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Revista Brasileira de Ciências Sociais

ISSN: 0102-6909
anpocs@anpocs.org.br
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Ciências Sociais
Brasil

Brasil Jr., Antonio


Linhas retas ou labirintos? A tradução da sociologia da modernização nos textos de Florestan
Fernandes e de Gino Germani (1960-1970)
Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 28, núm. 82, junio, 2013, pp. 141-163
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=10727637009

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Linhas retas ou labirintos?
A tradução da sociologia da modernização nos textos
de Florestan Fernandes e de Gino Germani
(1960-1970)*

Antonio Brasil Jr.

De acordo com as narrativas canônicas da Parsons, Robert K. Merton, Paul Lazarsfeld, entre
história da sociologia, o período que se inicia em outros, constituiriam suas novas lideranças intelec-
1950 e que se estende até meados dos anos de 1970 tuais (Steinmetz, 2007a).
poderia ser visto como a história da emergência, No entanto, contemporaneamente esta ima-
consolidação, crítica e dissolução do “consenso gem vem sendo amplamente reelaborada, seja pela
ortodoxo” organizado em torno do “estrutural- enorme simplificação que ela realiza da própria
-funcionalismo”, em suas inúmeras variações (Gid- sociologia norte-americana daquele período (Ca-
dens, 2003). Processo que seria acompanhado, em lhoun e VanAntwerpen, 2007), seja pelo espaço
termos geográficos, pelo deslocamento do centro exíguo que ela confere a produções situadas no
dinâmico da disciplina da Europa para os Estados amplo espectro das sociologias periféricas (Con-
Unidos (Hughes, 1975), onde figuras como Talcott nell, 2006). Cabe lembrar que foi justamente neste
período que, graças a iniciativas locais e internacio-
* Este artigo é uma versão condensada da última par- nais – sobretudo através da atuação da unesco –,
te de minha tese de doutorado (Brasil Jr., 2011), cuja
versão em livro sairá em breve. Gostaria de aproveitar vários países conseguiram consolidar institucional-
esta oportunidade para agradecer a André Botelho – mente seus centros de produção sociológica (Maio,
orientador da tese – pelo diálogo sempre constante, e 1997). No caso da América Latina, por exemplo,
aos demais pesquisadores da área de pensamento social
pelo acolhimento no gt da anpocs, especialmente Eli- cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos
de R. Bastos, Nísia T. Lima e Angela Alonso. Aires, Santiago de Chile e Cidade do México co-
Artigo recebido em 25/10/2011 nheceram uma importante e diversificada atividade
Aprovado em 25/04/2013 neste campo, como têm demonstrado os recentes
RBCS Vol. 28 n° 82 junho/2013
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trabalhos dedicados à sociologia latino-americana Percorrendo os principais textos de Fernandes


(Blanco, 2007; Trindade, 2007). Além disso, en- e de Germani das décadas de 1960 e 1970, busca-
contra-se em curso uma série de tentativas de “des- remos demonstrar como, ao longo de um percurso
centramento” da teoria sociológica, cujo objetivo é de acumulação intelectual – fruto do contato in-
dar visibilidade a uma cartografia ampliada da dis- tenso e paciente de ambos com as especificidades
ciplina, para além do eixo Europa-Estados Unidos das sociedades brasileira e argentina –, os dois au-
(Maia, 2012). tores foram colocando em tensão as principais pre-
Para que esta ampliação do quadro da socio- missas da sociologia da modernização, sobretudo o
logia seja feita de forma consistente, devemos estar pouco espaço que ela conferia à dimensão histórica
atentos não só à diversidade de sociologias existen- da explicação sociológica. Noutras palavras, tanto
tes, mas fundamentalmente às assimetrias que de- Fernandes quanto Germani, ao traduzirem a socio-
terminam a circulação de certos produtos – e não logia da modernização, foram gerando, cada um a
outros – no interior do conjunto por ela formado. seu modo, produtos diferentes e dotados de certa
Há posições centrais e periféricas que encaminham criatividade teórica, cujo poder de interpelação
o fluxo de teorias, métodos e conceitos numa via nos interessa analisar. Com o intuito de assinalar
quase de mão-única, cujos efeitos seria ocioso des- este aspecto criativo das formulações de Fernandes
conhecer (Beigel, 2010). Assim, a fim de se des- e Germani, tomamos como instância de controle
tacar uma possível relevância teórica da produção os textos de Talcott Parsons, tendo em vista a sua
sociológica feita em paragens periféricas, torna-se centralidade na sociologia norte-americana – e, por
incontornável apanhar os modos de “tradução” da extensão, no conjunto da disciplina – do período.3
matriz teórica dominante ao novo contexto social, Embora Parsons não tenha sido propriamente um
bem como os deslocamentos que a própria tradu- praticante da sociologia da modernização, sua atu-
ção necessariamente implica. Afinal, dadas as linhas ação foi fundamental, tanto institucional quanto
de força que conformam a disciplina, constitui ta- intelectualmente, para a sistematização desta ver-
refa inescapável ao sociólogo situado na periferia tente teórica (Brasil Jr., 2011, pp. 69-77). Daí que
realizar um ajuste de contas crítico com a principal a comparação que ensaiamos aqui não se esgota
teorização de seu tempo.1 numa díade: o contraste entre os textos de Fernan-
Neste artigo, trataremos, em linhas breves e es- des e de Germani girará em torno da matriz teórica
quemáticas, do processo de tradução realizado por que ambos tiveram que traduzir – metonimizada,
Florestan Fernandes e Gino Germani da sociologia neste artigo, na produção parsoniana. A partir deste
norte-americana, especialmente da chamada so- procedimento, poderemos enxergar como foram se
ciologia da modernização (Gilman, 2003). Nossa conformando diferentes deslocamentos teóricos em
hipótese mais geral é que estes dois sociológicos, à relação à sociologia da modernização, já que os re-
testa dos dois principais centros de produção socio- sultados a que chegaram os dois autores não são de
lógica no Brasil e na Argentina, respectivamente,2 modo algum intercambiáveis.
fizeram uma tradução bem-sucedida desta matriz Como a tradução, neste registro, é um proces-
teórica, que conheceu ampla difusão na virada dos so, e não um evento isolado, dividimos este texto em
anos de 1950-1960. Grosso modo, a sociologia da duas partes. A primeira, voltada para a comparação
modernização tinha como pressuposto básico que das produções de Fernandes e Germani na primei-
o processo de expansão da sociedade moderna ge- ra metade da década de 1960 – sempre em con-
raria sempre os mesmos efeitos sociais, ainda que a fronto com Parsons –, procura mostrar que, antes
ritmos distintos, independentemente das trajetórias mesmo de suas principais sínteses teóricas, ambos
e das contingências históricas dos casos analisados. já tinham extravazado o sentido demasiado ordei-
Ou, como certa vez assinalou Reinhard Bendix ro da teorização estrutural-funcionalista vigente
(1967), como se a sociedade moderna fosse defini- àquela altura. Por meio das noções “dilema social
da por um conjunto de variáveis sistêmicas interli- brasileiro” e “paradoxo argentino”, discutiremos
gadas e prontamente generalizáveis. em que sentido as complicações históricas do Bra-
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sil e da Argentina foram pressionando a teorização dades relacionais, como as relações comunitárias e
para direções inesperadas vis-à-vis as premissas da de parentesco, a racionalização institucionalizada
sociologia da modernização. Já na segunda parte, criaria desajustes permanentes entre o sistema de
analisaremos com mais detalhe as inovações teóri- expectativas internalizado previamente pelos atores
cas divisadas em obras como A revolução burguesa sociais e a situação social vigente, sempre móvel e
no Brasil [1975], de Fernandes, e La sociología de la cambiante (Parsons, 1964a, pp. 505-520). De acor-
modernización [1969], de Germani, livros nos quais do com Parsons, este desajuste, fonte de tensões e
os dois autores buscaram tirar o máximo de con- instabilidades psíquicas e sociais agudas, poderia le-
sequências teóricas das análises de suas respectivas var, como o autor tratou explicitamente em relação
sociedades. Ao final do artigo, algumas mediações aos casos alemão e japonês, a experiências sociais
entre teoria sociológica e processo social serão suge- trágicas e antidemocráticas, haja vista o descompas-
ridas, como perspectiva analítica de observação do so que havia se formado entre o acelerado processo
movimento da disciplina como um todo. de industrialização e o acentuado formalismo das
formas de estratificação social – impregnadas de
distinções estamentais – naqueles dois países (Par-
Linhas retas ou labirintos? sons, 1964b, pp. 123-141, 274-297).
Embora Parsons, neste período de sua produ-
A despeito da imagem até hoje assentada de ção, tenha sido claro ao afirmar que “todas as socie-
que Talcott Parsons apresenta uma visão muito oti- dades ocidentais têm estado sujeitas, em sua histó-
mista no que toca ao caráter irremediavelmente de- ria recente, aos vários efeitos desorganizadores da
mocrático da sociedade moderna, os avanços mais rápida mudança tecnológica” (Idem, p. 117), para
recentes em sua fortuna crítica vêm matizando esta ele, a sociedade norte-americana, graças à fluidez de
percepção, especialmente ao tratarem de sua pro- sua estratificação social, estaria em melhores con-
dução entre as décadas de 1940 e 1950 (Alexander, dições de dissolver estas tensões que as sociedades
1984, 1987; Gerhardt, 2002; Wearne, 2009). Em- europeias, por exemplo. Se nas últimas o enrijeci-
bora não seja o caso de esmiuçarmos esta questão mento das divisões de classe nem sempre se coa-
aqui, basta lembrarmo-nos do conjunto de textos dunava bem com a aceleração do processo de ra-
de Parsons que trata dos processos de mudança so- cionalização institucionalizada, os Estados Unidos,
cial naquele contexto, como os dedicados à estru- com sua estrutura social pluralista e pouco clivada
tura social da Alemanha de Weimar, à experiência em termos classistas, estaria em condições ótimas
nazista e à sociedade japonesa, reunidos em Essays de levá-lo adiante de maneira relativamente equili-
in sociological theory [1949], ou mesmo o último brada (Parsons, 1964a, pp. 514-515). Entretanto,
capítulo do seminal The social system [1951]. Nes- mesmo essa relativa excepcionalidade da sociedade
te último livro, retrabalhando em sentido próprio norte-americana não estaria isenta de problemas,
a noção weberiana de racionalização e o conceito posto que o surgimento do macarthismo no ime-
de cultural lag, formulado por William F. Ogburn, diato pós-guerra teria colocado problemas em certa
Parsons chama a atenção para os possíveis efeitos medida análogos aos enfrentados pelos países que
disruptivos da racionalização institucionalizada experimentaram o fascismo (Parsons, 1969, pp.
que seria típica da sociedade moderna, expressa 157-184).
particularmente na incorporação da ciência e da Em linhas gerais, é apenas na passagem dos
tecnologia na dinâmica das relações sociais. Estabe- anos de 1950 para a década seguinte que Parsons
lecendo uma diferenciação máxima entre os papéis realmente articula uma visão positivada da socieda-
sociais desempenhados no complexo instrumental de moderna, cujos dinamismos seriam, nesta nova
da sociedade – isto é, nas esferas relacionadas com notação, particularmente democratizantes. Come-
o universo da produção material, crescentemente çando a esboçar o seu esquema agil de diferenciação
pautadas por critérios universalistas de desempenho sistêmica ao longo das quatro funções – economia
e em inovação contínua – e nas demais solidarie- (adaptação, a), sistema político [polity] (goal-at-
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tainment, g), comunidade societária (integração, i) que, se a diferenciação sistêmica fortalece as orien-
e manutenção de padrão ou valores (latent pattern tações de valor universalistas, por um lado, e au-
maintenance, l) – na publicação a quatro mãos com menta a complexidade social via pluralização da es-
Niels Smelser, Economy and society [1956], pode- trutura social, por outro, dois processos necessários
mos localizar especialmente em sua resenha a The decorrem daí: (a) generalização das orientações de
power elite [1956], de Charles Wright Mills, a infle- valor [value generalization], que precisam legitimar
xão do autor no sentido de conectar diferenciação normas sociais concretas cada vez mais diferenciadas
sistêmica e integração social democrática. Se até em termos estruturais; (b) pressão pela inclusão de
The social system, como vimos, a diferenciação es- um número cada vez maior de indivíduos e coleti-
taria no próprio cerne das tensões (potencialmente) vidades (Idem, pp. 155-182).
disruptivas inerentes à sociedade moderna, agora O esquema esboçado certamente não faz jus-
ela pressionaria por uma maior inclusão de indi- tiça ao argumento parsoniano, muito mais com-
víduos e grupos sociais na comunidade societária. plicado do que os pontos que sumarizamos aqui.
Vejamos este ponto com mais vagar. No entanto, o que é essencial reter é a preocupação
Na resenha ao livro de Mills, Parsons (1969, p. do autor em conectar os dinamismos que seriam
199) desenvolve sua concepção de que a diferencia- típicos da sociedade moderna – os processos cres-
ção de um sistema político não implicaria necessaria- centes de diferenciação – com o fortalecimento de
mente a conformação de uma elite de poder voltada instâncias democráticas de integração social. Em
unicamente para a realização de seus interesses – termos sócio-históricos concretos, é interessante
como se o poder fosse unicamente um jogo de notar como este esquema conceitual é acionado na
soma zero. Contra Mills – e, em certo sentido, tam- análise de Parsons da inclusão do negro na socie-
bém contra Weber –, a diferenciação e a burocrati- dade norte-americana. No artigo “Full citizenship
zação da esfera política não acarretariam somente for the Negro American? A sociological problem”
uma maior concentração dos processos decisórios [1965], posteriormente republicado em Sociolo-
nas mãos de seus funcionários especializados, mas gical theory and modern society [1967], a despeito
também uma circulação mais eficiente do poder do tom dubitativo do título, o que vemos é uma
por toda a sociedade, isto é, trariam ganhos cole- narrativa histórica que associa fortemente diferen-
tivos. Como, para o autor, diferenciação sistêmica ciação e inclusão. Situando, em primeiro lugar, a
implica (e é condição para) maior complexidade experiência bem-sucedida de integração à socieda-
social, a especialização da função política num sub- de norte-americana dos judeus e dos católicos, ele
sistema relativamente autonomizado dos demais se- mostra, no caso dos primeiros, por exemplo, que o
ria crucial para a continuidade da própria sociedade desenvolvimento de empresas de grande escala, or-
moderna. Além disso, os processos de diferenciação ganizadas de modo mais burocrático e impessoal do
também seriam cruciais para pluralizar a estrutura que as antigas empresas familiares – um processo de
social, no sentido de dissolver a rigidez dos vínculos diferenciação –, teria sido decisivo para a circulação
particularistas de pertencimento, especialmente os dos judeus ao longo de toda a estrutura social, dis-
ligados à religião, à família, à etnicidade e à origem solvendo o difuso sentimento antissemita encontra-
de classe (Parsons, 1977, pp. 321-380). Funcionan- do entre os grupos wasp (amparado na associação
do, grosso modo, de modo especializado, tanto a recorrente entre origem judaica e propriedade co-
economia quanto o sistema político orientariam mercial). Ainda neste artigo de 1965, Parsons diz
os seus papéis sociais cada vez mais em torno dos que o processo de extensão de plena cidadania ao
valores (definidos através das variáveis-padrão) de- negro norte-americano possivelmente seguiria, ain-
sempenho e universalismo, em contraposição à vi- da que com especificidades (e provavelmente maior
gência da adscrição e do particularismo existentes dificuldade), o mesmo padrão dos outros grupos
sobretudo na (agora também especializada ) famí- sociais previamente excluídos. Analisando a atua-
lia conjugal (Parsons, 1970, pp. 129-154). E, para ção do movimento negro, para ele uma espécie de
completar sua linha de raciocínio, Parsons assinala movimento socialista ao estilo norte-americano –
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já que suas demandas não se restringiriam apenas vez mais enfática que a conexão diferenciação-in-
“à inclusão do negro como tal”, mas se voltariam clusão seria universal e, portanto, inespecífica às
“para a eliminação de qualquer categoria definida contingências históricas daquela experiência social.
como inferior” (Parsons, 1967, p. 454) –, a eferves- Já em “Evolutionary universals in society” [1964],
cência a ele associada seria indicativa de que estaria artigo no qual o autor aprofunda seu diálogo com
em curso nos Estados Unidos um processo de dife- as teorias biológicas e cibernéticas, Parsons pas-
renciação máxima de uma comunidade societária sa a considerar que a sociedade moderna em geral
(ou subsistema integrativo), quer dizer, de uma ins- seria conformada por uma estrutura básica, que
tância de solidariedade completamente autonomi- acompanharia a diferenciação de quatro universais
zada de restrições particularistas: evolutivos: mercados monetarizados, organização
burocrática, sistema legal universalista e associação
Hoje, mais do que nunca, estamos assistindo democrática. Uma vez institucionalizados, estes
à aceleração do processo de emancipação dos universais evolutivos aumentariam consideravel-
indivíduos de todas as categorias destas soli- mente a capacidade adaptativa das sociedades, es-
dariedades particularistas e difusas. Isso deve pecialmente por serem capazes de processar níveis
ser visto como uma diferenciação adicional no crescentes de complexidade social. No caso da as-
conjunto de papéis nos quais o indivíduo está sociação democrática – que Parsons entende no re-
envolvido. [...] Este raciocínio se aplica tanto a gistro usual da democracia representativa –, sua es-
grupos aristocráticos quanto a grupos negativa- colha como um evolutivo universal se deveria à sua
mente privilegiados, como os negros. Estamos capacidade única no sentido de mediar a legitima-
testemunhando um passo decisivo na extensão ção do poder justamente através do pluralismo e da
e na consolidação da comunidade societária complexidade constitutivos de uma estrutura social
(Idem, p. 453). moderna (Parsons, 1964c, pp. 355-356). Embora
o autor, reivindicando Weber, reconheça que, em
Na medida em que, para Parsons, diferencia- termos concretos, a institucionalização de cada um
ção não acarreta apenas especialização funcional destes universais evolutivos teria sido resultado de
mas também maior interpenetração entre os sis- um longuíssimo processo histórico, com avanços,
temas, as sucessivas diferenciações da economia e retrocessos e combinações contextuais nem sempre
do sistema político teriam feito com que, à luz do balanceados, o argumento encaminha-se inevitavel-
padrão valorativo básico da sociedade norte-ame- mente para a tese da convergência final de todas as
ricana – nos termos do autor, um ativismo instru- sociedades modernas em torno desta configuração
mental de corte universalista e igualitário (Parsons, estrutural básica, na qual diferenciação e demo-
1970, pp. 159-165) –, “a única solução tolerável cratização são como duas faces da mesma moeda
às enormes tensões [existentes nos Estados Unidos] (Idem, p. 357).
se [encontrasse] na constituição de uma única co- Grosso modo, podemos dizer que Florestan
munidade societária com participação total para Fernandes e Gino Germani seguiram um cami-
todos” (Parsons, 1967, p. 455). Noutras palavras, nho inverso ao de Talcott Parsons. Se o último foi
não obstante os agudos conflitos levantados pelo paulatinamente expurgando certa visada crítica e
associativismo negro na década de 1960, Parsons histórico-comparada típica de sua produção dos
enxergava-os menos como sinais de crise da socie- anos de 1940 em prol de uma concepção positiva e
dade norte-americana e mais como uma dramati- evolucionária da sociedade moderna – na qual a de-
zação histórica das pressões por inclusão acarretadas mocracia figurava como um universal evolutivo e,
por processos acelerados de diferenciação sistêmica. logo, como potencialmente generalizável4 –, os dois
A despeito do material histórico usado por primeiros tiveram que trazer para o primeiro pla-
Parsons, sobretudo a partir de meados dos anos no justamente as complicações de um processo de
de 1950, referir-se basicamente à sociedade norte- desenvolvimento periférico que, de modo cada vez
-americana, ele passou a defender de maneira cada mais nítido, se dissociava de padrões democráticos
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de integração social. Além disso, se Parsons pôde, (definidos em termos dos fundamentos morais
como na noção de universais evolutivos, mobilizar mencionados), a ordem social se abriria a todos os
a dimensão temporal numa longuíssima duração, grupos sociais, sem estratificações de ordem extrae-
esvaziando o poder explicativo das contingências conômica (Cohn, 1986, p. 135). Dito de outra ma-
históricas, Fernandes e Germani, cada um a sua neira, a competição pelas posições mais vantajosas
maneira, passaram a incorporar de maneira decidi- da estrutura social não seria monopolizada por ne-
da as especificidades de suas sociedades no cerne da nhum grupo social específico, ao contrário do que
teorização sociológica. Em outras palavras, estes ocorreria numa ordem social estamental. Tanto a
dois sociólogos situados na periferia necessitaram campanha quanto o movimento negro, nesta nota-
adensar historicamente a análise a fim de captar a ção sociológica, teriam como bandeira exatamente
nota divergente da mudança social em contextos a luta contra o privilégio – escolar ou racial – em
não clássicos de revolução burguesa. Daí que, na prol da universalização dos direitos e das garantias
primeira metade da década de 1960, eles tenham sociais (Arruda, 2009; Bastos, 1987; Silva, 2012).
exprimido as complicações das sociedades brasileira Seria o caso de, mais uma vez, como para Par-
e argentina através dos termos “dilema social bra- sons, associar diretamente, no que tange à sociedade
sileiro” e “paradoxo argentino”. Essas duas noções, moderna (ou de classes, como prefere Fernandes),
em vez de sugerirem um processo relativamente li- diferenciação e inclusão? Não necessariamente. Se,
near – como a noção de universais evolutivos mais nos textos do sociólogo norte-americano, a conexão
ou menos insinua –, apontam antes para uma traje- entre aqueles dois termos é vista de maneira natu-
tória histórica problemática ou mesmo labiríntica. ralizada no registro de sua discussão dos universais
A noção de dilema social brasileiro começou a evolutivos, no esquema de Fernandes, a articulação
ser empregada de maneira sistemática por Flores- entre a expansão da sociedade de classes e a uni-
tan Fernandes a partir do texto “Reflexões sobre a versalização da ordem social competitiva opera em
mudança social no Brasil” [1962], sétimo capítulo chave contrafactual, tensionando o próprio anda-
de A sociologia numa era de revolução social [1963]. mento da análise. Explico-me melhor. Os dois ter-
Em termos mais concretos, esta noção se vinculava mos se articulariam se a sociedade de classes operas-
às suas interpretações sociológicas do fracasso de se em sua eficácia-limite, ou em sua racionalidade
dois movimentos sociais de caráter democratizante: máxima, ajustando as práticas sociais concretas aos
a campanha em torno da escola pública e o asso- valores básicos da ordem social. Como fica patente
ciativismo no meio negro de São Paulo. Ambos os em suas análises da campanha e do movimento ne-
movimentos, na perspectiva do autor, teriam como gro, a derrota das opções democratizantes revelaria
objetivo ajustar a estrutura e o funcionamento da a persistência de ajustamentos irracionais que, em
sociedade de classes no Brasil, em processo acelera- vez de promoverem o ajuste entre a sociedade de
do de diferenciação e expansão, aos seus fundamen- classes no Brasil e seus fundamentos morais, torna-
tos morais ou axiológicos. Para Fernandes, estes riam permanente a inconsistência entre práticas so-
fundamentos seriam, entre outros, “a universali- ciais e valores. Este seria o núcleo do dilema social
zação e o respeito pelos direitos fundamentais da brasileiro: “um tipo de inconsistência estrutural e
pessoa humana, a democratização da educação e dinâmica que nasce da oposição entre o comporta-
do poder, [...] a consagração de modelos racionais de mento social concreto e os valores básicos de deter-
pensamento e de ação, [...] etc.” (Fernandes, 1979, minada ordem social” (Fernandes, 1976, p. 208).
pp. 322-323). Quer dizer: tanto a campanha quan- Ou, noutras palavras, a sociedade brasileira seria
to o movimento negro pressionariam no sentido de incapaz de dar concretude – ou saturação empírica,
se universalizar uma ordem social competitiva. Por como diria Fernandes – às promessas emancipató-
este último termo, Fernandes entende o princípio rias inscritas na sociedade de classes, apegando-se a
organizatório básico de uma sociedade de classes: práticas e orientações arcaicas e/ou egoístas a des-
caso esse tipo societário funcionasse à plena efi- peito das inconsistências que isto geraria no pró-
cácia, isto é, promovendo ajustamentos racionais prio padrão de integração social.5
linhas retas ou labirintos?  147

A fim de clarificar o argumento do autor, veja- modernos e democráticos parecia indicar que, no
mos como ele avalia os descaminhos da campanha Brasil, os valores seriam incapazes de funcionar
no seguinte trecho: como instância última de controle na direção das
mudanças estruturais, como diria Parsons (1974)
Em quase cinco dezenas de debates, [...] con- em sua apropriação da noção de hierarquia ciberné-
segui estabelecer um diálogo, por vezes de tica. Ou, melhor dito, que a introdução de valores
natureza polêmica, com representantes dos ajustados à sociedade de classes não seria suficiente,
diferentes círculos da sociedade brasileira por si só, para efetivamente levar a cabo a democra-
contemporânea. [Cheguei] a conclusões su- tização do sistema social. Daí o segundo argumento
mamente penosas e inesperadas. Nós nos mo- de Fernandes: em vez de um padrão de mudança
dernizamos por fora e com frequência nem o progressivo, linear, assistiríamos à emergência de
verniz aguenta o menor arranhão. É uma mo- um padrão sociopático, uma espécie de “resistência
dernidade postiça, que se torna temível porque residual ultraintensa à mudança social” (Fernandes,
nos leva a ignorar que os sentimentos e os com- 1976, p. 211, grifos no original), conferindo-lhe
portamentos profundos da quase totalidade das um caráter limitado ou mesmo conservador. Por
pessoas cultas se voltam contra a modernização esta razão, Fernandes diz que o sentido da mudança
(Idem, p. 205, grifos nossos). social não é automático, isto é, não se encaminharia
necessariamente para a universalização da ordem
Este quadro, que apresenta uma espécie de social competitiva. O crucial seria a avaliação so-
modernidade sui generis no Brasil, é o desdobra- ciológica da qualidade da mudança social, defini-
mento de dois argumentos principais. O primeiro da mediante o modo pelo qual os grupos sociais
refere-se ao caráter puramente epidérmico ou com- em disputa selecionam ou neutralizam os influxos
pensatório da adesão, sobretudo nos círculos sociais construtivos da expansão da sociedade de classes.
dominantes, aos fundamentos morais da sociedade No caso brasileiro, como assinala o próprio autor,
de classes. Apesar de verbalmente afinados com os “o fulcro dinâmico da configuração do equilíbrio
valores modernos e democráticos, essa racionalida- social não provém das forças sociais inovadoras”
de aparente dos segmentos cultos da sociedade bra- (Idem, ibidem), posto que os círculos sociais domi-
sileira encobriria uma irracionalidade de fundo – nantes “só aceitam as inovações que não modificam
uma espécie de superego nacional (Idem, p. 210) – a estrutura da situação e suas perspectivas de desen-
altamente reativa a quaisquer transformações subs- volvimento” (Idem, p. 207).
tantivas na distribuição da renda, do poder e do Essa proposição, feita à luz da derrota das
prestígio social. Nos termos de Fernandes: opções democratizantes que poderiam dissolver o
dilema social brasileiro, foi sendo desdobrada em
O comportamento pode manter-se fiel a mo- vários constructos conceituais, até atingir certa
delos arcaicos e tradicionalistas; a verbalização cristalização teórica com a noção de capitalismo
que dele faz o homem eleva-se a outro nível, dependente em fins da década de 1960, como vere-
como se o agente social fosse guiado por outros mos na próxima seção. Contudo, a própria noção
incentivos e motivações. Daí toda uma mitolo- de dilema, tal como expusemos aqui, já apontava
gia do progresso, da modernização tecnológica de maneira clara para a importância explicativa das
e do liberalismo, que condensa uma infinidade especificidades históricas da sociedade brasileira,
de manifestações simbólicas compensatórias, cujo padrão de desenvolvimento parecia combinar
cuja função é sempre a mesma: dar-nos segu- arcaísmo e modernidade em vez de expurgar o pri-
rança no plano da afirmação coletiva de comu- meiro com a expansão da última. Se compararmos
nidade nacional (Idem, p. 209). as conclusões de Fernandes sobre a precária inte-
gração do negro em São Paulo com as expectativas
Esta inconsistência entre a persistência de positivas de Parsons a respeito da plena cidadania
práticas arcaicas e a adesão (superficial) a valores dos negros nos Estados Unidos, a distância não po-
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deria ser maior. Em vez de uma linha reta, a socie- as mediações democráticas que teriam presidido, a
dade brasileira percorreria uma trajetória sinuosa, seu ver, a participação política operária em certos
com reposições estruturais de elementos legados do países europeus (Germani, 1956). Ora, como ex-
passado estamental: plicar que isto tenha ocorrido na Argentina, onde
justamente, segundo Germani, o processo de mo-
Como se fosse uma hidra, a desigualdade racial dernização teria avançado mais que em qualquer
se recupera a cada golpe que sofre. Onde os in- outro país latino-americano? Esta dissociação entre
teresses e os liames das classes sociais poderiam modernização – que, no caso da Argentina, apre-
unir as pessoas [...], fora e acima das diferenças sentava índices que a colocavam “muito próxima
de raça, ela divide e opõe, condenando o negro [...] aos países mais avançados” (Germani, 2006, p.
a um ostracismo invisível e destruindo, pela 242) – e democratização estaria na raiz daquilo que
base, a consolidação da ordem social competi- o autor chamou de paradoxo argentino.
tiva como democracia racial (Fernandes, 2008, O termo paradoxo, aqui, não é fortuito. Os
pp. 570-571, grifo no original). mesmos processos que teriam feito da Argentina
uma sociedade relativamente modernizada, na es-
Nos textos de Germani, a exploração teórica teira do boom agropecuário de fins do século XIX
da conexão entre sociedade moderna e democracia até meados da década de 1920, teriam concorrido
também é decisiva, operando, porém, em registro também para os inúmeros problemas por ela en-
distinto. Se tanto Parsons quanto Fernandes ela- frentados nos anos de 1950-1960. Ou, como expôs
boram, cada um a seu modo, a ideia de que um no artigo “La Argentina: desarrollo económico y
padrão de integração social democrático estaria modernización” [1963], não seria o atraso, mas o
inscrito (ainda que potencialmente) na experiência adiantamento da modernização social – altos índi-
moderna, Germani, por sua vez, retém o melhor ces de urbanização e de escolarização, grandes classes
de sua atenção na análise de como certas trajetó- médias, elevadas taxas de mobilidade social etc. –,
rias sócio-históricas de modernização, ao contrário, vis-à-vis um desenvolvimento industrial apenas in-
tornariam mais verossímeis as soluções autoritárias. cipiente, o principal impasse da sociedade argenti-
Nesse sentido, desde os seus primeiros esforços de na. O “padrão exitoso estabelecido durante o pe-
teorização sobre a mudança social, Germani insiste ríodo de prosperidade” (Germani, 2006, p. 248),
no seguinte argumento: os processos tardios de mo- assinala o autor, teria assegurado a “vastos estratos
dernização, comparativamente mais acelerados e da população certa participação no modo de vida
assincrônicos – isto é, alguns subsistemas sociais se urbano e nos bens materiais e não materiais da so-
adiantariam mais do que outros na adoção de pau- ciedade moderna” (Idem, p. 246). E este sucesso na
tas modernas, especialmente a esfera econômica – integração dos atores sociais modernos que a ex-
que as experiências pioneiras de passagem à mo- pansão econômica ia criando – especialmente clas-
dernidade, poderiam acarretar tensões agudíssimas, ses médias, industriais e operários – teria roubado,
com resultados políticos muitas vezes inesperados.6 no mesmo passo, o seu potencial transformador, já
Esta proposição teórica de Germani, acionada que diminuiria “o elemento de desafio suficientemente
de modo esquemático na primeira parte de Política dramático capaz de despertar [...] as energias neces-
y sociedad en una época de transición social [1962], sárias para introduzir inovações substanciais” (Idem,
prende-se claramente aos esforços do autor – e de pp. 249-250, grifos no original).
toda a intelectualidade argentina da época, podería- Em termos mais concretos, Germani intro-
mos dizer (Sarlo e Altamirano, 2007) – em elucidar duz na análise uma série de especificidades histó-
o sentido do peronismo. Embora Germani não sub- ricas da sociedade argentina que teria contribuído
sumisse a adesão das classes populares argentinas a para esta espécie de timidez transformadora de
Perón a uma experiência fascista, associação recor- seus atores sociais modernos. Por um lado, o fato
rente no debate da época, parecia-lhe claro que se de que a expansão dos setores médios e do ope-
tratava de uma solução de caráter autoritário, sem rariado urbano no início do século xx tenha sido
linhas retas ou labirintos?  149

praticamente monopolizada por estrangeiros, na por estrangeiros que careciam de direitos po-
esteira da grande imigração ultramarina que alterou líticos; por outro, eles próprios e seus descen-
radicalmente a estrutura social do país. Os efeitos dentes não permaneceram tempo suficiente na
políticos desta situação seriam marcantes: “em ter- condição operária a fim de dar estabilidade e
mos eleitorais, isto significava” que “entre 50% e continuidade a organizações ideologicamente
70% dos habitantes se encontrava à margem de seu orientadas de acordo com a esquerda clássica
exercício legal” (Germani, 1965, p. 220). Alijados (Germani, 1963, p. 363).
da competição eleitoral, as possíveis consequências
democratizantes da presença dos imigrantes nos Portanto, em que pese o reconhecimento da
setores dinâmicos da economia urbano-industrial importância da imigração ultramarina na moder-
em expansão teriam sido diluídas, o que explica- nização da estrutura social argentina, Germani não
ria inclusive, segundo Germani, por que o radica- deixa de atentar para as suas limitações no sentido
lismo – movimento político nucleado na Unión de “criar um marco institucional para o funciona-
Cívica Radical (ucr), que governou a Argentina mento sem tropeços de um regime representativo
entre 1916 e 1930 – acabou não usando “o poder a um nível de participação total” (Germani, 1965,
para aportar as transformações na estrutura social p. 240). Assim, o que está em jogo, em termos ex-
que teriam assegurado uma base mais segura para plicativos, é a identificação de uma determinada se-
o funcionamento das instituições democráticas”. quência histórica cujas consequências repercutiriam
Como exemplos da limitação do radicalismo, neste de modo altamente problemático nas décadas se-
particular, o autor assinala que “a estrutura econô- guintes, marcadas por um novo movimento migra-
mico-social do campo permaneceu praticamente tório de massa do interior argentino (e demais paí­
inalterada”, e que os “parlamentos radicais manti- ses limítrofes) à metrópole portenha. Na ausência
veram a legislação repressiva criada pela oligarquia de canais representativos democráticos, nos meios
no começo do século diante da primeira expansão operários, fortes o suficiente para absorver a nova
dos movimentos operários” (Idem, pp. 222-223). massa populacional abruptamente deslocada para
Por outro lado, a experiência vertiginosa de ascen- o mundo urbano-industrial, apenas o peronismo
são social vivida por estes mesmos imigrantes ter- teria logrado conferir expressão política a estes seg-
minaria por dificultar a formação de solidariedades mentos recém-mobilizados:
estáveis de classe, cruciais – como mostraria a ex-
periência europeia – para a emergência de partidos Estas grandes massas transplantadas de maneira
políticos de esquerda e de orientação democrática. rápida às cidades, transformadas abruptamente
Vejamos como o autor divisa os efeitos desta fluidez de peões rurais em operários industriais, adqui-
da estrutura social argentina, tal qual demonstrada riram significação política sem que ao mesmo
num extenso survey realizado por ele e sua equipe tempo houvesse os canais necessários para a sua
na Grande Buenos Aires: integração ao funcionamento normal da demo-
cracia. A política repressiva dos governos desde
A experiência reiterada, durante 60 ou 70 anos, o final do século passado, [...] unida à ausência
pelos imigrantes estrangeiros e seus filhos, de de partidos políticos adequados aos seus senti-
uma sociedade aberta, unida ao grande inter- mentos e necessidades, deixavam estas massas
câmbio entre classes, foi provavelmente um em disponibilidade, faziam delas elemento
fator muito importante no sentido de impedir disponível para ser aproveitado para qualquer
que o processo de urbanização e a constituição aventura que lhes oferecesse alguma forma de
de um proletariado industrial originassem mo- participação (Idem, pp. 225-226).
vimentos de massa orientados ideologicamente
à esquerda. [...] Houve, na verdade, movimen- Como dissemos, Germani sempre diferenciou
tos deste tipo, mas não tiveram efeitos políticos claramente o peronismo das experiências fascistas
duradouros; por um lado, estavam formados na Europa. E isto por dois motivos principais: (a)
150  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

devido à diversa base social dos dois movimentos – bém contra Seymour Lipset, com quem Germani
de extração popular e operária, no peronismo, e manteve importante interlocução (Amaral, 2009) –,
classes médias em risco de proletarização, no fas- a acelerada modernização da sociedade argentina
cismo –, e (b) no que tange à maior racionalidade não parecia fortalecer instâncias democráticas de in-
do primeiro em face do segundo. Para o autor, a tegração social, mas justamente o oposto. “A profun-
despeito de sua orientação geral autoritária, o pe- da crise política que afeta o país há mais de 30 anos”,
ronismo teria conseguido fazer valer vários tipos assinala o autor, “constitui um verdadeiro enigma
de liberdades concretas para as classes populares para os estudiosos da sociologia do desenvolvimento
argentinas, como “participar em uma greve”, “ele- econômico” (Germani, 1965, pp. 206-207).
ger um representante sindical” ou mesmo “discutir
em pé de igualdade com o patrão” (Germani, 1962,
p. 39). No entanto, assim como o radicalismo não As partes e o todo
teria atuado em seu contexto no sentido de pro-
mover mudanças estruturais, também o peronismo Na seção anterior, contrastamos as formulações
teria ficado muito aquém de suas potencialidades de Parsons, Fernandes e Germani sobre a conexão
transformadoras. Além do aspecto autoritário do entre desenvolvimento e democracia – os termos
movimento, fazendo com que as classes populares específicos variam de autor para autor – feitas na
conhecessem “somente um ersatz de participação primeira metade da década de 1960. De modo es-
política”, isto é, uma “participação ilusória” (Ger- quemático, argumentamos que haveria um cami-
mani, 1965, pp. 226-227), a velocidade da mo- nho inverso na teorização realizada no centro e nas
bilidade ascendente experimentada pelos antigos periferias. Nos textos de Parsons, tal conexão foi
trabalhadores rurais ao chegarem a Buenos Aires – crescentemente articulada em chave naturalizada,
conformando uma nova classe operária – igual- como se a expansão da sociedade moderna pudesse,
mente teria refreado o ímpeto anti-status quo: mesmo que a longo prazo, gerar os mesmos efeitos
independentemente das especificidades históricas
Ao darem apoio ao peronismo, [as classes po- de cada sociedade. Já nos textos de Fernandes e
pulares] escolhiam uma alternativa moderada: Germani, embora de modos muito diferentes, te-
[...] o peronismo foi muito mais cauteloso riam sido justamente os aspectos específicos às so-
que a maior parte dos movimentos deste tipo. ciedades brasileira e argentina, respectivamente, as
Nunca questionou a base da ordem socioeco- principais componentes explicativas no que toca
nômica existente [...]; apenas insistiu na justiça à dissociação entre desenvolvimento e democracia
social, na legislação social, na industrialização, nestes contextos sócio-históricos.
na reforma agrária e no planejamento e em ou- Agora, passaremos a delinear brevemente os
tras mudanças compatíveis com os interesses principais constructos teóricos destes três autores a
de alguns setores das classes médias (Germani, partir de fins da década de 1960, quando este deslo-
1969, pp. 118-119). camento recíproco entre as teorizações feitas no cen-
tro e nas periferias ganha clareza, sistematicidade e
Estes seriam os argumentos principais de Ger- generalidade. Nos livros The system of modern socie-
mani em sua tentativa de elucidar o paradoxo argen- ties [1971] e American society [2007], de Parsons,
tino. Vimos que, a fim de entender a conexão entre Sociedade de classes e subdesenvolvimento [1968] e A
modernização e experiência autoritária, na Argen- revolução burguesa no Brasil [1975], de Fernandes, e
tina, o autor precisou introduzir em sua teorização La sociología de la modernización [1969] e Authori-
uma série de especificidades históricas, notadamente tarianism, fascism and national populism [1978], de
no que se refere à sequência histórica radicalismo- Germani, os três autores procuram articular teori-
-peronismo, índices do caráter limitado da ação camente as especificidades de suas próprias socieda-
transformadora dos seus principais atores sociais des com a expansão mundial do tipo moderno de
modernos. Nesse sentido, contra Parsons – e tam- sociedade. Dito de outro modo, nestes livros os au-
linhas retas ou labirintos?  151

tores teorizaram sobre a marcha do moderno em ge- vro de Parsons revela bastante de sua orientação
ral, e não somente sobre os Estados Unidos, Brasil mais geral: captar o máximo de variação possível
e Argentina, ainda que as referências a estas socie- nas estruturas das sociedades modernas existentes,
dades tenham sido intensamente mobilizadas pelos mas sem dissolver a ideia de que elas, em conjunto,
três. Ora, se Parsons já ensaiava algo nesse sentido conformariam um único tipo. Disso decorre a sua
há algum tempo, Fernandes e Germani apenas con- compreensão de que estas variações não seriam o re-
seguem dar este passo com alguma consistência na sultado de simples histórias singulares, mas confor-
segunda metade da década de 1960, o que não é de madas pela própria diferenciação sistêmica ao lon-
somenos. Afinal, captar teoricamente o dinamismo go de todo o sistema em escala mundial. De acordo
da sociedade moderna como um todo a partir de com o autor, as diferenças fundamentais entre as
posições periféricas, extravazando a análise para além sociedades modernas “parecia[m] se encaixar per-
de seu contexto sócio-histórico imediato, é produto feitamente num padrão de quatro funções” (Idem,
ainda escasso na teoria sociológica. p. 108), ou seja, não só no interior de cada socieda-
Em primeiro lugar, vejamos de que maneira de mas também no sistema das sociedades moder-
Talcott Parsons articulou as especificidades de sua nas assistiríamos às grandes linhas de diferenciação
sociedade de referência ao movimento mais geral sistêmica indicadas pelo esquema agil. É como se
da sociedade moderna. No artigo “Comparative cada sociedade moderna importante tivesse se espe-
studies and evolutionary change” [1970], o autor cializado na diferenciação máxima de um subsiste-
afirma que o entendimento do peculiar dinamismo ma, contribuindo para o aumento da complexidade
societário dos Estados Unidos seria inviável sem geral do sistema intersocietário moderno. Para fi-
uma “perspectiva comparada e evolucionária” (Par- carmos nos exemplos do autor: os Estados Unidos
sons, 1971, p. 139). Nesse sentido, em vez de anali- dariam mais peso à função adaptativa (a) – siste-
sar a sociedade norte-americana de maneira isolada, ma econômico –; a União Soviética, à função goal-
seria mais profícuo entender suas especificidades à -attainment (g) – sistema político –; a Inglaterra,
luz do sistema das sociedades modernas, isto é, no à função integrativa (i) – comunidade societária –;
interior do conjunto mais amplo de experiências e a França e a Alemanha, à função latent pattern-
modernas – que, cada vez mais, englobavam quase -maintenance (l) – sistema cultural (Idem, pp. 108-
todas as formas sociais existentes. Por esta razão, o 109). Encaixando as especificidades nacionais sem-
uso do plural para designar o sistema das sociedades pre nalgum nicho funcional determinando, é assim
modernas não seria casual: que o autor explica o poderio econômico norte-
-americano diante da burocratização da sociedade
O uso da forma plural da palavra sociedade do soviética, ou o desenvolvimento de direitos sociais
título [The system of modern societies] é delibe- na Inglaterra em contraposição à pujança da pro-
rado e possui importância central. É claro que dução cultural francesa e alemã.
podemos nos referir, com sentido, à sociedade Retomando o argumento mais geral formula-
moderna como um tipo, mas não acho que pos- do em “Evolutionary universals in society” [1964],
sa ser útil aos sociólogos tratar a União Sovié­ Parsons considera que o desenvolvimento do siste-
tica, a Grã-Bretanha, os países escandinavos e ma das sociedades modernas seria resultado de um
os Estados Unidos – para citar alguns dos mais processo de longa duração, dramatizado no terreno
importantes – como constituindo uma socie- histórico por três revoluções, que expressariam as
dade. Mas, se há muitas, isto não implica que contínuas diferenciações sistêmicas. As duas pri-
suas diferenças sigam um padrão de variação meiras revoluções – a industrial e a democrática,
aleatória, explicada em cada caso por “histórias” ocorridas na Europa Ocidental (na Inglaterra e na
singulares (Idem, p. 108, grifo no original). França, respectivamente) – teriam diferenciado,
por um lado, o sistema econômico (a) do sistema
A peculiar junção de singular – o sistema – e político (g) e, por outro, estes dois subsistemas da
plural – das sociedades modernas – no título do li- comunidade societária (i). Embora, para Parsons,
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a sociedade norte-americana não tenha protagoni- consigam vencer [nos processos de] seleção,
zado nenhuma destas duas revoluções, ele afirma [rigidamente regulamentados] por normas uni-
que, já “na época da visita de Tocqueville”, teria se versalistas (Idem, p. 119).
realizado ali “uma síntese da revolução francesa e
da inglesa” e, mais ainda, que “os Estados Unidos Em suma, na narrativa histórica parsoniana,
tinham constituído uma sociedade tão democrática a posição de vanguarda ocupada pela sociedade
quanto todos [...] tinham desejado”. Não por acaso norte-americana no sistema intersocietário moder-
o autor diz que esta sociedade passaria a desempe- no seria muito mais consequência de seu avanço
nhar, a partir de então, “um papel [...] comparável inaudito no sentido de diferenciar uma comunida-
ao da Inglaterra no século xvii” (Parsons, 1974, p. de societária amparada em critérios universalistas
108). Se a Europa ainda se via às voltas com o seu que do seu poderoso complexo industrial-militar,
passado de distinções estamentais e clivagens clas- explicação que ele considera reducionista e equivo-
sistas muito rígidas, a sociedade norte-americana já cada (Idem, p. 141). Esta especificidade histórica, no
teria superado esses problemas desde o início de sua entanto, até mesmo pela posição de liderança dos
formação (Idem, pp. 111-112). Estados Unidos, seria naturalizada por Parsons em
Passando a ocupar, assim, a vanguarda do siste- seu esquema cibernético-evolucionário, já que nela
ma da sociedade moderna, caberia agora aos Esta- estaria contido o próprio sentido geral da mudança.
dos Unidos liderar a terceira revolução, qual seja, a Tendo em vista a posição ocupada pelo sistema de
revolução educacional. Para Parsons, com a expan- pattern-maintenance (ou sistema cultural) na escala
são em larga escala do ensino superior em meados cibernética, os valores democráticos instituciona-
do século xx, assistiríamos à diferenciação final lizados na comunidade societária norte-americana
entre o sistema cultural (l) e a comunidade societá- seriam capazes de se difundir por todo o sistema
ria (i), isto é, à institucionalização de um complexo das sociedades modernas, pressionando por transfor-
cognitivo no sistema social, com os seus concomi- mações análogas, mesmo que a longuíssimo prazo,
tantes efeitos na secularização da cultura e no pa- em todas as sociedades localizadas no interior do
drão de integração social (Parsons e Platt, 1973). sistema:
Além de representar o fim da linha de um longo
processo de constituição de uma “comunidade so- [...] os valores sempre potencialmente [...]
cietária que não se baseia diretamente na religião” transcendem qualquer comunidade específica.
(Parsons, 1974, p. 124), a revolução educacional [...] As forças e os processos que transforma-
radicalizaria o caráter democrático da sociedade ram a comunidade societária dos Estados Uni-
moderna. Isto ocorreria porque, com a universali- dos e prometem continuar a transformá-la não
zação do acesso ao ensino, as principais formas de são peculiares a esta sociedade, mas penetram
estratificação social estariam associadas a imperati- todo o sistema moderno – e modernizante.
vos unicamente funcionais, e não mais a critérios [...] Desse ponto de vista, a institucionalização
particularistas: intersocietária de um novo sistema de valores
[...] se torna decisiva (Idem, p. 147, grifos no
O foco da nova fase é a revolução educacional original).
que, em certo sentido, sintetiza os temas da re-
volução industrial e da democrática: igualdade Uma solução teórica deste tipo, como veremos
de oportunidade e igualdade de cidadania. Já a seguir, não emergiu dos textos de Florestan Fer-
não se supõe a capacidade inata do indivíduo nandes e de Gino Germani. Ainda que salientando
[...]. Ao contrário, reconhece-se que a estra- a posição específica dos Estados Unidos no interior
tificação por capacidade é mediada por uma do sistema das sociedades modernas, Parsons não
complexa série de [estágios] no processo de considerou as contingências históricas dessa expe-
socialização. Cada vez mais, existem oportuni- riência social como uma componente explicativa
dades para que os relativamente desfavorecidos fundamental de sua análise sociológica. Transferin-
linhas retas ou labirintos?  153

do, grosso modo, a conexão diferenciação-inclusão apenas a partir de um núcleo interno em ex-
para o contexto de uma sociedade moderna de es- pansão; supuseram que os fatores causais e fun-
copo mundial, é como se Parsons reduzisse o com- cionais da transformação capitalista [...] atuam
plexíssimo processo de conformação histórica da a partir de dentro [...] e variam, sempre, de um
civilização ocidental à dinâmica social encapsulada ponto de menor complexidade para outro de
no seu esquema agil, aplainando todas as arestas maior complexidade quanto ao grau de diferen-
históricas encontradas pelo caminho. Esta robusta ciação [...] (Idem, ibidem, grifo nosso).
ordenação formal – alguns diriam formalista – do
processo social teria que ceder espaço, nos textos de Embora seja verdade que Parsons tenha procu-
Fernandes e de Germani, a constructos de menor rado dar conta de certo dinamismo intersocietário
vigor ordenador, capazes de captar as asperezas de com a noção de sistema das sociedades modernas,
uma matéria social periférica arredia a conceitua- o problema colocado por Fernandes parece caber-
ções demasiado ordeiras. -lhe inteiramente. Não que o ultimo rejeite a va-
Comecemos com a noção de capitalismo de- lidade de uma perspectiva sistêmica. Ela apenas
pendente, de Fernandes. Se Parsons fez grande es- não conseguiria captar as conexões fundamentais
forço para, a despeito de reconhecer a existência de do capitalismo dependente ao abstrair, do campo
enormes variações estruturais, considerar as socie- de observação, a heterogeneidade de processos so-
dades modernas como um único tipo, o autor de A ciais que lhe imprimiriam sentido, especialmente a
revolução burguesa no Brasil [1975], logo de saída, dupla articulação de elementos internos e externos
assinala a existência de dois subtipos fundamentais: à sociedade, por um lado, e de elementos arcaicos
a sociedade de classes conformada pelo capitalismo e modernos, por outro (Fernandes, 2006, p. 293).
autônomo e a sociedade de classes conformada pelo Assim, continua o autor, na periferia do capitalis-
capitalismo dependente. Não que estes dois sub- mo, os sociólogos teriam que operar com uma “he-
tipos fossem essencialmente distintos. O próprio terogeneização máxima dos fatores propriamente
autor ressalva que “o regime de classes é o mes- estruturais de diferenciação social”, haja vista “[a]
mo”, não invalidando “conceitos, métodos e teorias natureza e [a] variedade de forças que intervêm,
acumulados previamente”. Contudo, a fim de se concretamente, na configuração [...] do regime de
analisar sociologicamente o dinamismo do capita- classes das nações capitalistas heteronômicas”. Es-
lismo dependente, teríamos que proceder, segundo tas forças seriam basicamente três: (a) “procedentes
Fernandes, a uma “verdadeira rotação ótica” (Fer- das sociedades hegemônicas externas”, (b) “prove-
nandes, 1979, p. 25), sobretudo no que tange à uti- nientes de tendências dominantes na evolução das
lização da noção de sistema. Esta noção, tal como estruturas internacionais de poder” e (c) forças “que
empregada recorrentemente na teoria sociológica, nascem a partir de dentro, das próprias sociedades
somente apresentaria eficácia explicativa para os ca- de classes dependentes” (Fernandes, 1979, p. 26).
sos de capitalismo autônomo: Como corolário desta rotação ótica proposta por
Fernandes, é como se os sociólogos perdessem “par-
Ao estudar o regime de classes em sociedades te de seu arbítrio na abstração do caso nacional do
nacionais dotadas, ao mesmo tempo, de desen- amplo conjunto de forças, que operam simultanea-
volvimento capitalista autônomo e de posição mente e com potencialidades [...] ao mesmo tempo
hegemônica nas relações capitalistas internacio- tão variadas e contraditórias” (Idem, p. 27, grifo no
nais, os cientistas sociais puderam operar [...] original). Noutros termos, o autor avançou a ideia
com uma homogeneização máxima dos fato- de que só seria possível entender as complicações
res [...] da diferenciação social; puderam con- do capitalismo dependente, de sua marcha histórica
centrar a [...] análise [...] em casos extremos, não linear, caso se empregasse certa perspectiva de
considerados como sistema de uma perspectiva totalidade.
nacional, como se a economia, a sociedade e a A fim de se analisar este processo de mudança
cultura, sob o capitalismo, se determinassem determinado por forças sociais tão contraditórias –
154  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

por um lado, forças internas e externas pressionan- excedente econômico não é retido internamente,
do pela expansão da sociedade de classes e da or- mas succionado para fora –, concorrendo para que
dem social competitiva, por outro, forças internas e se “mantenham, indefinidamente, estruturas so-
externas reforçando o legado do antigo regime e as cioeconômicas e políticas arcaicas ou semiarcaicas”
orientações estamentais a ele ligadas (Idem, pp. 39- (Fernandes, 2006, p. 356); (b) à deformação estrutu-
40) –, Fernandes indica a necessidade de se adensar ral da ordem social competitiva gerada por este tipo
historicamente a teorização. Não podendo subsumir de sociedade de classes que, além de não se univer-
o sentido geral do processo ao ritmo progressivo de salizar, agravaria a concentração da renda, do poder
um dinamismo interno em crescente diferenciação – e do prestígio social – a “eficácia da competição e
como em Parsons –, o autor mobiliza intensamen- do conflito na coordenação das relações de classe”
te a matéria histórica brasileira como expediente se fechariam na pequena órbita das “classes médias
explicativo, retendo a atenção em seus momentos e altas” (Fernandes, 1979, p. 37) –; (c) sintetizando
cruciais. Momentos cuja reconstrução, iniciada em esses dois pontos, ao estilo autocrático de revolução
A integração do negro na sociedade de classes [1964] – burguesa. Sobre isto especificamente, escreve Fer-
quando aponta para o esvaziamento do movimento nandes:
abolicionista e para o sentido excludente da expan-
são da sociedade de classes no Brasil –, ganha enor- Aí, a Revolução Burguesa combina – nem
me amplitude em A revolução burguesa no Brasil poderia deixar de fazê-lo – transformação ca-
[1975], livro no qual Fernandes percorre o extenso pitalista e dominação burguesa. Todavia, essa
período que se inicia no processo de independên- combinação se processa em condições econô-
cia até chegar aos efeitos do golpe militar de 1964. micas e histórico-sociais específicas, que ex-
Mas esta atenção cerrada às especificidades da so- cluem qualquer probabilidade de repetição da
ciedade brasileira significa que Fernandes não teria história ou de desencadeamento automático
procurado fazer generalizações teóricas para além dos pré-requisitos do [...] modelo democrá-
dela? A resposta a esta pergunta, negativa, passa tico-burguês. Ao revés, o que se concretiza,
por seu argumento de que a sociedade de classes no embora com intensidade variável, é uma forte
Brasil seria uma espécie de tipo extremo do capita- dissociação pragmática entre desenvolvimento
lismo dependente.7 capitalista e democracia; ou, usando-se uma
Isto ocorreria não devido à maior consistência notação sociológica positiva: uma forte associa-
da experiência moderna no Brasil em face de outros ção racional entre desenvolvimento capitalista
países periféricos, mas à máxima heterogeneidade e autocracia (2006, p. 340, grifos no original).
dos elementos constituintes de sua estrutura social.
Ou, noutras palavras, porque, segundo o autor, na Lembrando que autocracia não se confunde –
sociedade brasileira estariam presentes “tanto os as- embora se associe em várias ocasiões – com auto-
pectos mais arcaicos quanto os aspectos mais mo- ritarismo, mas significa uma orientação privatista
dernos da estratificação social condicionada pelo em relação ao poder (Cohn, 2001), a sociedade
capitalismo dependente” (Fernandes, 1975, p. 50), brasileira seria um tipo extremo do capitalismo de-
ou ainda, noutra notação, porque aí “a dependência pendente porque, nela, a dissociação estrutural en-
é mais profunda e diferenciada e o subdesenvolvimen- tre sociedade de classes e democracia apresentaria
to é mais desenvolvido” (Fernandes, 1981, p. 115, clareza máxima, sobretudo após o golpe de 1964.
grifo no original). Embora não seja o caso de re- Depois de esmiuçar estas especificidades históricas,
constituirmos o modo pelo qual Fernandes analisa Fernandes mostra que este padrão de desenvolvi-
a trajetória histórica da sociedade de classes no Bra- mento que é capaz, por um lado, de expandir de
sil, três pontos de sua argumentação são fundamen- maneira considerável os dinamismos típicos de uma
tais. De modo esquemático, eles se referem: (a) aos sociedade de classes, mas sem, por outro, expurgar
efeitos limitadores do padrão de desenvolvimento o legado histórico do antigo regime e universalizar
duplamente articulado – no qual grande parte do uma ordem social competitiva – a conexão diferen-
linhas retas ou labirintos?  155

ciação-inclusão ficaria confinada a circuito fechado, Embora, neste trecho, o autor radicalize a
sem se generalizar por todo o sistema social – te- ideia de que, dados os aspectos específicos e con-
ria grande significação teórica para a sociologia. O tingentes de todo processo de mudança, não ha-
“presente do Brasil”, arremata o autor, “contém o veria sequências universalmente válidas, ele busca
futuro de outros países, que pertençam à periferia alguns elementos mais genéricos capazes de apoiar
do capitalismo mundial e não possam encaminhar- sua teorização. Por um lado, Germani não descar-
-se diretamente ao socialismo” (Fernandes, 2006, p. ta inteiramente certo repertório cognitivo da so-
259). Em suma, é como se, a partir das complica- ciologia da modernização, já que acredita que o
ções históricas da sociedade brasileira, tratadas com uso de correlações estatísticas para a fabricação de
grande minúcia ao longo de A revolução burguesa no índices de modernidade poderia favorecer proce-
Brasil [1975], pudéssemos ganhar perspectiva ana- dimentos comparativos (Germani, 1969, pp. 26-
lítica sobre o movimento de expansão da sociedade 27). Por outro, ele se propõe a construir uma série
de classes como um todo (Bastos, 2002). de tipologias de transição capaz de agrupar algu-
Se, como vimos, Florestan Fernandes propõe mas experiências afins e significativas de moderni-
que não se poderia analisar os dinamismos da so- zação. Na versão norte-americana de La sociología
ciedade de classes como se ela gerasse sempre os de la modernización [1969] [The sociology of mo-
mesmos efeitos independentemente do tempo, do dernization (1981)], ele chega a identificar oito ti-
espaço e das trajetórias históricas – propondo, neste pos ou subtipos de padrões de modernização, den-
sentido, quebrar em dois o tipo (capitalismo autôno- tre os quais se incluiria a América Latina, tratada
mo e capitalismo dependente) –, Gino Germani, por Germani (1981, pp. 37-47) em perspectiva de
por sua vez, dissolve quase completamente a ideia conjunto. A este respeito, a referência fundamen-
de que poderíamos tomar certos casos concretos de tal do autor é o texto “Las etapas del proceso de
modernização como típicos ou generalizáveis. Isto modernización en América Latina” [1969].
não quer dizer, é claro, que o autor não tenha se Apesar de o termo “etapas” sugerir um pro-
dedicado a teorizar, em chave mais abstrata, sobre cesso linear de mudança, ao fazermos um corpo-a-
os processos de mudança. Contudo, sua proposição -corpo com o argumento de Germani vemos que
mais geral a este respeito – sobre o caráter inextri- não é bem o caso. Antes, são aspectos contingentes
cavelmente assincrônico dos processos de moder- que sobem à tona. Definindo as principais etapas a
nização – coloca em primeiro plano justamente a partir de marcadores externos às sociedades latino-
importância explicativa das contingências históri- -americanas – etapa i, “descobrimento”; etapa ii,
cas. Senão, vejamos: “revoluções francesa e norte-americana”; etapa iii,
“impacto da revolução industrial” e da “emigração
Nossa primeira generalização é que a moderni- europeia em massa”; etapa iv, “grande depressão
zação ou o desenvolvimento não é balanceado. e segunda guerra mundial” (Germani, 1969, pp.
A mudança é assincrônica: os vários compo- 51-58) –, ele mostra, por exemplo, que se a simul-
nentes da estrutura sociocultural não iniciam taneidade destes impactos externos servia como
a sua transformação simultaneamente, não suporte para a comparação entre os países, por um
caminham à mesma velocidade e tampouco os lado, estas mesmas forças, ao se combinarem com
vários processos seguem sequências idênticas. fatores endógenos específicos, teriam como “efei-
A transição total, fruto da aceleração ou desa- to habitual acentuar [as] descontinuidades internas,
celeração destes processos ou subprocessos, ou isto é, a assincronia entre áreas, instituições, pau-
de retardamentos ou antecipações peculiares tas de atitudes e comportamentos” (Idem, p. 37,
na sua sequência, é um fator altamente deter- grifos no original). Além disso, o autor é enfático
minante na modernização. [...] Em razão das ao afirmar que não opera com “um modelo pura-
consequências do assincronismo [...], é muito mente determinista de transição”: os sentidos da
difícil formular uma sequência universalmente passagem de uma etapa para outra seriam croni-
válida de etapas (Germani, 1981, p. 18). camente dependentes da atuação de “indivíduos
156  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

e grupos em posições-chave” (Idem, p. 28), o que nacionais para exercer uma ação coerente e efi-
poderia levar tanto à “interrupção da moderniza- caz em favor do desenvolvimento econômico;
ção” quanto ao “progresso em direção a graus de (c) a persistência do intervencionismo militar.
modernização social ou política mais elevados” [...] [Entre] os fatores exógenos operantes em
(Idem, p. 29). Pouco se detendo sobre as duas pri- todos os aspectos, desde 1930, os mais impor-
meiras etapas de modernização na América Lati- tantes foram, sem dúvidas, as tensões criadas
na, Germani concentra o melhor de sua atenção pela guerra fria e pelo poder hegemônico dos
na passagem da etapa iii à etapa iv, dramatizada, Estados Unidos. [...] É difícil colocar em dú-
historicamente, pela passagem do modelo agroex- vida que setores poderosos da sociedade norte-
portador à economia urbano-industrial na região. -americana tenderam a reforçar as rigidezes
Ainda que não seja o caso de reconstruirmos todo mantidas por fatores internos, em oposição às
o argumento do autor a este respeito, algumas forças favoráveis à introdução de reformas real-
considerações são necessárias. mente significativas (Idem, p. 41).
É digno de nota que, a fim de captar o cará-
ter não linear da mudança, Germani tenha lançado Algum tempo depois, este esquema teórico
mão sistematicamente do seguinte par conceitual: ganharia aprofundamento e maior consistência
efeitos modernizadores-mecanismos estabilizado- teórica em Authoritarianism, fascism and national
res. Mediante esses termos, seria possível explicar populism [1978], livro no qual Germani retoma a
por que certos atores ou estruturas sociais responsá- análise da sociedade argentina. Realizando uma ex-
veis por um maior avanço na modernização duran- ploração de longa duração de suas especificidades
te a terceira etapa poderiam atuar como mecanis- históricas – desde a independência até a crise do
mos de estabilização do processo na quarta etapa. ciclo peronista dos anos de 1970 –, além de análises
O caso mais conspícuo, segundo o autor, seria o das comparativas com sociedades europeias problemá-
classes médias: apesar de sua orientação progressista ticas, como Espanha e Itália, o autor leva às últimas
no sentido de ampliar os canais democráticos num consequências o princípio de que as contingências
primeiro momento, com a explosão da migração históricas deveriam ser acionadas como expediente
rural-urbana (consequência da própria industria- explicativo da modernização. Ao definir, mais uma
lização) ela acabaria muitas vezes combatendo a vez, o seu conceito de mudança social como não
extensão da participação política aos grupos recém- determinista, assinala:
-mobilizados. Noutras palavras, “as classes médias,
ou parte delas, deixaram de ser fatores de mudança No nível macro, a mudança pode ser concebi-
para a modernização e se converteram em fatores da como um conjunto de processos [...] cuja
de estabilização” (Idem, p. 40). Mas a complexidade convergência, num momento histórico defini-
do quadro não se detém aí. A conexão entre fatores do, [...] pode produzir novas (parciais ou totais)
internos e externos às sociedades latino-americanas formações socioculturais (uma ou mais insti-
também poderia provocar antes o estancamento do tuições, grupos sociais, subsistemas inteiros ou
que a continuidade da modernização: um novo tipo de estrutura social global). [...]
[A] combinação peculiar [destes] componentes
Também intervieram outros fatores, exógenos é resultado [...] da natureza, ritmos e sequên-
e endógenos, que complicaram de modo sin- cias de cada processo particular – e muito fre-
gular a situação, adicionando novas rigidezes e quentemente também dos eventos traumáticos
levando em muitos casos ao estancamento ou produzidos por súbita aceleração e/ou desacele-
à regressão no desenvolvimento econômico e ração destes processos ou por causas acidentais.
na modernização política. Entre tais fatores (Acidentais são os eventos ou processos que não
devemos mencionar: (a) os resíduos sobrevi- podem ser explicados somente com base nos
ventes, mas ainda ativos, das antigas estruturas fatores e nas variáveis considerados na análise)
de poder [...]; (b) as limitações das burguesias (Idem, pp. ix-x, grifos no original).
linhas retas ou labirintos?  157

Além de não determinista, o esquema teórico [...] Soluções autoritárias são possíveis – e, em
de Germani acaba multiplicando os fatores – desde certas condições, prováveis – em qualquer crise
causas macroestruturais até eventos acidentais – e os gerada pelas tensões estruturais inerentes à so-
níveis de análise – de curto, médio e longo alcance ciedade moderna (Idem, pp. 7-8).
(Idem, p. 5) –, todos igualmente relevantes para o
entendimento do sentido dos processos de moder- Mesmo que o autor localize a proposição
nização. E, efetivamente, no andamento do livro, quanto à compulsão autoritária da modernidade
sua análise da sequência histórica radicalismo-pe- num nível de máxima generalidade – a explicação
ronismo ganha vários refinamentos, conjugando do fenômeno autoritário dependeria ainda de “con-
dados estruturais e conjunturais específicos – estes dicionantes situados em níveis de médio e curto-al-
últimos vão ao extremo do detalhe histórico8 – na cance” (Idem, p. 8) –, a distância de sua teorização
explicação do caráter mais disruptivo, em termos vis-à-vis a de Parsons, neste aspecto, é máxima. Ao
políticos, do segundo em relação ao primeiro. contrário da tese exposta em The system of modern
A despeito desta visada atenta aos aspectos societies [1971], o sistema normativo, ou melhor,
mais contingentes do processo social – em máxi- os valores modernos, não teriam nem estabilidade
mo contraste, portanto, com grande angular usa- histórica, nem seriam capazes de funcionar como
da por Parsons –, Germani não deixa de salientar instância última de controle das mudanças. Para
a existência de tendências mais gerais a todas as Germani, o risco sempre iminente de implosão
sociedades modernas. Em Authoritarianism, fas- do núcleo normativo moderno – dada a lógica ex-
cism and national populism [1978], retomando pansiva da secularização – tornaria o autoritarismo
certas proposições com que vinha trabalhando uma síndrome intrínseca à modernidade. Neste re-
desde a década de 1940, o autor ressalta como o gistro sociológico, o paradoxo argentino, tal como
processo de secularização, que constitui o dina- discutido pelo autor na primeira metade da década
mismo típico da sociedade moderna, nem sempre de 1960 – uma sociedade altamente modernizada
se conectaria a um padrão democrático de inte- convivendo permanentemente com o espectro do
gração social. Entendendo secularização como a fechamento político –, não seria simples exceção,
extensão de um tipo de ação eletiva – isto é, am- mas uma possível exemplificação dos dinamismos
parada no princípio da escolha – a todas as esferas inerentes à sociedade moderna.
sociais, incluída aí a esfera dos valores, Germani
chama a atenção para a existência de uma “ten-
são estrutural inerente a todas as sociedades mo- Considerações finais: do assunto à forma
dernas”: a tensão “entre secularização crescente
e a necessidade de se manter um núcleo central Neste trabalho, procuramos mostrar em
prescritivo suficiente para a integração” (Idem, p. que medida a tradução de um produto intelec-
7). Dito de outro modo, a secularização, por sua tual – a sociologia da modernização – envolve
própria lógica expansiva, poderia pôr em questão operações complexas e resultados muitas vezes
o próprio núcleo normativo moderno, baseado inesperados. Mesmo em autores explicitamente
historicamente nos ideais de igualdade, liberdade dedicados a uma teorização em registro estrutu-
e autonomia. Nos termos do autor: ral-funcionalista, caso de Florestan Fernandes e
de Gino Germani, o envolvimento intenso e pa-
Mesmo este núcleo central, no entanto, pode ciente de ambos com as complicações da matéria
ser mudado; neste caso, devem existir meca- social brasileira e argentina, respectivamente, foi
nismos capazes de realizar tais mudanças sem deslocando de maneira cada vez mais nítida seus
levar à destruição da própria sociedade. Desta esquemas analíticos em relação aos pressupostos
condição básica emerge um fator potencial (no da matriz teórica “importada”. Daí a relevância,
nível de máxima generalidade) para o surgi- para a demonstração desta hipótese mais geral,
mento do autoritarismo no sentido moderno. da recuperação da produção de Talcott Parsons
158  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

como caso de controle das comparações. A tradu- e também em direção contrária ao último Parsons,
ção, portanto, enquanto processo cumulativo – ambos questionaram a ideia de que a sociedade
poderíamos remontá-la, grosso modo, desde moderna traria inscrita em seus dinamismos um
as pesquisas empíricas realizadas pelos autores padrão democrático de integração social. Chaman-
nos anos de 1940-1950 (Brasil Jr., 2010) –, não do a atenção para certas especificidades de seu fun-
implica simples readequação do referencial teóri- cionamento na periferia, mostraram que o oposto
co importado ao novo contexto socio-histórico. seria muito mais provável.
Ao contrário, sobretudo quando criativa e rela- Estas aproximações entre as soluções teóricas
tivamente bem-sucedida, a tradução leva a mo- de Fernandes e Germani, bem como os seus dis-
dificações profundas na própria estruturação dos tanciamentos recíprocos diante dos constructos de
trabalhos. Ou, melhor dizendo, as especificidades Parsons, não devem apagar, porém, suas diferenças.
históricas de suas sociedades deixam de ser sim- Afinal, podemos tomar a noção de capitalismo de-
ples assunto para se transformarem, nas sínteses pendente e a discussão em torno do caráter assin-
teóricas de Fernandes e Germani que acabamos crônico da modernização como intercambiáveis?
de discutir, em forma da teorização. Para responder a esta questão, basta compararmos o
Esta passagem do assunto à forma significa que maior nível de generalização suportado pelo cons-
algo do ritmo social específico a estas sociedades tructo de Fernandes vis-à-vis a radicalização da di-
passou a informar o princípio mais geral de inte- mensão contingente nas formulações de Germani.
lecção do social construído pelos autores. De modo Retomando rapidamente o problema, lembremos
mais ou menos contraintuitivo, podemos afirmar que, para o primeiro, a sociedade brasileira seria
que é justamente quando Fernandes e Germani um caso estratégico para a análise do capitalismo
procuraram explicitar a dinâmica do mundo mo- dependente. Dada a sua heterogeneidade estrutu-
derno em geral, generalizando teoricamente para ral máxima, os atributos deste tipo de sociedade
além de suas sociedades de referência, que podemos de classes nela “aparecem com maior intensidade,
localizar melhor a maneira pela qual ambos inter- precocidade e luminosidade” (Fernandes, 1975, p.
nalizaram na forma as especificidades das socieda- 49). Já para Germani, ainda que a sociedade argen-
des brasileira e argentina.9 tina pudesse exemplificar a compulsão autoritária
Por um lado, e em crescente contraste com as intrínseca à sociedade moderna, a explicação socio-
formulações de Parso ns, tanto Fernandes quanto lógica não poderia deixar de considerar os aspectos
Germani foram abrindo espaço explicativo para as históricos mais específicos – como acelerações ou
contingências históricas do processo de mudança desacelerações abruptas de determinados processos
social. Em vez de encaminharem a discussão em de mudança por causas acidentais ou não – a fim de
registro evolucionário – vimos que Parsons, apesar explicar o porquê de o autoritarismo se apresentar
de incorporar a dinâmica histórica em suas for- mais frequentemente em certos momentos e con-
mulações tardias, acabou retirando do campo de textos sociais do que em outros.10
visão justamente as dimensões mais contingentes –, Este contraste entre a maior força ordenadora
os dois autores foram sendo levados a compatibi- da solução teórica de Fernandes ante o construc-
lizar o estrutural-funcionalismo com uma espécie to de Germani pode apontar inclusive para certas
de sociologia histórico-comparada. Quer dizer: conexões pouco óbvias entre teoria sociológica e
tendo em vista os impasses divisados nos termos processo social. Com certo risco de simplificação,
do dilema social brasileiro e do paradoxo argenti- podemos dizer que, longe de serem apenas prefe-
no – tratados na primeira parte deste trabalho –, rências intelectuais, estas diferenças teóricas tra-
Fernandes e Germani foram forçados a tirar con- duzem também diferenças básicas entre as socie-
sequências teóricas da constatação de que a expan- dades brasileira e argentina. Mesmo que possamos
são da sociedade moderna não geraria os mesmos reuni-las sobre a rubrica dos casos não clássicos de
efeitos sociais independentemente das trajetórias revolução burguesa, a dissociação entre desenvolvi-
sociais específicas a cada sociedade. Por outro lado, mento e democracia que é típica desses processos
linhas retas ou labirintos?  159

se coloca de maneira diferenciada num caso e no progressiva ao longo do esquema agil apararia to-
outro. No caso brasileiro, há muito mais nitidez das as arestas históricas encontradas pelo caminho
quanto ao caráter estruturalmente excludente de (Domingues, 2001, p. 92) –, ajuda a iluminar esta
seu padrão de mudança social, o que dá suporte problemática. Aliás, este confronto sistemático
à detecção de certa linha de continuidade históri- entre soluções teóricas feitas no centro e nas duas
ca, a despeito da marcha ziguezagueante imposta periferias não nos ajuda só a repensar as mediações
pelo capitalismo dependente. Nos argumentos de entre teoria sociológica e processo social no caso
Fernandes, essa continuidade residiria no cará- das últimas, mas também no âmbito da primeira.
ter autocrático da transformação capitalista. Já no A relativa liberdade de Parsons, que se propôs a
caso argentino, a experiência intersubjetivamen- ordenar teoricamente o conjunto do desenvolvi-
te compartilhada quanto ao caráter excepcional mento ocidental por meio de um esquema abstra-
desta sociedade, que teria dado marcha-ré em seu to diferenciação-inclusão, tem a sua contrapartida
processo de modernização (Kozel, 2007) – afinal, num chão histórico específico – a sociedade norte-
a certa altura de sua história, a Argentina parecia -americana – que radicalizou a revolução burguesa
ter cumprido efetivamente a maioria das prerroga- a ponto de ofuscar até mesmo a importância de
tivas modernas – não daria guarida a generalizações suas próprias contingências e especificidades (Offe,
deste tipo. Daí, no esquema teórico de Germani, a 2006). Ou, noutros termos, como se fosse possí-
multiplicação das instâncias explicativas e a radica- vel entender a dinâmica do mundo diretamente a
lização da dimensão contingente: dada a opacidade partir da sociedade norte-americana, sem mediações
dessa experiência social – o paradoxo argentino –, históricas (Steinmetz, 2007b).
a análise sociológica precisaria se agarrar a todas as Em resumo, ao analisarmos os capítulos bra-
asperezas da matéria social a fim de lhe captar o sileiro e argentino da sociologia nos anos de 1960-
sentido.11 Este contraste entre clareza e opacidade, 1970, divisando os resultados criativos de suas res-
com perdão do esquematismo, estaria na base dos pectivas traduções da sociologia dominante de seu
procedimentos diversos de teorização empregados tempo – a sociologia norte-americana, aqui meto-
por Fernandes e Germani: o primeiro, usando as nimizada pela teorização parsoniana –, procuramos
especificidades da sociedade brasileira para poten- demonstrar três pontos principais. O primeiro, que
ciar a generalização; o segundo, fazendo do exem- as práticas de importação-exportação da teoria socio­
plo argentino uma contraprova cabal dos limites de lógica – como dos demais produtos intelectuais –
toda e qualquer generalização. não geram simplesmente uma maior homogeneiza-
Não se trata, é claro, de opor certo formalismo ção: o termo tradução insiste justamente nos inevi-
de Fernandes ante a teorização mais atenta aos as- táveis deslocamentos impostos continuamente pelos
pectos contingentes por parte de Germani. Vimos novos pressupostos sociais ao produto importado.
que, à contraluz do experimento teórico parsonia- O segundo, que as consequências da tradução não
no, a análise de Fernandes abria grande espaço à se manifestam apenas nos níveis mais imediatos da
dimensão histórica da explicação sociológica – sua teorização sociológica, mas atuam também na sua
discussão da noção de sistema é patente neste sen- forma. O terceiro, tendo em vista as possibilidades
tido. No fundo, as formas que se precipitaram ao de captação de mediações históricas entre forma da
longo do processo de acumulação teórica de Fer- teoria sociológica e especificidade da matéria social,
nandes e Germani são formas difíceis, cujo poder a análise aqui desenvolvida pôde divisar em termos
de abstração – mais forte no primeiro que no se- críticos simultaneamente a reflexão feita no centro e
gundo – jamais pôde descartar sem mais a natureza na periferia. É como se, ao fim e ao cabo, a partir
problemática da matéria social que visavam a or- da periferia pudéssemos estabelecer uma platafor-
denar.12 O contraste com a forma do raciocínio so- ma de observação da teoria sociológica como um
ciológico de Parsons, que pôde se desdobrar numa todo, sem minimizar nem as desigualdades, nem as
poderosa visada formalista do processo social – variedades existentes no interior do conjunto por
uma espécie de teleologia da forma: a diferenciação ela formado.
160  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 28 N° 82

Notas Fernandes em Fundamentos empíricos da explicação


sociológica [1959] na esteira de sua reconstrução das
1 Apesar deste artigo se referir à somente produção so- formulações de Marx, tem a seguinte definição: “Por
ciológica, esta relação problemática entre vida cultural seu caráter mesmo, é claro que as generalizações [...]
e experiência periférica se espraia virtualmente para valem, empiricamente, para o sistema social que rea-
todos os campos da cultura. Para ficarmos em alguns liza o tipo extremo. Mas, como são generalizações re-
exemplos brasileiros e argentinos, já tratados em di- lativas a caracteres essenciais de fenômenos variáveis,
versos trabalhos: literatura (Candido, 2006; Prieto, [...] se aplicam aos demais sistemas que possam tender
1969; Sarlo, 2007; Schwarz, 2000), filosofia (Arantes, para o padrão inerente ao tipo extremo, encarnado
1994; Terán, 1993), marxismo (Altamirano, 2001; pelo sistema social investigado” (Fernandes, 1967, pp.
Ricupero, 2000), artes plásticas (Giunta, 2001; Na- 134-135, grifo no original).
ves, 1996). 8 Em exemplo claro deste acionamento explicativo dos
2 A despeito de suas trajetórias biográficas inverossímeis “acidentes históricos” podemos ver no seguinte trecho,
(Miceli, 2012), Florestan Fernandes e Gino Germani em que o autor discute as causas do fim do período
chefiaram, respectivamente, a Cátedra de Sociologia “radical” (1916-1930): “Dados acidentais se agrega-
I da Universidade de São Paulo e o Departamento ram posteriormente aos elementos referidos à estru-
de Sociologia da Universidade de Buenos Aires. Para tura econômica, social e política do país, e seu peso
uma análise consistente do papel que ambos desem- não deve ser subestimado. Estes fatores são: a idade do
penharam na renovação da sociologia no Brasil e na Presidente Irigoyen – o líder carismático que liderou
Argentina, cf. Arruda (2001) e Blanco (2006). o movimento por longo tempo –, a desordem admi-
nistrativa da segunda presidência, atos politicamente
3 Se, por um lado, a relação ao mesmo tempo intensa e
arbitrários e a queda consequente da popularidade do
heterodoxa de Florestan Fernandes com o estrutural-
regime, como demonstrado nas eleições legislativas de
-funcionalismo já constitui ponto pacífico em sua
1930” (Germani, 1978, p. 149).
fortuna crítica (Bastos, 1996; Cohn, 1986; Mariosa,
2003), no caso de Gino Germani ainda persiste uma 9 Embora nosso material não seja literatura, mas teoria
visão muito simplificada de suas relações intelectuais sociológica, seguimos aqui as referências fundamen-
com a obra de Talcott Parsons. Para alguns intérpre- tais de Antonio Candido (2000) quanto à qualificação
tes, Germani aplicaria mecanicamente esta vertente do social como mais um elemento interno da compo-
teórica à realidade argentina (Rodríguez, 2009) No sição textual.
entanto, novas interpretações mais matizadas e con- 10 É curioso notar que Maria Sylvia de Carvalho Franco
sistentes vêm questionando esta visão (Blanco, 2003; (1970), apesar de criticar duramente a teorização de
Domingues, 2007). Gino Germani como uma simples especificação do
4 Em carta a Edward A. Tiryakian, já no final da vida, estrutural-funcionalismo de Parsons às condições da
Talcott Parsons explicita algumas das razões desta sua América Latina, também tenha se referido – noutra
virada para uma visão mais positiva da sociedade mo- chave teórica, é claro – à necessidade de se incorporar
derna (Parsons, 1979). as contingências históricas como um limite às genera-
lizações. Para este ponto, cf. Botelho (2012).
5 A noção de dilema, como o próprio termo sugere,
leva necessariamente à análise da qualidade das opções 11 Beatriz Sarlo (2007, p. 335) nos remete à seguinte
societárias em jogo, quer dizer, de como os círculos afirmação presente no romance Hay cenizas en el vien-
sociais procuram atacar (ou não) o próprio dilema. to [1982], de Carlos Dámaso Martínez: “Sarmiento
Para uma análise desta questão nos textos do autor, acreditava que [a Argentina] era um enigma que podia
cf. Cohn (1986). ser desvendado. Se tivesse vivido o que vivi, teria escri-
to outro Facundo. Ou não teria escrito nada”.
6 Este ponto de partida teórico de Gino Germani está
diretamente associado às suas tentativas de elucida- 12 Tomei de empréstimo a noção de forma difícil dis-
ção do fascismo . O autor, italiano de nascimento, cutida por Rodrigo Naves (1996) em sua análise das
emigrou para a Argentina justamente em virtude das artes plásticas no Brasil. Que o mesmo problema
perseguições (incluindo prisões etc.) que enfrentou no se apresente em outro campo da produção cultural
seu país de origem em função de sua militância anti- é revelador de um problema mais amplo, que tem
fascista (A. Germani, 2004). a ver com as dificuldades de ordenação intelectual
de experiências históricas periféricas. No argumento
7 A noção de tipo extremo, desenvolvida por Florestan
linhas retas ou labirintos?  161

de Naves, é possível ver no andamento dos principais sociológica paulista”, in S. Miceli (org.), O que
artistas brasileiros a passagem de uma “dificuldade de ler na ciência social brasileira, São Paulo, Suma-
forma” para uma “forma difícil”, isto é, uma forma ré/Anpocs.
com pouca potência ordenadora, incapaz de subme- BEIGEL, F. (dir.). (2010), Autonomía y dependen-
ter os materiais à vontade violenta do criador. Para
cia académica. Buenos Aires, Biblos.
Naves, isto seria particularmente visível nas estruturas
em ferro de Amílcar de Castro e nas telas em têmpera
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS  255

Linhas retas ou labirintos? STRAIGHT LINES OR A Lignes droites ou


A tradução da sociologia LABYRINTH? THE TRANSLATION labyrinthes ? La traduction
da modernização nos OF THE SOCIOLOGY OF de la sociologie de la
textos de Florestan MODERNIZATION ON THE modernisation dans
Fernandes e de Gino TEXTS OF FLORESTAN les textes de Florestan
Germani (1960-1970) FERNANDES AND GINO Fernandes et de Gino
GERMANI (1960-1970) Germani (1960-1970)
Antonio Brasil Jr.
Antonio Brasil Jr. Antonio Brasil Jr.
Palavras-chave: Pensamento social; So-
ciologia do desenvolvimento; Florestan Keywords: Social thought; Sociology of Mots-clés: Pensée sociale; Sociologie du
Fernandes; Gino Germani; Talcott Par- development; Florestan Fernandes; Gino développement; Florestan Fernandes;
sons. Germani; Talcott Parsons. Gino Germani; Talcott Parsons.
Dans cet article nous analyserons com-
Neste artigo, analisaremos como Flores- This article discusses how Florestan Fer- ment Florestan Fernandes et Gino Ger-
tan Fernandes e Gino Germani, ao tra- nandes and Gino Germani, in translating mani, en traduisant la sociologie de la
duzirem a sociologia da modernização the American sociology of moderniza- modernisation nord-américaine aux
norte-americana às especificidades das tion to the specificities of the Brazilian spécificités des sociétés brésilienne et
sociedades brasileira e argentina, respec- and Argentinean societies, respectively, argentine, ont réussi à réaliser des syn-
tivamente, conseguiram realizar sínteses succeeded in achieving creative theo- thèses théoriques créatrices. Dans le but
teóricas criativas. A fim de divisar este retical syntheses. In order to discern such de partager ce potentiel théorique, nous
potencial teórico, contrastaremos as theoretical potential, the article con- contrasterons les formulations de ces
formulações desses dois autores com os trasts the formulations of those authors deux auteurs avec les arguments de Tal-
argumentos de Talcott Parsons, figura with the arguments of Talcott Parsons, cott Parsons, personnage fondamental
fundamental na sistematização da socio- a fundamental figure in the systematiza- dans la systématisation de la sociologie
logia da modernização. Entendendo o tion of the sociology of modernization. de la modernisation. En comprenant
processo de tradução como um fenôme- Understanding the process of transla- le processus de traduction en tant que
no intelectual dinâmico, recuperamos os tion as a dynamic intellectual phenom- phénomène intellectuel dynamique,
principais textos de Fernandes, Germani enon, the article recoups the main texts nous récupérons les principaux textes de
e Parsons dos anos de 1960-1970, perí- of Fernandes, Germani, and Parsons, of Fernandes, Germani et Parsons des an-
odo decisivo no qual foram ganhando the years 1960-1970, a decisive period nées 1960-1970, période décisive dans
clareza os deslocamentos recíprocos entre as in which the reciprocal displacements be- laquelle les déplacements réciproques ont
suas teorizações. tween their theorizations were becoming gagné en clarté parmi leurs théorisations.
clearer.

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