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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO

MONOGRAFIA JURÍDICA

O CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE DO ATO

ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

ORIENTANDO (A): ALEXANDRE BORGES RABELO

ORIENTADOR (A): PROFA. DRA. MARIA CRISTINA VIDOTTE B.

TARREGA
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GOIÂNIA
2015
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ALEXANDRE BORGES RABELO

O CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE DO ATO

ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

Monografia Jurídica apresentada à


disciplina Trabalho de Curso II, da Escola
de Direito e Relações Internacionais,
Curso de Direito, da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás
(PUCGOIÁS).
Profa. Dra. Maria Cristina Vidotte Blanco
Tarrega
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GOIÂNIA
2015
ALEXANDRE BORGES RABELO

O CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE DO ATO

ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

Data da Defesa: ____ de __________ de _______

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________
Orientador: Prof. Titulação e Nome Completo Nota
37

_________________________________________________________
Examinador Convidado: Prof. Titulação e Nome Completo Nota
38

Dedico o presente trabalho a toda minha família.


39

Agradeço a meus pais por todo amor a mim dispensado, bem como por
todos os sacrifícios suportados para oferecer-me a melhor educação
possível.

SUMÁRIO

RESUMO ...........................................................................................1

INTRODUÇÃO .........................................................................................2

CAPÍTULO I – O CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO

DISCRICIONÁRIO...............................................................................4

1.1 OS ATOS ADMINISTRATIVOS........................................................4

1.2 A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA.................................7

1.3 O CONTROLE JUDICIAL DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA................................................................................................10

CAPÍTULO II – DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE...... 16


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2.1 OS FENÔMENOS NORMATIVOS EM RELAÇÃO À

PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE.....................................16

2.2 PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE...................................................18

2.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE........................................21

2.4 A DIVERGÊNCIA EM RELAÇÃO À AUTONOMIA OU IDENTIDADE

DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E

RAZOABILIDADE...............................................................................23

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA

PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NO CONTROLE

JUDICIAL...........................................................................................26

3.1 A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOAIBLIDADE

PELO JUDICIÁRIO..............................................................................26

3.2 O CONTROLE DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

DO ATO ADMINISTRATIVO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF..............29

CONCLUSÃO .......................................................................................32

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA.......................................................34
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RESUMO

O presente trabalho tem como escopo o estudo do controle judicial do ato


administrativo discricionário a partir da aplicação dos princípios da proporcionalidade
e razoabilidade. O administrador não pode valer-se da discricionariedade
administrativa para decidir, exclusivamente, segundo suas próprias convicções, haja
vista estar sempre preso aos limites a ele conferidos pela lei e a finalidade para a
qual esta é direcionada, isto é, o bem público. Os princípios da proporcionalidade e
razoabilidade são uma imposição constitucional implícita, decorrente do próprio
conjunto de direitos fundamentais traçados no art. 5º da CF/88, e infralegal explícita
condicionadora da validade do ato administrativo. Por tais razões, o controle judicial
dos atos administrativos discricionários não se afigura como controle de mérito
administrativo, mas sim de mera conformação do ato à lei.
Palavras-chave: Princípio da Proporcionalidade; Princípio da Razoabilidade;
Discricionariedade administrativa; ato administrativo; regra da proporcionalidade.
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INTRODUÇÃO

A atividade administrativa, tal como a lei, é indispensável à manutenção


da vida em coletividade. Entretanto, conforme bem revelou a história, é impossível
que seja exercitada sem contornos bem e previamente definidos, pois, do contrário,
será apenas um instrumento de poder a serviço de convicções pessoais ou
interesses escusos.
De tal premissa, cumulada com a constatação dos inúmeros casos em
que o Estado age em dissintonia com o fim público, surgiu o interesse no estudo dos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, meios criados pela doutrina e
jurisprudência para diminuir o âmbito da discricionariedade administrativa, bem como
possibilitar mais um modo de sua fiscalização pela via judicial.
Trata-se, pois, de notória conquista dos administrados, uma vez que
reafirma que a função única do Poder Público é realizar o bem comum,
invariavelmente, sempre de modo adstrito à lei.
Porém, a grande vagueza ou indeterminabilidade destes princípios
acabam por dificultar seu uso, o que aumenta a necessidade de que sejam mais
bem analisados, tendo em vista que aplicados de qualquer modo podem acabar
causando o mesmo efeito que visam coibir.
Ademais, é necessário apontar as divergências doutrinárias existentes
entre o que são estes ditos “princípios” para o universo jurídico, bem como se existe
autonomia entre eles ou não.
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Nesta tentativa de melhor defini-los, foi utilizado o método de revisão


bibliográfica, de modo a buscar produções acadêmicas que contribuíssem para
satisfazer o intento deste trabalho.
Embora o número de material existente sobre tais princípios seja
expressivo, são poucos aqueles dedicados especificamente ao controle dos atos
administrativos, pois, maioria, são voltados a parte constitucional da matéria.
O estudo sobre o ato administrativo e a discricionariedade administrativa
norteou-se, precipuamente, pelas ideias de Celso Antônio Bandeira de Mello. Já em
relação à proporcionalidade e à razoabilidade, este trabalho teve como base as
produções de Humberto Ávila e Virgílio Afonso da Silva, haja vista a profundidade
com que estes autores trataram este assunto.
De um modo geral, também foram constantemente utilizadas as doutrinas
de Carvalho dos Santos Filho e Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em razão de
fornecerem um bom conteúdo geral para todas as questões aqui tratadas.
Após este estudo teórico, foram pesquisados alguns julgamentos que
pudessem contribuir para a visualização de como estes princípios são levados a
efeito na prática, isto é, como se dá sua concreção pelo órgão jurisdicional, tanto na
primeira instância quanto em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Deste modo, com a somatória da parte teórica com um pouco daquilo
que foi coletado das decisões emanadas do Poder Judiciário, procura-se melhor
compreender o tema em sua extensão, bem como em sua complexidade.
Para a exposição do conteúdo apreendido, foi escolhida uma linha de
encadeamento lógico que, ao final, permitisse ao seu leitor uma visão geral e coesa
do todo. Por esta razão, inicia-se o presente trabalho com a apresentação do
conteúdo atinente à atividade administrativa, passa-se, logo após, a discorrer sobre
os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e tem seu desfecho no
controle judicial dos atos administrativos pela aplicação dos referidos princípios.
Assim, ante os esforços empreendidos, espera-se que o presente trabalho
possa contribuir, ainda que minimamente, para um entendimento um pouco mais
preciso e adequado sobre o tema proposto.
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CAPÍTULO I – O CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO


DISCRICIONÁRIO

1.1 OS ATOS ADMINISTRATIVOS

A Administração Pública, entendida em seu sentido objetivo, constitui-se


na atividade de gerir, utilizar e controlar interesses, bens e serviços da coletividade,
orientada e limitada pelos princípios constitucionais, art. 37 da CF/88, e infralegais,
art. 2º da Lei 9.784/99, sendo um dos principais o da legalidade, o qual lhe conferirá
validade e legitimidade em sua atuação.
Referente a tal legitimidade, ensina Hely Lopes Meirelles (2004, p. 86):
na administração pública essas ordens e instruções estão
concretizadas nas leis, regulamentos e atos especiais, dentro
da moral da instituição. Daí o dever indeclinável de o
administrador público agir segundos os preceitos do Direito e
da Moral administrativa, porque tais preceitos é que expressam
a vontade do titular dos interesses administrativos – o povo – e
condicionam os atos a serem praticados no desempenho do
múnus público que lhe é confiado.

O único fim que deve ser buscado pelo agente público, no desempenho
da atividade administrativa, é o interesse público, isto é, o bem comum da
coletividade. Tal ideia é o fundamento de existência do Estado, visto que este só
existe para tornar possível e viável a vida em coletividade, servindo-a, regulando-a e
solucionando os eventuais conflitos que surgirem desta interação interpessoal.
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Assim, todos os deveres, poderes e prerrogativas dos investidos em


cargos e funções públicas são conferidos pela lei para que possam ser utilizados
para a realização do bem comum.
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Saliente-se que tal interesse público possui também primazia sobre o


direito privado, na medida em que se constitui em pressuposto lógico para o convívio
social, conforme já mencionado. Entretanto, deve-se sempre levar em consideração
que a administração só pode interferir na esfera particular do administrado,
restringindo direitos ou limitando interesses, no estrito limite da necessidade, que só
pode ser verificado em cada situação específica.
Para que esta função administrativa do Estado seja executada, são
emitidos atos administrativos, os quais, funcionando como declarações, produzem
efeitos no mundo jurídico, quais sejam: resguardar, modificar, restringir, declarar,
transferir e extinguir direitos.
De acordo com Meirelles (2004, p. 147), o ato administrativo, então,
consiste em espécie do gênero ato jurídico, visto que preenche todas as
características deste. Entretanto, ao ser acrescentada a finalidade pública ao ato,
especifica-o, modificando-se a legislação de regência, bem como os princípios
jurídicos a serem aplicáveis.
Assim, o ato administrativo particulariza-se por determinadas
qualificações especiais: o sujeito é sempre um agente investido de prerrogativas
públicas, e o objeto há de estar preordenado a determinado fim de interesse público.
Mas, importante notar, no fundo será ele um instrumento da vontade para a
produção dos mesmos efeitos do ato jurídico.
Ao tratar sobre o tema, Mello (2009, p. 380) conceitua ato administrativo
como:
declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como,
por exemplo, um concessionário de serviço público), no
exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante
providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar
cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão
jurisdicional.

Constata-se que não é só a Administração Pública, em seu sentido


subjetivo, quem edita atos administrativos, haja vista que o particular, quando no
desempenho do múnus público, também o faz, por estar sua conduta afeta aos fins
públicos.
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As prerrogativas de que trata o autor são aquelas próprias do regime de


direito público que, de forma principal, rege a atuação estatal, uma vez que as
normas de direito privado são utilizadas apenas de forma subsidiária.

Com o fito de restringir ainda mais o conceito de ato administrativo


exposto acima, afirma Di Pietro (2014, p. 204-5) que estes atos também se
individualizam pelos efeitos jurídicos imediatos que produzem, distinguindo-os da lei,
atos normativos abstratos, e dos atos materiais e enunciativos, os quais não
possuem consequências jurídicas.
A fim de que o interesse primário do Estado possa ser eficientemente
buscado e satisfeito, os atos administrativos são dotados de atributos especiais,
conferidos pelo regime de direito público a que estão submetidos.
Apesar de não haver consenso, de modo geral, os doutrinadores indicam
os seguintes atributos dos atos administrativos: (i) imperatividade: são cogentes,
obrigando a todos que se encontrem em seu círculo de incidência; (ii) presunção de
legitimidade e veracidade, desponta em favor destes atos a presunção de que foram
editados conforme as devidas normais legais e que o conteúdo ali exposto condiz
com os fatos ocorridos, ressalvando-se que tal presunção é relativa, iuris tantum,
uma vez que cede em face da prova de qualquer ilegalidade do ato; (iii)
autoexecutoriedade, tão logo editado, poderá o ato administrativo ser executado,
independentemente da intervenção do Judiciário.
É fundamental o conhecimento acerca da estrutura do ato administrativo,
pois, a partir deste ponto, juntamente com as informações supra, poderá ser
elucidada a questão da discricionariedade administrativa e o controle da
Administração.
Todo ato administrativo, para que exista no mundo jurídico, depende da
existência concomitante de determinados elementos, para alguns autores, estes
elementos, na verdade, são requisitos que condicionam a validade do ato
administrativo.
Cretella Júnior (apud Maria Sylvia Di Pietro, 2014, p. 211) explica que há
uma diferença entre elementos e requisitos de validade, uma vez que os primeiros
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dizem respeito à própria existência do ato, ao passo que os segundos são


caracteres que lhe possibilitariam a produção de efeitos jurídicos, tais como a
capacidade do agente, a forma lícita e o motivo possível. Apesar desta distinção
teórica, o autor também entende por bem usar como sinônimos tais figuras, com o
fito de dar maior praticidade à matéria.
Os elementos de existência podem variar de cada doutrinador, pois
depende do critério científico de cada um deles, neste trabalho, existe a predileção
pelos clássicos elementos indicados pela lei que regula a ação popular, Lei
4.717/65, em seu art.2º, a saber:
a) Competência: círculo, determinada pela lei, dentro do qual o agente
público exercerá as atribuições que lhe forma incumbidas;
b) Objeto: é o conteúdo do ato administrativo, os efeitos objetivados
imediatamente pela vontade exteriorizada pelo ato, tendo como
requisito ser lícito, possível e determinável, tal como no direito civil;
c) Forma: meio pelo qual se exterioriza a vontade. Regra geral, serão os
atos administrativos exteriorizados por escrito, sendo arquivados e
publicados. Como situações excepcionais de manifestação
administrativa, temos gestos, palavras e sinais;
d) Motivo: razões fáticas e jurídicas que embasam a tomada da decisão;
e) Finalidade: o ato administrativo deve estar dirigido ao interesse
público, em atendimento aos reclamos da sociedade.
Estes são os pressupostos necessários para a existência e validade dos
atos administrativos, basta que apenas um destes esteja inquinado de vício, para
que seja possível sua invalidação, seja na esfera administrativa ou judicial.

1.2 A DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA

Analisados, em síntese, os elementos e características do ato


administrativo, é possível uma melhor compreensão acerca do mérito administrativo,
que configura o núcleo decisório discricionário do agente público, no qual será
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analisada a conveniência e oportunidade de um determinado conduta ou decisão


estatal, em relação ao interesse público a que está subordinado.
Reprisando-se a estrutura do ato administrativo, com o foco ora exposto,
de acordo com o que preleciona Carvalho Filho (2011, p.85), constata-se a
existência de dois tipos de elementos: os elementos vinculados, os quais não
permitem a ingerência do administrador, em razão do comportamento a ser adotado
já está prefixado na norma legal; e os elementos discricionários, aqueles em que
cabe o juízo do agente estatal, valorando os fatores fáticos quanto à conveniência e
oportunidade do ato.
A forma, a competência e a finalidade serão sempre elementos
vinculados, mas o motivo e o objeto podem ser qualquer um desses dois tipos de
elementos, dependendo de como a norma legal dispõe sobre determinada situação,
se existe uma margem de escolha do agente ou não.
Existe, então, atos vinculados, em que o único comportamento a ser
adotado já está prévia e objetivamente estabelecido pela lei, motivo pelo qual não
cabe apreciação subjetiva do agente público quanto às circunstâncias concretas do
caso, bastando, para que seja válido, que identifique a coexistência de todos os
pressupostos de fato e de direito para a pratica do ato. Maioria da doutrina preconiza
que há, portanto, um poder vinculado sendo exercido neste caso, pois a lei conferiu
à Administração o poder de praticar o ato de sua competência. Por outro lado,
Carvalho Filho (2011, p. 43) afirma que não existe esta espécie de poder, porque,
em verdade, não se trata de prerrogativa pública, mas, sim, de mero cumprimento de
um dever legal.
De outra banda, há os atos discricionários, que consistem nos atos
praticados no exercício de competência discricionária, mas isto de modo algum
significa que há uma liberdade total conferida pela lei ao executor do ato, pois, em
qualquer caso, há elementos que não comportam a ponderação ou modificação,
visto que a lei sempre os condiciona, a fim de garantir a segurança jurídica e
efetividade na perseguição do interesse coletivo.
Convém utilizar o conceito elaborado por Mello (2009, p. 426) sobre o que
é a discricionariedade:
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a margem de liberdade conferida pela lei ao administrador a fim de


que este cumpra o dever de integrar com sua vontade ou juízo a
norma jurídica, diante do caso concreto segundo critérios subjetivos
próprios, a fim de dar satisfação aos objetivos consagrados no
sistema legal.

Discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da ordem legal.


Assim, quando a norma legal confere ao agente o poder-dever de valorar a situação
fática que lhe é submetida, para, a partir dos critérios de eficiência, conveniência,
oportunidade e justiça, julgar a melhor decisão a ser adotada no caso in concreto,
está permitindo-lhe atuar apenas no estrito espaço oportunizado pela norma, sob
pena de, ao transgredir tal barreira, perder sua validade.
Para justificar a existência da discricionariedade administrativa, preleciona
Meirelles (2004, p. 117):
a atividade discricionária encontra plena justificativa na
impossibilidade de o administrador catalogar na lei todos os atos que
a prática administrativa exige. O ideal seria que a lei regulasse
minuciosamente a ação administrativa, modelando cada um dos atos
a serem praticados pelo administrador; mas, como isto não é
possível, dadas a multiplicidade e diversidade dos fatos que pedem
pronta solução ao Poder Público, o legislador somente regula a
prática de alguns atos administrativos que reputa de maior
relevância, deixando o cometimento dos demais ao prudente
critério do administrador. (original sem negrito)

Nada mais certo do que deixar a escolha àquele que se encontra melhor
posicionado e apto para fazê-la, pois, ante a incapacidade de regulamentação
específica, só o agente público possui condições de adequar a atividade
administrativa às necessidades de cada situação, valorando internamente as
consequências ou vantagens do ato.
Em um estudo mais aprofundado sobre o tema, Mello (2009, p. 427-31)
ensina que para seja possível reconhecer a existência ou não da discricionariedade,
é preciso que se verifique tanto a norma jurídica quanto o caso concreto.
Na primeira, vai depender se a lei disciplina determinado acontecimento
com objetividade absoluta ou sem objetividade. A vinculação é exatamente a
consequência especificada que deflui diretamente de um acontecimento objetivado
de forma absoluta, como é o caso das licenças médicas para os servidores públicos.
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Basta que esteja configurado o fato descrito na norma para que se saiba, prima
facie, o ato administrativo correspondente.
Por outro lado, a discricionariedade ocorrerá quando: (i) a lei deixar de
descrever a razão pela qual será o ato praticado; (ii) em que a situação descrita
possui um conceito vago, em que não seja possível elidir as dúvidas quanto ao
significado exato do termo; (iii) a lei oferecer a liberdade decisória expressamente; d)
(iv) o objetivo do ato for descrito de forma genérica, comportando possibilidades
múltiplas de como atingi-lo.
Continua o autor (2009, p. 429) que, no caso dos conceitos jurídicos
indeterminados, vagos, imprecisos ou elásticos só haverá discricionariedade
administrativa se o conceito estiver em uma zona circundante, isto é, não há certeza
unívoca e inquestionável quanto a sua aplicação - zona de certeza positiva - ou, em
sentido contrário, se descabe totalmente a aplicação - zona de certeza negativa.
Por fim, sintetizando o raciocínio trabalhado, arremata Mello (2009, p.
430): A discricionariedade do ato só existe in concreto, ou seja, perante o quadro da
realidade fática com suas feições polifacéticas, pois foi em função disto que a lei se
compôs de maneira a obrigá-la.

1.3 O CONTROLE JUDICIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Com o fim de garantir que os interesses públicos e privados sejam


preservados, a Administração Pública se sujeita a uma multiplicidade de controles,
perpetrados para que atividade administrativa mantenha-se adstringida aos limites e
fins que lhe são próprios, evitando ou corrigindo eventuais desvios.
Estes meios de controle são imprescindíveis para a contenção de abusos
e arbitrariedades estatais, são frutos, precipuamente, da primeira geração de direitos
humanos, marcada pela delimitação de direitos negativos, de índole abstencionista,
os quais consagraram a liberdade como o mais importante direito do homem em
face do Poder Público.
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Os dois principais controles são o da própria Administração, que pode ser


deflagrado de ofício ou por provocação; e o do Judiciário, somente quando sua
inércia for rompida pela provocação do interessado.
Diferentemente do que ocorre na França, em que o sistema adotado é o
do contencioso administrativo, sistema no qual os atos administrativos são julgados
por órgãos específicos, não cabendo sobre eles o pronunciamento judicial, o nosso
sistema é o de jurisdição única, em decorrência direta do princípio da
inafastabilidade da jurisdição, consagrado no art. 5º, XXXV, o qual dispõe que, in
verbis: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito”.
No sistema de jurisdição única, a última decisão sobre a ilegalidade ou
ilegitimidade de um ato administrativo cabe ao Poder Judiciário, em outros termos, a
matéria só será definitivamente julgada quando houver a qualidade de coisa julgada
judicial sobre ela.
Assim, toda ação ou omissão estatal, ou de quem lhe fizer as vezes, que
resulte em ameaça ou dano a direitos ou interesses de pessoas, será cabível o
contencioso judicial, com todos seus mecanismos e garantias.
Ao discorrer sobre o controle da Administração, Meirelles (2004, p. 680)
explica que:
nos Estados de Direito, como o nosso, não há lugar para o arbítrio, a
prepotência, o abuso de poder. A Administração Pública está tão
sujeita ao império da lei como qualquer particular, porque o direito é
a medida-padrão para qual se aferem os poderes do Estado e os
direitos do cidadão.

Logo, toda vez que a Administração Pública desbordar da lei, dos fins a
que esta destinada e da moralidade, caberá àquele por ela lesionado ou ameaçado
socorrer-se por meio das vias judiciais para que seu direito seja tutelado, seja pelo
procedimento ordinário ou pelo especial, este através do rito próprio do mandado de
segurança.
O Estado-juiz, quando provocado, deverá fazer a análise da legalidade,
isto é, se o ato administrativo está em conformidade com a lei correspondente, e o
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exame da legitimidade, compreendida como a adequação do ato aos princípios que


lhe informam.
O ato administrativo só será válido e eficaz se for legal e legítimo, uma
vez que apenas a adequação à lei não é suficiente, como é o caso da conduta que,
embora em compatibilidade com a lei, não é eficiente ou não é moral, padecendo
então de vício a ser sanado.
Discorrendo sobre o tema, adverte Di Pietro (2014, p. 828-9) que o órgão
jurisdicional, além de analisar a legalidade do ato administrativo, também deverá
examinar o aspecto da moralidade deste, na inteligência do art. 5º, LXXIII, e 37 da
CF/88.
Apenas ad argumentandum, se a moralidade é um princípio jurídico,
obrigatoriamente o exame da legalidade deverá envolvê-la. Afinal, o ato só será
legal se obedecer a todo o sistema jurídico, nos termos já aduzidos.
A doutrina estabelece três espécies de ato que o Judiciário, via de regra,
não poderá se pronunciar sobre eles, visto que serão alvo de controle especial. São
eles: os atos normativos expedidos no exercício de poder regulamentar, os atos
interna corporis e os atos políticos.
Os atos normativos expedidos pelo Executivo no exercício de seu poder
regulamentar só poderão ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Ação
Direta de Constitucionalidade de competência do Supremo Tribunal Federal,
conforme dispõe o art. 102, I, da CF/88.
Agora, se forem arguidos no caso concreto, como fundamento para a
tutela de um direito, poderá ser declarada a sua inconstitucionalidade, no âmbito do
controle difuso, mas apenas de forma incidente e seus efeitos dar-se-ão apenas inter
partes. Convém lembrar que existe a reserva de jurisdição, princípio que estabelece
que, nos Tribunais, apenas o pleno ou seu órgão especial poderão declarar a
inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo.
Os atos políticos, por sua vez, só serão apreciados caso eles afetem
direitos individuais, nesta hipótese, serão denominados quase político, pois seu
conteúdo não compreenderá apenas direitos superiores da nação. Por fim, os atos
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interna coporis só poderão ser objeto de apreciação judicial se irromperem os limites


conferidos pelo ordenamento a auto-organização do órgão.
Em relação aos atos administrativos em sentido estrito, aqueles que
produzem efeitos imediatos às esferas jurídicas dos administrados, individual ou
coletivamente, todos poderão ser objeto impugnação judicial, tanto os vinculados
como os discricionários.
No que diz respeitos aos atos administrativos vinculados, não há
dificuldades ou controvérsias quanto a sua verificação judicial, visto que o
magistrado, nestas situações, seguramente, restringir-se-á à análise do ato
impugnado em face do Direito que lhe dá supedâneo.
Por outro lado, no tocante aos atos administrativos discricionários, ensina
Di Pietro (2014, p. 229) que será possível o controle de legalidade e legitimidade,
entretanto, o Estado-juiz não poderá adentrar na matéria de discricionariedade
administrativa, pois, conforme explica a autora:
isto ocorre precisamente pelo fato de ser a discricionariedade um
poder delimitado previamente pelo legislador; este, ao definir
determinado ato, intencionalmente deixa um espaço para livre
decisão da Administração Pública, legitimando previamente a sua
opção; qualquer delas será legal. Daí por que não pode o Poder
Judiciário invadir esse espaço reservado, pela lei, ao administrador,
pois, caso contrário, estaria substituindo, por seus próprios critérios
de escolha, a opção legítima feita pela autoridade competente com
base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor do
que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto.

Meirelles (2004, p. 681), na mesma linha de intelecção, aduz que caso o


judiciário se manifestasse sobre o mérito administrativo – oportunidade,
conveniência, justiça e eficiência – estaria emitindo pronunciamento administrativo,
fugindo de sua competência constitucional, uma vez que, no exercício de sua função
típica, só pode emitir pronunciamentos judiciais.
Deste modo, se o judiciário imiscuir-se no mérito administrativo, estará
atentando diretamente ao princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 2º
da Constituição Federal de 1988.
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Apesar da ressalva, como já dito, tais atos não estão isentos de exame
pela via jurisdicional, razão pela qual devem ser estudadas as suas particularidades
no que concerne a possíveis irregularidades.
Primeiramente, convém destacar que a discricionariedade conferida pela
lei não pode confundir-se com arbitrariedade, conforme bem preleciona Mello (2009,
p. 426):
ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica,
pois terá se comportado fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em
consequência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente . Ao
agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorga tal
faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a
determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar
satisfação ao interesse público por força da indeterminação legal
quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse
público no caso concreto.

Na arbitrariedade o agente público age segundo suas paixões e valores


pessoais, sem visar diretamente ao bem comum e com inobservância dos preceitos
legais e morais. Também é arbitrário aquele que não observa o razoável e o
proporcional, visto que passa ao largo do que seria admitido de um homem médio.
A doutrina e a jurisprudência, com o nobre intento de coibir a
arbitrariedade administrativa ou o desinteresse para com o bem comum e os
interesses dos particulares, vêm produzindo novas teorias para restringir ao máximo
o campo possibilitado para o juízo exclusivo do administrador.
A primeira destas teorias é a do abuso de poder, originada na doutrina
francesa, a qual é dividida por Vedel (apud Celso Antônio Bandeira de Mello, 2009,
p. 970) em duas modalidades:
a) abuso de poder por desvio da finalidade pública, quando o agente
utiliza-se da máquina pública para satisfazer pretensões pessoais;
b) abuso de poder por emprego de finalidade alheia àquela que a lei
estabeleceu para o ato; se a lei preceitua determinada finalidade para um ato, não
pode o agente público afastar-se desse, pois, mesmo que esteja o agente agindo
por uma causa moral, estará infringindo o princípio da legalidade, fundamental para
conferir segurança às ações estatais.
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Saliente-se que também pode ocorrer o abuso de poder por excesso,


caracterizado pela transgressão dos limites da competência para a prática daquele
ato. Ao contrário das duas primeiras modalidades em que o vício do ato ocorre no
elemento finalidade, nesta última, como fica claro, a irregularidade ocorre no
elemento competência.
A segunda teoria é dos motivos determinantes, que pode ser facilmente
assimilada pelas seguintes palavras de Caio Tácito (apud Celso Antônio Bandeira de
Mello, 2009, p. 968):
se inexiste o motivo, ou se dele o administrador extraiu
consequências incompatíveis com o princípio de Direito aplicado, o
ato será nulo por violação de legalidade. Não somente o erro de
direito como o erro de fato autorizam a anulação jurisdicional do ato
administrativo. Negar ao juiz a verificação objetiva da matéria de fato,
quando influente na formação do ato administrativo, será converter o
Poder Judiciário em mero endossante da autoridade administrativa,
substituir o controle da legalidade por um processo de referenda
extrínseco.”

Ou seja, em termos mais simples, os motivos expostos pelo agente


público como amparo da prática do ato o vinculará, de modo que se o motivo for
falso ou inexistente, o ato também o será, visto que aquele compõe a estrutura deste
e dele é indissociável.
Expondo sobre o tema, Carvalho filho (2010, p. 79) ensina que:

nos atos administrativos, ao revés, sempre poderá haver algum


subjetivismo e, desse modo, mais necessária é a motivação nesses
atos para, em nome da transparência, permitir a sindicabilidade da
congruência entre sua justificativa e a realidade fática na qual se
inspirou a vontade administrativa.

Saindo da questão relativa ao motivo, outra questão de extremo valor a


ser encarada pelo Judiciário no tocante à discricionariedade administrativa é a
interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados.
Mello (2009, pág. 961-7) ensina que a discricionariedade pode decorrer
do conceito impreciso utilizado pelo legislador para descrever o motivo –
pressuposto de fato – ou a finalidade para a prática do ato, tema este já explicitado
no item 1.2.
60

Na questão do controle, se, na análise do caso concreto, o motivo ou a


finalidade – ou até mesmo ambos – for descrito por um conceito indeterminado, e
este comportar dúvidas quanto a seu significado em face da situação vertente, não
caberá ao Estado-juiz pronunciar-se, pois, dentro de zona cinzenta de imprecisão,
apenas é lícito ao administrador manifestar-se.
De modo diverso, se da interpretação de um conceito elástico, em
contraste com o caso in concreto, só for possível um significado, e,
consequentemente, apenas conclusões em um determinado sentido, estará o
administrador obrigado a agir consoante esse significado. Neste caso, se o agente
não respeitar este limite interpretativo, poderá ter seu ato anulado pelo judiciário,
uma vez que incorreu em vício de legalidade.
Mello (2009, pág. 965), terminando sua linha de raciocínio, aduz:
a interpretação do sentido da lei, para pronúncia judicial, não agrava
a discricionariedade, apenas lhe reconhece os confins; não penetra
na esfera de liberdade administrativa, tão-só lhe declara os
contornos; não invade o mérito do ato nem se interna em
avaliações inobjetiváveis, mas recolhe a significação possível
em função do texto, do contexto e da ordenação normativa
como um todo, aprofundando-se até o ponto em que pode
extrair razoavelmente da lei um comando certo e inteligível.
(original sem negrito)

Por fim, a teoria que avoca os princípios da proporcionalidade e


razoabilidade como condicionadores da validade da conduta administrativa, matéria
esta a ser desenvolvida no capítulo III deste trabalho.
61
62

CAPÍTULO II – DA PROPROCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE

2.1 OS FENÔMENOS NORMATIVOS EM RELAÇÃO À


PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE

Para possibilitar e melhorar a compreensão dos assuntos a serem


desenvolvidos nos próximos capítulos, é necessária uma breve introdução aos
traços distintivos entre as espécies normativas, uma vez que assim tornar-se-á mais
fácil a constatação das reais dimensões da razoabilidade e da proporcionalidade,
bem como suas potencialidades.
Segundo a teoria de Ronald Dworkin, conforme ensina Guerra (2005, p.
4), regras são aplicadas pelo método tudo ou nada (all or nothing), enquanto, por
outro lado, os princípios aplicam-se por um método de dimensão de peso (dimension
of weight).
Assim, em face de um determinado suporte empírico que reclama a
atuação de uma regra, ou está será considerada válida e obrigatoriamente deverá
ser aceita e aplicada, ou não será válida, caso em que só resta deixar de aplicá-la. O
mais importante é saber que, no conflito entre regras (antinomia), apenas uma delas
será considerada válida.
Diversamente, os princípios quando colidentes não excluem um ao outro,
mas sim são aplicados conforme o peso de cada um deles.
63

Robert Alexy, complementando a teoria de Dworkin, de acordo com


Guerra (2005, p. 6), sustentou que os princípios são mandamentos de otimização,
aplicados em vários graus normativos e fáticos, de modo que em sua aplicação, ao
64

colidir com outros princípios, sofrerá acréscimos e limitações destes, sem que um
retire totalmente os efeitos do outro.

Silva (2002, p. 3-4), esclarecendo sobre a teoria de Alexy, afirma que a


diferenciação entre regras e princípios dá-se consoante a estrutura e a forma de
aplicação da norma, podendo esta ser uma regra ou um princípio.
O autor elucida, ainda, que “as regras expressam deveres a serem
obedecidos e são aplicadas por meio da subsunção”. E arremata: “os princípios, por
sua vez, expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado
após o sopesamento com princípios colidentes”
Percebe-se que, para a teoria de Alexy, a distinção fundamental entre
regra e princípio ocorre em razão de não ter a primeira espécie normativa
possibilidade de variação conforme o caso concreto, isto é, independentemente do
suporte fático ao qual se encontra relacionada os seus efeitos serão os mesmos. Por
outro lado, os princípios iram incidir de forma diferente de acordo com as colisões
que ocorrer com outros princípios em sua aplicação ao caso concreto.
Verificando a fundo a questão terminológica, Ávila (2001, p. 23-25)
esclarece que não é possível classificar a proporcionalidade como princípio. Nas
palavras do autor:
sua descrição abstrata não permite uma concretização em princípio
gradual, pois a sua estrutura trifásica consiste na única
possibilidade de sua aplicação; a aplicação dessa estrutura
independe das possibilidades fáticas e normativas, já que o seu
conteúdo normativo é neutro relativamente ao contexto fático; sua
abstrata explicação exclui, em princípio, a sua aptidão e necessidade
de ponderação, pois o seu conteúdo não irá ser modificado no
entrechoque com outros princípios. Não bastasse proporcionalidade
não determina razões às quais a sua aplicação atribuirá um peso,
mas apenas uma estrutura formal de aplicação de outros
princípios. (grifos não constantes no original)

Afirma, ainda, que a proporcionalidade não pode ser tida como uma regra,
haja vista que não “estabelece tal ou conteúdo relativamente à conduta humana ou à
aplicação de outras normas”, razão pela qual a classifica como um postulado
normativo aplicativo, isto é, o fenômeno da proporcionalidade resume-se a
65

condições de interpretação de outras normas para que se saiba o que é devido,


permitido e proibido.
De modo diverso, mas também concordando que a proporcionalidade não
é um princípio, Robert Alexy, segundo pontua Silva (2002, p. 3), considera que a
proporcionalidade é uma regra, uma vez que se aplica mediante a subsunção, ou
seja, o caso concreto analisado deve amoldar-se, sob condição de validade, às sub-
regras da proporcionalidade.
É de suma importância destacar que, a despeito de tecnicamente
incorreto referir-se à proporcionalidade como princípio, ao menos pela perspectiva
doutrinária de Robert Alexy, neste trabalho continuar-se-á a utilizar tal terminologia,
pela força da tradição doutrinária, bem como por estar expresso em lei nesse sentido
(art. 2º da Lei n. 9784/99).

2.2. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

A construção teórica e as bases do comumente designado princípio da


razoabilidade, conforme indica José Roberto Pimenta Oliveira (apud Celso Antônio
Bandeira de Mello, 2010, p. 111), deram-se nos países anglo-saxônicos, no âmbito
do sistema do common law.
Nesta senda, Barroso (1999, p. 152-3) destaca que a origem deste
princípio está ligado à garantia do devido processo legal em sua feição substantiva
(substantive due process), desenvolvida pela doutrina e jurisprudência Norte
Americana, remontando-se à cláusula law of the land, inscrita na Manga Carta de
1215.
Adverte, ainda, o autor que, a partir do desenvolvimento teórico desta
garantia, ampliaram-se de maneira substancial os poderes jurisdicionais, uma vez
que foi possível o exame da razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade
(rationality) dos atos do Estado em geral, sejam eles normativos ou administrativos.
Cabe lembrar que o princípio do devido processo legal, entre nós, está
inserto no núcleo de direitos e garantias fundamentais da Carta Magna de 1988, no
inciso LIV do art. 5º, fato este que demonstra que, ao tratar-se de razoabilidade,
66

estar-se-á inarredavelmente em terreno constitucional de proteção e preservação


dos direitos dos cidadãos, sobretudo a liberdade, em confronto com o ius imperii
estatal, seja em qual for o ramo de sua manifestação.
Silva (2002, p. 6-7) põe em dúvida a afirmação de que a razoabilidade
originou-se da Carta Magna de 1215 da Inglaterra, pois neste país fala-se em
princípio da irrazoabilidade, que se destina exclusivamente a invalidar atos
excepcionalmente irrazoáveis, dito de outra forma, apenas aquele em que a
irrazoabilidade fosse escancarada, sem qualquer dúvida a respeito.
Faz-se mister, inicialmente, trazer à baila a lição de Ávila (2005, p. 103)
segundo a qual a razoabilidade “estrutura a aplicação de outras normas, princípios e
regras, notadamente as regras”.
Deste modo, muito além de instrumento de defesa de direitos, serve como
base fundante e condicionadora de todo o sistema jurídico.
Em que pese as contribuições e vantagens deste princípio, sua aplicação
enseja o aumento exorbitante do campo subjetivo do julgador, consoante assevera
Barroso (1999, p. 155-6):
o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos
do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor
superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais
fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um
conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão
excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão,
supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário
ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores
vigentes em dado momento ou lugar.

Por isto, esforça-se a doutrina para construir critérios mínimos para a


incidência da razoabilidade, a fim de que, ao mesmo tempo em que se resguarde o
cidadão, não seja conferido ao Judiciário a chancela para imiscuir-se em matéria de
discricionariedade administrativa, em afronta ao princípio da Separação dos Poderes
estampado no art. 2º da CF/88.
No Direito Administrativo brasileiro, a ideia da razoabilidade, de modo
geral, está atrelada à observação do que seja razoável a uma determinada situação,
isto é, aquilo que, dentro do conjunto em que esteja inserido, seja admissível, pelo
senso comum, como uma resposta válida e possível dada ao problema exigido.
67

Para Carvalho Filho (2014, p. 41-2), a ideia de aceitabilidade da conduta


adotada é justamente a base legitimadora da aplicação do princípio da
razoabilidade, pois, segundo destaca, não cabe ao órgão julgador perquirir-se sobre
a justiça da decisão, mas, tão somente, se pode ser aceita.
Em outro viés, com carga mais objetiva, Pazzaglini Filho (2000, p. 44-45),
utilizando-se de conhecida proposição de Lúcia Valle Figueiredo, afirma que existe
razoabilidade quando houver justeza (congruência lógica) entre o comportamento
adotado pelo administrador e o fato que o desencadeara.
Destarte, o administrador deverá levar em consideração as
circunstâncias do fato, como os sujeitos envolvidos, o tempo e o local, conjugadas
com o que ordinariamente acontece em situações similares, sob risco de, ao ignorar
tais premissas, dar azo à invalidade do ato por contrariar o princípio da
razoabilidade, em decorrência da falta de compatibilidade entre o motivo e o
comportamento.
Nesse mesmo sentido, Ávila (2006, p. 106-9), ao discorrer sobre a
razoabilidade como congruência, afirma que deve haver a harmonização da decisão
estatal com o suporte empírico ao qual se encontra vinculada. Esta congruência
pode ser visualizada, segundo o autor, sob dois enfoques, sendo o primeiro
relacionado à proibição do agente público de eleger causas insuficientes ou
inexistentes para justificar a medida adotada, e o segundo, noutro giro, que os
critérios de discriminação estabelecidos devem corresponder à medida escolhida.
Além da congruência, Ávila (2005, p. 109) discorre que também é
necessária a equivalência, isto é, a medida adotada deve ser equivalente ao critério
que a dimensiona. Logo, a depender do critério utilizado (responsabilidade, culpa,
dolo, condições pessoais etc) a medida adotada também deverá variar na exatada
necessidade de equivalência.
Aspecto também levantado para verificar a razoabilidade é a finalidade
para qual foi editada a norma, conforme a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto
(apud Maria Sylvia Zanella Di Pietro, 2014, p. 81):
o que se pretende é considerar se determinada decisão, atribuída ao
Poder Público, de integrar discricionariamente uma norma,
contribuirá efetivamente para um satisfatório atendimento dos
interesses públicos. A razoabilidade, agindo como um limite à
68

discrição na avaliação dos motivos, exige que sejam eles


adequáveis, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato
atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como
um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme
fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja
atingida. (grifo não constante no original)

Enfatiza-se, neste aspecto, a questão teleológica da norma, de modo que


a validade do ato, no que concerne à razoabilidade, estará jungida à observância do
fim previsto em lei.

Em razão dessa particularidade, Mello (2005, p. 108) leciona que o


princípio da razoabilidade encontra-se fundamentado nos mesmos preceitos que
lastreiam constitucionalmente os princípios da legalidade (art. 5º, II, 37 e 84) e da
finalidade (os já referidos e o art. 5º, LXIX).

2.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Ao contrário da razoabilidade, a proporcionalidade tem sua origem e


desenvolvimento ligados ao Direito de matriz romano-germânica, correspondente
aos países da Europa Continental e o Brasil, que, por herança portuguesa, adotou o
sistema de Direito do civil law.
Fundamental assinalar que, conforme destaca Silva (2000, p. 8), a
proporcionalidade, na estrutura que atualmente é encarada, foi desenvolvida pelo
Tribunal Constitucional Alemão. Este Tribunal, por meio de sua jurisprudência,
desenvolveu uma estrutura racionalmente definida, mediante a utilização dos
subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito,
sendo estes aplicados em uma ordem pré-definida, e, ainda, segundo o autor, cria a
diferença substancial entre este princípio e o da razoabilidade.
Silva (2000, p. 9) reforça que é imprescindível que os elementos da
análise da proporcionalidade sejam aplicados de forma ordenada, com vinculo de
prejudicialidade (relação de subsidiariedade) entre eles, de modo que a inocorrência
ou a irregularidade de apenas um destes acabe por macular o exame da
proporcionalidade.
69

Deste modo, devem ser estudados aqui os elementos da


proporcionalidade na exata progressão lógica que deve ser feita pelo agente público
ou julgador, quando for impugnado algum ato estatal.
Cabe, aqui, a informação inaugural conferida por Ávila (2005, p. 113) de
que só é possível fazer o exame dos elementos da proporcionalidade caso exista
uma relação entre meio e fim intersubjetivamente controlável.
Em termos mais claros e objetivos, somente se houver uma medida
concreta destinada a uma determinada finalidade será aquele ato passível de
averiguação sob a estrutura da proporcionalidade. Afinal, se não existem pontos de
referência, é impossível fazer qualquer análise sobre o tema.
O primeiro dos subprincípios a ser investigado é o da adequação, que,
conforme ensina Silva (2000, p. 14-16), deve-se ater à verificação se o ato estatal
promove o fim objetivado pela norma, isto é, se, hipoteticamente, aquele ato
contribui de qualquer maneira para que seja alcançado o fim pretendido.
É necessário consignar que não é necessário que o ato realize o fim, pois,
nesta etapa da análise, basta que o meio seja apto.
Debruçando-se sobre o tema, Ávila (2005, p. 117) observa que é possível
identificar, sob o prisma da relação de causalidade, três aspectos: a) o quantitativo
(intensidade); b) o qualitativo (qualidade); c) o probalístico (certeza). Explica o autor
que:
em termos quantitativos, um meio pode promover menos, igualmente ou mais o
fim do que outro meio. Em termos qualitativos, um meio pode promover pior,
igualmente ou melhor o fim do que outro meio. E, em termos probabilísticos, um
meio pode promover com menos, igual ou mais certeza o fim do que outro meio.

Tais informações só valem a título informativo, pois, cumpre lembrar,


mesmo que o meio empregado seja, de modo geral, pior do que outro meio, só é
necessário, pela visão da adequação, que ele promova o fim. Não seria, de modo
algum, exigível do administrador que apenas escolhesse o melhor ato, pois isto,
indubitavelmente, nada mais seria que ingerir em atuação exclusiva da
discricionariedade administrativa.
Também é ressaltado por Ávila (2000, p. 120) que o controle judiciário só
procederá à anulação dos atos dos demais poderes quando for manifestamente
70

evidente a inadequação, e esta não for, de qualquer outro modo, possível de ser
justificada.
Passado a exame de outro elemento, a necessidade será averiguada
conforme for possível, ou não, encontrar outro meio que seja igualmente adequado
só que restrinja direitos em menor intensidade.
Barroso (1999, p. 157) pontua que a necessidade também é chamada
pela doutrina e jurisprudência alemã como exigibilidade, haja vista que se trata se é
exigível ou não que o agente estatal tivesse adotado outra providência no lugar
daquela que ele escolheu, por razões dela restringir os direitos com menor
intensidade.
Assim sendo, ao fazer a comparação com a sub-regra da adequação,
Silva (2000, p. 16-19) assevera que “a diferença entre o exame de necessidade e o
da adequação é clara: o exame de necessidade é um exame imprescindivelmente
comparativo, enquanto que o da adequação é um exame absoluto.”
Quer-se dizer que, superada a primeira etapa, em que a única indagação
é se a medida promove o fim, deve ser feito o cotejamento deste ato com outros, a
fim de encontrar outros meios alternativos que sejam menos limitadores de direitos
do que o inicialmente verificado.
Pensando do ponto de vista de controle judiciário, Ávila (2005, p.122)
adverte que órgão julgador não deverá levar em consideração apenas
particularidades do ato, tal como quantidade, intensidade e probabilidade, mas sim
ele em seu conjunto. Afinal, tornaria inviável a própria atividade administrativa, uma
vez que as hipóteses de melhores meios são incomensuráveis, quando não
ilimitadas.
Por fim, caberá o exame da proporcionalidade em sentido estrito, que
consiste no sopesamento entre a intensidade da restrição imposta e a importância
da realização do fim.
Complementado, afirma Silva (2000, p. 19-20) que:

também não é necessário que a medida atinja o chamado núcleo


essencial de algum direito fundamental. Para que ela seja
considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os
motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso
suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É
71

possível, por exemplo, que essa restrição seja pequena, bem


distante de implicar a não-realização de algum direito ou de atingir o
seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direito
fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente
para justificá-la, será ela desproporcional. (grifo não constante no
original)

Trata-se, em verdade, de apurar, no todo, se os motivos legitimadores da


conduta, bem como as restrições impostas para que fosse possível o alcance do fim
colimado, justifiquem o resultado final obtido, em razão de sua importância ou da
vantagem proporcionada ao todo.

2.4 – A DIVERGÊNCIA EM RELAÇÃO À AUTONOMIA OU


IDENTIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E
RAZOABILIDADE

Não há unanimidade doutrinária no panorama jurídico brasileiro quanto ao


fato de a proporcionalidade e a razoabilidade serem princípios autônomos ou não,
motivo pelo qual se formaram duas correntes distintas.
Tal problemática resulta em uma enorme insegurança jurídica, haja vista
que não se forma uma jurisprudência sólida e consistente, nem mesmo no Supremo
Tribunal Federal, capaz de conferir ao jurisdicionado previsibilidade em relação ao
tratamento que será dado a sua demanda, bem como o resultado daí advindo.
É preciso, pois, trazer à lume algumas considerações teóricas já
produzidas, com o escopo de viabilizar a observação das principais premissas que
orientam cada uma destas correntes em sua abordagem sobre o assunto.
Para Silva (2002, p. 24), proporcionalidade e razoabilidade não podem ser
sinônimos, pois, enquanto para a primeira já houve construção teórica de um método
adequado de sua aplicação, a razoabilidade é aplicada de modo muito vago,
servindo, muitas vezes, como um simples topoi (tópico argumentativo) invocado para
fundamentar julgamentos.
Também considerando a proporcionalidade autônoma em relação à
razoabilidade, Ávila (2001, p. 30) explica que os tribunais alemães já conferiram
significação normativa diversa a cada uma delas, sendo que a primeira usa como
72

método o “juízo com referência a bens jurídicos ligados a fim, o segundo traduz um
juízo com referência à pessoa atingida”.
Em outra oportunidade, Ávila (2005, p. 109-11) elucida que a
proporcionalidade, além de suas sub-regras, exige uma relação de causalidade, o
que não acontece na razoabilidade, que deve apenas respeitar os deveres de
equidade, congruência e equivalência, explicitados no tópico 2.2, os quais se
aplicam pela ideia critério medida.
Entretanto, ressalta que, a depender da abordagem teórica, a
razoabilidade pode ser enquadrada dentro do conceito de proporcionalidade em
sentido estrito, caso este se referira a um amplo poder de ponderação de bens,
princípios e valores. Se a proporcionalidade em sentido estrito também envolver
aspectos de interesse subjetivo, poderá ser enquadrada como razoabilidade em sua
feição equitativa, haja vista que esta leva em conta a situação concreta apresentada.
É necessário registrar que, para esta primeira corrente, deve ser
privilegiado o uso do princípio da proporcionalidade, uma vez que suas bases estão
muito bem assentadas, facilitando-se tanto sua aplicação quanto seu posterior
controle.
Em sentido oposto, considerando que razoabilidade e proporcionalidade
são termos diferentes para uma única significação jurídica, Barroso (1999, p. 158)
afirma que a única diferença entre razoabilidade e proporcionalidade está na origem
de uma e outra. Gilmar Mendes (2014, p. 348) também perfilha este ponto de vista.
Para os autores que entendem que não há independência entre os
princípios aqui referidos, o que importa é o exame das sub-regras: adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Destarte, só aplicam a ideia de
proporcionalidade criada pelos tribunais alemães, na perspectiva do devido processo
legal substantivo.
73

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA


PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE NO CONTROLE
JUDICIAL

3.1 A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE E


RAZOABILIDADE PELO JUDICIÁRIO

A ideia de proporcionalidade e da razoabilidade, como regras ou


condições para a validade do ato, surge da necessidade de maior controle dos atos
administrativos discricionários, entretanto, ao mesmo tempo, diminui-se um âmbito
de juízo subjetivo para aumentar outro, o que impõe um dever de cautela em seu
uso.
Deste modo, é imprescindível que o órgão jurisdicional aponte, quando do
uso destes princípios, os motivos específicos que o levaram a sua adoção, seja qual
for a definição que empregue a estes, a fim de que sua decisão seja mais delimitada,
e, consequentemente, possa ser facilmente verificável em um eventual controle.
A razoabilidade, por sua maior vagueza, só poderá ser utilizada com
segurança, para fundamentar uma decisão, caso se trate circunstâncias que,
manifestamente, estejam em descompasso com o que ordinariamente ocorre, ou a
decisão tomada seja manifestamente incoerente em relação ao standart do homem
médio.
Esclarecendo tal aplicação, leciona Di Pietro (2014, p. 267) que:
74

existem situações extremas em que não há dúvida possível, pois qualquer


pessoa normal, diante das mesmas circunstâncias, resolveria que elas são
certas ou erradas, justas ou injustas, morais ou imorais, contrárias ou favoráveis
ao interesse público; e existe uma zona intermediária, cinzenta, em que essa
75

definição é imprecisa e dentro da qual a decisão será discricionária, colocando-


se fora do alcance do Poder Judiciário. (grifo não constante no original)

Ora, pelo que se constata da citação, a simples dúvida no juízo do


magistrado inviabiliza a utilização do princípio em comento, porquanto estará a
decisão dentro dos contornos aceitáveis da discricionariedade.
Ao contrário do que possa parecer, não se trata de um juízo de qualidade
da decisão administrativa, o que importaria dizer se foi boa ou ruim, mas sim de
aceitabilidade desta em face da conjectura a que se encontra relacionada.
A título exemplificativo, no Agravo de Instrumento Nº 70062871991 do
TJRS, sob a relatoria do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves,
julgou-se que o fato de o Estado delimitar a idade mínima de seis anos para o
ingresso do estudante no ensino fundamental não afronta o princípio da
razoabilidade, uma vez que a decisão sobre a maturidade da criança para ser
inserida no ensino regular cabe ao órgão competente do Poder Público, que dispõe
de inúmeros estudos, dados e análises como fundamento de sua decisão.
Utilizando-se da perspectiva de Ávila (2005, p. 109), pode se ver que há
congruência entre o critério de diferenciação acolhido (grau de maturidade) e a
medida adotada (limite de idade). Existe, no caso, então, um critério de diferenciação
que se constitui em razão necessária e suficiente para dar validade ao ato.
Examinando um exemplo em sentido oposto, na AC 2006.43.00.0000491-
4, de relatoria do Desembargador Federal Souza Prudente, foi invalidado o
regimento interno do TRE/TO que dispunha sobre o fracionamento de audiências, de
modo que os integrantes do tribunal recebiam mais verbas ao fracionar a sessão que
poderia ser contínua.
Observe-se que, além de ofensa a outros princípios, é nitidamente
desarrazoado realizar duas audiências do mesmo caso no mesmo dia, quando
poderiam ser realizadas em uma única, com o pagamento de apenas uma verba aos
julgadores participantes. Ou seja, é descompassado com o que seria aceitável do
ponto de vista de um administrador médio, configurando em maior dispêndio ao
erário público sem uma razão suficiente para tanto (note que afeta o princípio da
eficiência diretamente).
76

É justamente esta a maneira que Pazzaglini Filho (2000, p. 45-46) indica


para controlar-se a razoabilidade: cotejando-a com os demais princípios
constitucionais e legais, bem como com o contexto em que se dá a atuação
administrativa.
Em apertada síntese, pode-se dizer que, pelas razões já tecidas em
outros tópicos, sempre que o operador do Direito verificar ser desarrazoada a
conduta administrativa, por via lógica, outros princípios restarão vulnerados, haja
vista a vinculação e indissociabilidade existente entre eles.
Por isto a doutrina e a jurisprudência moderna entendem por bem
designar o controle de legalidade como controle de juridicidade, pois envolveria um
complexo muito maior do que a lei em sentido estrito.
De outra banda, passando-se ao controle da proporcionalidade, percebe-
se que seu manejo é mais efetivo, uma vez que as sub-regras componentes de sua
estrutura (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) constitui-
se em um método que confere tanto uma base sólida quanto caminhos seguros para
sua aplicação.
Interessante que, para Ávila (2005, p. 102-3), mesmo que o julgador não
decomponha a proporcionalidade em seus elementos essenciais, é possível a
reconstrução analítica de sua decisão, fato este que torna legítimo seu uso, pois
seria possível compreender os critérios utilizados pelo julgador.

Como exemplo do princípio da proporcionalidade, pode ser citado o AgRg


no AREsp 126660 / SC, julgado no STJ, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes
Maia Filho, em que se asseverou que a punição de ressarcimento ao erário aplicada
a um Secretário Municipal, por ter determinado que servidor público municipal
utilizasse bem público para mudança particular de terceiro, às expensas do erário
público municipal, é “adequada e necessária para evitar que o agravado reincida na
ilegalidade, bem como proporcional à reduzida gravidade da conduta perpetrada
pelo agente Público e ao mínimo prejuízo ao Ente Municipal”.

Ao especificar, no acórdão, as razões específicas que levaram o


colegiado a considerar proporcional a sanção em relação ao ato praticado pelo
77

agente público municipal, foram oferecidas condições de verificação sobre esta


decisão.
Destarte, em relação ao caso narrado, a adequação pode ser notada pela
potencialidade do ressarcimento ao erário (meio) de promover a responsabilidade
civil e administrativa do agente público estatal (fim) em razão do ato improbo
cometido por este (motivo).
Também o ato punitivo satisfaz a exigibilidade, uma vez que, dentre
outros meios sancionatórios do ato improbo, o ressarcimento ao erário é o menos
gravoso aos direitos do indivíduo, em comparação, por exemplo, com a perda da
função pública ou com uma multa.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito verifica-se pelo
sopesamento entre o meio utilizado e o fim perseguido, isto é, o ressarcimento ao
erário é suficiente para sancionar uma conduta administrativa que é de baixa
gravidade e que produziu uma pequena lesão ao ente público municipal.
Superado o exame das sub-regras, resta ao julgador considerar o ato
válido, pois o administrador, no momento da escolha da punição, manteve-se na
margem de discricionariedade a ele oferecido pela lei, a fim de satisfazer o interesse
público.
Como se percebe, a estrutura teórica da proporcionalidade, ao mesmo
tempo em que permite ao judiciário controlar o ato administrativo discricionário, ela
reduz o grau de subjetivismo do julgador, proporcionando maior segurança jurídica,
objetivo indissociável da prestação da tutela jurisdicional.

3.2 – O CONTROLE DA PROPORCIONALIDADE E DA


RAZOABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO NA JURISPRUDÊNCIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Busca-se a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre


o tema, pois toda a ideia da proporcionalidade e razoabilidade como regras
delimitadoras da atividade estatal, seja legislativa ou administrativa, adveio do
desenvolvimento do direito constitucional, ao estabelecer que as condutas do Poder
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Pública só serão legais e legítimas quando em afinamento com todo o sistema


jurídico, orquestrado pela Constituição.
Ao discorrer sobre o histórico da proporcionalidade na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes (2012, p. 332-6) informa que a primeira
manifestação do STF sobre o tema ocorreu na decisão proferida na Representação
n. 1.077, de 28-3-1984, em que foram julgados inconstitucionais dispositivos
constantes da Lei n. 383, de 4/12/1980 do Estado do Rio de Janeiro, os quais
elevavam o valor das taxas judiciárias acima de uma equivalência razoável entre o
valor cobrado pelo serviço e aquele que efetivamente deve ser exigido do
contribuinte.
Em que pese não se referir especificamente a ato administrativo,
possibilita uma noção da época em que a ideia de proporcionalidade começara a ser
manejada pela Suprema Corte para conter atos estatais.
Logo, a regra da proporcionalidade ingressou no universo jurídico
brasileiro como hipótese de controle de constitucionalidade das leis, para, só então,
espraiar-se para a contenção de outras atividades estatais, precipuamente no
âmbito da administração, que não se afigurem dentro dos parâmetros de
proporcionalidade e razoabilidade, outrora já delineados neste trabalho.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já se consolidou no sentido
de que a declaração de invalidade ou abusividade de um ato administrativo
discricionário pelo judiciário, por atentar contra a proporcionalidade e/ou
razoabilidade, não contraria o princípio da separação dos poderes, já que o conjunto
de escolhas possíveis de serem tomadas pelo administrator é sempre limitado pela
lei e, precipuamente, condicionado, seja qual for a opção, à estrita satisfação do
interesse público.
Verifica-se que, ao pesquisar sua jurisprudência, grande número de
julgados do STF, em que há a menção aos princípios aqui debatidos, refere-se à
aplicação de punições pelo administrador, os quais, por motivos de várias ordens,
acabam deixando prevalecer critérios pessoais em prejuízo aos critérios técnicos,
que, legitimamente, foram estipulados por um Processo Legiferante.
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Para representar este entendimento, cabe mencionar o RMS 24.699/DF,


julgado em 30/11/2004, de relatoria do Ministro Eros Graus, em que foi dado
provimento ao recurso para cassar ato de demissão aplicado em desfavor de
engenheiro do DNER. Em seu julgamento, foi constatado que existia incongruência
da medida aplicada em relação a todo o acervo fático-probatório produzido nos
autos do Procedimento Administrativo, circunstância que impôs a invalidação do ato
administrativo.
Em seu voto, o Ministro Eros Graus explicitou que “O Poder Judiciário
verifica, então, se o ato é correto. Não, note-se bem – e desejo deixar isso bem
vincado ---, qual o ato correto”.
O referido Ministro, nesta pequena assertiva, deixa claro que o Judiciário,
no controle do ato administrativo, está a fazer, apenas, a verificação da
compatibilidade da decisão do administrador em relação ao regime jurídico em que
se insere e ao qual se encontra subordinada.
Se fosse oportunizado ao Judiciário dizer ao administrador a escolha que
deveria ser feita, estaria ele a exercitar, conjuntamente, dois Poderes, o que
subverte toda a ordem constitucional.
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CONCLUSÃO

Em que pese exista ainda pontos vagos em relação ao tema, é de fácil

constatação que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade já se

encontram assentados como importantes instrumentos a serviço dos administrados,

os quais podem invocá-los para que, na via judicial, seja o ato administrativo

discricionário fiscalizado.

Ao contrário do que ocorria em outros tempos, já é assente que não é em

razão da discricionariedade que o ato ficará imune à fiscalização judicial. Em

verdade, estes princípios são mais uma forma, dentre outras, de se reduzir o campo

que cabe exclusivamente o juízo do administrador quanto à conveniência e à

oportunidade.

Percebe-se que, sob um ângulo teórico, a proporcionalidade e a

razoabilidade em verdade não podem ser consideradas como princípios, pois não se

concretizam em graus diferentes, tampouco recebem limitações e complementações

de outros princípios. Todavia, é impossível deixar de chama-las como tais, haja vista

a força da tradição e o que se encontra consignado em lei.


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Em relação à autonomia destes princípios, visualiza-se que há uma

corrente doutrinária que entende que são autônomos e outro que os considera como

nomes diferentes que tem um mesmo significado e alcance. Do ponto de vista


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técnico, a primeira parece ser mais correta, em razão de ter a proporcionalidade

suas sub-regras próprias (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido

estrito), depender de uma relação de causalidade entre meio e fim e pelo fato de

poder ser apurada por meio de critérios objetivos.

Por tais razões, é preferível que o julgador lance mão da

proporcionalidade, visto que sua estrutura possibilita exercer um controle mais

objetivo do que subjetivo, ao contrário do que acontece no uso da razoabilidade.

Entretanto, desde que devidamente fundamentado, na prática não

causará prejuízos aos administrados o uso autônomo ou não de tais princípios no

âmbito do controle de legalidade. O importante é que o julgador não se valha destes

princípios para decidir conforme sua consciência, pois, se assim agir, também estará

incorrendo em uma ilegalidade.

Por isto, consoante já se asseverou, o juiz julga apenas a adequação do

ato ao ordenamento jurídico a que se encontra subordinado, neste se encontrando a

proporcionalidade e a razoabilidade, e não afirmando, no caso concreto, qual a

decisão deveria ter sido adotada.

O administrado não pode ficar a mercê de critérios exclusivamente

subjetivos, seja ele do administrador ou do julgador, quando provocado para tanto.

Novamente, nota-se que o fundamental em qualquer Estado Democrático de Direito

é a subordinação do Estado à lei e à finalidade pública.


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