Ihes seré dado por acréscimo” varreu os céus como verdade q a redengio. Foi justamente em da década de 1980, gresso 2 Conhecimento e progresso como verdade namento final da utopi | pitalismo, agora plenamente globalizado, um novo discurso he- is deslumbrados & turos como “o fim da Histéria”. Para eles, os beneficios da globalizacio dos mercados eli progresso, construfdo como discurso hegeménico, se foi restando muito a comemorar. r tomaram, A histria nunca confess (Merleau-Ponty) waremos como a evolugio das novas l6gicas de produgio € do conhecimento cientifico e tecnolégico acabaram afetando virias areas da sociedade ¢ in- terferindo nas concepgdes de progresso. " Toma-se necessirio, logo de inicio, enfrentar o tema da rela- ladle do conceito de verdade, Ha muitas formas de iBuir “aparéncia” de “realidade", operacio fundamen fato da verdade. Existe a “verdade”? Qual a definigao ou descri- @ de um fato ou objeto que mais os aproxima da sua verdade Ot realidade — tal como ela seria em si mesma? O que € re ward Rorty (2000) propde que, se te- Gilberto Dupas ‘A justificagao de diversos que dizer sobre a “verdade’ sgem minimalista do valor na filosofia, “verdadeiro” seria o no- me de qualquer coisa que demonsire ser boa como crenga, por razdes definidas @ demonstriveis. Assim, a verdade duzida a sui maior pos de crenga, poderia haver pouco justificacio; de fato, seriam sindnimos. Quanto justificaglo que se oferega para uma crenga, tanto proviivel € que seja verdadeira. Nessa linha, a linguagem e a mente penetrariam tio profundamente no que chamamos “rea- lidade” que qualquer “projeto de vermos a nés mesmos como ‘canégrafos’ de algo ‘independente da linguagem’ torna-se talmente comprometido desde o principio” (Rorty, 2000, p.63). A propria visto que cada individuo tenta ter de si mesmo. fundamentalmente comprometida por sua propria subjetivida- de € pelo olhar do outro. E dil ver a filosofia como nossa propria época colocada em pensamento, Houve perioclos nos quais se propagou que a jus- tiga nao poderia reinar se 0s reis no se fizessem fil6sofos, ¢ os filésofos reis. Mais recentemente, muitos de nés achavamos ‘que nao reinaria justiga se, para tanto, 0 capitalismo nao fosse superado © a cultura desmercantilizada, Plato e Marx supu- nham inevitivel a existéncia de grandes argumentos te6ricos injustica, Mais recentemente, a esquerda pareceu se conformar com a social-clemocracia pro- posta por Clinton e Mitterand; depois se seguiu 0 “capitalismo com misericérdia” dos tempos de G. W. Bush. E agora? Os Esta- dos democriticos burgueses seriam a tinica alternativa & qual poderemos nos agarrar? Nossas fantasias sobre o futuro j4 pas- saram pelo Paraiso, pelo processo evolutivo, pela hist6ria da lin- guagem ou pelo progresso cientifico e tecnal6gico. A proposta vimento inelutivel que emergiei no momento adequado. 92 mito do progresto O fracasso do socialismo significa que sociedades comple- Flo se viabilizam sem a auto-regulagio da economia de cado? Se isso permanecer verdade, Rorty se pergunta 0 que os agora com as expresses capitalismo— realgada como Qsigio 10 comunismo — ideologia burguesa e classe traba- adora, Enquanto nao tivermos um modelo alternativo vive f, continuaremos a usar essas expressdes? Ao inventar ja" como nome de um objeto que podia ser captado con- ltaram que conservissemos 10 tanto © romantismo como o sentido de solida- Made contra a injustica. 0 que Nietzsche quer dizer ao afit- IaF que cristianismo e socialismo silo, no fundo, “farinhas do © sco”, Como construir um novo meta-relato que assuma frio © o crue! capitalismo e que, ainda assim, possua a forga imatica e a compulsio do relato marxista? Nao parece tarefia il propor as novas geragdes a imagem do caubéi bushiano ti do sorridente vendedor Tony Blair para substituir no seu naginario figuras como Lénin ou Guevara, Sabemos que cada ilo hist6rica € tinica, requer sua propria teoria. Como stituir a teoria marxista por outra doutrina geral de domina- que amarre as complexidades da era global e reintroduza fas & propostas de solucio? 5 fil6sofos, muitas vezes, mantém suas premissas filoséfi- 'Sem questionar ¢ seguem filosofando baseadlos em equivo- A questio central € a qualidade da pergunta inicial. Se a 4 resposta sempre seri um equivoco porque ruim. Assim, é fundamental . Em ciéncia, pode-se sempre ir te conseguindo respostas melhores a alguma boa pergun- *€ possivel prever certo movimento de um astro no verso?” ou “podemos encontrar a cura para a Aids?”. A tarefa ia, para Rorty, consiste em clarificar as idéias dos ho- fm relacio as batalhas sociais ¢ morais de seu proprio ferir 93 Gilberto Dupot mito do progrosso tempo. A filosofia se diferencia da ciéncia porque ndo precisa natural coincidente com a realidac 0 dos pragmatistas, verdadeiro transfor ‘nosso pensamento mais conveniente, a seria apenas a nossa conduta mais conveniente. Quem fo grau dle conveniéncia seria a sociedade, convenci argumentos dos filésofos. Dewey insistiu em que subs hos a distingio aparéncia-realidade por uma distingio en- Erencas dteis para uns propésitos ¢ crengas titeis para ou- ‘Assim, as idéias se tornam verdadeiras, ou se fazem ingdes sao titeis para que propk shor do que se nao se estivesse de acordo, Em suma, perse- da posso partilhar me as?". O que a verdade ¢ perseguir a conve passati ‘nos levaria a pensar que 0 ob a s jimos (ibiclem, 2000). Ainda assim, a questio-chave 5 mente fazer que a pessoa reconhega Weniente para quem? Para am juma espécie de subjetivacio final da verdade, mas sim dar-lhe m "a para quem convém indu: imos dizer que pro- também é um conceito comparativo. Para os antigos fa~ iras de Ambar, por exemplo, o mundo estaria indo se cada vez mais pessoas desejassem furnar com berdade existe num espago em que a propaganda e a bal induzem incessantemente seus “valores” e suas “verdades tuigio fundamental pés-hegeliana foi o abandono de dos dife- renciais lingiifsticos’. Para Dewey (cf. ibidem, p.323), ficamos entre os extremos do historicismo — uma certa descon tre linguagem e mundo ~e o cientificismo, que atribui natural o privilégio de ser a mais confivel. No entanto, a snas um dos conjuntos de imagens do mundo, além do mais ela ndio resume a verdade. Até porque fazer cién- cia € construir metiforas, sempre destinadas a ser ultrapassadas or novas que, por sua vez, foram possibilitadas pelas ant res, Kant, Fichte e Hegel jé falavam sobre 0 equivoco de supor a jo en- de Ortega y Gasset: “A Gnica coisa que podemos - no ilo em que vivemos ~ compreender do passado, do pre- ‘u da antecipacio sobre 0 futuro é sua estrutura muito 94 95 (© mito do progresso Gilberto Dupas xgeral. Quem quiser ver bem sua época ¢ entender seu sentido mlidade da pessoa, a duplicidade contraditéria da existén- deveri olha-la de longe, a distancia exata que o impega de ver Também exprime a revolt © nariz de Clespatra” (p.86). estabelecida, e fornece uma boa chave pi F preciso, pois, investigar como o progresso obtido pela evo- lugio do conhecimento, viento significative na qualidade de nossa ci sendo aceito por amplos segmentos da sociedade como uma verdade (Adorno & Horkheimer, 1985). No conceito € 08 fatia senhores; disso! dade humana pelo saber € no Para Adorno & Horkheimer, o saber transforma em poder no hesita sequer diante da escravizacio da natureza e da pr6- pria criatura humana, © ser dissolvido no J6gos leva & submis- sio do mundo pelo dominio do homem, quer dizer, d homens; e resume o reconhecimento do poder como o princi | pio de todas as relagdes. Formula substitui sentido, e tudo que a transforma-se em p al de poder s6 € atingido peta imobilidade abso! | qual 2 morte &, com toda a seguranga, 0 exemplo acabado. da nem ninguém deve, nem pode, escapar. A sofisticacio essas técnicas marca 0 apogeu da agressio ra ade tudo, esclarecer tudo e, portanto, dominar tudo. fecha- pelas mercadorias que pode comprar. A nivelagao € fei amestramento, « normaliza¢io so conseqtiéncias. uma indiistria que transforma todas as coisas na natureza em al- jama dlalética sem fim, o saber e 0 poder vao se fortalecer mu- g0 reproduzivel com regras rigidas e valor de troca. te. A internet, o telefone celular e a monitoragao perma- Com o fim do nomadismo, a ordem social foi instaurada so- pretendem capturar tudo a controles centrais. A figura do bre a base da propriedade fixa e da averstio ao “estrangeito” Antigo, tolerante quanto &s zonas dle sombra no conheci Essa fixagio das pessoas e das propriedades teve conseqié a as importantes (Maffesoli, 2001). O vagar, o perambular, de seu aspecto fundador de todo 0 conjunto social, traduz @ cesteja “bem canalizado", que nada escape a0 que era artesanal nas sociedades pré-moder- 9s transformou-se pelo conhecimento em controle ¢ padroni- exacerbados. Afinal, 0 que se move escapa, por defini- 4 cimera sofisticada do “pan-6ptico” do Big Brother de do mercado, © mercado é indiferente & origem das pes- soas que nele vém trocar suas mercadorias; mas nao € neutro a a rebelilo contra T A esse espekto, ver fase de abertura do ca na personage de Gilberto Dupos (© mito do progresto simples pega de engrenagem na meciinica industriosa que seria a sociedade. Na pés-moderidade, era o operirio da linha de montagem; agora € 0 operador dle telemarketing. O contrapon- to salvador esté no écio conquistado — no aquele imposto pela falta de trabalho -, na importincia da vacuidade e do nio-agir do vagar humano. £ 0 que Benjamin (cf. ibidem, p.33) chamou de “passeio sem destino”, espécie de protesto contra um ritmo dee vida orientado unicamente para a produgao. O andarilho vi- olenta, por sua propria situagao, a ordem estabelecida; ¢ lem- bra o valor de por-se a caminho, Para Maffesolli, essa “parte de sombra” € sentida como um perigo, € af € que se confunde com o trauma das origens e com (0 — a crenga ~ quanto a laceragdes das diversas mudangas. Platao (cf. ibidem, p42) cia ~ 0 conbecimento~ supunham ja chamava a atengio para o caréter inquictante do uma espécie de “ave de passagem’. Ele deveria ser acolhido, certamente, mas fora das muralhas da cidade, Os n deveriam vigiar para que “nenhum dos estranj 0 1e Plato baniu a poesia, doutrinas. A razao € a serra A magia. A natureza deveria ser do- ppelo trabalho. A obra de arte teria de mostrar a sua ul {que arte tem coisas em comum com a magia a arte re bidem, p.43). O bairba- aa dignidade absoluta. Para Schelling (cf. ibidem, p.32), a nomade, por sua aptiddo ao movimento, @ entra em acio quando ia de saber deixa os ho- perturbando a quietude do sedentirio e podendo deflagrar 0 § desamparacios. O selvagem némade participava da magia imprevisivel. “Nada incomoda tanto um burocrata como a liber wva no animal cagado para surpreendé-1o; mais tarde dade desses errantes” que servem de interme: da por mil fogueiras, pode entregar-se sossegado 20 sono: ele sabe ‘seus bravos servidores afastar os animais zador cuja tinica ambicao consiste em prever —e para isso tem de repelir o estranho ¢ 0 imprevis ro assusta porque jos com a ex: rcio com os espititos ficou com os poderosos € os sim- terioridade. assumiram a expresso do fetiche. Os conceitos filos6 A fixagio dos errantes ¢ a instauracao da propriedade pri significaram que nao se pode mais colher livremente fru res ¢ cagar animais, Tudo tem dono, qualquer coisa precisa set ‘comprada. Viver sem dinheiro € impossivel. Dominaglo e tra- balho separam-se. Adomo & Horkheimer (1985, p.28) lembram © exemplo de um proprietirio tal como o hei uais Platio ¢ Arist6teles expdem o mundo vieram da Ga do mercado de Atenas. Bles refletiam com preci Kade dos cidadiios plenos e a inferioridade das m 98 99 Gilberto Dupos © mito do progresio injustica, pelo menos, na inconsisténcia entre conceit e realidade. A linguagem cientifica ¢ o esclarecimento acaba. 5; da metafisica sobrou 0 medo, jé que o esclarecimento obviamente no ésufi- ciente para deixar ninguém seguro. Visto dessa forma, o esclarecimento é totalitrio. Na mate- ‘miitica, © desconhecido se torna a incégnita, portanto conheci- do ou identificado, embora ainda nao tenha valor. A natureza € ‘© que pode ser apreendido matematicamente. Tudo € cercado or férmulas € teoremas. Com isso o esclarecimento, confun- dindo pensamento com matematica, acredita estar a salvo do retomo mitico. © procedimento matemitico tornou-se, por as- sim dizer, o ritual do pensamento, transformando pensamento por Adorno & Horkheimer a partir da narrativa de ssobre © encontro com as sereias. Ulisses libertou-se da xis, e neutraliza 0 canto das sereias indo-o em objeto de contemplacao. co onde seu bradio penoso parece , mais aumenta a propria misé- quanto antitese da poténcia e da impoténcia. O poder do sobre os homens cresce na mesma medida em que ele poder & natureza. O progresso reno te a dominacio © a perspec nando © pensament realizagio. Enquanto mera construgio de meios, ele & estrutivo quanto os inimigos roma liplicanclo © poder pela medi acle social, nada tendo a ver com 0 conheci= mento. Nao ha nenhum ser no mundo que a ciéneia no poss penetrar. © prego da dominagio nao € s6 0 da alienacio dos homens ‘em relagio aos objetos dominados, mas também € o da coisifi- cacio do espirito. O animismo havia dotado os seres inant dos de uma alma; 0 capitalismo industrial, por ca suas almas. Os agentes econémicos sua propaganda transformam em mercadoria ¢ fetiche os valores que decidem sobre o comportamento dos homens. Quem no esti conecta- do a internet ou a um celular € um piria, um exeluido, Assim ‘como também no pode ser feliz. quem nao tem uma tevé de te- la de plasma. Utilidade versus fetiche, eis a questio. O processo técnico, pelo qual o s consciéncia, est istrago, precisa de todos. O esclare- ito convertendo-o em mistificagio das assim como 0 epis6dio das sereias mostra 0 entrelaca- do mito com o trabalho racior sche conhecia como poucos a dialética do esclareci- . Foi ele quem formulou su relagio contracitéria com a 1s estadis- livre do pensamento mitico ¢ de toda a sign! 1ento de enganar as massas por meio das pro- cago porque ele mesmo se transformou em mito, ¢ a razio se da democracia e das falsas nogdes de progresso. A epo- ‘ornou um instrumento universal da economia que tudo englo- ©O mito tém em comum a dominagao e a exploraglo. Para ee ee Ro & Horkheimer, as aventuras nas quais Ulisses sai vitori- O mito do progresso Gilberto Dupos grse. O logro era a marca da racionalidade, Perceba-se fa importincia do duplo sentido da palavra logro: ser bem- dido ou enganar. Na linguagem contemporiinea, vencem Jespertos ou 0s que niio se deixam apat 1e ele comanda triunfa qh ‘como juz e vingador do legado dos poderes de que escapou., Esté icia do ow para sair vencedor: perder-se para se conservar, lor Ulises engana as dlivindades da natureza, izado enganari os selvagens oferecendo-thes contas de vidro coloridas em troca de marfim. Gbidem, p.56) ral € quanto desse progresso poderemos supor @ de conhecimento e de raziio no é uma sobrecarga exces ‘quicas do ser humano? Dito em outras es € dar A natureza o que a ela pertence e, , como o fez Bauman, “a mente humana pode dominar a mente humana tem criado? (2002, p.7). Safranski com essa manobra, logri-la. £ possivel ouvir as sereias © no sucumbir a elas: s6 niio se pode desal para vencer 0 desafio. Ulisses nao altera a rota das sereias. Tampouco € presungoso alegando a st de seu saber; ele se apequena, cumpre 0 contrato de sua servi- dio e se debate amarrado a0 mastro para nio se a {90s fatais das comuptoras. “Ele descobriu no contrato s suas normas, cumprindo-as” P64, Nao ha nada naquele contrato sobre a proibigto de se : sinirat © eacherdeteera’6 olivia aremdores pam qua de abrigo também nos tornam dependentes deles nos cr oucam seus suplicios de que 0 soltem nem o canto das sereias. lO¥os € imensos riscos. O que, obviamente, nao significa “Tecnicamente esclarecido”, amarra-se e faz usar a cera ; I viver na ignorncia. (© desamparo de Ulisses diante da firia do mar soa como a Grécia antiga, filosofia ¢ tragédia competiam. A sabedo- legitimagao do viajante que se enriquece & custa do nativo. Foi afte da tragédia estava em deixar zonas de penumbra. isso que a teoria econdmica capitalista fixou posteriormente no © no podia accitar Antigona ¢ Creonte, ambos tendo ra- conceito de risco: a possibilidade da ruina é a justificagio moral itavel e fim trigico eram simples do luero. lire seu dono ou ack as de conhecimento ¢ l6gica. No entanto, nao teri Imento -, o malor luero posefvel est justificdl ivido melhor sem conhecer seu terrivel passado? A ver- isses € a descrigio dos riscos do caminho Orrente do mito de c : litando a0 para o sucesso, dentro do principio primordial que estruturol! €m, com a introduglo do fogo, sua escalada cultural. Jé no passado a sociedade burguesa. A escolha era entre lograr ou oloca os homens escondidos € inativos em suas ca- ie no vem por conta justamente dessa riqueza de co- to © perspectiva. Nietzsche discortia sobre o homem da produgio de cultura, Diante do relampago, i capaz de passar da oracio a0 ini-raios, reduzindo seu técnica e 0 conhecimento 102 103 (O mito do progresso Gilberto Dupos vernas, porque conheciam a hora de sua morte. E faz Prometey jecer. Em Hegel, a forga propulsora da hist6ria trava uma resgatar-Ihes 0 esquecimento, permitindo que — ainda que sou- vyida e morte pelo reconhecimento, A dinamica do espi- bessem que iriam morrer — ignorassem ‘emo a da natureza ~ é que salvaria o homem, triunfando 4 morte e sua angtistia. No entanto, to banalmente Ke a vida em jogo apenas pelo reconhecimento pessoal ou @ corrigir uma fronteira, defender uma bandeira, vingar-se ofensa. Para Safranski, “a pobreza soft ferida e o afi da fama e do reconhecimento. A luta ‘que nos coloca tanto Safranski quanto Shat ‘© homem pode afastar-se de sua primeira cultura ~ sua segunda a ~ sem entrar em oposi¢gio. destruidora com a primeira. A tecnologia, componente da se- gunda natureza, transforma nosso potencial agressivo em uma orga destruidora do planeta e de seu meio ambiente ~a primei- irgem por causa das diferengas entre os homens do em recorrentes conflitos e guerras. A harmonia entre ple Caim teria sido quebrada pelas diferencas que Deus Ihes 1a natureza. Desde a consciéncia do poder avassalador da bomba at ca, evidenciado em Nagasaki ¢ Hiros poucos segundos 200 mil pessoas em p6 -, estamos mergulha- dios numa comunicade global ameagada pelo proprio Aagressio econdmica ¢ industrial da Terra, do mar a manidade a um cendrio de angtistia ¢ pa 2 Nao se pode negar os beneficios cidos, O desenvolvimento tecnol6gico s6 tomou as guer ide entre civis elevou-se numa esca- do século XX. Na Primeira Guerra 20% dos que morreram eram, jem cerca de 80% de mortos civis. Kant (cf. ibidem, to de desejo# 6) via trés tendéncias sociais que seriam favoriiveis A paz: a De Hegel a Marx — com o projeto socialista da luta de classes —buscou-se superar primeira natureza - aquele curso cego, it racional e casual dos acontecimentos — emancipando a dade para que ela construisse ¢ dominasse sua propria hist6ria. os conflitos sangrentos como os do Viet- © homem, um animal dotado de consciéncia, convive inevitt- 1m por decisio do velmente com um passado que o oprime € que ele nio pode gem@nico mundial, democracia inconteste, apoiado por . Sem esquecer que a idéia de na- ~transformando em Divergéncias ¢ desejos de dominagio povoam a histéria ¢ quase sempre resolvidos & mao armada, com vencedores € aamente Estados democriticos que comecaram as duas 2 Ver capitulo V. 3 Ver capitulo IV. Mentacio de massa a servico das guerras. Quanto a0 e: 105 Gilberto Dupas © mito do progresio cesté cabalmente demonstrado que 0 poder do “ podem ser purgadlos pela mas de uma inalmente, sobre o peso da piblica, os meios de comunicagio ~ que a condicion nam ~ esto fortemente ligados a interesses econdmicos ¢ po- fi tente € o estado de panico. O sistema global se dem conduzir a mobilizagdes bélicas; um bom exemplo foi a recente atitude subaltema da maior parte da grande midia mune dial a certeza americana ~ comprovada depois como um falso pretexto — sobre a existéncia de artefatos de destruigio dé sa no Iraque de Saddam Hussein. dio e no Iraque transmitidos em tempo te: (© atual processo de globalizagio acelerada é um bom exem- , Embora muito distantes, com proba plo de contrafluxo do verdacleiro progress. A ideologi permite que o capital seja cosmopolita; sua patria é onde ele pode render bem. Também sio cosmopolitas os grandes joga- ores de futebol e 0s astros dla mtsica. No entanto, os trabalha- ores, em geral, continuam impedidos de pelo mundo global. A globalizacao no amplia os espagos, es treita-os; nao assume responsabilidades sociais ¢ ambientais, pelo contrério, acumula problemas, transforma-se em sintoma de arga. O individualismo havia sido importante conquista a € filos6fica da Europa. Era exigéncia do Esta social que os homens pudessem desenvolver sua ua em nés, sem nenhuma perspet dos outros. A partit nda falar em frvores, mas desde qu dai, 0 ser converteu-se em dever, ¢ a modernidade européia Ratamento, Estamos s6s com nossos medos. Contamos ape- tentou evoluir calcada na liberdade de opiniao e de conscién- tum grupo de cia, na tolerancia € na ira no foi capaz de desenvolver filtros que nos dlefendessem dos excessos que nao podemos digerir por meio de sua transformagio em acto. a prova viva dé re em um todo simultdneo; 0 que acontece no lugar mais jo € mostrado como se tivesse acontecendo no quarto a0 sensagio desmedida de responsal ugio. Pode- ja em relagio 20 garante que o homem € responsivel, outros que nao; uns dizem que telefo @incer e problemas de DNA; outros cerd.4 Diante de certos indicios de risco no uso de telefo- lares, perguntada se ainda assim os usa, uma pesquisa- do tema — que admite eventusis conseqdéncias graves ~ frea da agio, O mito do progresio Gilbero Dupos Jogicas © 0s aparatos com inteligéncia, mas nunca se jar em escravo deles. O que esti em jogo & a vida do jo entrelagado com o global; ele precisa manter abertos fra densa floresta para que seu espirito pos eciso garantir de volta 0 espago que Goethe pos na boca ay Werther: “Volto a mim mesmo e reencontro 0 mundo..." 3s usi-las com sabedoria, Rodeados pelo bosque da ci , temos de manter certa distincia e um olhar na abertura segunda natureza, totalmente depen: dente de proteses a ‘Um médico nao mais sabe diagnos- dos equipamentos que, por custarem muito res que se entrecruzam, se enlagam e desviam. O est enredado em um cipoal a dentro de um cipoal de hist6rias. Nao hi um farol que in- tas e comecara ‘0 caminho a seguir. Abrir uma clareira significa ser capaz para a realidade tecnolé; , ultivar formas de conduta e pensamento originais e nao pa- ‘mata para poder continuar a enxergar 0 céu. Descartes, no Dis- 3s pelo pensimento ‘inico globalizante. Isso significa rapidez, o resgate do capricho, o cultivo do sentido de Acapacidade para desconectar-se € nao estar disponi Yo entanto, “sempre acessivel ¢ conectado" passou a ser 0 @ do progresso na era da tecnologia da informagio; ser temos de justficar quando nto estamos the sempre em linha reta porque, por piot que seja a diregao, em algum momento voce se Hoje, a segunda natureza dk dependente dela, 0 homem pr ‘40 mesmo tempo que abre constan r “para fora" regio; assim, ainda que com muito esforgo, ele sabe que - AXE nos fins de semana por insaciaveis operadores de ing, agredindo-nos com a venda de produtos indese- 3. Se responclemos com agressividade, sent lho odioso com enorme desprazer, contra Ser mais um desempregado. Esse diltivio de informagoes 5 ataca nosso espirito que, para manter-se integro € enciado, exige sistemas eficientes de filtros como uma es- 109 ilbero Dvpax © mio do progresio 86 0 esquecimento permite empreender as antigas criagdeg como se fossem criagoes novas. £ a cura do querer pelo queres de novo aquilo que passou. Ao querer de novo, 0 eu mud desenvolvimento econdmico cay jilizacio s autores marxistas viram no conceito de sociedade dustrial e as inovacoes tecno! ‘© querer de novo aquilo que passou ~ embora seja apenas uma Biindamente identiicadas com a déia de progreso ‘maneira de assumir 0 que ndo foi querido pela vor See oe Heh eee Teste foi simbolizado pela vitrine de modernidade € fragmentirio, o enigma sto reconstituidos numa uni { E Ble yeas ares ee a . [produtos de consumo fascinantes ~ em contraposi¢ao See See ‘0u arcaismo do modelo soviético de sociedade pa- vvontade criadora. (p.89-90) Mesmo em certas areas em que presentava nivel tecnolégico competitive ~aviagio © cfreulo vicioso ¢ fatalista no seu movimento sem comego nem fim, destino feito circulo, onde s6 se pode querer de nova, Por observacoes sobre atrasos € tendo sempre que se recomecar. um fatalismo integral, por: raLarquttura, por mas exeepcionais que fossem 0 que 0 conceit de vontadefoi eliminado. Por um lado, o Eterna Retomo suprime a identidade do ewe o conceito tradicional do faltavam-Ihes modemidade ¢ refinamento. querer. Todo querer transforma-se em poténcia. M: ‘essa assunco de progresso associada a frenética logi- doo que pode ser pensado a davida, mas a certeza que nos enl toma o cariter ofensivo do delirio” angadas por meio de tais mens “que, s6 reunindo itamento e da cobiga em amplas esferas soci Pressa agitagio O termo sociedade moderna surgiu em t 1950 (Habermas, 2000, p.4), associado est 2 Gilberto Dupos O mito do prog Em interessante didlogo entre o fil6sofo Jean-Francois Revel ssor, no século XIX, da percepcao anterior dos comba- € 0 monge budista Matthieu Ricarcl (Revel & Ricard, 1998) s de que Deus estava ao sett lado. Hoje ele seria subst Igo como 0 progresso da tecnologia e as grandes corpora- lepressa, enxergar mais longe, su- (0, mergulhar mais fundo, etc. Viver uma longa vida gragas aos progressos da medicina s6 vale a pena se for uma s ago da ciéncia como busca do ver lena de valores € sentido. Eles acham que o sucesso deiro tém sido um dos papéis da filosofia, Elas constituem i metadiscurso que recorre explicitamente a algum grande do tipo liberdade do espirito, emancipacdo do trabalba- ‘ou desenvolvimento da riqueza; ou outros equivalentes, buscam legitims-la como se ela trouxesse 0 progresso. Para }Francois Lyotard (1998) foi assim que o saber dos relatos 0U 0 discurso eurocentrista que dominou a cu Ocicental. Ele trouxe uma solugao para 0 problema de yem tem o direito de decidir pela sociedade. Em perfeita con- n a nova atitude cientifica, 0 nome do novo her6i fia 0 povo; € seu consenso o sinal da legitimidade, Por meio deliberacao, estabelecer € justo © 0 que é inj ita no desenvolvimento hist6ri- co, na fecundidade do tempo, ou seja, no progresso inevitivel; ‘essa crenga firma-se na conviogio de que a hist6ria s6 traré me- verso € do fancionamento da pessoa. Para Revel & Ricard, conhecimento e sabedoria transformaram-se em falsos sindnimos e a certeza de 4 combinacto razio-progresso nos tara a Felicidade, jue se abandonou a ques- to socritica fundamental: “Como devo viver”. 's do progresso atual encaixam-se mui- lade do seu carter dindmico, bem re- devem ter direito a ciéncia, presentada seja por Lewis Carroll em Alice no Pats das Maravt- © pressuposto é que \guagem que orienta a pri- has (Aqui € preciso correr o méximo que se pode para ficar no i necessariamente decisdes ‘mesmo lugar”), seja por Lampedusa em i! Gatto Pardo — quan- igdes baseadas em enunciados que se espera sejam nito do fala que 6 preciso mudar para ficar no mesmo lugar. Na ver- ladeiros, mas justos" (Lyotard, 1998, p.60). Mas ocorre dade, como acentua Hirschman (1992), 0 progresso nas socie- {95 enunciados transformam-se em discursos hegem@ni dacies humanas é t2o problemftico que qualquer novo passo 2 S Povos meramente assistem — perplexos ou seduzidos —as frente parece causar varios danos a realizagdes anteriores. Ele S que deles emana. E ciéncia sem legitimidade nao € cién- Jembra que, de um modo geral, as pessoas se sentem mais con- deira; € ideologia ou instrumento de poder. Os crité- fortéveis e menos impotentes, confiando que a histéria esta imagio nao passim nem pelo justo ou pelo seu lado, por mais vaga que seja a esperanga. Esse conceito foi lo, mas puramente pelo eficiente: uma op¢iio técnica é boa us Gilberto Dupas O mito do progress ‘quando € bem-sucediida ou custa menos. Nao se contratam téex nicos e cientistas, ou compram-se aparelhos, para saber a vere dade. No discurso dos financiadores da ciéncia e da tecnologia, a Gnica disputa que interessa € a do poder para aumentar a acy. ongos de duzentos a trezentos anos, vastas e dis- is da Afro-Eurisia experimentaram fases alternadas ansiio ¢ de cont is notivel e bem conhecida ‘crise da Idadle do Bronze, em 1200 a.C. Atestando essas mulagio. Um dos casos interessantes de relativismo do conceito de BB spicos ex verdade é a visio marcadamente eurocéntrica da hi vale pnico financeiro em Roma. Pl gada no Ocidente, colocando-o como 0 locus maior do pro. Bresso. Para esse relato dominante, 0 lado “ocidental” do globo into, a versio ocidental eurocéntrica lismo parece outra verdade a demolir, Dentro dos virios milénios do sistema mundial contempora- neo, a ascenstio da Europa ¢ do Ocidente como dominantes pax recem eventos muito recentes; ainda © eurocentrismo domina a cena das andlises politicas e econ6micas que fazemos sobre © mundo, Gunder Frank (2005a) procura um outro angu« Jo para ver a historia; ou seja, a competéncia em acumular capi- tal e exercer poder aparece sempre como uma forca motriz. do processo hist6rico. Para ele, existe no dos grandes, jental e da Roma imperial. O império nomade Tegito das estepes, foi provavelmente ct mportapto do ferro e das sedas da Chi mente nos do sul da Arabia e do Iemen, dependentes Rércio de incenso. Esse periodo de hegemonias interliga- Rictetiza-se por const: € Extremo Oriente, A guerra em Tarim 0 outras partes no fossem como elas es rivalidades entre Roma, Armé- partes do sistema esto com determinadas regides ou populagdes especificas, di «as centro-periferia, situagdes hegeménicas e compat 6 Pontos ao longo da rota, chegando até as longinquas do este, como a regito do Eufrates. jSEculos TV e V d.C. aparentam ter sido 0 perfoclo em que © maior declinio pol M6 17 Gilberto Dypas mito do progresso ignada no sistema mundial, incluindo suas instituigdes politi fal somente ocorreu “porque os mercados acessiveis do «as. Ela permaneceria numa posigio secundiria durante 0 pes @ Oriente deram forma a economias coesas, conectadas riodo ascendente seguinte da economia mundial, que se ini totalmente operacional, durante o século VI d.C. Quando a Europa Ocidental finalmene p capitalismo mercantil da Europa foi capaz de sitiar e uti- te comegou a demonstrar alguma recuperaglo, foi como parte ide sua propria vitalidade” (apud Frank, 2005a, p.33-4). de um processo de reintegragio & economia mundial, cujo cen tank, a assim chamada *hegemoni tro, durante séculos, esteve localizado no oriente. moderno desenvolveu-se tardiamente ¢ de certa forma No entanto, a hist6ria antiga foi europeizada, as outras a, nunca unipolar. Durante o periodo entre 1450 € ras aparecendo apenas em “contribuigdes momentin igumas vezes denominado periodo da “acumulac: (5 ntimeros ¢ a mate que condluziu 20 capitalismo pleno ~ 0 sistema mun- imprensa existia na China séculos antes que Gutenberg tivesse nascido, Di-se a impressio de que nio existiu uma histéria econémica relevante em nenhuma outra parte do mundo que " no sistema no houve nenhuma conexiio dessa “outra parte” com 2 Eurge |, tentando tomar o progresso do Ocidente uma verdade sol Ura incontestavel. Blaut (ef. Frank, 2005a, p.28) vé na de Colombo em 1492 a ruptura crucial moderna mundial. Cientistas politicos focados nos processos hegeménicos preferem 0 ano de 1494, em que Portugal e Espa- ‘ha dividiram o mundo ao meio pelo Teatado de Tordesilhas. Ja as viagens de Colombo e Vasco da Gama, em 1498, sto identi cadas tanto por Adam Smith como por Karl Marx como as mais importantes da hist6ria da humanidade. Fernand Braudel (ibidem, p.30), em anos mais recentes, ten China achava-se na dianteira, exportando quantidades tou libertar-se do eurocentrismo. Ele descreveu a vida histérica Mes de proclutos valiosos ¢ importando grandes quant € econémica, desde tempos remotos até os Tingotes de prata. A fndia tinha centros industriais signi 3, Particularmente de produtos téxteis, além de ser grande nico contexto grande 0 bastante para ra de Ouro. Tanto o Sudeste Asiético quanto a compreensio do quadto histrico geral, reativizando 0 papel {Fesckam com o transporte dos lingotes e de mercado- ropa: “Devemas reconh 48 tegides. A Europa nlo era um dos pris Ocidente na historia, como uma regiio entre outras, e saber qUuE durante boa parte do seu desenvolvimento ocupou posigiio pe riférica” Capud Frank, 2005a, p.33). Para ele, a transformagi@ Gilberto Dupas © mito do progresso Virtude de seus enormes déficits no comércio de mercadoriag a que Si pudessem ser descobertas pelo co- com a Asia. jento, Hoje a natureza se converteu num problema § tho degradada por acdes humanas que a nos. Jconverteu-se em prob! gunda metade do século XVII Para Braudel, 0 centro de gy dade econémico mundial s6 se deslocou para o Ocidente bem mais tarde, Antes da emergé hegem@nica mund , especialmente a isli- esa. Assim, € razodvel supor que a hegemonia asidtica permaneceu até o perfodo entre 1750 e 1850, quando = ento ~ 0 poder da economia européia e de sua politica se cons idou defi jonada pelo ist6ria mundial € saber ~ bem como o aproveitamento pragma- as ciéncias por meio das ido da ilustragio e da se definitivamente Um freio de emergéncia para a escalada do progresso fo de Kant quanto de Marx pelo “método do palimp- €pocas pré-i is da produgio de papel, esses Aevolugio cientifica tecnolgica do século XX trouxe pro- angas hist6rico-sociais ~ que incluiram um novo pa tamar de guerra e violéncia ~, afetando o horizonte das repre sentagoes culturais de Kant e de Marx. Para Kant, a natured 120 igieers Give © mito do progresso A tradicao dos oprimidos teria que dar conta ‘oficial da hist6ria, A idéia de Benjamin , € imperioso recuperar as experiéncias encobertas do passa do ¢ propor um basta; ou, invocando mais uma ver. Benj saber acionar 0 freio de emergencia. Benjamim trata especificas mente dessas questdes em pelo menos duas de su Sobre o conceito de Histéria® =, certa da vit6ria inexor Jstas". Para Benjamin, os Arcos do Triunfo celebram a antes". Um exemplo de re- seriam os afrescos de Diego venceram. A identificagio afetiva com 0 vences | dor ocorre, portanto, sempre, em proveito dos vencedores de tur: wam-na bens culturais. O materialist hist6rico considera wefa escovar a a contrapelo. (Lowy, 2005a, 0 elogio dos guerreiros indi porque cada monumento da c is do México e de Lima, ou 0 proprio palicio de Conés waca — foram um produto da guerra, da extermina- Juma opressio brutal 1ura colonial — as ca- Benjamin aponta aqui, na submissio fatalista & ordem das coisas, a razio da atragao pela majestade solene do cortejo dos poderosos. Lowy o vé designando 0 cortesto como o melaneé= lico por exceléncia. Sua submissio a0 destino o fez sempre s@ juntar ao campo do vencedor. © equivalente moderno do com testo barroco seria 6 historiador conformista; nele, o sucesso & © juiz. supremo. Nietzsche era solidirio aos que haviam cafdo sob as rodas das carruagens majestosas denominadas Civilizae $40, Progressoe Modernidade; e sentia desprezo pelos historia= uma Ginica catistofe, que sem cessar amontoa escombros dores que praticam “a admiragio nua do sucesso”. Pai lescombros e os arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria istoriador virtuoso seria “aquele que se opoe a tirania do rea demorar-se, de desperar 0s mortos ¢ juntar os destrogos. Mas nada contra as ondas da hist6ria e sabe lutar contra elas”. Em 0 sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas suma, escouar a bistéria a contrapelo significa nao aderir #0 Ho forte que o anjo nao pode mais fechi-as. Essa tempestade ‘4 marcha sobre aqueles que jazem™ Mpeleiresistivelmente para o futuro, para o qual SE IX ~ Existe um quado de Klee inttulado “Angelus Novus ele estérepresentado um anjo, que parece estar ponto 6¢ dle algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estio arregala- fia tem de parecer assim. Ele tem seu rosto voltado para o Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nds, ele ‘n6s chamamos de progresso 6 essa tempestade. 123 Gilberto Dupas © mito do progresto Benjamin toca de maneira profunda a crise da cultura ogresso em sua progressio fatal? Lowy vé a resposta dena, além da sua dimensto profética sobre Auschwitg simultaneamente religiosa e profana. Hiroshima, duas grandes catistrofes da hist6ria. A tempestad jprofano do Messias € a Revoluuedo. que sopra do Paraiso, evocando o Jardim do Eden, € 0 Pre a so causando “amontoado de escombros que eresce até 0 ix havia dito que as revolugbes sto a locot Adomo & Horkheimer assim se referiram a essa metifora: "g | Mas talvez as coisas se apresentem de maneira completa- jo com a espad: s, que expulsou os seres humang ferente.£ possivel que as revolugdes sejam o ato, pela hi= de que viaja nesse tem, de puxar os freios de emergéncia m, p93) do paraiso em dirego a0 caminho do progresso técni mesmo a imagem sensivel desse progresso” (apud dernidade — ou progresso ~ e condenagio ao inferno, 5 romper © curso vertiginoso dese s0 basear 0 conceito de progresso eS iremos para 0 abismo, vista Bo a verdade da nogio de progresso Benjamin (cl fo € Tantalo; ou ainda a Servar com o de renovar. Afinal, o que possibilita a for- reado a repetir ser i #a capacidade de julgar € a construgio de zonas de des- © anjo da histéria gostaria de parar para cuidar das fer das vitimas sob os escombros, mas a tempestade o lev trabalhos sangui . Benjamin inverte a visto da hist shima-Nagasaki, entre Gilberto Dupos 0 mais soberbo e mais mentiroso da ‘histo também, foi apenas um minuto, Passados pg cos folegos da natureza, congelou-se 0 ast a ligentes tiveram de morrer. Assim poderia quio fantasmagérico € fugaz, quao sem fica o intelecto humano dentro da natureza. Ho eternidades em que ele nao estava; quando de novo ele estive ppassado, nada ter acontecido, Pois nao ha, para aquele to, nenhuma miss4o mais vasta que conduzisse além da .. Mesmo 0 mais orgulhoso dos homens, o fi pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopiea ir pensar. Aquela altive7. asso , nuvem de cegueira pousada sobre hos e senticios dos homens, engana-os pois sobr existéncia, ao trazer em si a mais lisonjeira das € valor sobre © proprio conhecer (Nietzsche, 1974, p.53). (Ou ainda com a adverténcia de Ortega y Gasset: io posso acreditar que a técnica poderit continuar vivendo Liver morrido o interesse pelos princfpios da cultura, Técnica’ consubstancialmente ciéncia, e a ciéncia .. no pode interessar cultura, Vive-se © grande mito oitocent ‘(Rouanet, 1999, p.230). Ap ao final da décacta de 1980 ~e 128 O mito do progresio quimica. Mario Eduardo Costa Pereira (2003) se pergunta jura € essa que no permite sequer aos individuos que m em paz? Qual € o conteddo de verdade no progresso 105 ter alcangado?

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