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O INTERESSE PÚBLICO COMO CATEGORIA DE INTERFACE ENTRE A

GESTÃO PÚBLICA E A GESTÃO SOCIAL

Érika Loureiro Borba


Mestre em Administração Pública. Professora do Centro Universitário de Lavras
(UNILAVRAS)
Teresa Cristina Monteiro Martins
Mestranda em Administração Pública pela Universidade Federal de Lavras (UFLA)
Kelly Aparecida Torres
Mestre em Administração. Professora do Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS)
Pablo Luiz Martins
Mestre em Ciências Contábeis. Professor Assistente da Universidade Federal de São João Del
Rei (UFSJ)

Resumo
Este ensaio teórico tem por objetivo analisar o interesse público como categoria teórica de
interface entre a gestão pública e a gestão social. A partir desta perspectiva é apresentado o
contexto da gestão pública e da gestão social no âmbito brasileiro, como também os vieses e
características do interesse público. Por este estudo tornou-se possível constatar que o
interesse público se revela como mais um elemento articulador e integrador da gestão pública
com a gestão social por representar o objetivo principal das ações das mesmas, mas o mesmo
é percebido de forma diferenciada nas duas esferas, principalmente, pela maior ou menor
participação dos cidadãos nas decisões públicas.

Palavras-chave: interesse público, gestão pública, gestão social.

Abstract
This theoretical paper aims to analyze the public interest as a theoretical category of interface
between public management and social management. From this perspective the context of
public management and social management in the Brazilian context as well as the biases and
characteristics of the public interest is presented. For this study became possible to see that
the public interest is revealed as another articulating and integrating element of public
management with the social management as it represents the main goal of the shares of the
same, but the same is perceived differently in the two spheres, mainly by greater or lesser
participation of citizens in public decisions.

Keywords: public interest, public management, social management.


Introdução

O interesse público tem sido utilizado pelo Estado e pela administração pública como
base de justificativas para decisões que envolvem conflitos de interesse, para celebrar
acordos, contratos e convênios do Estado com organizações da sociedade civil e do mercado,
bem como para dirimir questões judiciais. Geralmente tem sido compreendido como o
interesse da maioria que se sobrepõe ao interesse da minoria, ou mesmo, como aquele
interesse que corresponde ao bem comum.
Assim, este ensaio teórico buscou analisar o interesse público como categoria teórica
de interface entre a gestão pública e a gestão social tendo em vista que as mesmas buscam,
por meio de suas ações, atender às demandas e necessidades da sociedade. O ensaio teórico,
segundo Severino (2000), “consiste na exposição lógica e reflexiva e em argumentação
rigorosa com alto nível de julgamento pessoal”. É nesse sentido que se desenvolverá este
texto.
Neste sentido, observou-se que a gestão pública percebe o interesse público sob uma
ótica mais legalista que se dá no âmbito estatal e a gestão social articula o interesse público no
âmbito da sociedade na medida em que busca atender as demandas sociais que o Estado não
contempla.
Diante das questões apresentadas foi possível constatar que o interesse público se
revela como mais um elemento articulador da gestão pública com a gestão social por
representar o objetivo principal das ações das mesmas, porém, o mesmo é percebido de forma
diferenciada nas duas esferas, principalmente, pela maior ou menor participação dos cidadãos
nas decisões públicas.

A gestão pública no contexto brasileiro

A reforma do Estado brasileiro, ocorrida a partir da década de 80, teve como pontos
basilares a gestão burocrática, a descentralização administrativa, principalmente em âmbito
municipal, a busca pela eficiência de seus resultados e o fomento da transparência pública
para que os cidadãos tivessem possibilidade de acompanhar as ações estatais.
O marco teórico da gestão pública brasileira desde então é a Constituição Federal de
1988, que proporcionou uma releitura do interesse público e reafirmou a sua supremacia
frente ao interesse privado, tendo em vista a necessidade de proteção das garantias dos
cidadãos presentes na legislação do país (FRANÇA, 2010). Segundo Schommer (2003), um
dos principais eixos de transformação do Estado brasileiro nesta nova perspectiva é a
descentralização.
No entanto, Abrúcio (2007), apontou algumas dificuldades enfrentadas neste
redesenho do Estado brasileiro como, por exemplo, na descentralização houve dificuldade
devido à criação de um grande número de municípios e pouco incentivo à cooperação
intergovernamental. A gestão burocrática continuou convivendo com o patrimonialismo. A
profissionalização do serviço público resultou no aumento do corporativismo estatal e a
descentralização, em um país de grandes desigualdades, impactou negativamente nos
resultados das políticas públicas.
Assim, Bresser-Pereira (2005) propôs e coordenou a implementação da reforma do
Estado que promoveu, principalmente, a programação do orçamento por meio do plano
plurianual, o maior controle fiscal através da promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal
e a ampliação da participação social nas políticas públicas.
Desta forma, no cenário estatal brasileiro, a gestão pública se revela segundo o viés de
dois modelos: o gerencial e o societal. O modelo gerencial é embasado pela cultura de
empreendedorismo e utiliza-se de ferramentas da gestão do setor privado adaptadas ao setor
público com o objetivo de promover maior qualidade de vida ao cidadão, que é percebido
como um cliente de seus serviços, a um custo reduzido. Assim, o objetivo principal da
implementação da gestão gerencialista foi promover a substituição do modelo burocrático de
forma a prover maior eficiência à máquina estatal através da redução de controles
centralizados e com foco na administração por resultados. No que diz respeito à participação
social, este modelo tem característica de centralização dos processos decisórios e a
participação se dá apenas em nível de discurso. Já o modelo societal, consolidado a partir da
década de 80, tem por objetivo a ampliação da participação dos atores sociais, estatais e não
estatais, na agenda política além de criar mecanismos de controle social para a fiscalização
das ações estatais. Porém, ainda não apresentou nenhuma proposta voltada para a
reorganização do aparelho estatal (CANÇADO; CARVALHO; PEREIRA, 2011; BRESSER-
PEREIRA 1995; PAES DE PAULA, 2005).
Na perspectiva de Oliveira (2012), a reforma do Estado brasileiro e a escolha do
modelo gerencialista para a condução do estado não ocorreu baseada em discussões que
primaram pela inclusão da participação social, fato este que reforça o caráter centralizador dos
processos decisórios deste modelo. E Tenório et. al (2008) revela a necessidade de se buscar
um novo modelo de gestão pública que se fundamente em processos democráticos de forma a
possibilitar que a sociedade reconheça seu papel político-deliberativo capaz de influenciar as
decisões públicas.
Desta forma, é relevante dizer que o termo público, que se refere ao âmbito estatal, se
delimita pelo espaço destinado ao Estado para desenvolver suas funções em prol do bem
comum, ou seja, “o público se constitui como um processo de identificação de interesses
comuns e compartilhados, em torno dos quais as pessoas e as organizações se comunicam”
(OLIVEIRA, 2012; PAOLIELLO, 2007, p. 13).
Assim, a gestão pública, de acordo com França-Filho (2008), se refere às práticas de
gestão desenvolvidas nas instituições públicas e se aproxima da gestão privada,
principalmente, na sua operacionalização que se baseia na racionalidade instrumental e
técnica, porém, possui objetivos diferenciados já que busca a promoção do bem estar social e
não essencialmente fins econômicos.
Sob a ótica de Tenório (2002, p. 2) a gestão pública “é uma ação deliberada dos
poderes públicos constituídos visando atender a necessidades de uma sociedade”. Esta visão é
complementada por Oliveira (2012, p.17) ao dizer que “a gestão pública compreende os
processos de formulação, de planejamento, de coordenação, de execução e/ou monitoramento
das ações governamentais”.
A gestão pública pode ser caracterizada como sendo estatal e não estatal (DARIO,
2004). A gestão pública estatal é subordinada ao aparato do Estado e a gestão não estatal
perpassa pela compreensão da sociedade como um ator importante e dotado de poder político,
ou seja, parte da noção do engajamento da sociedade na resolução dos problemas coletivos
(BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999; OLIVEIRA, 2012) de forma a aumentar seu grau de
influencia e participação nas decisões públicas.
Assim, o público não estatal é representado por “(...) organizações ou formas de
controle “públicas” porque estão voltadas ao interesse geral; são não estatais porque não
fazem parte do aparato do Estado, seja porque não utilizam servidores públicos, ou porque
não coincidem com os agentes políticos tradicionais” (BRESSER-PEREIRA; GRAU, 1999,
p. 16)
Vale dizer, a gestão pública representa um espaço legitimador do interesse público, ou
seja, o segundo é a base que deve fundamentar as atividades da primeira. E sob a ótica de
França-Filho (2008) a gestão pública se aproxima da gestão social tendo em vista que as
mesmas buscam, por meio de suas ações, atender às demandas e necessidades da sociedade.
A gestão social

A gestão social, no contexto brasileiro, tem suas raízes no início dos anos de 1960 com
os movimentos sociais brasileiros. Seu projeto político enfatiza a participação social,
procurando estruturar um projeto político que traga mudanças ao modelo de desenvolvimento
brasileiro, à estrutura do aparelho do estado e rompa com o paradigma de gestão atual. Porém,
diferente da gestão gerencial, não há uma proposta de organização do aparelho do Estado e
sim iniciativas locais de organização e de gestão pública (PAES DE PAULA, 2005).
Assim, Oliveira (2012) complementa Paes de Paula (2005) ao afirmar que o grande
desafio que fomenta o debate a respeito da gestão social no Brasil é a busca de uma forma de
administração que privilegie a participação da sociedade civil e resgate o verdadeiro sentido
da cidadania. Segundo Tenório e Saravia (2006), a gestão social deve resgatar ainda a função
básica da gestão pública, que é atender aos interesses da sociedade, ou seja, cumprir o
interesse público estatal e não estatal.
O termo gestão social ainda está em fase de construção conceitual no Brasil, no
entanto, tem se consolidado enquanto prática mesmo sem que ainda não se tenha alcançado
consenso sobre o conceito (CANÇADO; TENÓRIO; PEREIRA, 2011; FISCHER; MELO,
2003; SCHOMMER, 2008; PINHO, 2010).
Sendo assim, alguns autores não conceituam a gestão social, mas se utilizam de
comparações para delimitá-la. Como exemplo destaca-se França Filho (2008) que delimita o
conceito comparando-o à gestão privada e à gestão pública, e afirma que gestão social é
metodologicamente um conceito em construção. Neste sentido, Schommer e França- Filho
(2008) enfatizam a complexidade para definição do termo, devido aos vários significados que
ele sugere, e alertam para uma tendência à sua banalização, portanto sendo necessária uma
“maior precisão conceitual”.
Porém, mais importante que uma conceituação sintética do que seria gestão social, é o
impacto que a mesma deve causar na sociedade permitindo e estimulando a participação
social e enfatizando entre os gestores a necessidade de atuar conforme a sociedade e não
conforme o mercado (OLIVEIRA et al, 2010).
Assim, vários significados que tem sido atribuídos à gestão social como, por exemplo, o
estudo e prática de políticas sociais e ambientais, das organizações do terceiro setor, do
combate à pobreza, do desenvolvimento territorial, da possibilidade de uma gestão
democrática e participativa. E ainda, como o espaço privilegiado de relações sociais onde
todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (SILVA JÚNIOR et al, 2008)
Na perspectiva de França Filho (2008), a gestão social se apresenta como problemática
da sociedade associando-a às demandas e necessidades sociais, característica esta que se
confunde com a gestão pública tendo em vista que, tradicionalmente, compete ao Estado
atender a tais demandas.
Sendo assim, a diferença entre gestão social e gestão pública está na compreensão de
que, além do Estado, a sociedade também pode gerir suas demandas e necessidades através de
mecanismos de auto-organização. Associada ao atendimento das demandas sociais, a gestão
social é vista sob o aspecto da finalidade, ou seja, é identificada por não ter seus objetivos
voltados para o econômico, mas sim, para o social e para o interesse coletivo (FRANÇA
FILHO; SCHOMMER, 2008).
A gestão social pode ser compreendida também como um processo, ou seja, como meio
ou forma de gestão. Nesse sentido, sua conceituação é delimitada separando-a dos conceitos
de gestão privada, que é aquela com fins econômicos e se encontra no âmbito do mercado; e
de gestão pública, que é a gestão voltada para o social, mas que se dá no espaço das
instituições públicas diretamente ligadas ao Estado e, por isso, condicionadas à cultura
política em predominante que pode ser de cunho democrático, tecnoburocrático ou
clientelista. Desta forma, a gestão social tem seu espaço no âmbito da sociedade civil, não
originariamente no mercado nem no Estado, e se relaciona diretamente com as associações
que não perseguem objetivos essencialmente econômicos como também busca romper com
práticas clientelistas e paternalistas através da democratização das decisões de caráter público
(FRANÇA FILHO; SCHOMMER, 2008).
Neste sentido, França Filho (2008) não trata de questões tais como quais mecanismos
poderiam operacionalizar a gestão social, mas deixa que claro a redefinição das relações entre
economia e política que se dá na gestão social representam um meio de redefinição das
relações entre o Estado e a sociedade.
Na perspectiva de Tenório (2008), a gestão social “é o processo gerencial dialógico no
qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação”. Assim, sob esta
ótica que se baseia em Habermas, a gestão social não é vista somente como oposta à
racionalidade instrumental e técnica, mas sim, vista sob o viés da racionalidade substantiva.
Neste contexto, o adjetivo social é entendido como “o espaço privilegiado de relações
sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação”. Por isso, destaca-se a
necessidade de haver uma inversão no sentido de que a sociedade e o trabalho se
sobreponham ao Estado e ao capital. E que a própria gestão social, como forma de gestão que
prioriza o diálogo e o coletivo, se sobreponha a gestão estratégica, que, por sua vez, prioriza o
indivíduo (TENÓRIO, 2008).
Diante disto, na perspectiva de Tenório (2008), é possível dizer que a gestão social se
fortalece quando a sociedade civil passa a ser protagonista das decisões sociais através da
cidadania deliberativa. Esta perspectiva demanda um modelo de democracia no qual a
legitimidade das decisões se dá através de processos de discussão, nos quais predominam a
inclusão, o pluralismo, a igualdade participativa, a autonomia e a discussão acerca do
interesse público.
A cidadania deliberativa se situa entre o liberalismo e o republicanismo, se identifica
com o primeiro por priorizar a liberdade individual para negociar e com o segundo por
priorizar o que é melhor para o próprio grupo ou comunidade, ou seja, o interesse coletivo. A
cidadania deliberativa tem mais espaço no âmbito da esfera pública compreendida pela ótica
habermasiana. Assim, a esfera pública não pode ser entendida como uma instituição,
organização ou sistema, mas sim como uma rede que propicia a comunicação de conteúdos,
tomadas de posição e opiniões, onde os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados,
que se amoldam e formam opiniões públicas acerca de temas específicos (HABERMAS,
2011).
Neste sentido, de acordo com Silva Neto (2008), a sociedade civil funciona como
intermediária entre o mundo da vida e a esfera pública, e através de estruturas de
comunicação é capaz de institucionalizar, por movimentos, organizações e associações, os
ecos captados dos problemas sociais, agrupando-os e transmitindo-os à esfera pública política,
para solução.
Nesse sentido a esfera pública é comparada em Habermas (2011) a um sistema de
alarmes com sensores não especializados, mas sensíveis no âmbito da sociedade. A esfera
pública não só identifica problemas, mas reforça a pressão exercida por eles, de forma a
tematizá-los, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de
serem assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar.
Na perspectiva de Tenório (2008), a esfera pública representa o espaço social
intersubjetivo e comunicativo onde ocorre a interação dialógica entre os participantes, ou seja,
constitui-se por uma rede de comunicação na qual há igualdade de participação sem nenhum
tipo de coação.
E na visão de Pereira (2011), a gestão social representa o processo social dialógico que
tem como fio condutor a cidadania deliberativa na qual a legitimidade das decisões se dá pelo
processo de discussão da sociedade, no âmbito da esfera pública habermasiana, e orientado
pelo pluralismo, inclusão, não coerção, igualdade participativa, autonomia e bem comum.
Este contexto se contrapõe à gestão estratégica por ir contra a prática tecnoburocrática e
monológica. O autor ressalta que a gestão social não está necessariamente voltada para as
políticas sociais, mas é condição para se alcançar a gestão democrática.
E no que diz respeito ao interesse público, de acordo com Oliveira (2012), este
representa a base teórica para a gestão social tendo em vista que o interesse público não
estatal sustenta a gestão social como ação gerencial dialógica, que legitima cada vez mais as
ações da sociedade como protagonista da democracia deliberativa e com distribuição mais
equitativa de poder.

O interesse público como categoria de interface entre a gestão pública e a gestão social

O interesse público tem sido utilizado pelo Estado e pela administração pública como
base de justificativas para decisões que envolvem conflitos de interesse, para celebrar
acordos, contratos e convênios do Estado com organizações da sociedade civil e do mercado,
bem como para dirimir questões judiciais. Geralmente, tem sido compreendido como o
interesse da maioria que se sobrepõe ao interesse da minoria, ou mesmo, como aquele
interesse que corresponde ao bem comum. No entanto, ao operacionalizar as decisões
públicas os gestores se deparam com sérias dificuldades de compreender o conceito. Sua
compreensão precisa ser aberta e clara a toda a comunidade para que seu objetivo torne-se
compartilhado e haja engajamento cívico, já que o mesmo deve refletir os anseios da
sociedade civil no sentido de promover o bem estar social.
O interesse público, de acordo com Tocqueville (1987), é uma característica do regime
democrático, principalmente, porque diz respeito à busca de soluções para problemas
coletivos e que dependem diretamente da articulação entre o público e o privado. Assim, cabe
ao Estado e à sociedade defenderem o bem público de forma a beneficiar toda a coletividade
em questão, sendo esta a principal interface entre a gestão pública e a gestão social.
Sob a ótica de Harmon (1969, apud OLIVEIRA, 2012, p. 25) “o interesse público é
definido como o resultado da competição entre a pluralidade de grupos com interesses
múltiplos”. Assim, a apuração do interesse público depende diretamente dos mecanismos de
participação que envolvem o processo decisório de formulação de políticas.
Desta forma, de acordo com Tocqueville (1987), o interesse bem compreendido
significa dizer que cada indivíduo deve ter a compreensão sua responsabilidade em zelar pelo
bem-estar da sociedade por meio da ajuda mútua e dispêndio de parte de seu tempo para tratar
de assuntos de interesse comum. Em sentido contrário está o interesse mal compreendido que
tem como principal característica refletir apenas o interesse privado de forma a não instigar a
participação coletiva.
Assim, a lógica do interesse bem compreendido passa pelo entendimento de que cada
cidadão é responsável pela administração e fiscalização da coisa pública ao mesmo tempo em
que há participação política, revelando o grau de interdependência entre os indivíduos
(BARBACENA, 2009).
Quando o poder se concentra nas mãos de um pequeno grupo acaba por não estimular
a participação da sociedade e, segundo Tocqueville (1987), à medida que os cidadãos não se
interessam pelo exercício de seus deveres políticos os mesmos acabam por deixar à margem o
interesse público para se aterem com mais afinco à metas pessoais. Portanto, o grau de
participação da sociedade nas questões políticas como também na defesa do interesse público
se relaciona diretamente com a maneira com que esta sociedade exterioriza suas formas e
parâmetros de seu funcionamento e organização.
Neste sentido, a gestão pública pautada pelo modelo gerencial tem como objetivo
principal a eficiência do aparato estatal o que reflete diretamente no alcance do interesse
público. Porém, a participação social se restringe, segundo Paes de Paula (2005), à esfera do
discurso porque as decisões são centralizadas.
Já o modelo de gestão pública societal busca a ampliação da participação dos atores na
formação da agenda política de forma a favorecer que o interesse público seja discutido
também no âmbito da sociedade, ou seja, incentiva a participação ativa dos cidadãos de forma
a beneficiar toda coletividade.
Assim, Oliveira (2012) ressalta que o interesse público pode ser estatal e não estatal. A
diferença é que a gestão pública está situada no âmbito do Estado e, por isso, está voltada para
atender os seus fins que devem refletir o interesse público. Já a gestão social está situada no
âmbito da sociedade e busca atender as demandas sociais que o Estado não alcança, ou seja,
abarca outra perspectiva do interesse público.
No âmbito da gestão pública, o interesse público reflete interesses comuns e
compartilhados em prol do bem comum que é o princípio maior que justifica a criação do
Estado. Assim, o interesse público é desenvolvido com um caráter mais legalista, embasado
essencialmente pela racionalidade instrumental e se reflete, por exemplo, na criação de leis
que buscam a proteção do coletivo frente aos interesses individuais. Tal fato se justifica
porque o Estado é responsável pelo bem de todos e o interesse público funciona como
orientador de valor na realização das ações governamentais além de ter supremacia sobre o
interesse privado (OLIVEIRA, 2012).
A gestão pública não estatal e a gestão social se aproximam pela temática do interesse
público por considerarem a sociedade como um ator importante cujo engajamento deve
fundamentar os processos que culminaram na resolução de problemas coletivos.
Outro fator relevante é que a gestão pública, segundo Oliveira (2012), é um espaço
que legitima o interesse público, mas quando o Estado passa a representar um meio de
dominação para defender o interesse das minorias além de continuar fomentando práticas
patrimonialistas, esta perspectiva não se valida. Desta forma, a gestão pública só aproxima da
gestão social quando suas ações buscam atender as demandas e necessidades da sociedade e
não das minorias.
No caso da gestão social, esta já traz em seu cerne o fomento à participação social nos
projetos políticos por meio do exercício da cidadania (FRANÇA-FILHO, 2008; TENÓRIO,
2008), sendo assim, meio propício para a aproximação da sociedade nas decisões de interesse
público.
Portanto, a característica da gestão social de buscar soluções para necessidades e
demandas sociais é também um fator de aproximação da mesma com a gestão pública. Porém,
a gestão social vai além da gestão pública por incluir a sociedade como um ator capaz, além
do Estado, de gerir suas demandas, discutir e buscar o interesse público através da auto-
organização.
Assim, o interesse público é percebido de forma diferenciada no âmbito da gestão
social porque suas bases como a dialogicidade, igualdade de participação, inclusão e
autonomia para discussão favorecem o exercício da cidadania deliberativa de forma que o
mesmo seja discutido e negociado pelo próprio grupo interessado em prol do bem comum.
Diante disso, é possível constatar que o interesse público se revela como mais um
elemento articulador e integrador da gestão pública com a gestão social por representar o
objetivo principal das ações das mesmas, mas o mesmo é percebido de forma diferenciada nas
duas esferas, principalmente, pela maior ou menor participação dos cidadãos nas decisões
públicas.
Considerações finais

A gestão pública brasileira, a partir da década de 80, se desenvolveu a partir dos


modelos gerencial e societal. O primeiro tem característica mais centralizadora no que diz
respeito ao processo decisório referente à condução das ações públicas, e o modelo societal se
caracteriza pela ampliação da participação da sociedade da agenda política.
Desta forma, este estudo buscou demonstrar como o interesse público se constitui
como uma categoria teórica de interface entre a gestão pública e a gestão social já que as
mesmas representam espaços legitimadores deste.
O interesse público é uma característica do regime democrático e, na perspectiva de
Tocqueville (1987), representa a busca de soluções para problemas coletivos por meio da
articulação entre o público e o privado, ou seja, torna-se evidenciada a necessidade de uma
ação conjunta entre Estado e sociedade na defesa do bem comum de forma a beneficiar toda a
coletividade.
Assim, por meio deste estudo tornou-se possível constatar que o interesse público se
revela como mais um elemento articulador e integrador da gestão pública com a gestão social
por representar o objetivo principal das ações das mesmas, mas o mesmo é percebido de
forma diferenciada nas duas esferas, principalmente, pela maior ou menor participação dos
cidadãos nas decisões públicas.

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