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Por fim Cerri aborda a relação entre saber histórico e saber escolar. O que
deve-se considerar primeiramente é que existem diversos saberes históricos,
consequência própria da diversidade de formas que a consciência histórica pode
assumir; desse modo, aqueles tipos seriam apenas dois entre muitos, ainda que
quando se trate do saber histórico acadêmico este tenha-se tornado o referencial mais
atravessado por poder. Há diferenças qualitativas entre o saber histórico produzido na
academia e o saber histórico manifestado na escola, diferenças que passam pelas
“finalidades, fontes de informação, procedimentos de trabalho e resultados” (p.108); é
por conta disso, Cerri citando Rüsen, que se faz necessária uma disciplina para o
aperfeiçoamento do ensino de história, sua didática. Cerri também acredita valiosas
as contribuições de Klaus Bergmann sobre o papel da didática do ensino de história.
Esta comporia uma subdisciplina interna à História como campo disciplinar, e estaria
preocupada com a “formação, conteúdo e efeitos da consciência histórica”
(BERGMANN apud CERRI, p. 109). Assim tomada, a didática da história não se
reduziria à metodologia de ensino, mas também seria pesquisa, que se realiza no seio
da realidade social e assumiria uma postura propositiva na hora do ensino; isso
acabaria por contribuir para o retorno social dos investimentos feitos na História, uma
vez que os pesquisadores, através mesmo da pesquisa de professores, estariam mais
alertados sobre as “demandas de sentido” que a dinâmica histórica produz em dado
momento.
***
Uma pergunta que sempre faço-me durante a leitura de qualquer que seja o
texto: em qual mundo a visão desse autor faria sentido sem que fosse solapada por
outras formas de enxergar as coisas, o mundo e os homens? Apesar da diferença
entre o conceito de consciência histórica em Ariès e Gadamer, construção, e em
Rüsen e Agnes, imanente, na sociedade ela acaba por impor-se prática e eticamente
como proposições que levem à transformação social; para os dois primeiros essa
transformação estaria no sentido de possibilitar o desenvolvimento da consciência
histórica aos que não a possuem; nos outros dois, por reconhecerem a multiplicidade
do saber histórico, logo de diferenciadas consciências históricas, a transformação se
daria por proposições que sejam consensuais, não um resgate dos alienados como
soaria nos primeiros, mas a definição consensual e intencional dos desdobramentos
do saber histórico dominante ou que se assumirá dominante (pergunto-me,
consensual e intencional quanto a quem? Pois no seio social, precipuamente nos
espaços públicos oficiais, a hegemonia do saber histórico acadêmico assume uma
postura clara de violência simbólica, nos termos de Pierre Bourdieu, até mesmo
prática quanto aos outros saberes e os sujeitos que os produzem).
No que Cerri traz de Rüsen e Agnes em seu artigo, a consciência histórica seria
consequência de se estar num mundo histórico e do próprio sujeito humano ser
histórico e por conseguir projetar-se nos três sentidos do tempo, o que instauraria uma
necessidade de significação constante do estar-no-mundo, uma vez que uma das
consequência da consciência é a intencionalidade e o agir humano sempre seria
atravessado por algum grau desta. Com isso temos historicidade, consciência
histórica e significação, os três interagem e são constantes na existência humana
independentemente do espaço-tempo. Há algo que se deixou passar nas
considerações sobre historicidade e que me parece permitir habilitar também o
conceito de consciência histórica enquanto construção sem se cair na implicância de
considerar outros indivíduos ou sociedade alienados: aceitamos, atualmente e em
bom número, que tudo na existência humana sofre da história, ou melhor, do princípio
de historicidade, assim o é e foi em todas as épocas que o ser humano esteve. Por
outro lado, se tudo na existência humana sofre de historicidade, na prática, aquilo que
vem à consciência histórica como sendo histórico nem sempre é o mesmo. Em
diferente épocas há coisas que se admite ou não históricos, assim como Gadamer
parece-me que só recentemente tudo o que existe passou a ser tomado como
atravessado pela historicidade. Rüsen traduz isso como a “forma” histórica que algo
geral, a consciência histórica, toma. Ainda assim, não soa-me incorreto falar de
“tomada de consciência” da historicidade de algumas coisas ou abertura da forma da
consciência histórica para coisas que antes não se davam a ela, assim não sendo
consideradas históricas ou parte da consciência histórica; parece-me que são a essas
coisas que, de forma muito mais restrita do que acredito ser, Rüsen chama “tradição”.