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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA

J M Miranda, J F Luis

Capítulo 1 – O SISTEMA SOLAR


1.1 INTRODUÇÃO
Durante muitos séculos os únicos dados disponíveis sobre o Sistema Solar foram os esboços desenhados por
observadores : Galileu (1564-1642) viu as crateras da Lua no instante em que virou o seu primeiro telescópio nessa
direcção, em 1609 e, nos séculos que se seguiram, as crateras foram minuciosamente medidas e fotografadas, foi-
lhes atribuido um nome e foram registadas em mapas. As observações dos restantes planetas (e do Sol)
permaneceram escassas e limitadas pelos meios existentes.

A construção de grandes telescópios, no final do século XIX e no início do século XX, transformou o nosso
conhecimento sobre as dimensões, a evolução do Universo e a estrutura do Sistema Solar. No entanto, a atmosfera
terrestre impõe limites ao que podemos observar por meios ópticos, e a visão obtida por um telescópio modesto é
quase tão boa como a que nos providencia um instrumento maior. A construção de grandes telescópios permitiu o
aparecimento de muitos novos dados mas, subsequentemente, não permitiu avançar muito nos estudos sobre o
Sistema Solar, e os nossos conhecimentos sobre a Lua e os outros planetas mantiveram-se estacionários durante
um período prolongado.

Uma das primeiras conclusões obtidas da observação do movimento dos planetas do sistema solar diz respeito ao
facto de, com excepção de Plutão (que é um planeta muito semelhante a um dos satélites de Neptuno, Triton, e é
muito mais pequeno que a Lua, o que o torna um caso específico dentro do sistema solar), as órbitas dos planetas
se aproximarem significativamente do plano de eclíptica, que é o plano que contém a órbita da Terra em torno do
Sol). Plutão apresenta 17 % de inclinação e, dos restantes planetas, o maior afastamento da eclipitica é o de
Mercúrio, com 7 % de inclinação.

Os dados relativos à cinemática do movimento dos planetas do sistema – aqui se incluindo a distância ao Sol, o
período de translação, o período de rotação axial, a inclinação do respectivo eixo (em relação ao plano da órbita) e a
inclinação da órbita (em relação ao plano da ecliptica) estão contidos nas tabelas da página seguinte:

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Planeta Distância Periodo Período Inclinação Inclinação


Ao Sol Translação Rotação axial da órbita
Mercúrio 57.9 88 d 58.6 d 0º 7º
Vénus 108.2 224.7 d 243 d (r) 3º 3.4º
Terra 149.6 365 d 23 h 56 m 23º 27' 0º
Marte 227.9 687 d 24 h 37 m 25º 12' 1.9º
Júpiter 778.3 11.86 a 9 h 55 m 3º 5' 1.3º
Saturno 1427 29.46 a 10 h 40 m 26º 44' 2.5º
Urano 2870 84 a 17.3 h (r) 97º 55' 0.8º
Neptuno 4497 165 a 18 h 30 m 28º 48' 1.8º
Plutão 5900 248 a 6 d 9 h (r) ? 17.2º
Lua - 27.3 d 27.3 d - 5º

Tabela 1: Alguns parâmetros geométricos de planetas do sistema solar. A distância (média) ao Sol é indicada em 106 km. A
indicação (r) na coluna do período orbital indica que a rotação é realizada no sentido retrógrado. A inclinação da órbita é medida
em relação ao plana da eclíptica

Planeta Diâmetro Massa Massa Atmosfera Satélites Anéis


Equatorial Volúmica
Mercúrio 4880 0.33 1024 5.4 103 Inexistente 0 0
Vénus 12110 4.9 1024 5.2 103 CO2 0 0
Terra 12756 6.0 1024 5.5 103 N, O2 1 0
Marte 6794 6.5 1023 3.9 103 CO2 2 0
Júpiter 143200 1.9 1027 1.3 103 H, He 16+ 1
Saturno 120000 5.7 1026 0.7 103 H, He 17+ 1000 ?
Urano 51800 8.7 1025 1.2 103 H, He, CH4 5 10
Neptuno 49500 1.0 1026 1.7 103 H, He 2 ?
Plutão 3000 ? 1.6 1022 1.5 103 ? 1 ?
Lua 3476 7.4 1022 3.3 103 inex - -

Tabela 2: Alguns parâmetros característicos de planetas do sistema solar. O diâmetro equatorial encontra-se expresso em km, a
massa em Kg e a massa volúmica em kg m-3.

1.2 AS LEIS DE KEPLER

1.2.1 Primeira Lei de Kepler


Tycho Brahe (1546-1601) dedicou toda a sua vida à observação meticulosa dos planetas do sistema solar. A
melhoria introduzida nos meios e (essencialmente) nos métodos de observação permitiu obter uma precisão

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avaliada em meio minuto de arco.

Um dos seus assistentes, Johannes Kepler, recuperou as suas


observações procurando testar a hipótese heliocêntrica, e em
particular o modelo de Copérnico. Contudo, no que dizia respeito ao
planeta Marte, os dados observados não se ajustavam de forma
satisfatória a um círculo, sendo o desvio (8 minutos de arco)
considerado por Kepler como não justificável pela precisão das
observações.

A figura matemática descrita por Marte na sua órbita em torno do Sol


assamelhava-se muito mais correctamente, a de uma elipse, em que
o Sol ocupa um dos focos. Se bem que Kepler não possuísse
qualquer teoria fisica que justificasse a forma eliptica da orbita – que
só viria a ser estabelecida cerca de 80 anos mais tarde por Newton –
o ajuste obtido foi tão satisfatório que esta conclusão se tornou
conhecida como a Primeira Lei de Kepler: Os planetas percorrem órbitas elipticas ocupando o Sol um dos focos.

No caso de terem uma órbita circular (caso particular de uma elipse) o Sol ocupará o centro da circunferência. Desta
lei podemos ainda deduzir um corolário importante: as órbitas dos planetas são planas e o plano da órbita contém o
Sol.

A equação da elipse em coordenadas rectangulares é

x2 y2
+ =1 (1.1)
a2 b2
em que a e b representam os eixos maior e menor respectivamente. Esta geometria pode ser descrita por dois
parâmetros, que podem ser os dois semi-eixos maior e menor (a e b na figura anterior) ou um destes e uma
quantidade chamada excentricidade e, definida como:

a2
e = 1− (1.2)
b2

1.2.2 Segunda Lei de Kepler


A 1ª Lei de Kepler fixa a forma da órbita do planeta. Contudo, ela não permite determinar a posição de um planeta
num instante determinado a partir do conhecimento da posição num instante anterior. Para isso é necessário
conhecer a sua velocidade.

Se bem que Kepler desconhecesse em absoluto o princípio físico que rege a interacção entre o Sol e cada planeta,
propôs uma Segunda Lei, onde admite que a linha que une o centro de cada planeta ao Sol percorre (varre) áreas

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iguais em intervalos de tempo iguais.

Desta lei podemos igualmente deduzir um corolário importante: quando um planeta se afasta do Sol a sua
velocidade diminui e vice-versa. O facto de a Terra se mover mais rapidamente no Inverno do que no Verão era já
conhecido dos astrónomos e, aliás, não explicada no quadro do modelo de Copérnico.

1.2.3 Terceira Lei de Kepler


As (actualmente designadas) primeira e segunda leis de Kepler foram publicadas em 1609 no livro “Nova
Astronomia”. Contudo, Kepler estava persuadido da possibilidade de encontrar uma relação simples que explicasse
a diversidade de trajectórias dos diferentes planetas do sistema solar. Na sua última grande obra “As harmonias do

mundo”, Kepler enuncia a relação entre a órbita de um planeta e o seu período de translação.

Terceira Lei de Kepler: O quadrado do período sideral de um planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da
órbita, em que a constante de proporcionalidade é a mesma para todos os planetas do sistema solar.

a3
= cte (1.3)
T2

1.2.4 A Lei de Newton do Momento Angular


As leis de Kepler estão formalmente contidas na Lei da Atracção Universal de Newton, da qual podem ser
deduzidas. Estas leis são válidas desde que se considere que o Sol e os planetas são homogéneos do ponto de
vista da densidade, ou que esta apenas depende da distância ao centro. Como veremos no capítulo 2 esta hipótese
aproxima-se muito da realidade.

O momento angular de uma partícula material é definido por:


  
L = mr × v (1.4)
em que v é a velocidade instantânea da particula, m a sua massa e r o vector posição.

O momento angular exprime-se, no Sistema Internacional, em Js. O seu valor depende da origem em relação à qual
é definido.

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Segundo Newton, a taxa de variação do momento angular de uma particula medido em relação a uma origem
determinada, iguala o momento da força que actua o corpo, medido em relação à mesma origem

 dL
τ = (1.5)
dt

em que o momento da força aplicada F é definido por:
  
τ = r ×F (1.6)

Qual a força que provoca o movimento dos planetas ? As 3 leis de Kepler baseiam-se unicamente na
compatibilidade com os dados experimentais e não pressupõem um modelo explicativo da realidade. Newton, pelo
contrário, compreendeu que o movimento dos planetas e a queda dos corpos sobre a Terra eram manifestações de
uma mesma interacção, e enunciou a Lei da Gravitação Universal, segundo a qual a força F que actua cada
planeta é dada por:
 GMm 
F =− 3 r (1.7)
r
em que M e m são as massas, respectivamente, do Sol e de cada planeta, e G é uma constante, denominada
constante de gravitação.

Se considerarmos um sistema de eixos cuja origem coincida com o centro do Sol, a força gravitica com que o Sol
atrai cada planeta é colinear com o raio vector, o seu momento – em relação à mesma origem – é nulo, pelo que o
momento angular do planeta em relação ao centro do Sol se manterá constante.

Uma das consequências deste facto é o de o movimento dos planetas se efectuar num mesmo plano : suponha que
  
omovimento inicial do planeta é v 0 . O vector posição r define com v 0 um plano ao qual o momento angular
 
L será perpendicular. Uma vez que este é constante, as variações de v0 e r terão de ser de tal modo que o plano
inicial se não altere.

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Podemos decompor a velocidade do planeta em duas componentes, uma radial v r (que será nula no caso de a
trajectória ser circular) e outra azimutal v θ . Da definição do momento angular, podemos concluir que:
L = mrv θ (1.8)

Uma vez que L e m são constantes, o produto rv θ também será constante. Nesse caso variações de distância
traduzem-se em variações de velocidade azimutal, tal como tinhamos concluido da segunda lei de Kepler. Se
considerarmos na figura anterior que o movimento entre os pontos A e B é realizado no intervalo de tempo ∆t , a
área varrida pelo planeta será:
1
∆A = rv θ ∆t (1.9)
2
pelo que substituindo de (1.8) e fazendo o limite quando ∆t tende para 0, obtemos:
dA L
= (1.10)
dt 2m
que é uma expressão que contém a segunda lei de Kepler.

No caso da órbita circular é possível demonstrar de forma simples que as Leis de Newton contêm (e justificam as
Leis de Kepler). Note que, neste caso, se verifica o equilíbrio entre a força de atracção gravitacional e a força
centrífuga:

mv 2 GMm
= 2
a a
O período T neste caso terá a expressão
2πa
T=
v
elevando ao quadrado as expressões anteriores e igualando, teremos:

T2 4π 2
= (1.11)
a3 GM

recuperando assim o enunciado da Terceira Lei de Kepler e determinando a forma da constante original.

1.3 A LUA E OS PLANETAS INTERIORES


As leis de Kepler, e de modo muito mais geral as leis de Newton, aplicam-se de forma simples quando
consideramos os planetas como sistemas mecânicos simples. Contudo, o estudo da estrutura interna e externa dos
planetas é muito importante para as Ciências da Terra, por aquilo que nos pode ensinar sobre a formação e
evolução do sistema solar, como um todo, fornecendo chaves fundamentais para a construção dos modelos de
interior da Terra.

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Até às primeiras missões espaciais, o estudo do sistema solar era um problema de um grupo restrito de astrónomos.
Esta situação mudou da noite para o dia, assim que ficaram diponíveis dados das missões espaciais : os planetas
deixaram de ser objecto de estudo exclusivo dos astrónomos, para passarem a ser foco de interesse das
geociências. As missões espaciais tornaram possível pela primeira vez o estudo da Lua, dos planetas e dos
satélites planetários individualmente, cada um com o seu registo único de evolução geológica.

Do ponto de vista da sua constituição, os planetas são normalmente divididos em dois grandes grupos: os planetas
interiores, terrestres, ou rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra e Marte) e os planetas exteriores (Júpiter, Saturno,
Urano e Neptuno), podendo estes últimos ser ainda sub-divididos em gigantes gasosos (Júpiter e Saturno) e
gigantes gelados (Urano e Neptuno).

1.3.1 A Lua
As principais estruturas geológicas da Lua são visíveis a olho nu : extensas áreas esbranquiçadas rodeiam manchas
ciculares irregulares, cinzentas escuras. As áreas esbranquiçadas são normalmente enrrugadas e formam grandes
crateras - regiões de terras altas -, enquanto que as zonas mais escuras - chamadas mares, ou maria pelos
primeiros observadores - são vastas planícies de terras baixas, desprovidas de crateras.

Aquando do programa Apollo, foram feitos mapas pormenorizados da face visível da Lua, e suspeitava-se que as
planícies escuras fossem grandes extensões de lava basáltica. Restavam, contudo, grandes questões sobre a
natureza das rochas das terras altas, a sua idade, a idade das planícies de lava, e a origem das milhares de crateras
que existem na superfície da Lua.

Imagem compósita, de falsa cor, da lua, obtida pela sonda Galileu. (azul corresponde a máximo em titanio e laranja a mínimo,
purpura corresponde aos piroclastos, vermelho corresponde a materiais pobres em ferro e titanio). O Mar da Tranquilidade é a
área azul à direita da imagem: (Galileo, P-41491)

As rochas trazidas da Lua responderam a muitas destas questões. A sua análise mostrou que a Lua esteve sujeita a
um bombardeamento massivo de asteróides desde os primeiros dias da sua formação, e que estes impactos foram
provavelmente responsáveis pela danificação da crusta anortosítica (provavelmente quando esta estava ainda em
formação), produzindo estruturas de impacto circulares com dimensões que podem atingir milhares de quilómetros
(como a bacia oriental, da face escondida da Lua), passando pelas crateras mais vulgares com dimensões da ordem
dos 100 quilómetros (que são visíveis da Terra com binóculos), até figuras de impacto sub milimétricas,
encontradas na superfície das rochas.

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Muito poucas crateras parecem ser de origem vulcânica. Do ponto de vista visual, estas são pequenas e
caracterizadas por halos escuros de material ejectado. Tais crateras podem representar locais onde tiveram lugar
erupções vulcânicas, durante a fase de efusão de lavas basálticas, que se acumularam nas bacias.

1.3.2 Mercúrio
Mercúrio é um planeta de pequenas dimensões, um pouco maior do que a Lua. Uma vez que a sua órbita é muito
próxima do Sol (58 milhões de quilómetros de distância média) torna-se difícil o seu estudo óptico; por este facto,
aprendeu-se pouco sobre este planeta na época das observações visuais.

O período de rotação de Mercúrio era desconhecido até cerca de 1960, quando estudos de radar permitiram
concluir, que o seu valor é de 58.6 dias, exactamente 2/3 do seu período orbital. Esta relação entre a rotação e a
translação faz parte de um exemplo complexo de fenómenos gravitacionais, como o que é responsável por manter a
Lua sempre com a mesma face voltada para a Terra. Fortes forças de maré, que actuam entre Mercúrio e a
enorme massa do Sol próximo, mantêm o planeta de frente para o Sol enquanto está mais perto deste,
completando, ao afastar-se, duas rotações.

Tal como a Lua, Mercúrio não é uma esfera completamente simétrica, apresentando um pequeno empolamento
lateral.

Uma outra propriedade importante de Mercúrio está no facto de, embora pequeno, ser ter uma densidade
semelhante à da Terra. Tal significa que deve ter um núcleo metálico grande quando comparado com os outros
planetas interiores. Este facto pode ser explicado pela perca de material mantélico original na sequência de um
impacto nas fases iniciais de desenvolvimento do Sistema Solar, à semelhança do que se pensa ter ocorrido no que
diz respeito à formação da Lua.

A quase totalidade dos dados que se possuem sobre Mercúrio, foram obtidos por uma única missão espacial, a
Mariner 10. As imagens obtidas pela Mariner 10, revelaram que Mercúrio tem um aspecto muito semelhante ao da
Lua : um esferóide cravado por crateras.

Com uma vista de olhos casual, é difícil distinguir as fotografias de Mercúrio e da Lua, no entanto um olhar mais

profundo revela algumas diferenças importantes.

Mosaico de um hemisfério de Mercúrio, imagem obtida da NSSDC. Este mosaico foi produzido a partir da missão Mariner 10 a 29
de Março de 1974. O mosaico é formado por 18 imagens adquiridas com intervalos de 42 s, a 200,000 km de distância.

Em primeiro lugar, a topografia lunar mostra claramente a divisão entre as rugosas terras altas e as suaves planícies
de lava negra. Não existem equivalentes óbvios dos mares lunares em Mercúrio - a superfície está pesadamente
cravada de material das terras altas.

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Em segundo lugar, na Lua há uma evidência que não deixa dúvidas, sobre a actividade vulcânica inicial, mais
proeminente nas lavas dos mares. Em Mercúrio, a situação é mais complexa, não há sinais óbvios de áreas
cobertas de lava; há no entanto algumas planícies entre as crateras que podem eventualmente ser de origem
vulcânica.

Em terceiro lugar, há diferenças subtis na morfologia das crateras de impactos. O material ejectado de um impacto
comporta-se de modo muito diferente em Mercúrio, devido às suas maiores dimensões, à sua maior densidade e
também porque a gravidade à superfície é duas vezes e meia superior à da Lua. Um dos comportamentos deverá
ser a formação de crateras secundárias, formadas por material que ressalta em redor do local do primeiro impacto.

Em quarto lugar, a superfície de Mercúrio está marcada por um número importante de escarpados que podem ser
traçados ao longo de centenas de quilómetros. Nada comparável é conhecido nos outros planetas. Dois
mecanismos têm sido invocados para justificar estas estruturas : o primeiro envolve o enrugamento e contracção da
crusta por acção do arrefecimento; o segundo invoca a força de maré correspondente à interacção Sol-Mercúrio.

Finalmente, a Mariner 10 mostrou também que Mercúrio tem um campo magnético significativo, estando os polos,
norte e sul, alinhados com o eixo de rotação do planeta, como na Terra, mas com apenas 1/100 da sua intensidade.

1.3.3 Vénus
Vénus aparece brilhante no céu ao fim do dia ou logo de manhã. Quando observado pelo telescópio Vénus aparece
como uma esfera branca, porque tudo o que observamos é a camada exterior da sua densa atmosfera, que esconde
completamente a topografia da superfície. Vénus deve o seu brilho ao alto albedo da sua cobertura de núvens (cf
Capítulo 4) e também à sua proximidade a nós - por vezes encontra-se a cerca de 40 milhões de quilómetros da
Terra. Em termos de massa e densidade é muito semelhante à Terra.

Nos últimos três séculos não se fez nenhum progresso significativo na determinação de parâmetros tão simples
como o período de rotação axial. Foram feitos todos os tipos de suposições, desde 24 horas até 225 dias para o
período orbital. O problema não ficou resolvido até que a astronomia radar virou a sua atenção para Vénus, em
1962, e descobriu que o período axial do planeta é de 243 dias - no sentido retrógrado

Vénus desloca-se muito lentamente em volta do seu eixo, no sentido oposto ao de todos os maiores corpos do
Sistema Solar. O período de 243 dias, revelou outras elegantes e enigmáticas estatísticas do Sistema Solar. O
período de translação da Terra e o período axial de Vénus, estão exactamente numa escala de 3:2.

Nas décadas de 1970 e 1980 câmaras fotográficas de naves americanas e soviéticas desceram em Vénus. Em
dezembro de 1978, cerca de sete sondas atingiram a superfície deste planeta com poucos dias de diferença umas
das outras. Estas missões tinham objectivos diferentes: fazer um perfil da atmosfera, cartografar a superfície através
de radares altímetricos e de imagem em órbita e exame directo da superfície.

Dados do radar orbital, mostraram que Vénus é diferente da Terra, possuindo bastante menos relevo topográfico. A
maior parte da sua superfície está coberta de planícies de grandes dimensões, com raras elevações uniformes; no
entanto, duas das quais (Ishtar Terra e Aphrodite Terra) têm sido comparadas com os continentes terrestres,
embora sejam muito mais pequenas. Várias áreas elevadas mais pequenas como Beta Régio, assemelham-se a
grandes construções vulcânicas. Outras estruturas circulares têm sido interpretadas como caldeiras gigantes.
Conjuntos complexos de cristas lineares em Ishtar, foram interpretados como tendo origem em colisões tectónicas,
se bem que esta interpretação seja actualmente questionada.

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Imagens de Vénus tiradas pela sonda Galileo a distâncias entre 2.3 e 3.3 millões de km. Falsa cor e filtros passa-alto foram
aplicados à imagem para pôr em evidência detalhes da cobertura nebulosa (Galileo, P-37215) Imagem da NSSDC.

Existe em Vénus um número significativo de grandes crateras de impacto, sugerindo que grandes partes da
superfície de Vénus sejam geológicamente antigas, embora não comparáveis às terras altas lunares.

Imagens da primeira nave soviética a sobreviver à aterragem no planeta (Venera 9) revelaram um terreno rochoso,
plano e monótono de horizonte a horizonte. A prespectiva da Venera 10, que aterrou a 10,000 km de distância, não
foi muito diferente, embora nesse lugar as rochas fossem mais pequenas. A análise por fluorescência de raios gama
e raios X das rochas da superfície foi levada a cabo, e missões posteriores confimaram as suspeitas: as rochas são
basaltos, semelhantes a basaltos terrestres das dorsais oceânicas. Os resultados chave das aterragens, dizem
respeito às condições da superfície : as temperaturas são altas (cerca de 500 °C) e a pressão atmosférica é muito
elevada, noventa vezes superior à da Terra.

A atmosfera de Vénus é formada por cerca de 95 % de dióxido de carbono, com pequenas percentagens de
nitrogénio, de dióxido de enxofre e de água. As mais baixas e espessas camadas de nuvens têm densidades
semelhantes às núvens da Terra, mas a sua base situa-se a uma altitude muito superior, cerca de 50 km.

Vénus parece ter começado de modo semelhante à Terra, e provavelmente experimentou processos internos
similares. A divergência nos padrões da evolução geológica da superfície dos dois planetas deve ser justificada pela
acentuada diferença na evolução das suas atmosferas. Continua por explicar como, exactamente, é que esta
evolução teve lugar, e como estão interligadas as suas evoluções atmosféricas e litosféricas.

Um problema importante diz respeito a como Vénus dissipa o seu calor interior. Na Terra, esta operação tem lugar
na tectónica de placas : nova crusta oceânica está continuamente a ser criada nas dorsais e o arrefecimento é
realizado por condução e convecção no oceano. Devido às semelhantes dimensões e composição, Vénus deve
possuir um balanço térmico semelhante, mas não existe evidência de tectónica de placas tipo-terrestre.

Um modelo alternativo, sugere que Vénus perde o seu calor interno através de um mecanismo tipo-hot spot;
isto é, através de um pequeno número, de grandes complexos vulcânicos centrais, semelhantes ao hot spot
havaiano. Beta Regio pode ser um destes hot spots.

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1.3.4 Marte
Nos dias das observações telescópicas, Marte era, naturalmente, um importante alvo de estudo, e ainda hoje
estimula a imaginação de cientistas e do público em geral. Isto pode dever-se ao facto de todos os outros planetas
serem demasiado hostis para a vida. Só Marte, e talvez Plutão, podem permitir que astronautas explorem a sua
superfície e aí estabeleçam bases permanentes (vários satélites planetários, como a Lua, têm potencial
semelhante).

Marte tem estruturas de superfície facilmente visíveis da Terra, pelo que os parâmetros básicos - dimensões e
período de rotação axial - foram facilmente medidos por meios ópticos. Em 1666 Cassini descobriu que período de
rotação de Marte é de 24 horas e 40 minutos, semelhante ao da Terra. As primeiras observações mostraram que
Marte tem os polos cobertos de gelo, tal como a Terra, e marcas escuras difusas, que embora essencialmente
estáveis, pareceram mostrar variações sazonais, de modo algo síncrono com a evolução das calotes de gelo polar.

As primeiras visitas das naves espaciais a Marte não deram resultados muito impressionantes. Em 1965, a
Mariner 4 transmitiu vinte e duas imagens vídeo que revelaram uma superfície monótona, cravada de crateras,
como a Lua. Posteriormente, a Mariner 9 e a Viking 1 e mais duas missões, obtiveram mais dados, mostrando que
Marte é um planeta muito diversificado, geológicamente multifacetado.

Marte apresenta uma dicotomia entre os seus hemisférios, norte e sul, sendo o sul mais rugoso e com elevações e o
norte mais plano e com poucas elevações. O hemisfério sul altamente cravado de crateras, com grandes bacias de
impactos, como a Hellas (com centenas de quilómetros de diâmetro), fazendo lembrar a superfície lunar em muitos
aspectos. As rochas das terras altas podem ser comparavelmente antigas. Este é um primeiro ponto chave para a
geologia de Marte: grande parte da sua crusta é muito antiga (talvez mais de 4,000 Ma). O hemisfério norte tem
menos crateras, é portanto mais recente, mas a reduzida dimensão do rejuvenescimento crustal permite concluir
que também estas zonas são muito antigas, quando comparadas com os padrões terrestres.

O segundo ponto chave, são os vulcões gigantes que se erguem na sua superfície e as suas torrentes de lava - bem
visíveis nas imagens de alta resolução obtidas pela Viking 1 - quase sem crateras, e que por isso devem ser
geologicamente recentes. De longe o maior vulcão é o Monte Olimpo, que se eleva até 26 km da superfície, na
planície que o rodeia, e tem uma caldeira com 70 km de diâmetro, onde caberiam uma dúzia de vulcões terrestres
com as dimensões do Vesúvio. Até que amostras voltem de Marte, para identificação, será dificil dizer o quão
antigos - ou recentes - são os vulcões de Marte. Muitas estimativas sugerem que o vulcanismo activo cessou há
cerca de 1,000 Ma. O que está, razoávelmente de acordo com as estimativas mais prováveis para a evolução
térmica de Marte, deduzida do conhecimento da sua massa, provável composição bruta e dos isótopos radioactivos
produtores de calor nele contidos.

As dimensões dos vulcões de Marte permitem-nos concluir algo sobre a sua litosfera: para que vulcões atinjam tais
dimensões em posições fixas, a presente litosfera marciana tem de ser espessa e rígida, com pelo menos
200 km de espessura. Isto põe de parte todas as possibilidades de existência de tectónica de placas como a
existentes na Terra.

O teceiro ponto chave, é talvez o mais intrigante de todos: Marte apresenta evidências de variações dramáticas no
clima, através da sua história geológica. Presentemente a pressão atmosférica é ténue, correspondendo a cerca de
6 milibar terrestres (pressão atmosférica padrão = 1113.25 mb), as condições de superfície são muito secas e frias.
A água liquida não se manteria estável a tão baixas pressões e evaporava-se rapidamente.

Imagens da Mariner e da Viking, revelaram no entanto canais, meandros, vales e canhões, todos apontando para
um período - ou períodos - anterior, quando o clima de Marte era menos agressivo, e a água líquida poderia existir
na superfície. Estas estruturas mostraram que a superfície de Marte é mais semelhante à da Terra do que qualquer
um dos outros planetas e que a água teve um importante papel na história geológica.

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A morfologia das crateras de impacto providencia um segundo ponto de reflexão : os materiais ejectados que
rodeiam a maior parte das crateras são bastante diferentes dos encontrados na Lua, e sugerem que o impacto teve
lugar numa zona plástica, provavelmente húmida.

As duas Viking que aterraram na superfície estavam designadas para responder à pergunta “existe vida em Marte”,
e responderam, “não foram encontradas evidências de nenhuma forma de vida”, no entanto, isto não acabou com o
debate, e mantém-se um esforço significativo neste sentido.

Para concluir esta breve revisão de Marte, é essencial recordar o episódio do cão egípcio, que morreu em Nakhla,
no Egipto em 1911. A primeira é que o cão, aparentemente foi atingido por um meteorito. A segunda, ainda mais
espantosa, é que o meteorito provavelmente veio de Marte. Estas surpreendentes deduções surgem do facto de o
meteorito de Nakhla ter uma textura ígnea óbvia, muito diferente da maioria dos meteoritos, tendo uma idade
aparente de cristalização de cerca de 1,300 Ma. Onde, no Sistema Solar, pode ter existido um evento de
cristalização há cerca de 1,300 Ma ?

Marte parece ser a única fonte possível do meteorito de Nakhla (e mais um conjunto de outros conhecidos por
SNCs, de Shergotty - Nakhla - Chassigny). Estilhaços de impactos de asteróides poderiam projectar pequenas
quantidades de material, da superfície de Marte para órbitas que poderiam, eventualmente, interceptar a da Terra.

1.3.5 Phobos, Deimos e a cintura de Asteróides


Alguns dos mais importantes produtos das missões Viking, foram as primeiras imagens detalhadas de Phobos e de
Deimos, o par de pequenos satélites de Marte. A Viking 2 passou a apenas 26 km de Deimos. Phobos é um
elipsóide, com um diâmetro máximo de 27 km, enquanto Deimos, mais esférico tem, aproximadamente, 15 km de
diâmetro.

Ambos possuem superfícies altamente cravadas de crateras, são muito escuros e têm densidades baixas, sugerindo
que são constituidos por material semelhante ao dos meteoritos condríticos carbónicos.

Os satélites de Marte - Phobos e Deimos - não possuem órbitas estáveis, pelo que se admite que eles não orbitam
Marte desde a origem do Sistema Solar e são provavelmente asteróides, capturados de algum modo da cintura de
asteróides entre Marte e Júpiter e que, como tal, providenciam as únicas observações de perto disponíveis, de
asteróides.

Estudos ópticos mostram que existe na cintura de asteróides uma grande variedade de corpos com dimensões que
vão desde as centenas de quilómetros até corpos muito pequenos, de dimensões inferiores às de Phobos e Deimos.
Estudos espectroscópios mostram que existem várias classes de asteróides, que têm sido interpretadas como
correspondendo a tipos carbonáceos, metálicos e rochosos, semelhantes aos tipos de meteoritos, que veremos no
capítulo 2.

Há já bastante tempo que se tem conhecimento que, se um satélite se aproxima mais do que uma certa distância do
seu planeta mãe - conhecido como limite de Roche - será desintegrado devido às enormes forças gravitacionais
impostas por este. Para lá do limite de Roche, alguns satélites maiores parecem também ter sido desintegrados
cedo na sua história, como resultado de massivos impactos, os resultantes estilhaços voltaram subsequentemente a
agregar de novo. Se tal desintegração teve lugar perto de Saturno, os estilhaços ter-se-iam destribuido
individualmente na forma de um anel em volta do planeta.

1.4 PLANETAS EXTERIORES

1.4.1 Júpiter e Neptuno


Para lá da cintura de asteróides, entra-se num ambiente diferente. Júpiter e os outros planetas mais distantes do

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Sol, são muito diferentes da Terra : são enormes esferóides de baixa densidade, gasosos, constituidos
essencialmente por Hidrogénio e Hélio. Em detalhe há dois pares, Júpiter e Saturno, e Urano e Neptuno.

Júpiter e Saturno são verdadeiros gigantes gasosos e são compostos, respectivamente, por 97 % e 70 % de
Hidrogénio e Hélio; enquanto que Urano e Neptuno são compostos por apenas 10 %-20 % de Hidrogénio e Hélio,
sendo a maior parte da sua massa de material gelado e rochoso.

Em todos os quatro planetas só é possível observar directamente as camadas exteriores das suas atmosferas.
Sobre as condições que prevalecem no seu interior (onde as pressões são tão grandes que não há conhecimento
sobre a física) só podem ser feitas hipóteses.

No centro de Júpiter, as temperaturas e pressões podem ser tão altas que o Hidrogénio se comporta como um
metal líquido, e portanto como um condutor eléctrico.

Tanto Júpiter como Saturno são fáceis de observar, pelo que as suas principais estruturas telescópicas foram desde
cedo conhecidas. As massas, densidades e períodos de rotação foram facilmente medidos, mas continuam a ser
dos seus parâmetros mais interessantes : embora Júpiter seja, de longe, o mais massivo dos planetas do Sistema
Solar, é também aquele que tem o mais curto período de axial, dando uma volta a si próprio em apenas 9 horas e 55
minutos. O período de rotação é tão rápido que o planeta é visivelmente achatado pela força centrífuga. No entanto,
o grau de achatamento não é tão elevado como o que seria esperado, se se sdmitir que se trata de um corpo
homogéneo, o que sugere que o planeta tenha uma concentração de massa junto ao centro, provavelmente uma
pequena quantidade de material rochoso.

Os estudos ópticos de duas missões Pioneer e duas Voyager, deram-nos em 1970 e 1980 novos pormenores sobre
a circulação atmosférica e uma grande quantidade de outros dados. A Voyager 2 foi uma missão histórica, pelas
imagens que forneceu, não só de Júpiter mas também de Saturno, Urano e Neptuno, durante a sua travessia do
sistema solar. O último encontro da Voyager foi em 1989, dirigindo-se agora para o espaço interestelar.

Pensa-se que as nuvens dos niveis superiores da atmosfera de Júpiter são compostas de pequenos cristais gelados
de amónia (parecidos com os cirrus terrestres) e que camadas de hidrosulfido de amónia (NH4 SH) e de água
existem em niveis mais profundos. O topo da camada de nuvens de amónia tem provavelmente uma temperatura de
cerca de -113 °C e uma pressão da ordem de uma atmosfera.

As missões Pioneer e Voyager proporcionaram novas prespectivas sobre Júpiter. Descobriu-se que ele tem um
campo magnético intenso, dez vezes mais intenso que o da Terra. O campo é aproximadamente dipolar, mas é mais
complexo junto da superfície, onde foram detectados componentes quadripolares e octopolares. Estas obsevações
tem duas implicações: para gerar um campo magnético, deve existir um meio electricamente condutor dentro do
planeta; na Terra é o Ferro, em Júpiter deve ser uma forma metálica de Hidrogénio. Em segundo lugar, o material
condutor deve estar em movimento, isto implica uma fonte de energia.

As grandes dimensões de Júpiter e os complexos processos internos podem ser compreendidos se forem
abordados de outra perspectiva, como se este se tratasse de uma tentativa falhada de estrela, como o Sol, e não
propriamente um planeta.

Cedo na sua vida, Júpiter brilhou como uma estrela, cerca de 1 % da luminosidade que o Sol tem hoje, aquecido
pela accreção de material nebular. Tendo sido setenta vezes mais massivo do que é hoje, a contracção gravitacional
deve ter causado um posterior aumento na temperatura, até que reacções nucleares auto-sustentáveis se
pudessem iniciar no seu interior. Se isso tivesse realmente acontecido, o Sol seria uma dupla estrela, e a Terra e os
outros planetas podiam não se ter formado. Júpiter era pequeno demais, e 10 Ma depois da sua formação deverá
ter encolhido para as dimensões actuais, sem ignição, e sua actual luminosidade é apenas 10-9 da uminosidade do
Sol. No entanto, a sua energia interna é ainda enorme : a temperatura interior é de cerca de 30,000 K, suficiente
para o manter totalmente fundido, sem absolutamente nenhum núcleo sólido. Cerca de 1017 Watt de potência

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chegam à superfície, do interior, dificilmente comparável à que Júpiter recebe do Sol.

Grande parte desse calor é bombeado para a superfície por correntes de convecção, empurrando para cima
Hidrogénio mais quente e menos denso, enquanto que Hidrogénio menos quente e mais denso se afunda. Estas
correntes de convecção, que têm lugar nas partes de Júpiter constituidas por Hidrogénio metálico líquido, podiam
providenciar uma fonte de energia para gerar o campo magnético observado, já que são análogas às correntes de
circulação que se pensa existirem no núcleo terrestre, de Ferro líquido.

Neste rápido resumo podemos considerar que Saturno partilha muitas das propriedades de Júpiter.

1.4.2 Urano e Saturno


Urano e Neptuno apresentam problemas mais complexos. Embora seja considerado um gigante gasoso, Urano
possui uma forma mais irregular. O seu eixo de rotação está muito perto do plano do seu eixo orbital, em vez de lhe
ser quase perpendicular, como no caso dos outros planetas.

Urano e Neptuno têm também uma atmosfera de Hidrogénio e Hélio mas menos massiva, relativamente ao seu
denso núcleo. Emerge assim um problema importante: porque é que os densos núcleos dos quatro planetas
gigantes variam em massa num factor de apenas três ou quatro, enquanto os seus envelopes gasosos variam num
factor de dez ou vinte ?

O modelo actualmente aceite para Urano inclui três camadas: um núcleo denso e rochoso, um manto de água
líquida, rodeando o núcleo, formando um oceano com milhares de quilómetros de profundidade e uma densa
atmosfera de Hidrogénio e Hélio.

O “oceano” contém provavelmente metano e amónia juntamente com água, é electricamente condutor e pode até
ser metálico no seu centro. Os movimentos neste fluido condutor, serão os responsáveis pelo campo magnético de
Urano, que em intensidade é comparável ao da Terra. No entanto, observações da Voyager do campo magnético,
revelaram uma espantosa anomalia de Urano: o eixo do campo está inclinado 60° relativamente ao eixo de rotação,
enquanto que o eixo magnético da Terra está inclinado apenas 11° em relação ao seu eixo de rotação.

Urano e Neptuno são muito semelhantes em dimensões, massa e período de rotação. Como as imagens da
Voyager revelaram, Urano é um planeta com poucas estruturas. Neptuno é muito mais diverso : algumas nuvens
são tão extensas que podem ser detectadas da Terra por telescópio, observando-se como o aparente brilho do
planeta varia rapidamente, enquanto o de Urano é constante. Contrariamente a Urano, Neptuno irradia muito mais
calor do que o que recebe do Sol. A sua atmosfera contém menos metano do que a de Urano.

Uma explicação para todas estas importantes diferenças, é que Urano tem uma estratificação interna muito mais
estável do que Neptuno. Assim, as correntes de convecção que se elevam de fundas fontes de calor no núcleo,
estão confinadas a grandes profundidades. Em Neptuno, que é menos estavelmente estratificado, a convecção não
só transporta muito do calor para a atmosfera, como transporta grandes quantidades de metano, que condensa
formando as nuvens, na fria atmosfera de Hidrogénio e Hélio.

1.4.3 Satélites e Anéis


Um inesperado, mas significativo resultado da exploração por naves espaciais dos planetas do Sistema Solar, foi a
descoberta de muitos satélites; satélites tão numerosos, que já não existem nomes para todos, sendo hoje
designados numericamente.

Os quatro satélites de Júpiter descobertos por Galileu (Io, Europa, Ganymede e Calisto) podem ser facilmente
observados com uns binóculos, e porque são tão facilmente observados tiveram um importante papel na história da
ciência : Galileu usou-os para provar, pela primeira vez, que nem todos os objectos no Sistema Solar giram em torno
do Sol e Romer usou tempos dos seus movimentos orbitais para fazer a primeira tentativa de medir a velocidade da

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luz.

Os satélites galileanos são grandes - Ganimede e Calisto são tão grandes como o planeta Mercúrio, enquanto Io e
Europa são do tamanho da Lua. Todos possuem evoluções geológicas distintas. No caso de Io, que é dominado
pela sua proximidade da enorme massa de Júpiter, pelas ressonâncias do complexo orbital com Europa e
Ganimede e pelo enorme resultante stress tidal interno. Peale e Casson, previram que, dada a proximidade que Io
tem de Júpiter, a dissipação tidal de energia podia gerar calor suficiente para derreter o seu interior e assim, o
vulcanismo devia ser vigorosamente activo. A sonda Voyager provou a veracidade das suas previsões, com
espantosas imagens de erupções, em progresso actualmente. Agora, o problema é determinar a natureza dos
materiais da erupção.

Io e Europa são invulgares entre os satélites, pelo facto de terem densidades comparáveis à da Lua, e são portanto
predominantemente compostos por silicatos. Os restantes satélites têm densidades muito mais baixas, devendo por
isso ser predominantemente constituidos por gelo, a maior parte de água gelada vulgar mas com outras fases
tambem presentes, como metano e amónia. Podem tambem ter núcleos rochososos pequenos. As estruturas da
superfície de todos estes satélites são dominadas pela combinação de dois processos: crateras de impacto e
rejuvenescimento superficial vulcânico. A maior parte dos satélites tem superfícies altamente cravadas de crateras,
que são claramente antigas, mas a maioria dos quais, que têm afinidades com o planeta, mostram evidências de
que a dissipação tidal de energia causou a fusão do seu interior, que foi suficiente para que a superfície cravada de
crateras ficasse parcialmente suavizada ou, alternativamente coberta de gelo. Ganimede aparenta exibir uma forma
de tectónica de placas geladas. Os detalhes de tão extraordinários processos gelados estão, com certeza, muito
para além da nossa experiência mas são o objecto de muita investigação em curso.

Dois destes satélites planetários, são excepcionais no facto de serem suficientemente grandes para possuirem as
suas próprias atmosferas. O Titan, de Saturno, tem uma atmosfera de metano tão densa que a sua superfície é
invisível às sondas de observação. Cedo no próximo século, a missão conjunta da NASA/European Space Agency
Cassini foi planeada para lançar uma sonda através da atmosfera e investigar a superfície.

O satélite de Neptuno, Triton, tem uma atmosfera muito mais ténue, consistida essencialmente de nitrogénio com
pequenas quantidades de metano. É particularmente interessante porque aparenta mostrar variações sazonais nos
polos e vulcões de nitrogénio tipo "geyser" que se forma onde o líquido penetra na cobertura de gelo. Triton faz
lembrar Plutão (pequeno planeta de baixa densidade) em muitos aspectos. Do estudo das espantosas imgens de
Triton trazidas pela Voyager 2 têm-se obtido as melhores ideias possíveis sobre como é Plutão.

Em 1977 estudos cuidadosos de Urano, enquanto este passava em frente de uma estrela, revelaram uma série de
oscilações na luz emitida pela estrela antes de esta passar por detrás do planeta e novamente depois. Estas
oscilações são actualmente explicadas pela existência de uma série de anéis à volta do planeta. Dois anos mais
tarde, quando a Voyager 1 chegou a Júpiter, as suas fotografias revelaram também um sistema de anéis, do qual
previamente não se suspeitava. A Voyager 2 encontrou um complexo de séries de anéis à volta de Urano e quando
chegou a Neptuno, três anéis muito ténues foram tambem aí encontrados.

Os anéis de Saturno são, com certeza, os mais bem conhecidos. As imagens da Voyager mostraram que são
espantosamente complicados em detalhe, com muitos anéis individuais separados por falhas. O espaçamento das
falhas é em alguns casos controlado por ressonâncias orbitais de pequenos satélites que agregam a si outros
corpos. Talvez a característica mais extraordinária do sistema de anéis de Saturno seja a sua espessura. Embora
tenham 27,000 km de comprimento os anéis não têm mais de 1 km de espessura. Consistem em muito pequenas
miríades de pedaços de gelo com dimensões métricas, talvez impregnados de material carbonáceo ou
silicatos. Oa anéis podem representar estilhaços de satélites ou satélites que foram desintegrados pelo gigantesco
campo gravitacional de Saturno.

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1.5 BIBLIOGRAFIA
Brown, G. C., Hawkesworth, C. J., Wilson, R. C. L. (eds), “Understanding the Earth”, Cambridge University Press, pp
1-551,1992.

Gartenhaus, S., “Physics, Basic Principles”, vol 1, Holt, Rinehart and Winston, Inc., New York.

Holton, G., Stephen, G. Brush. “Introduction to Concepts and Theories in Physical Science”, Princeton University
Press, New Jersey.

Serway, R., “Física 1 para Cientistas e Engenheiros”, 3ª Edição, LTC, 1996.

1.6 EXERCÍCIOS DE APLICAÇÃO


1.1. Utilizar as tabelas I e II para determinar (a) o valor do campo de atracção newtoniana num ponto do Equador de
Marte, (b) o valor da força centrífuga no mesmo ponto. Comparar estes valores com os correspondentes para a
Terra.

1.2. A partir dos valores dos períodos de translação da Lua em torno da Terra (cf tab. 1 deste capítulo) e da
distância da Terra à Lua (3.84 . 108 m) estime a massa da Terra. Faça idêntico cálculo para Júpiter, sabendo que Io
tem o período orbital de 1.77 dias, e que o raio da sua órbita é de 4.22 108 m

1.3: Admitindo que a trajectória da Lua à volta da Terra se assemelha a uma circunferência de raio 3.84 x 105 km,
com um período de 27.3 dias, determine o valor do semi-eixo maior da órbita de um satélite cujo período de
translação seja de 3 h.
1.4: Demonstre que um planeta que percorra uma órbita elípsoidal em torno do Sol, ocupando este um dos focos (1ª
Lei de Kepler), então a força central associada varia inversamente com o quadrado da distância entre o planeta e o
a (1 − e 2 )
Sol [Sugestão: a equação da elipse é r= onde r é a distância, e é a excentricidade (e<1) e a o eixo
1 + e cos θ
maior].
1.5: Mostre que a 3ª Lei de Kepler pode ser deduzida da Lei da Gravitação Universal de Newton, para o caso
simples de uma órbita circular [Sugestão: Analise o Equilíbrio entre a Força de Atracção Gravitacional e a Força
Centrípeta].

1.6: A Terra tem um período sideral de 1 ano e o semi-eixo maior da sua órbita é 149.6 x 106 km. Determine qual o
valor do semi-eixo maior da órbita de Marte, sabendo que o seu período sideral é de 687 dias.

1.7: Determine o momento angular da Terra em relação ao centro do Sol, admitindo que a sua trajectória é circular e
tem de raio 1.5 x 108 km. Despreze o movimento de rotação e considere que a massa da Terra é de 6.0 x 1024 kg.

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