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RNGHOS Eliane Marta = Teixeira Lopes Doutora em Educagao Professora da Universidade Federal de Minas Gerais a gon Pe ana 8 Sept Gara = HISTORICAS DA EDUCACAO fa Diregao Benjamin Abdala Junior Samira Youssef Campedelli Proparagdo de texto Egon de Oliveira Rangel Sons ae nacdo e Projeto grafico (miolo) Anténio do Amaral Rocha Arte-final René Etiene Ardanuy Joseval Sousa Fernandes Capa ‘Ary Normanha 4° edigao impressio ISBN 85 08 01088 5 2004 Todos os ditettos reservados pela Ecilora Atica Rua Baro de iguape, 110-CEP 01507900 ‘Caixa Postal 2937 - CEP 01065970 Sdo Paulo - SP Tel 090 11 3346-3000 - Fax: OXx 11 327.4146 Intemet: htio://wwnectica.com.br e-mail: edifora@atica.com.br Sumario 1. O que 6 Historia da Educacao?. 7 “Ninguém escapa da Educagao" 7 O que se diz que é?. 7 E 0s professores, o que dizem?. 9 O que dizem os autores?. 10 Uma conclusfio?—__12 2. Ahistoria da Historia da Educagao. 13 Do inventirio. 13 A Historia da Educagao através da Historia. 14 A Histéria da Educagio ¢ 0 positivismo——_—19 3. Concepcoes de Historia e Historiografia. 22 Uma rapida, mas necesséria incursio_________22 A concepgao positivista_______ 22 A concepgio marxista___24 A concepgiio dos Annales——_____ 26 As tendéncias mais recentes. 27 4. As relagdes da Histéria da Educacao com a Historia e com a Educagao. 31 Histéria da Educagfio: um géncro da Historia? 31 Preste atengZo as palavras________34 A Histéria da Educagao e a Educaga 37 5, Mas, afinal, para que estudar Historia da Educagao?__40 Para que estudar Historia’ 40 E a Histéria da Educagiio, para que serve?. 43 + O que é Histéria da Educacaéo? inguém escapa da Educacao” Provayelmente nio hi pratica social na qual esteja- mos mais duradouramente inseridos que a educacio, indi- vidual ou coletivamente, Quer em uma ou em outra pers- pectiva, trata-se de uma prética social hist6rica. Possui uma histéria (que foi ou nao escrita). E produz uma his- ria (que poderé ou niio ser escrita), Deixemos assim. Por enquanto. O que se diz que é? “... transformagées. . ."; *... senda evolutiva, ..”; «+ estudo evolutivo..."; “... caminho pelo qual so passou...”; “... evolucdo histérica da educagio.. .”; “... principios da educagio, suas origens, sua impor- tancia, sua necessidade. ..”; “... evolugia dos concei- tos..." “.,. desenrolar da edueacdo desde 0 primeiro homem até os dias atuais...°; “... narragio dos fatos que originaram a educacio. © passado da nossa educagiio (para melhor compreendermos presen- te)... “... historia das idéias ¢ dos métodos decor- rentes...”;“... hist6ria das propostas educativas jé in- ventadas pelos homens...”;“... andlise do proceso de estruturagio da educagéo nos diversos periodos histori- cos..."; “... histéria de toda a nossa cultura ociden- tal. desenrolar da educacio desde 0 seu apa- recimento...”; “... quando, por que ¢ para que a edu- cago surgiu...”; como se dava a aprendizagem a partir da pré-historia...”;... hist6ria do ensino e seus problemas, em varias épocas...”; “.., hist6ria das es- colas de pensamento em educacio © sua vinculagéo com os fenémenos sociais de cada 6poca.. .” Diversas pessoas, a quem foi perguntado: “O que & Hist6ria da Educagio?”, deram as respostas acima arro- ladas, Poderiamos arrolar outras, mas nio é necessério: a maioria delas traz as mesmas idéias, A outra questo formulada: “Qual seria o contetido a ser estudado nessa disciplina?”, responderam: “, .. as varias escolas surgidas, desde o principio da educagao...”; “... 0 processo edu- cativo...”; “... a evolugio das formas de comporta- mento os métodos..."; “... a busca da efi- ciéneia no proceso educacional...”; “... 0s educadores (antes e agora)..."; “... teorias educacionais. .."; “... fatos politicos, econdmicos e sociais que interferem nnos processos educacionais...”; “... transformagées na educagio desde o seu surgimento...”;“... leis, formas © demais assuntos...”; “... as relagdes entre educagao © sociedade...”; + ctiagio das primeiras escolas. ..”; correntes do pensamento educacional...”;“... todo © comhecimento acumulado sobre educagio, incluindo té- nicas © metodologias adotadas, desde o inicio do seu de- senvolvimento até o momento. ..”; + a educagao das civilizagoes ocidentais ¢ orientais no seu desenvolvimento até hoje, mas com énfase no presente, ¢ principalmente na Historia da Educagio no Brasil”, E os professores, o que dizem? Os programas de cursos podem dizer, pelo pro- fessor, o que 6 Histéria da Educagiio, seus objetivos ¢ o seu contetido, Recolhemos aleatoriamente doze programas de diferentes cursos de Pedagogia de Minas Gerais ¢ de outros Estados. O que dizem? Dizem: “... desenrolar da educacio desde o seu aparecimento....”; e propdem “... 0 estudo da educacio das civilizagdes ocidentais e orientais no seu desenvolvi- mento até hoje”. A maioria dos programas examinados tratam de: es- ludo de conceitos; a educagdo nos povos primitivos; a educacdo oriental; a educacao grega; a educagio romana; 1a educagdo medieval; o renascimento; a educagao realis- ta; a tendéncia naturalista; a tendéncia psicolégica; as tendéncias _modernas. As vezes os trés tltimos t6picos sio substituidos por: a educagiio estatal, a educagio na- cional; ow ainda: educacio no século XVII; educagio no século XVII; educacio no século XIX; educagio no século XX. Alguns desses programas incluem apenas uma ui dade sobre a Hist6ria da Educacao no Brasil; outros in- cluem-na no desenrolar da Geral, reservando-the a tltima parte do programa (de trés unidades). Apenas um dos programas exclui a Histéria da Educac&o Geral, optando pela brasileira. Os objetivos sio consoantes com os programas: *, saber situar (localizar) os principais fatos e momen- tos educacionais...”; “... saber avaliar as causas ¢ os 10 efeitos...”; “... colher destes fatos 0 conteiido doutri- nario neles existente...”;“... ter maturidade e equil brio doutrinario © pedag6gico para interpretar fatos edu- cacionais..."; “... identificar e avaliar os objetivos e estratégias da educagao em suas manifestagées histéricas mais representativas. ..”; ter“... consciéncia da dimen- so hist6rico-cultural da realidade educacional...”; ter ““.. -compreenséo do sentido histérico da realidade huma- na empreendido pelo esforgo educative do tempo. ..”; “.. scompreender as grandes idéias dos pensadores ¢ das instituigdes”, Pretende-se atingir esses objetivos através de aulas expositivas, seminérios, discusses em grupo. A bibliogra- fia € 0 repertério dos textos utilizados pelos professores © por cles indicada aos alunos. O que dizem os autores? E lugar comum a referéncia A pequena ¢ antiquada bibliografia de Histéria da Educagio como sendo “conser- vadora”, “atrasada”, “pouco ou nada eritica”, “repetitiva” ete. Com ela, hd anos, geragies de educadores vém sendo formadas. Tomamos, dos programas examinados, cinco autores" mais freqilentemente utilizados, ¢, j4 que se pro- Oem escrever a Histéria da Educacao (e da Pedagogia), vejamos 0 que entendem por isso: 1 Nesta obra aspira-se a oferecer viséo de conjunto da His- torla da Educacéo e da Pedagogia. (...) expor na forma mais clara e precise possivel 0 desenvolvimento historico das Idéles e das instituicdes pedagégicas. * Por ser desnecessirio ao que se propée este texto, preferimos ‘no nomear os autores. uw (...] @ educacéo tem a sua histéria, que 6 @ histérla da mudanga e do desenvolvimento que a educacao tem expe- rimentado através do tempo e dos diversos povos @ épocas. A Histérla da Pedagogla estuda 0 desenvolvimento das idéias educactonals, a evolugso das teorlas pedagdalcas @ 2s personalidades mais influentes na educacao. (De um livro em 12 edigdo, em 1980.) 2 © grande problema no estudo da Histérla da Educagao est na coordenaco do suficiente material histérico, a fim de dar corpo 20 estudo e indicar a afinidade entre a his- toria ou vida social e a educagio. (De wn livro em 14. edigto, em 1979.) Em relagdo a este iiltimo Autor, cabe uma observa- glo que ajude a esclarecer a sua concepcdo de Hist6ria da Educaco, j4 que, a0 contrério do Autor citado ante~ riormente, ele néo a explicita, O livro cobre a chamada Histéria da Educagdo Geral. O primeiro capitulo. intitu- la-se: “Povos primitivos; a educagao em sua mais simples forma”; 0 dltimo, “Conclusdes; a tendéncia eclética atual” 3 Resumindo: a Historia da Pedagogia descreve e explica fem sucesséo cronolégica a vida real da educagéo (fato padagigico), assinalando cuidadosamente os preceitos jurl- dicos (politica educativa) que tratam de regulamenté assim como as doutrinas e téenicas educativas que bus- caram interpreté-la © realizé-la do melhor modo (teoria técnica da educacao). Em resumo: a Histéria da Podagogia descreve e com- preende a vida educetiva através dos tempos, ordenando sistomaticamente o material que estuda, gracas 20 proce- dimenta ou método das unidades @ tipos historices da educagao. © primeiro capitulo intitulase “A época do tradicionalis- mo"; 0 tltimo, “Pedagogia Contemporanea” (De wm livro em 24 edigdo, de 1974.) 2 4 (...) tivemos © propésito de fornecer um material signi- ficativo aos professores @ estudantes, a fim de que as aulas de Histéria da Educagéo se possam constituir na- quole dislogo fecundo © imprescindivel com os grandes representantes internacionals da cultura e da educacao. (De um livro em 2.4 edicio, de 1972.) 5 Uma Historia da Pedagogia 6, com efelto, a seu modo, uma histéria do espirito humano, pois 6 2 deserigio das formagses sucessivas que ele recebeu, como das que, nas diversas épocas, os grandes pensadores desejaram que recebesse, (De um livro em 2." edigéo, de 1967.) Uma conclusao? Poderiamos concluir, do exposto, 0 que é Histéria da Educagio? O senso comum, os programas, contedidos, objetivos ¢ autores mais consultados apontam para deter minada direcio, e, a0 que parece, esto todos de acordo. Esse _acordo tem suas relagées com certa concepgio de Histéria, com a hist6ria da Histéria da Educacio ¢ também com o ensino de Histéria Geral ¢ do Brasil no primeiro e no segundo graus. Nada disso, entretanto, fecha a questo; ao contrario, suscita problemas que exigem uma teflexéo mais cuidadosa: © Inicio da elaboracao critica é a consciénela daquilo que somos realmente, isto 6, um conhece-te a ti mesmo, como produto do processo histérico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma Infinidade de tragos recobidos sem bene- ficio no inventério. Deve-se fazer, iniclalmente, este inven- tériot 2 Gramsct, Antonio, Concepeda dialética da histéria. 2. ed. Rio de Janeiro, Civilizagio Brasileira, 1978, 2 A historia da Histéria da Educagéo Do inventario Feito © inventério, ainda que de forma incipiente, 0 que podemos dizer dele? Do meu ponto de vista, 0 que primeiro chama a atengio é o caréter evolucionista ou etapista nele apre- sentado. A Hist6ria da Educagao, nessa concepcao, vem a ser uma série de etapas que se sucedem, num desen- rolar temporal tinico. Estuda a evolugao das instituigées escolares, dos métodos pedagégicos ¢ das doutrinas peda- gégicas. A educagio historiada & assim, aquela_perpe- trada pelos povos que conseguiram seu lugar na Historia; mais que isso, é aquela realizada pelas classes que, 20 se tornarem vencedoras na Histéria, escreveram a sua pré- pria Histéria e suas préprias praticas educativas, rele- gando, rejeitando ¢ ocultando todas as outras préticas educativas que se desenvolviam na prdpria constituic das sociedades. Um outro aspecto a destacar é a quase total austn- cla da Histéria. Em poucos programas, assim como em poucos autores, trabalha-se com a relacio educagio-socie- 4 dade, isto €, © que se destaca ¢ a independéncia das pré- ticas educativas ¢ do pensamento pedagdgico, prevale- centes em um tempo ou espaco, em relagdo 20 conjunto das préticas sociais, econémicas ¢ politicas, Nio € que a Hisi6ria nfo seja mencionada; ela € mencionada, sim, como um grande cenério globalizador ¢ uniformizante (exemplos: a Revolucdo, 0 Império e os movimentos liberais até 1848; a pedagogia da Revolucio e 0 con- ceito de educacao politica etc.), um pano de fundo que prepara o paleo para uma aco que, fica evidenciado, deve ter se desenrolado fora dele... Aparece ainda como pon- tas de histéria nas quais a educacao sera espetada (exem- plos: Que foi o Renascimento?; Que foi a Reforma?; A Bpoca das Luzes ou Iuminismo; etc.). De qualquer forma, € sempre uma histéria eurocéntrica; isto é a Europa é tomada como modelo ¢ padrao de todas as outras socie- dades ¢ culturas, Além disso, 0 cardter homogeneizador tende a mostri-la como uma grande marcha continua (com suas etapas, claro) em diregio a um ponto determi- nado no qual se situa @ progresso. Esses no so, no entanto, desvios daqueles que, fontem como hoje, produzem, distribuem ou consomem esse saber. Programas, linhas, contetidos e objetivos sio, sempre, historicamente construfdos. A Histori da Educacao através da Historia Como disciplina, a Histéria da Educagio surge no final do século XIX no conjunto de virias especializecdes da Histéria, A partir de 1880 comecam a ser publicadas obras" que versam sobre a matéria, e cursos em Universi- 1 Cf. Léon, Antoine. Imroducdo @ histéria da educagéo. Lisboa, Dom Quixote, 1983. p. 31. dades e Escolas Normais, em diversos lugares da Europa, comegam a ser ministrados. Em 1884, por exemplo, Wilhelm Dilthey (1833- -1911) j& ministrava curso de Histéria da Educacio na Universidade de Berlim: (...) empreguel esses trés meses do curso preferente- mente na histéria da educa¢ao da Europa. Raramente um. estudo histérieo me excitou tanto ou me abriu tantas pers- pectivas sobre a hist6ria universal em geral, isto 6, sobre 2s condigdes causais (psicologicas) do ideal de vida, ideal de educago, poesia, formagao cultural, ciéncia®. Na primeira Escola Superior de Ensino Normal da Franga (Fontenay-aux-Roses, 1880) aparece, dentre cur- sos © conferéncias sobre 27 assuntos diferentes ¢ entre outras “Historias de ...”, uma “Hist6ria ¢ critica das doutrinas ¢ métodos pedagégicos”*. Nos programas ofi- ciais das Escolas Normais Primérias (1905), assim & pro- posta a Histéria da Pedagogia: Leitura das melhores paginas da pedagogia moderna; Idéla das doutrinas © dos melos de aco dos principals peda- gogos #, Gabriel Compayré, autor desse verbets no Dictionnai- re, ressalta que esse estudo pode ser feito tanto através de monografias eruditas ou estudos parciais, relativos a um homem ou a uma determinada época, quanto através de tratados que abrangem a universalidade dos tempos e dos paises € que apresentem um 96 quadro do conjunto dos acontecimentos pedagéglcos. # Divtuey, Wilhelm. Histéria de la pedagogta. 7. ed. Buenos Aires, Losada, p. 7. § BuIsson, F, Nouveau dictionnaire de pédagosie et dinstruction primaire. Paris, Hachette, 1911. 4 Idem, p. 1.546. 16 Segundo esse autor, @ historia da pedagogia nao deve ser enfocada apenas como espeticulo agradavel: ela é uma escola de educacio, uma das fontes da pedagogia definitiva, Em 1891 inicia-se o ensino sistematico de pedagogia na Universidade de Harvard, com a nomeacio de um pro- fessor de History and Art of Teaching. A pedagogia i cia-se af com a sua propria histéria c “arte” de ensinar, corroborando o que Compayré diz: na ciencia da educagio, como em todas as ciéncias filo- sficas, a histéria 6 introdugdo necesséria @ preparagao da cléncia ela mesma, No Brasil, a histéria da Hist6ria da Educagio nio se dissocia da hist6ria da Escola Normal. A época do Impé- rio, os cursos de preparacao para o magistério néo deve- iam, segundo recomendagoes, ter duragio inferior a dois meses, ¢ os alunos seriam instrufdos na técnica do ensino misto *, ¢ em gramética e caligrafia, Em Minas Gerais, 0 Decreto de 1.° de dezembro de 1890 (Crispim Jacques Bias Fortes) di nova organizacao a0 ensino. No que diz respeito As Escolas Normais, dispoe que continuarao a ser externatos mistos, com duragao de quatro anos; entre as disciplinas obrigatérias, néo inclui nenhuma especifica de Historia da Educacio; 0 que sc tem € a propria Histéria: “Nocoes geraes de hist6ria ¢ historia do Brazil (trés ligdes por semana no segundo ¢ terceiro trimestres)". Aleuns anos depois, desaparece essa especificagio no “Regulamento que reorganiza as escolas normais do Estado” (Decreto n.° 2 836 de maio de 1910): é criada a cadeira “Historia e Educagao Moral e Civica”, * O ensino misto era uma combinagio: ensino simulténeo (varias séries na mesma sala) + ensino muitua (ensino através de monito- res mais preparados a colegas menos preparados). a no terceiro ¢ quarto anos. Em 1927, a reorganizagio pro- posta por Francisco Campos prevé um esquema de trés cursos em sete anos. A formagao profissional € feita nos Cursos de Aplicagio, cujo curriculo é composto pclas disciplinas: Psicologia Educacional, Biologia ¢ Higicne, Historia da Civilizacao, particularmeme histéria dos mé- (odos ¢ processos de educagao, Metodologia ¢ Pritica Profissional. O objetivo dessa Histéria “é levar 0 aluno a compreender a importancia da educagio como processo social e seu significado na evolugio da humanidade” *. Em 1946, a Lei Organica do Ensino Normal (De- to-Lei 8 530 de 2 de janeiro de 1946) centralizou as diretrizes e fixou normas para a sua implantagio em terri- rio nacional (até entio era assunto de alcada dos Esta- dos), Nas Escolas Normais Regionais (cursos de primeiro ciclo), formar-se-iam os regentes de ensino em quatro anos Nas Escolas Normais (cursos de segundo ciclo), formar- se-iam os professores primérios. No curriculo das Escolas Normais aparece, ento, apenas na terceira série, Historia ¢ Filosofia da Educagiio. Dentre as recomendagoes para a composigio e execugio dos programas (todos), estava a de que se adotassem processos pedagdgicos ativos, ¢ de que 1 educagao moral © civica (nao incluida no curricula) estivesse contida no espirito © na execucio de todo o pro- grama Nao tendo sido implantada a Faculdade de Educagio, Ciéncias e Letras, criada por Francisco Campos em 1931, ‘© curso de Pedagogia, como curso superior, vai incluir-se como uma secdo na Faculdade Nacional de Filosofia (De- creto-Lei n.° 1190 de 4 de abril de 1939 — em vigén- Fs © Pexxoro, Amamaria C. Educagdo no Brasil: anos vinte. S80 Paulo, Loyola, 1983. p. 124; FiuemeDo, Jacy Camario. Quem 6 0 pedagogo brasileiro. Ainae Fducando, n. 129/130, nov./dez. 1980, 18 cia durante vinte ¢ trés anos, até a entrada em vigor da L.D.B.). A Hist6ria da Educagio como disciplina (en- quanto cadeira denominava-se Histéria e Filosofia da Edu- cacao) integralizava © curriculo do curso de Pedagogia (irés anos de duracio) na segunda e terceira séries, © seu programa deveria ser elaborado pelo proiessor catedratico com a aprovacao do Conselho técnico-administrativo. Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases mantém o curso de Pedagogia, e o Parecer n.° 251/62, que fixa 0 Curriculo Minimo, assim se expressa em relagio A Historia da Edu- cag deve ser entendida como uma apreciagiio coerente dos fundamentos histérieos que oxplicam a educacéo Moderna, ©, dentro desta orientagéo, conteré uma divisdo especial dedicada a Historia da Educacao Brasilelra. © Parecer n.° 252/69 de 11 de abril de 1969, decor- rente da Lei 5940/68, da Reforma Universitaria, man- {ém a Histéria da Educagio entre as disciplinas da parte comum do curriculo, por serem “base de qualquer moda- lidade de formacio pedagégica”. Nenhuma anélise dos programas das disciplinas do curriculo de Pedagogia poder desvincular-se seja das and- lises feitas em relagéo ao proprio curso, seja daquelas em relagdo 4 Reforma Universitaria, que propiciou sua uilti- ma regulamentagiio *, Retomando a questio do momento mesmo do surgi- mento da Histéria da Educacio como disciplina, sua his- téria dé-nos conta de que ela surge no bojo de um movi- mento de reacHo contra a metafisica, sob a influéncia do Positivismo, que buscava um possivel estatuto cientitico Para as ciéncias sociais, 5 A formacio do educador em debate. Cadernos do CEDES. Si Paulo, Cortez/Autores Associados/CEDES, 1(2), 1981, 19 A Histéria da Educagao e o positivismo cariter hist6rico da educacdo 6 dado de forma sis- tematizada por Emile Durkheim (1858-1917) em sua Edu- eacdo e sociologia, 0 que nao significa, absolutamente, que antes disso nao se encontrem trabathos de Educacio de cardter histérico. No entanto, Durkheim j4 anuncia 0 quadro te6rico no qual por muitos anos se inscreverd a Historia da Educagao, ao dizer que: Todo © passado da humanidade contribuiu para estabe- lecer esse conjunto de principios que dirigem a educacéo de hoje: toda a Histéria ai deixou tragos, como também o delxou a histéria dos povos que nos precederam. Da mes- ma forme, 0s organismos superiores trazem em si como que um eco de toda a evolugao biolégica de que sdo 0 resultado. Quando se estuda historicamente @ maneira pela qual se desenvolveram os sistemas de educagao. perce- be-se que oles dependem da religido, da organizacao poli- tica, do grau de desenvolvimento das ciéncias, dos estados das industrias, etc. (...) N&o podemos agir sobre elas se- nao. na medida em que sabemos qual 6 a sua natureza ¢ quais 9s condigées de que dependem, © néio poderemos chegar a conhecé-las, se néo nos pusermos a estudélas, pela observacao. como o fisico estuda @ matéria inanimeda, € 0 biologista, os corpos vivo”. A educagiio é, na concepeio positivista durkheimiana, uma coisa social, que cumpre, assim, esse enunciado em obedigncia & regra mais fundamental de seu método so- ciolégico, qual seja, a de considerar os fatos sociais como coisas. Se, de um ponto de vista, o positivismo represen- fou a fuga & mera descrigao fatualista e providencialista da sociedade, de outro (e esse muito mais cabalmente formador de uma escola) representou uma oposicéo as 1 DunkHEns, Emile. Educacdo e soclologia. 6. ed. Sio Paulo, Me- thoramentos, 1965. Perigoses teorias negativas, criticas, destrutivas, dissol ventes, subyersivas, em uma palavra, revolucionérias, da Filosofia das Luzes, da Revolucéo Francesa e do Soci lismo . A chamada filosofia negativa havia cumprido uma importante fungo histérica, ao captar na sociedade a cri- tica ao sistema feudal e ao Antigo Regime, elaborando-a. Passado esse momento deveriam ser ctiadas teorias que Pudessem entiio consolidar a nova ordem social, burguesa ¢ industrial, para nfo permitir a vigéncia da filosofia ne- gativa ¢ critica, que conduziria & divisio, ao conflito e & desordem, estimulando a luta de classes. Do caréter do positivismo, € 0 proprio Durkheim quem diz, na trilha do que ja estabeleccra o mestre da nova teoria, Auguste Comte, Diz este: [0 positivismo] tende profundamente, por sua natureza, 2 consolidar a ordem piblica, pelo desenvolvimento de uma sébla resignagio, E Durkheim: © nosso método nao tem, portanto, nada de revolucionério. E até, num certo sentido, essenclalmente conservador, uma vez que considera os fatos socials como coisas cuja natureza, por mais eldstica e maledvel que seja, nfo é, ‘no entanto, modificdvel & nossa vontade 3. © que Durkheim ¢ seu positivism reclamavam a0 so- cidlogo (e podemos dizer, por extensfio, também ao cien- tista social) € que este adotasse 0 estado de espirito em que se colocam os fisicos, quimicos ou fisiologistas. Sobre 8 Lowy, Michel. Método dialéttco ¢ teoria politica. Rio de Ja neiro, Paz e Terra, 1975. p. 11-19. Cf. tb. Zetruw, Irving. Ideo. Tosia y teorta socioldgica. Buenos Aires, Amorroter, 1973. ® Durkxens, Emile. As regras do método sociolégico. Séo Paulo, Abril Cultural, 1978. p. 74. (Col. Os Pensadores.) 2 esse ponto, Lowy aponta o erro fundamental do positivis- mo: a incompreensio da especificidade metodolégica das cltncias sociais. Essa especificidade estaria, ainda segundo ele, calcada em quatro causas principais: 1) 0 cardter hist6rico dos fendmenos sociais, transit6rios, pereciveis, suscetiveis de transformagio pela acdo dos homens; 2) a identidade parcial entre 0 sujeito € 0 objeto do co- nhecimento; 3) © fato de que os problemas sociais suscitam a entrada em jogo de concepgies antagdnicas das diferentes clas- sociais; € 4) as implicagdes politico-ideol6gicas da teoria social: © conhecimento da verdade pode ter conseqiiéncias dire- tas sobre a luta de classes. 3 i Concepgoes de Historia e Historiografia Uma rdpida, mas necesséria incursdéo _ Tendo como interlocutor 0 positivism, desenvolver- ~se-éio duas linhas importantes da histéria, que levarao em consideracdo 0s quatro pontos anteriormente citados: tra- ta-se do Marxismo e dos Annales. A concepcio positivista Na concepgao positivista, a historia é pensada como @ suicessfio ordenada dos fatos em diregio ao progresso, que seria atingido quando a humanidade alcancasse o ter- etiro estado (ei dos tés estados), 0 estado postvo, per- eito, coracterizado pela revauix ao conheclmento do absoluto, das causas ltimas, passando entéo a dirigir as forcas intelactuats para a compreensao das lols e das relagdes que se podem constatar entre os fendmenos por meio da observagéo © dos Instrumentos tecricos }. 1 Cunt, Marilna et alt Primetta flosofa: ligbes introdut i losofia: ligbesintrodutrias. 3. ed. Sio Paulo, Brasiliense, 1985. p. 113. v 23 A determinagio dos fatos histéricos, através da pes- qivisa erudita em documentos e em fontes primérias em joral, consistiria na principal tarefa da hist6ria. Eviden- Jomente, essa tarefa esbarrava na prépria impossibilidade dle que a histéria se constituisse como ciéneia, j4 que sua natéria-prima — os fatos — seriam passados, tinicos, \rrepetiveis e portanto impossibilitados de se transforma- tem em “lei” (ou relagées constantes entre os fendmenos fobservados), Em torno dessa questo girou o debate en- {re sociGlogos ¢ historiadores, a0 final do século passado *. Outros historiadores positivistas tiveram do fato his- jOrico uma percepgfio diferente da comtiana; viram-no co- ino algo que tinha existéncia externa ao observador, ¢ com © qual este nfo mantinha nenhuma relago. Sua existén- tela era real e assim deveria ser apreendido. Preocupa- ram-se ainda com a problemética da~causalidade, embora em geral ligando “causas” @ “conseqUéncias” 20 fio de uma ordam cronol6- gica linear a que se atribuia per se peso causal (ou sele, ‘0 quo vem antes causa o que vem depois). A historia assim escrita € uma grande sucessio de fcontecimeatos que se baseiam em fatos isolados, preo- eupada sobretudo com guerras, batalhas, personagens, grandes feitos, grandes heréis. Todos mortos. E assim, a historia, tratada a distincia, assepticamente, quase nada ‘ou nada mesmo explica, embora exerga marcada influéncia ina compreensao do histérico em todos quantas tém acessa ‘\ escola, o que € extremamente conveniente manutengio da ordem, 8 Cf. Gufsnson, Jean. Iniclaco aos estudos hist6ricos. Séo Paulo, Difel, 1979. p. 214. 4 Canposo, Ciro Flamarion S. Uma introducio @ histéria. Sio Paulo, Brasiliense, 1981. p. 33. A concep¢ao marxista * O marxismo buscou o rompimento, por um lado, com 8 visdo providencialista e metafisica da histéria, e, por ou- {fo, com essa vistio “cientifica”, a0 colocar o cerne da hist6ria no homem ¢ o cerne da ciéncia na hist6ria. £ pre- ©Is0, ¢ € mais itil, que oucamos o proprio Marx: (..) temos que comecar constatanda o pri posto de tode exlstencin humana e portant Yo tous hie teria, @ saber, © pressuposto de que os homens precisam estar em condigSes de viver para poderem ‘fazer historia" Mas para viver 6 preciso antes de mais nada comer ¢ beber, morar, vest. e ainda algumas colses mals, O prt ‘meio ato histérico portanto engendrar os melos pera Satisfapdo desses necessidades, producir a vida. material mesma, ¢ isto é um ato historico, uma condigao basin de toda a histéria que ainda hoje, como hé milenios, pre. Clsa ser preenchida @ cada dia © a cada hora, taosorente Para manter os homens vivos. (...) Em segundo lugar, # primeira necessidade satisfeita, @ ago da satistagdo 6 o Instrumente da satisfacto adquirida levam a novas neces, sidades — @ esse engendramento de noves necessidades $ © primsiro ato histGrico. (...) A torcelra circunstancte, 9 due I6 de antoméo entra no desenvolvimento histérleo, 4 de que os seres humenos que renovam sua propria vide dieiamonte comeram 0 fezar outros aeres humane, sto 8 reproduzirem — a relagéo ontr : # flies. a femila, (nn mem © mulher, at Ns conhecemos somente uma cidncia singular, a cléncla * EB muito dificil falar na concepeao marxista da histér Ei Primeiro Inga, pein compexidade do tems: em segtnde. sora Oa xt hop 9a dae pw ene eae istéria. Jé nfo se pode falar em ‘marxismo, senao em marxismos. 4 Marx, K. & ENGELS, F. A ideologia alem. In: FERNannes, F, org. Marx, Engels: Historia. Sio Paulo, Atica, 1983. Pp. 194 eal. 25 Segundo Florestan Fernandes, a histéria para Marx © Engels aparece como ciéncia inclusiva ¢ se configura como a ciéncia dos homens; para eles o hist6rico é intrin- secamente sociol6gico, pois deve explicar o lado social do humano ¢, reciprocamente, 0 lado humano do social, 0 que desloca ¢ inverte a tradi¢do positivista, A concluséo geral a que chegarel, e que, uma vez adqui- rida serviu de fio condutor dos meus estudos, pode for- mular-se resumidamente assim: na produgao social da sua existéncla, os homens estabelecem relagdes determinadas, necessérias, independentes da sua vontade, relagies de produgo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forcas produtivas materiais. O con- junto destas relagdes de producto constitui a estrutura econdmics da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juridica e politica 6 & qual corres- pondem determinadas formas de conscléncia social. O mo- do do produgéo da vida material condiciona 0 desenvolvi- mento da vida social, politica @ intelectual em geral. Nao 6 a consciéncla dos homens que determina o seu ser; 6 © sou ser social que, inversamente, determina a sua cons- cléncia 5, Sobre este pressuposto (a determinagdo, em iltima instancia, pelo econémico), mas também sobre 0 pressu- posto de que “o concreto conereto porque ¢ a sintese de muitas determinagdes” (método dialético), a concepcao marxista da hist6ria foi construida (materialismo histérico). ‘As determinagées hist6rieas do capitalism — configura- Go hist6rica da sociedade industrial — e os determinantes histéricos gerados pelo capitalismo vao ser fulcro dessa anilise. Os trabalhos de Marx que analisam situagdes hist6- ricas concretas (“18 Brumério de Luis Bonaparte”, “Guer- © Manx, Karl. Coniribuicdo a critica da economia politica. Sio Paulo, Martins Fontes, 1977. p. 24. 26 ra Civil na Franca”, “A Luta de Classes na Franca de 1848 a 1850”, por exemplo) revelam um outro elemento fundamental da anilise historica do marxismo, que é a Iuta de classes. & no transcurso da luta entre classes que a histéria se constitui, De forma breve, assim anunciou no Manifesto: A histéria de todas as sociedades que oxistiram até nossos dias tem sido a histéria das lutas de classes. A concepcio dos Annales Ja no século XX — principalmente entre 1929 1969 — a ciéncia da hist6ria, vivendo ainda a pendulagao entre 0 positivismo ¢ 0 marxismo, viverd inovagdes pro- ficuas com a cringdo de uma revista (e, conseqiientemente, um grupo ¢ uma linha de trabalho a ela ligados), os Anna. les, que (eve em Mare Bloch ¢ Lucien Febvre seus prin- cipais organizadores. Sua convocatéria principal pode assim ser resumida, nas propria palavras de L. Febvre: Para fazer histéria, virem resolutamente as costas ao pas- sado € antes de mais vivam. Envolvam-se na vida 6. Nesse sentido, hé uma identificagdo entre essas duas concepgbes de histéria, pois foram a militancia de Marx € sua adesio & causa revoluciondria do proletariado que fizeram dele um historiador. ___No plano das diferencas entre a concepcao de his- t6ria marxista e a dos Annales talvez a mais acentuada esteja na auséncia, nesses tiltimos, da incorporagio da luta a classes como categoria de explicagéo do movimento da historia, © Fepyre, Lucien. Combates pela histdria. Lisboa, Presenga, v1, p. 56, a ae 27 Valendo-nos ainda de Ciro Flamarion Cardoso, cita- nos oito pontos principais dos Annales e de seus segui- dores: }) passagem da “Histéria — narracao” para a “Historia — problema”; © cardter cientifico da histéria € dado, mesmo em se tratando de ciéncia em construgao; contato e debate com as outras ciéncias sociais (adogio de problematicas, métodos € técnicas); ampliagio dos limites da Histéria, abrangendo todos 8 aspectos da vida social: civilizacdo material, poder © mentalidades coletivas; insisténcia nos aspectos sociais, coletivos e repetitivos; ampliagao da nogdo de fonte para além da escrita (ves- tigios arqueolégicos, tradi¢ao oral etc.); construgio de temporalidades miiltiplas, ao contrério do tempo linear ¢ simples da historiografia tradicional; reconhecimento da ligagao indissolivel ¢ necessiria en- tre passado e presente no conhecimento histérico, rea- firmando-se as responsabilidades soviais do historiador. As tendéncias mais recentes Concordando em que a Histéria € uma ciéncia em firdua construgao, ndo podemos deixar de falar de algumas tendéncias mais recentes da historiografia. A Histéria Nova, que, de certa forma, prossegue a Jinha de inovagdo dos Annales, repousa sua novidade em Irés processos: novos problemas poem em causa a propria historia; novas coniribuigées modificam, enriquecem, trans- formem os setores tradicionais da hist6ria; novos objetos ‘aparevem no campo epistemolégico da historia, A tomada he 28 de consciéncia, pelos historiadores, do relativismo de sua ciéncia, bem como o crescente desenvolvimento das de- mais ciéncias sociais, coloca-se no centro dessa busca de redefinicdo. Nos dizeres de Jacques Le Goff ¢ Pierre Nora, de alguma forma os “pais” da nova tendéncia, © essencial nfo é sonhar, hoje, com um prestigio de ontem ou de amanha. & saber fazer a histéria do que temos hoje ecessidade. Ciéncia do dominio do passado e da cons- cléncia do tempo, deve ainda definir-se como ciéncia da mudanga, da transforma¢ao. Da historiografia inglesa, destacaremos dois histo riadores, ambos marxistas, embora nao compondo uma “escola” ou uma tinica tendéncia, Trata-se de Erick Hobs- bawn © Edward P. Thompson. Tém 0 mérito de trazer a0 cendrio da histéria, como principal protagonista, a classe trabalhadora. Tomando de Hobsbawn (¢ nesse caso tam- bém de George Rudé) 0 seu Capito Swing como uma obra-exemplo, verificamos que sua pretensio nela é Tecriar 0 mundo do trabalhador inglés do campo, no século XIX. Ao fazé-lo, denunciam também a obscura forma de registro da presenca do trabalhador no mundo. contundente a expresso de Hobsbawn: ‘Com excegao da ldpide de seus timulos e dos de suas criangas, nada deixaram para trés quo pudesse identifi- eé-los, pols, como sabemos, a maravilhosa superficie do ‘campo inglés, 0 trabalho de seus arados, pés e tesouras @ 05 animals que culdavam nao trazem assinatura ou ‘marca como as esculturas das catedrals § (Sabemos, hoje, a respeito do nosso trabalhador do campo?) 7 Gorr, Tacques Le & Nora, Pierre, org. Fazer histéri Bertrand, 1977, p, 14. 8 Honsnawn, E. J. & Rupé, George. O capitdéo Swing. Rio de Jax neiro, Francisco Alves, 1982. p. 13. Lisboa, 29 Hobsbawn e Rudé nfo encontraram novas, inédi- lus © fantésticas fontes primarias que Ihes permitissem ‘oscrever uma nova hist6ria da luta dos trabalhadores jurais ingleses contra a pobreza e a degradagao: dispu- ham de fontes j@ pesquisadas ¢ divulgadas em outros li- ros ¢ trabalhos, de um conhecimento global mais amplia- lo da economia e da sociedade agréria inglesa dos séculos XVII e XIX ¢, sobretudo, tinham novas questées {possivelmente postas pelo presente) a formular. Esclare- (em, na Introdugao, que nao estZo dando a titima palavra sobre os movimentos sociais dos trabalhadores rurais in- sleses na primeira metade do século XIX, ¢ advertem: “Ha ainda muito para ser feito”. rhompson, no seu Tradicién, revuelta y conciencia clase®, faz. cinco estudos sobre a crise da sociedade pré-industrial. © que perpassa toda a obra é o desenvol- vimento do conceito de classe social como categoria histé- rica, indissociada, pois, da nogdo de luta de classes. Sua concepgao de historia baseia-se na propria concepcao marxista, ou seja, apresenta-a como resultado da luta de classes, como um continuo tecer e destecer de aliangas, rupturas e enfrentamentos coletivos. No artigo “Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial”, rompe com 0 estreitos limites do determinismo cconémico, mostrando que nao existe desenvolvimento econdmico se este nio for, a0 mesmo tempo, desenvolvimento ¢ mudanga cultu- ral. Comentaremos esse artigo mais adiante. Da historiografia brasileira haveria, certamente, mui- to a dizer. Nao 0 farei por razdes que me parecem bas- tante Sbvias. Por um lado, toda ela se apéia nas concep- Ges de histéria existentes (algumas delas jé discutidas # Thomson, Edward P. Tradicién, revuelta y consciencia de clase; ‘estudios sobre la crisis de la sociedad pre-industrial. Barcelona, Grijalbo, 1979. neste trabalho); por outro lado, ndo € este 0 nosso pro: posite ®, No entanto destaco, a partir da obra O siléncio dos vencidos, de Edgar De Decca, ¢ mais especificamente do prefacio de Marilena Chaui, uma tendéncia que se esboca ¢ vai se firmando na historiografia brasil i de que a histéria tem sido um registro do vencedor e que se hd um vencedor deve haver vencidos, busca-os na his- teria, Trate-se, antes de mais nada, de pbr em davida a histo- riggrafia existente, assinalando seus compromissos (volun- ‘drios ou involuntérios) com a classe dominante. (...) tra ‘tase de néo entrar em empatia com o vencedor, pois, como escrevia Benjamin, quem se p6e ao lado do mate- Fialismo histérico sebe que todos aquoles que até agora venceram participam do cortejo triunfal, onde os senho- res do momento pisoteiam os corpos dos vencidos de hoje (...)11 De Decea permite-nos aprender, com Benjamin, que a histéria poderia ter sido diferente do que foi, que havia no hist6rico outros possiveis que nao se realizaram. E, uma vez adquirida essa consciéncia, historiador nfo tem mais como fugir ao desafio: trata-se de buscar a histdria do vencido. Apés {antas € to complexas, dificeis ¢ inacabadas questdes sobre a histéria, o método e a filosofia — aqui apenas esbocadas —, perguntamos; ¢ 2 Historia da Edu- cacio? onde entra nisso tudo? Sobre esta questiio, v. Lapa, José Roberto do Amaral. Histéria © historiografia; Brasil pas.64. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1985, 1 Decca, Edgar Salvador De. 0 siléncio dos vencidos. Sio Paulo, Brasiliense, 1981. p. 11,

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