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Um rio de esgoto atravessa a região metropolitana de São Paulo.

Grande parte dos


dejetos do polo urbano que concentra a maior riqueza do Brasil vai parar no Tietê, o que
transformou o maior curso de água do estado em um canal fedorento de aspecto sujo.
Quem chega a São Paulo pelo aeroporto de Guarulhos ou pela rodoviária do Tietê é
recebido pelo odor desagradável desse anti-cartão postal. Não raro, motoristas da
marginal Tietê levantam as janelas para tentar conter o mau cheiro. O odor é o sintoma
mais perceptível de que algo está errado com o rio. E, ao contrário do que se pensa, a
culpa não é só das moradias improvisadas e sem saneamento básico. A Pública visitou
sete bairros e verificou que o despejo de esgoto sem tratamento vem tanto de barracos
quanto de mansões.
Desde 1992, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)
administra o Projeto Tietê, cujo objetivo é ampliar a coleta e o tratamento de esgoto na
Grande São Paulo e, consequentemente, despoluir o rio. A conta do projeto não é exata,
mas pelo menos US$ 3,6 bilhões já foram direcionados para as obras.
O problema é que a própria Sabesp é uma das grandes responsáveis pela poluição
das águas. A Pública descobriu que em vários pontos da capital a empresa capta o esgoto
das casas e o joga sem tratamento nos rios, córregos e represas que compõem a Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê, cujo perímetro coincide com os limites da Grande São Paulo
– onde vivem 20,2 milhões de pessoas. A prática configura crime ambiental segundo o
Artigo 208 da Constituição Estadual.
O despejo de esgoto sem tratamento é só uma parte da complexa resposta a essa
pergunta. Outro problema é a dimensão do programa: ele prevê ações em 27 das 39
cidades da grande São Paulo.
Em 1992, quando o projeto foi criado, 70% do esgoto da região metropolitana de
São Paulo era coletado, mas só 24% desse volume era tratado. Ou seja, apenas 17% do
total do esgoto era tratado, enquanto 83% eram jogados in natura nos rios, como aponta
a Sabesp. Até então, havia apenas duas estações de tratamento, Barueri e Suzano, com
capacidade de tratar 4 mil litros de esgoto por segundo. Na primeira etapa do Projeto
Tietê foram construídas mais três estações, que entraram em operação só em 1998 e
elevaram a capacidade de tratamento para 18 mil litros por segundo.
O investimento de aproximadamente US$ 3,6 bilhões no projeto ao longo de 23
anos trouxe avanços. Hoje, 87% do esgoto é coletado e 68% desse total, tratado, de
acordo com a Sabesp. A mancha de poluição – trecho em que o Tietê é considerado
“morto”, já que não consegue abrigar vida porque há pouco oxigênio dissolvido na água
– recuou 86,6% desde o início do projeto. Quem atesta é a ONG S.O.S Mata Atlântica,
que tem a função de monitorar os indicadores de qualidade da água no Projeto Tietê.
Porém, a porcentagem de esgoto coletado caiu de 70% para 68% entre 2008 e 2014.
O Projeto Tietê foi criado depois de uma campanha encabeçada pela S.O.S Mata
Atlântica com veículos de comunicação, principalmente a rádio Eldorado. Na época,
reuniu 1,2 milhão de assinaturas que pediam a despoluição do rio. O abaixo-assinado foi
entregue ao então governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho e ao ex-presidente
Fernando Collor na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento – Rio-92. O estado de São Paulo, então, firmou um convênio com o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), principal financiador do projeto até
hoje, seguido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A previsão é que a terceira etapa do projeto seja concluída em 2016, quando 84%
do esgoto coletado deverá ser tratado, de acordo com a meta estipulada. A quarta etapa
ainda não tem financiamento previsto, segundo apurou a Pública. Embora o governo
afirme que a verba virá do BNDES, a assessoria de comunicação da instituição informa
que “o Banco ainda não foi procurado com pedido de financiamento para a quarta etapa
do Projeto Tietê”.
O rio Tietê percorre 1.100 km e banha 62 municípios no caminho de Salesópolis,
próximo ao litoral, até a divisa com o Mato Grosso do Sul, onde deságua no rio Paraná.
A qualidade da água do rio passa de boa na região de Biritiba Mirim e Mogi das Cruzes
para ruim na região de Suzano, até começar a ficar péssima em Guarulhos e São
Paulo, de acordo com dados da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
(Cetesb), órgão ligado à Secretaria Estadual do Meio Ambiente. A piora na qualidade da
água coincide com os locais onde o rio recebe a maior quantidade de esgoto doméstico
e industrial.

De acordo com Malu Ribeiro, da S.O.S Mata Atlântica, a maior parte da poluição
do rio é causada por esgoto doméstico (cerca de 60%). Os outros 40% estão divididos
entre a poluição industrial, lixo, agrotóxicos e carga difusa (aquela sujeira que é “varrida”
pela chuva em direção aos rios e córregos).
A saúde do rio está diretamente ligada ao processo de urbanização e
industrialização da metrópole. “A causa dessa grande poluição é um processo de
ausência de articulação entre as políticas urbanas e as políticas de habitação”, analisa
Angélica Alvim, urbanista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que
pesquisa a gestão da bacia na região metropolitana de São Paulo. Durante a década de
1970, o processo de ocupação urbana começou a ser principalmente periférico, com
padrões precários de infraestrutura. As pessoas se instalaram nas periferias e em áreas
de mananciais, que ficam no entorno dos corpos de água que abastecem a cidade. Hoje,
665 mil pessoas vivem em favelas ou loteamentos irregulares na região de mananciais,
de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação.

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