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MCT CNPq Biblioteca Tempo Universitario 83 ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA SOBRE O PENSAMENTO ANTROPOLOGICO TEMPO BRASILEIRO Em co-edigao com 0 MCT pe CNPq semana RIO DE JANEIRO 1988 * A FORMACAO DA DISCIPLINA CAPITULO 1 ~ TEMPO E TRADICAO: INTERPRETANDO A. ANTROPOLOGIA' Ha quase trinta anos, em 1955, quando numa reunido como esta nossa Associagao elegia sua primeira diretor Europa, numa pequena cidade da Normandi tin Heidegger se questionava sobre o SER da filosofia em sua confe- réncia de abertura de um coléquio internacional.’ A importancia da reflexio heideggeriana estava no fato de exprimir — ao formular ‘aquela questo — uma nova tendéncia de seu pensamento (que a his- \6ria registraria como 0 segundo Heidegger) pautada no esmiuca- mento da tradigao e dalinguagem, submetidas ambas a um infindavel tentar aqui igual exercicio com relagio A ina, a antropologia — empresa, aliés, demasiadamente grande para um etndlogo. Mas, a meu ver, a proposta heideggeriana ‘bem que pode ser aceita, porém nos termos de uma etnologia moder- ‘a, Ou antropologi vistal ainda que nao exclusivamen- {e, como uma disciplina interpretativa; ela prépria possuidora de ins- ‘{iimentos que Ihe permitam poder alcangar um grau de compreensio do si, estranhando-se a si prépria de modo a realizar aquele ‘‘espan- ue fala o filbsofo e que tao bem caracterizao SER da filosofia; ‘auie, de certa maneira, esta presente em toda boa etnologia em seu yeontro com oouiro. ‘*O espanto carrega afilosofia e imperaem seu B interior” — disse Heidegger naquela oportunidade. Soaria absurdo ‘se substitufssemos, na frase, filosofia por antropologia? Ou —em ou- tras palavras — nao seria a boa etnografia fungio dessa mesma capa cidade de espantar-se, menos talvez. com 0 outro, mas certamente ‘mais consigo mesmo, com esse ‘‘estranho” modo de conhecer que para nés se configura ser a antropologia? Conhecer 0 outro ¢ feonhecer-se nao sAo, afinal de contas, para essa modalidade de an- tropologia, as faces de uma mesma moeda? O que €, afinal de contas, a antropologia? ‘Comecemos pefo nosso espanto diante do outro, absolutamente cil de ocorrer (e de se compreender) na pratica da pesquisa et- ica. Espanto que nio € dificil de entender quando o objeto ¢ 0 ‘outro, particularmente outras sociedades, outras culturas, diferen- tes da nossa; ou mesmo quando, por uma forma de atitude metodol6- fica, nos transformamos no outro — para usarmos uma expresséo nerleau-pontyana —e nos voltamos para o estudo de nossa propria sociedade: de resto, um desideratum, que crescentemente a antropo- fogia atual busca realizar. Mas como —cabe perguntar — podemos ‘nos espantar com nossa prépria disciplina? Ao que parece 0n0ss0 es tranhamento diante do outro inibiu historicamente 0 nosso espanto frente a antropologia: produto, ela propria de nossa historia, da hist6- i i eira toda especial, da cultura intelectualista ou ra- ‘ionalista européia continental, ou a partir de Rivers na tradiga0 em- pirista anglo-saxi, ou, ainda, em Boas no culturalismo norte-ameri- Cano, ela estaria prestes a completar um século! Debrugar-se sobre ‘¢ sobre suas rupturas — € mais do que um exercicio procurar pensar, como antropélogos, os fundamentos ina ndo raro mitificados no interior de nossas repre- sentagdes (por certo coletivas), sustentadoras de um oficio mt ‘veres realizado tal como um rito profissional, no interior do at vyros, teses, artigos, comunicagdes e — por que nao? — conferés como esta, constituem sua expressio maxima, Mitos ¢ritos sao categorias familiares ao antropdlogo equem sabe por elas podemos iniciar nosso exame da questo heidegseriana: © ‘que é isto que chamamos de antropologia? Sem ginar destituido de qualquer “bias” ou “parti pris’, gostaria de dar inicio & minha interpretacdo da antropologia social ou cultural pelo registro de meu proceso de con de sua transplantagao para out pensé-la em seus fundamentos, ccimento que é, para nos interrogarmos quase que exclusivamente so- bre os modos de viver, dé pensar e de conhecer de outros povos ou de diferentes setores da sociedade a que pertencemos? Se nds mesmos, enquanto antropélogos, membros de uma comunidade intelectual, espanto: porque nés, autores e atores do sfo hist6rica &s nos: a.esséncia das tradigdes que cultivamos (e muitas ve- rita nos paradigmas (quem sabe, nossos excepcional fundindo-os num tnico conceito, Para mim, uma matriz disciplinar € a articulagio sistematica de um conjunto de paradigmas, a condicao de coexistirem no tempo, mantendo-se todos e cada um ativos ¢ rela- tivamente eficientes. A diferenga das i ‘tram em sucesso — num proceso ct antropologia social os vemos em plena simultaneidade, sem que 0 novo paradigma elimine 0 anterior pela via jolugoes cientifi- cas’ de que nos fala Khun, mas aceite a co muitas vezes num mesmo pais, outras vezes E € assim, com vistas a cons! ‘das duas tradigoes a intelect para entao cruzé-las, ym duas importantes perspectivas caracterizadas pela “categoria rempo e presentes em ambas as tradigoes; uma perspec~ tiva seria atemporai, pois mesmo negando o tempo por ele se define, ‘outra seriaremporal ou hist6rica, no seu mais amplo sentido. Para fa- . respectivamente, com os termos, ja bas- tante consagrados entre nds, de sincronia e diacronia, Perspectivas — como todos sabem — so /as porque en- globam, em sua associagao binaria e antindmica, todos os paradigmas reais e possiveis inscritos na matriz. cilitar, vamos designé-t finalmente, (4) retomando a ‘com a mesma perspectiva Tradigao| INTELECTUALISTA | EMPIRISTA Tempo as décadas comecou a reperci de pensadores hermeneutas aqui ser identificados como “ paradigma hermenéutico ‘uma modalidade de antropologia di vésperas de sua consolida¢ao em uns poucos centros universitarios norte-americanos. ara facilitar a realizagao desta minha etnografia, obviamente in- completa, das comunidades de pensamento antropoligico escolhidas ‘e que se localizam em paises de centro —i. €, de centros irradiadores da disciplina, como Franca, Inglaterrae EEUU —procut autores/atores que por seu desempenho tenham contribuido deci vamente para a adogao dos paradigmas apontados na matriz. certo modo, por ela p cas” jé facta essa id ouvem, € ossam igualmente concordar mando de aspx exemplars indicou — a Escola Francesa’ ral” ea “Interpretativa”, esses dois iltimos “caso: picamente no ambiente norte-americano, Temos, entdo, segundo mi- Francesa de |“Escola Briténica de Paradigma jista e, em sua forma moderna, estrutu- ralista @ @ Historico-Cul- * Paradigma cultu- . A mencao as “escolas antropologi- ago para mim e para os colegas que me sam discordar sobre um ou outro autor, lo menos com aquilo que estou cha- somo me parecem ser — como ja se rico-Cultu- 4) @ DIACRONIA | SINCRONIA ue o espaco coberto ‘ado, por duas re- lo reto, formando Se o visualizarmos geometricamente, veremo: pela matriz esta construido e, por conseguinte, tas tragadas a partir de um coordenadas cartesianasi telectualista e empirista, ria as perspectivas polarizadas no interior da ‘categoria’ tempo (ou crono, se preferirem), sendo umasincrdnica (na medida em que neu- traliza ou pée entre colchetes 0 tempo, reduzindo-o a zero) e outra (onde 0 tempo, resgatado e determinador, conforma a » em quatro domi- Boas e—como tima orientacao — esclareca —apenas de orientagao na antropologiae naodo paradigma hermenéutico que a sustenta, pois este remonta ao século XIX, a Dilthey pelo menos, para nao irmos mais longe ainda, 0 trabalho de Durkheim e de seus colaboradores, como Lévy- Brihl, Henry Hubert e, sobretudo, Marcel Mauss, para destacar aqueles que considero os principais, resultow na criagao de uma in- discutivelmente nova disciplina. Com 0 nome de sociologia era a an- — é bom que se -a; (2) no segundo, a a “Escola Francesa de Sociologia" exemy i ” tropologia social que também nascia, particularmente se conside' ‘mos 0 2.° Durkheim, o autor das Formas Elementares da Vida Re sgiosa, e, certamente, aobra de Mauss. Herdeiros da tradigio intelec- 1avam-se da canga filosofica (presente tao forteme 8) € instituiam uma perspectiva ali- mentada pelo método comparativo'e voltada para o conhecimento de outras sociedades e as “‘categorias de entendimento™, ou represen- sm seu “*Representagoes 398). Aberto o espaco paraa antropologia, a se valendo para tant mesmas no campo in ‘mostrar isso num artigo escr pubisado em nosso ANUARIO ANTROPOLOGIC nao aduzirei aqui mais nenhum outro argumento, senao uma observacao sobre o paradigma racionalista.c sua presengana “Esci —e de uma consciéncia racional — na interioridade mesma dos fe- némenos sociol6gicos; claros sintomas desse privilégio da razao po- ‘demos encontrar na pesada critica que a nogao de ““mentalidade pré- sunhada por Lévy-Briihl, receberia no ambito da propria sm nossos dias, como um desdobramento desse 185, temos 0 seu “sel- ‘vagem cerebral" — como assim é visto (€ criticado) por Geertz esse Homem criado pelo estruturalismo. Um Homem — digo eu — dis- sociado de qualquer historicidade, onde nao ¢ dificil deixar de reco- nhecer a presenca de um fildsofo como Hamelin —colega de Durk- heim c talvez a melhor expresso do racionalismo francés — com. suas teses sobre a “'representac ‘Tanto quanto me parecem Gbvias as intengdes programéticas de Durkheim, nao me parecem tei as intengdes de Rivers 20 18 buscar implantar a antropologia social na Inglaterra, Comegando por uumacritica ao evolucionismo de Tylor e de Frazer, importando o di- fusionismo alemao —através do qual acreditava estar privilegiando a pesquisa empirica e de campo —, Rivers estabeleceu os alvos € 0 es- tilo de uma antropologia comprometida com o estudo in loco dos po- vos aborigenes € 2 ente no método comparati parentesco, encontrou em Rivers 0 seu mais aplicado pesquisador, ‘em que pesem os trabalhos anteriores de Morgan. Com Rivers 0 pa- rentesco se converteu no nédulo da antropologia social, responsavel pam lugar de destaque nessa consolidagao, quer como autores, quer como atores da cena politica (de politica cientifica, naturalmente) que sempre envolve 0 campo institucional de qualquer disciplina e em qualquer pais. Mais do que na Escola Francesa’, na britfnica 0 empo entre parénteses e pela voz da Radcliffe-Brown é ex ia presente e o psicologismo de Rivers se dilui expulsava-se 0 individuo como objeto de investigagao. Ironicamen- te, aantropologia social que viria a se consolidar acabaria por renegar psicologismo de seu criador, psicologo experimental de inegavel mérito. Nesse sentido, Rivers é simultaneamente pioneiro do pensar ico em seu pais e uma figurade transi¢ao, uma vez que em inerario intelectual todas as questdes esto postas, se bem que venham a ser resolvidas somente por seus sucessores. Reduzido a funcionalismo bri ist joasiana surgida nos EEUU em fins do séculg XIX e princfpios do século XX. Juntamente como tempo, Boas e seus alunos — dentre eles destaco Kroeber — recupe- ram anogao de cultura desprezada pelo préprio Rivers e renegadapor 19 interesse pelo individuo, este tiltimo visto em suas relagées com acul- avés da obra de uma Benedict, Margareth Mead, Kluckhohn, Sapir, entre outros, todos descendentes diretos de Boas, Mas 6 ahis- ,€ com ela 0 fempo, que vai reencontrar na‘ Escola Hist6rico- Cultural Norte-americana’” o palco de sia reslizagao, porém numa modalidade diferente daquela que marcou as teorias évolucionistas ‘do passado: as grandes teorizagdes sobre o desenvolvimento e o pro- sgresso da huinanidade. A hist6ria, agora, menos do que se propor a estabelecer grandes seqiiéncias dé eventos culturais, passa a se pro- por a estudar imica das mudancas que podem ser observadas pelo pesquisador"” ¢ nao meramente inferidas pela via da reconstru- ‘gio especulativa. Mas vale notar aqui que mesmo essa histori {ada para entender processos de mudanga, é apreendida em sua e Floridade; a saber, procura-se nela a objetividade dos fatos sécio-cul- turais. E 0 tempo do objeto cognoscivel — que passa, se transfii ‘muitas vezes desaparece — enquanto 0 sujeito cognoscente perma: nece estitico, mudo intocével por uma realidade que se movimenta a0 seu redor. O que significa que a temporalidade do outro nada tem a ver com a do antropélogo observador, neutro ou, melhor diria, neu- tralizado por uma simples questao de método. A interiorizagao do tempo somente vai ocorrer no pensamento hermenéutico, forjado pelas filosofias de um Dilthey ou um Ricoeur, E-conhecido entrenés o seulivroA In- terpretagdo das Culturas, publicado em 1973 ¢ traduzido para o por- tugués em 1978" no qual Geertz divulga um elenco de quinze ensaios escritos entre fins dos anos 50 ¢ comegos dos 70, oferecendo-nos uma ra proposta de uma “antropologia interpretativa’’. A essa no- ivel selegao de ensaios — que mereceu 0 Prémio Sorol pela American Sociological Association, seguiu-se ap —no ano passado — de uma segunda selec de ensaios produzidos entre 1974e 1982, intitulado Local Knowledge que espero venhaaset Jogo traduzido para o letor brasileiro e cujo titulo, ““Conhecimento 4 indica uma direta defesa da contextuali- 7aao do conhecimento. Um dos ensaios dese livro eu gostaria de ses de pesquisa: trata-se do ensaio “The Way We Think Now: To- ward an Ethnography of Modern Thought” (ou ‘*Como pensamos atualmente: Por uma Etnografia do Pensamento Moderno”), Nele Geertz mostra primeiramente — e para um auditorio da“ Academia ‘Americana de Artes ¢ Ciéncias” — que to, como qualquer outra forma de etnografia de exaltar a diversidade, mas de ‘como um objeto de descrieao ar ‘somente nos trés ensaios finais do livro dedicados ao tema ‘a vida da mente" que 0 programa de Geertz para a antropologia — como ele jana Introducao — de ver os pensamentos como ‘‘cho- (citado em francés pelo autor), é empiricamente levado aefeito. Porém, sendo o pensamento uma isso deve seryisualizado a maneira durkheimiana, a saber, como algo ao antropélogo; antes, pela via da interpretacao, essa “coisa de sentido que se quer realizar. — se minha prépria interpretagao do paradigma herme- néutico for correta — que podemos entender 0 processo de transfor- magio do tempo, enquanto categoria, em sua passagem da tradico empirista & tradigao intelectualista. O que chamei ha pouco de inte- riotizagdo do tempo nao significa outra coisa que a admissio técita pelo pesquisador hermeneuta de que'a sua posicdo histérica jamais anulada; ao contrétio, ela é resgatada como condigo do conhecimen- to. Conhecimento que, abdicando de toda objetividade positivista, realiza-se no proprio ato de “tradueao™. E a “fusio de horizontes”” de que fala a filosofia hermenéutica de um Gadamer ou de um Ricoeur. Indica a transformacao da histéria exteriorizada e objeti- idade, viva e vivenciada nas consciéncias dos ho- mens e, por certo, do antropélogo. A fusdo de horizontes implica que na penetracao do horizonte do outro, nao abdicamos de nosso proprio horizonte, Assumimos nossos preconceitos. Escreve Ricoeut ““Deste conceito insupersvel de fusao de horizontes, a teoria do pi conceito recebe sua caracteristica mais propria: 0 preconceito €0 ho- rizonte do presente, € a finitude do préximo em sua abertura para distante. Desta relacao entre o eue o outro, oconceito de preconceito Le recebe seu iiltimo toque dialético: é na medida em que eu me trans- porto no outro, que levo meu horizonte presente, com meus precon- Ceitos, E somente nesta tensio entre o outro e eu mesmo, entre © texto do passado e 0 ponto de vista do Ie torna operante, constitutive da historicidade’ Este tiltimo paradigma, gerador de um tropol6gico, nao estaria nos levando para o filosofia? Ou, melhor, do cientificismo 20 humani nos deslocando — enquanto antropélogos — da explicagio causal ou funcional-estrutural ‘meu antigo mestre, moroso ensaio sobre a gio de 1a 4.dos paradig historicamente passamos de_uma concepgao de ciéncia marcada por uma ‘a compreensio de sentido, como jé sugeriu ston Granger, na conclusao de seu pri- 40 racionalista do conhecimento, ciosa de estabelecer seus limites com a ilosofia, para um segundo paradigma, igualmente cioso de diferenciar-se da metafisica — tal como a especulacao filosofica e historica era assim estigmatizada no interior da tradigao empirista. A passagem entre esse segundo e 0 terceiro paradigma, ambos — como, — imersos na mesma tradigao, repres: recuperacao da , encontradiga nos primérdios da dit ‘Morgan, entre outros, todos membros de uma unica ancestralidade). Com a recuperaco dessa hist6ria, deu-se 0 ressurgimento do tempo como uma categoria estratégica na conformagao da disciplina; nao radigma, 0 hermer , por meio do qual a antropologia, interiori- zando 0 tempo exorciza a objetividade, € que a vemos reconciliar-se ‘com um pensamento no comprometido com o ideario cientifico ou “cientificista””. Visualizando-se a matriz nao é dificil perceber 0 mo- -vimento circular que a nossa disciplina parece ter feito em sua propria histria — num processo continuo de ultrapassagem ou de “dépas- sement”” progressivo. Entretanto, para concluir, nao se pense que a exemplo das cién- ccias fisicas e exatas — como ensina Thomas Kuhn — os paradigmas xrcé de ‘*revolucées cientificas””, numa superacao con- desta conferéncia. Nas ciéneias humanas e, particularmente, na antropologia, os paradigmas sobrevivem, vivendo um modo de simultaneidade, onde todos valem 2 sua maneira (propria de conhecer), & condigao de nao se desconhe- cetem uns 20s outros, vivenciando uma tensao da qual — ameu ver — nenbum dentre nés pode se furtar de levar em conta na atualiza¢ao competente de sua disciplina e de seu ensino. Nao se tratou aqui, por tanto, de avaliar a antropologia, buscando identificar “0 vivo eo mor- to” na teoria antrop« Limitamo-nos a esse exercicio de com- preensio — que espero possa merecer dos colegas 0 interesse © 0 es- timulo — onde incluo as criticas — para que essa ordem de estudos possa se aperfeigoar entre nés. E se minha interpretagao trouxer a in- {eligibilidade que desejo sobre o SER da antropologia, visto aqui, a ‘um s6 tempo, como esérutur ico, como nao ficarmos perple- jue aqui uso entre aspas) que a tor- ‘SER daantropol ‘ciplina em nossa realidade de pais de terceiro mundo, est — por certo —numa questo de estilo (no sentido de Granger), como a dividuagdo” de uma forma de saber que nao podera ser outra coisa que o resultado de nossa leitura, por certo diligente, de uma matriz disciplinar viva e tensa. Mesmo porque mt ‘antropélogos de ontem e de hoje nao se filiam de mar hum dos paradigmas, pois vivem eles proprios a enriquecedora ten- ‘s40, Malinowski e Evans-Pritchard foram um deles; Leach, Schnei- der, Godelier e Louis Dumont sao outros, que trans tre as “Escolas”. Por outro enraiza com exclusividade em nenhum dos paradigmas mencionados; contudo, é razoavel admitir que a antropologia que se faz hoje sob & égide do marxismo fecundo e enriquecedor seja 0 produto da tensio entre a tradigao empirista e a intelectualista, particularmente entre i ial * (concernente ao 3.° paradigma) rreferente ao 4.°) se tormarmos em conta, relativamente a este iltimo paradigma, o fenomenologismo hegeliano do jovem Marx. Porém, ha de se cuidar nao apenas de cer~ tas distorgdes que se observam em determinadas abordagens —como (0 economicismo” que algumas vezes habita aantropologia de inspi- ragio marxista —, mas especialmente daquilo que eu gostaria de chamar de ‘“desenvolvimento perverso”” dos paradigmas: falo de seus modismos dos quais devemos nos acautelar. No passado néo ‘muito distante surgiram o hiper-racionalismo e o estruturalismo que, a0 lado do funcionalismo exacerbado, eliminaram a propria histdria, orempo, d da disciplina; e com o culturalismo, igualmente foi levada a um descrédito tal que ico em nome de um ecologismo desenfreado; 0 segundo, embara- ‘gado nas malhas de um formalismo improdutivo. Atentos deveremos estar, portanto, para o eventual surgimento de novos ismos,como um certo “‘interpr . j@ se esbocando em nosso quarto para- digma. Tais ismos so os nossos mitos! O certo é que sera somente pela via da reflexao critica e da pesquisa séria que esse desenvolvi- ‘mento perverso e mitificador podera — c devera—serevitado. A an- tropologia no Brasil ja € suficientemente madura para derrogar essa ‘ameaga e assumir esse ““espanto" sobre simesma, sobre seu proprio SER, uma interrogagao permanente a alimentar 0 exercicio de nosso oficio; oficio que nao seja apenas um ritual profissional consagrado & eternizagao da academia ou a legitimacao da intervengio, estatal ou particular, naquelas parcelas da humanidade que, ao se entregarem & lade e ds nossas impertinentes indagacoes, constituiram anossa disciplina. A elas rendemos —neste instante — anossa grati- dao ¢ a elas prestamos a tnica homenagem que talvez desefariam: 0 compromisso de nossa solidariedade e 0 nosso devotamento a defesa de seus 9s. Talver esteja aqui, neste modo politico de conhe- ‘cermos 0 outro e de nos conhecermos a nés mesmos, o estilo da an- tropologia que fazemos no Brasil. NOTAS 'Conferéncia proferida na XIV Reunido lrasileira de Antropologia ( 1984)e publicado no Anuaio Antrop i. Heidegger dasérie™Os Pensadores", Abril tegoras do entendimento’ na formaso da antro- =p. 125-146: incluido neste volume como seu al Savage: On the work of Claude Lévi-Strauss” in The "Naedicao br quer na sua ‘Cr. P. Ricoe Peispectiva do original Essai d'une rie Armand Colin, 1968,

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