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Os Grandes Dramaturgos

Eugène Ionesco

A LIÇÃO

AS CADEIRAS
FARSA TRÁGICA

tradução
Paulo Neves

Editora
Peixoto Neto
Coleção Os grandes dramaturgos
Volume 12, 1ª edição
São Paulo, 2004
TÍTULOS ORIGINAIS
La leçon
Les chaises
La Leçon volume 1 © Editions Gallimard 1954
Les Chaises volume II © Editions Gallimard 1958
© Copyright da tradução da Editora Peixoto Neto, 2004 PATROCINADORES
EDITOR
João Baptista Peixoto Neto
COORDENADORA DA COLEÇÃO
Silvana Garcia
CONSULTORAS
Maria Thereza Vargas
Mariângela Alves de Lima
PESQUISADORA E ASSISTENTE EDITORIAL
Fabiana Lopes Bernardino
TRADUTOR
Paulo Neves
PREFACIADOR
Aguinaldo Ribeiro da Cunha
REVISORA DA TRADUÇÃO
Renata Curzel
REDATOR
Oswaldo Mendes
REVISORAS
Oficina Editorial (Adriana Soares de Souza)
Beatriz de Freitas Moreira
PROJETO GRÁFICO
Oficina Editorial
CAPA
Oficina Editorial (Eduardo Quintanilha Faustino)
EDITORAÇÃO
Oficina Editorial
GERENTE DE DISTRIBUIÇÃO E VENDAS
Valdemir Batista de Anunciação
ESTE LIVRO FOI IMPRESSO EM:
Capa: Papel Couché Image Mate 145 g/m²
Guarda: Papel Acácia Color Antílope Marfim 120 g/m²
Miolo: Papel Chamois Fine Dunas 80 g/m²

Fabricados pela RIPASA S/A CELULOSE E PAPEL em harmonia com o meio ambiente

SUMÁRIO

PREFÁCIO
ISBN DO LIVRO: 85-88069-08-3 Ionesco e o despertar de um novo teatro 11
ISBN DA COLEÇÃO: 85-88069-03-2

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


A LIÇÃO
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ionesco, Eugène, 1909-1994. Personagens 19
A lição e As cadeiras / Eugène Ionesco; tradução Paulo
Neves. – 1. ed. – São Paulo: Peixoto Neto, 2004. – (Os grandes Cenário 21
dramaturgos) Notas 83
Títulos originais: La leçon e Les chaises
1 . Teatro francês I . Título. II . Título: A lição . III . Série
AS CADEIRAS
03-5449 CDD-842
Índice para catálogo sistemático: Personagens 87
1. Teatro : Literatura francesa 842
Cenário 89
Notas 173

Todos os diretos desta edição estão reservados à

Editora Peixoto Neto Ltda. DOSSIÊ IONESCO


Rua Teodoro Sampaio 1765, cj. 44, Pinheiros
05405-150 São Paulo, SP, Brasil Cronologia da vida do autor 179
tel. (11) 3063-9040 fax 3064-9056
www.peixotoneto.com.br Sugestões de leitura 185
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PREFÁCIO
IONESCO E O DESPERTAR
DE UM NOVO TEATRO

AGUINALDO RIBEIRO DA CUNHA

Eugène Ionesco surgiu no cenário teatral no pós-guerra,


final dos anos 40. Sua peça de estréia, A cantora careca, é de
1949, seguindo-a A lição (1950) e As cadeiras (1951) – as duas
últimas constantes do presente volume. Surgiu e marcou a
cena teatral com seu teatro extremamente original, forte, per-
turbador, mesclando com insuperável destreza o banal coti-
diano, o dia-a-dia absolutamente convencional, com situações
estranhas, absurdas, completamente inusitadas. Nascia (ou re-
nascia), com ele, o teatro do absurdo, alinhando o autor com
outros grandes nomes do teatro contemporâneo como Samuel
Beckett, Fernando Arrabal e Harold Pinter. A partir de então,
esse novo teatro, um antiteatro se tomarmos como referência o
teatro clássico e o teatro realista, passou a constituir uma vigo-
rosa e criativa vertente teatral – expressando de forma incisiva
algumas características fundamentais do homem moderno.
No teatro brasileiro, a dramaturgia do autor franco-ro-
meno é introduzida ainda na década de 50, logo após ser mos-
trada ao público europeu – década áurea do teatro nacional.
12 Prefácio A lição / As cadeiras 13

Em temporada de sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo, Essa nova visão do autor prossegue em outras peças, como
junto ao público e à crítica, o diretor e ator luso-brasileiro Morre o rei – não é mais, ou pelo menos, não é só a questão da
Luís de Lima encenou dois textos clássicos do autor: A can- incomunicabilidade e do convencionalismo social que pauta
tora careca e A lição. Decio de Almeida Prado, o grande crítico as reflexões do dramaturgo a partir de então, mas temas talvez
teatral, num artigo escrito em 1958 a propósito da temporada mais profundos, mais existenciais, assumem o primeiro plano
paulista de Luís de Lima, sublinhava duas características bá- em suas discussões sobre o ser humano, tais como a morte e
sicas de Ionesco, “o senso de teatro e o senso de humor”. E a efêmera existência humana – o tema da morte, que já era
apesar da novidade que representava, então, essa nova drama- constante nas primeiras obras, torna-se agora, junto com a
turgia, o professor Decio, com a argúcia e a inteligência que questão da solidão e da angústia humanas, essencial em sua
fizeram dele um dos mais importantes intelectuais brasileiros dramaturgia.
do século XX, fazia de Ionesco um notável juízo crítico: “O Ao morrer em 1994, aos 84 anos de idade, Eugène
seu teatro é absurdo, irracional, ilógico – mas jamais gratuito. Ionesco estava consagrado como um dos grandes autores do
Quer dizer e diz alguma coisa sobre os homens, ainda que seja teatro contemporâneo, um dos introdutores dessa vertente da
uma palavra de pura e feroz destruição”. vanguarda teatral que é o teatro do absurdo.
Já em seu início, portanto, a obra de Ionesco, apesar da Neste volume, temos o prazer de recuperar duas obras es-
perplexidade que despertava, era reconhecida como marco de senciais, de sua fase inicial – dessa fase mais cortante, mais de-
um novo pensamento no teatro contemporâneo – com seus soladora, mais cruel, mas sempre com o indiscutível humor e
questionamentos sobre a incomunicabilidade entre os se- com a fina ironia que caracterizava esse grande autor.
res humanos e o convencionalismo destruidor da sociedade Em A lição (drama cômico, segundo o próprio drama-
moderna. No final dos anos 50, Ionesco evoluiu em sua dra- turgo, representado pela primeira vez em Paris, em fevereiro de
maturgia para um patamar diferente do anterior, e que havia 1951), Ionesco coloca em cena três personagens: o Professor,
norteado sua obra durante cerca de dez anos: com sua peça O sua Empregada e a Aluna. É irresistível a forma como repro-
rinoceronte, de 1959, o autor atenua sua visão ácida e desola- duz a relação de aprendizado, com o formalismo do Professor
dora sobre o ser humano. defrontando-se com a inexperiência da discípula. O começo
Sábato Magaldi, outro grande mestre da crítica teatral da peça, engraçadíssimo, nos mostra uma aula de aritmética,
brasileira, comentando esse texto – que em 1961 foi montado com as operações mais simples, a adição e a subtração, sendo
por uma das mais expressivas companhias da época, o Teatro ministradas pelo mestre. Diálogos ágeis, precisos, com con-
Cacilda Becker, à frente da qual encontrava-se a grande atriz teúdo aparentemente lógico, que resulta, graças à habilidade
– salientava que “no universo do autor, O rinoceronte deve ser do autor, numa confrontação irracional e sem nexo.
vista como a passagem do absurdo existencial a um princípio Da aritmética, os personagens passam às outras discipli-
de confiança, em que vale a pena ser homem. Com essa pers- nas, como a lingüística e a filologia comparada, para desespero
pectiva, a dramaturgia de Ionesco se abre para o futuro”. da Empregada – que tenta evitar essas matérias, como já ten-
A LIÇÃO
PERSONAGENS

O PROFESSOR 50 a 60 anos
A ALUNA 18 anos
A EMPREGADA 45 a 50 anos

FOTO DA CAPA
João José Pompeo e Wanda Stefania em As cadeiras, de Eugène Ionesco.
Produção Hugo Barreto e Wanda Stefania, 1978.
Foto de Thereza Pinheiro.
Acervo Arquivo Multimeios, divisão de pesquisas – Centro Cultural São Paulo.
CENÁRIO

O gabinete de trabalho, que serve também de sala de jan-


tar, do velho Professor.
À esquerda do palco, uma porta que dá para as escadas do
prédio; no fundo, à direita do palco, uma outra porta que leva
a um corredor do apartamento.
No fundo, um pouco à esquerda, uma janela, não muito
grande, com cortinas simples; na borda exterior da janela, va-
sos de flores banais.
Avistam-se, ao longe, casas baixas com telhados verme-
lhos: a pequena cidade. O céu é azul-acinzentado. À direita,
um guarda-louças rústico. A mesa serve também de escrivani-
nha: ela se encontra no meio da peça. Três cadeiras ao redor
da mesa, outras duas dos dois lados da janela; revestimento de
parede de cor clara, algumas prateleiras com livros.
A lição foi representada pela primeira vez no Théâtre de
Poche, em Paris, em 20 de fevereiro de 1951, com direção de
Marcel Cuvelier.
(Ao erguer-se a cortina, o palco está vazio, permanecerá assim
por um bom tempo. Depois, ouve-se a campainha da porta de
entrada. Ouve-se a voz da Empregada vindo de fora da cena:
“Sim. Já vou”. A voz precede a própria Empregada que, após
descer, correndo, os degraus da escada, aparece. Ela é forte;
aparenta ter de 45 a 50 anos; pele rosada, touca camponesa. A
Empregada entra apressada, deixa bater às suas costas a porta
da direita, enxuga as mãos em seu avental enquanto corre em
direção à porta da esquerda, ao mesmo tempo em que se ouve
um segundo toque de campainha.)

A EMPREGADA
Calma. Estou chegando. (Ela abre a porta. Aparece a jovem
Aluna, de 18 anos de idade. Uniforme escolar de cor cinza, pe-
queno colarinho branco, pasta debaixo do braço.) Bom dia, se-
nhorita.
A ALUNA
Bom dia, senhora. O Professor está?
A EMPREGADA
Veio para a aula?
A ALUNA
Sim, senhora.
A EMPREGADA
Ele a espera. Sente-se um instante, vou avisá-lo.
26 Eugène Ionesco A lição 27

A ALUNA este tiver realizado o gesto final, a Aluna não mais reagirá;
Obrigada, senhora. (Ela senta-se junto à mesa, de frente insensibilizada, não terá mais reflexos; somente os olhos, num
para o público: à sua esquerda, a porta de entrada; ela está rosto imóvel, exprimirão um espanto e um pavor indizíveis; a
de costas para a outra porta pela qual, sempre apressada, sai a passagem de um comportamento a outro deverá ser feita, ob-
Empregada.) viamente, de um modo imperceptível.)
A EMPREGADA O PROFESSOR
Senhor, desça, por favor. Sua aluna chegou. (O Professor entra. É um velho de barbicha branca; usa um
O PROFESSOR monóculo, um barrete preto, veste um longo avental escuro de
(Voz fora de cena, um tanto débil e aguda.) Obrigado. Estou mestre-escola, calças e sapatos pretos, falso colarinho branco, gra-
descendo... dentro de dois minutos... vata preta. Excessivamente polido, muito tímido, voz abafada
pela timidez, muito correto, muito professor. Ele esfrega as mãos
(A Empregada saiu; a Aluna, esticando as pernas, com a pasta
o tempo todo; de vez em quando, um lampejo lúbrico nos olhos,
sobre os joelhos, espera, amavelmente; lança um ou dois rápidos
logo reprimido. Durante o drama, sua timidez desaparecerá
olhares à peça em volta, aos móveis, ao teto também; depois,
progressivamente, imperceptivelmente; os lampejos lúbricos em
tira da pasta um caderno, que ela folheia, para em seguida de-
seus olhos acabarão por tornar-se uma chama devoradora, inin-
ter-se por algum tempo numa página, como para repetir a li-
terrupta; com aparência mais do que inofensiva no começo da
ção, como para uma última inspeção de seus deveres. Ela tem a
ação, o Professor se mostrará cada vez mais seguro de si, nervoso,
aparência de uma jovem fina, bem-educada, mas muito viva,
agressivo, dominador, até fazer o que bem entende de sua Aluna,
alegre, dinâmica; um sorriso puro nos lábios; durante o drama
transformada, em suas mãos, numa pobre coisa. Evidentemente,
que irá se desenrolar, ela diminuirá progressivamente o ritmo
a voz do Professor, a princípio débil e aguda, também deverá se
vivo de seus movimentos, de seu comportamento. Irá contrair-
tornar cada vez mais forte e, no final, extremamente poderosa,
se; de alegre e sorridente, tornar-se-á progressivamente triste,
um clarim estridente, enquanto a voz da Aluna se fará quase
abatida; com muita vivacidade no início, ela ficará cada vez
inaudível, perdendo a clareza de dicção e de timbre do começo do
mais fatigada, sonolenta; no final do drama, seu rosto deverá
drama. Nas primeiras cenas, o Professor gaguejará ligeiramente,
exprimir nitidamente uma depressão nervosa; sua maneira de
talvez.) Bom dia, senhorita... Você, você é a nova aluna, não
falar será afetada com isso, sua língua se fará pastosa, as pa-
é mesmo?
lavras lhe virão com dificuldade à memória e sairão também
com dificuldade de sua boca; ela dará a impressão de estar A ALUNA
vagamente paralisada, um começo de afasia; voluntariosa no (Vira-se muito vivamente, com um ar desembaraçado de jo-
início, a ponto de parecer agressiva, mostrar-se-á cada vez mais vem que freqüenta a sociedade; ela se levanta, dirige-se para o
passiva, até não ser mais que um objeto mole e inerte, como Professor, estende-lhe a mão.) Sim, senhor. Bom dia. Como está
que inanimado, nas mãos do Professor; de modo que, quando vendo, cheguei na hora. Não quis me atrasar.

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