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Ciro Flamarion S.

Cardoso

AMÉRICA
PRÉ.COLOMBIANA

ÊerorscA FhtrcA
*^'*'I^Tryyl'
i. t-r r93 DAIÀ^9.,\-J "- '--

N.A 10648
Tombo: 282

llillllil]ililil1rIil
editora brasiliense
i,

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aÍmazenada em sistemas eletônicos, totocopiada,
rcproduzida por meios mecânicos ou outtos quaisquet
sem autoizaçáo ptévia do edíto.

ISBN: 85-1 1-02016-0


Primeira ediçáo, 1981
9ê reimpressáo, 2004

Revisáo: Carlos E. Carvalho e José E. Andrade


Capa: 123 (antigo 27) Artistas GráÍicos

INDICE
Dados lnteÍnaclonals de Catalogáçáo na Públlcaçáo (ClP)
(CâmaÍa Brasllolra do Llvro, Se Brasil)

Cardoso, Ciro Flamaíion S, 7


América pré-colombiana/ Cilo Flamaíon S. Cardoso.
Inttodução
- Sáo Paulo : Brasiliense, 2004. - (tudo é história ; 16). Sociedades pré-agricolas . 12
S ocie dades agrícolas p ré -u rb anas 34
da 1. ed. dê 1981.
9ê Íeimpr.
lsBN 85,1't,0201ÊO Agricultura intensiva e urbanização: as "altas
culturas " p ré - colom b ianas 52
1. Amêrica - Civilizaçáo 2. AméÍicâ - Antigüidades 109
I Títulô ll Sárie. Reflexões Íínais
Indicações para leitura ... 115

cDD-S70.01

índices para catálogo slstemático:


1 . América pré-colombiana : Civilizaçáo 970.01

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INTRODUÇÃO

"A civilização Íomana não morreu de morte


natural. Foi assassinada." Assim concluiu André Pi-
ganiol o seu livro sobre o Impêrio Romano no século
iV depois de Cristo (L'empire chrétien 325'395' Pa'
ris, P. U. F., 1947 , p. 422). Tal afirmação, discutivel
no câso romano, aplica-se perÍeitamente às nume-
rosas sociedades indigenas existentes no continente
americano na Íase do descobrimento europeu e da
conquista (fins do século XV e século XVI; em certas
regiões, a conquista Íoi mais tardia). De tal fato
derivam-se muitos problemas de documentação e
mesmo de interPretação.
De documentação: os conquistadores destruí-
ram monumentos - grandes centros urbanos da
última fase prê-colombiana foram transformados em
cidades espanholas (Mêxico, Cusco) - e obras de
arte (fundidas quando conleccionadas com metais
preciosos), queimaram quase todos os códices (ma'
Ciro Flamaion S. Cardoso Américo Pré-Colombiano

nuscritos prê-colombianos, encontrados principal- códices de outros povos no afã de "Íeescrever" a seu
mente na área que hoje corresponde ao México cen- favor a história do Mêxico central,
tro-meridional). Mais grave ainda, a conquista e as Podemos dividir em três grandes grupos os
primeiras Íases da colonização significaram a des- documentos de que dispomos para o estudo da anti-
truição física da maioria absoluta dos indios, através güidade americana. O leitor constatarâ facilmente
de epidemias repetidas, escravidão e trabalhos Íor- que a região melhor aquinhoada ê a que os arqueó-
çados diversos, confisco de terras, ruptura violenta logos batizaram como "Meso-Amêrica" (boa parte
da organização social, Íamiliar, religiosa, cultural. do Mêxico, Guatemala, El Salvador e porções de
Entre os milhões que morriam, desapareceram mui- Honduras, Nicarâgua e Costa Rica atuais).
tos sábios portadores da tradição de civilizações mo- Consideremos, em primeiro lugat, as lontes dis-
ribundas. Tudo isto limita muito a quantidade de poníveis paro toda a América. São os restos arqueo-
informação que se pôde recolher sobre as últimas lógicos, os textos em línguas europêias redigidos por
etapas da história pré-colombiana. conquistadores, cronistas, missionârios, funcionários
Problemas de interpretação: nas regiões indí- reais dos primeiros tempos da colonização; às vezes
genas e mestiças da América, o trauma da conquista tambêm temos obras de escritores indígenas e mes'
e da colonização se prolonga até hoje, expressando-se tiços em línguas européias e documentos legais (rela'
na oposição entre "hispanistas" e "indigenistas", tivos à terra, por exemplo) das colônias incipientes.
apologistas respectivamente da obra civilizadora ibé- O próprio mapa lingúistico da época da conquista,
rica e do passado indígena. Em ambos os casos, são quando é possível reconstitui-lo, torna-se Íonte de
posições unilaterais, distorcidas e idealizadas. Em grande interesse.
certos palses, quase se teria a impressão de que polê- Em seguida, hã lontes disponíveis principol'
micas coloniais versus Las Casas, Sar- mente para a Meso-América e a zona andina central
miento de Gamboa - Sepúlveda
verszs Garcilaso de la Vega (Peru, Bolívia, partes do Equador, do Chile e da
-
ainda não terminaram... Argentina). ReÍerimo-nos a textos em lín8uas indl
É verdade, no entanto, que a conquista não genas, provenientes da tradição oral, fixados com
pode explicar tudo. Os tipos possíveis de testemu- caracteres latinos depois da conquista. Merece men-
nhos variam tambêm segundo os graus de evolução
ção especial, neste ponto, o imenso trabalho de Ber-
social do povos prê-colombianos de todas as épocas. nardino de Sahagún no México.
Houve, enfim, destruições deliberadas de documen- Finalmente, temos as/ozÍes só disponíveis pora
tos históricos, por razões poüticas, antes da chegada a Meso-Amértca: côdices ou "livros de pinturas",
dos europeus. Assim, os astecas destruiram velhos dos quais sô quarenta são pré-colombianos, e outros
r0 Ciro Flamaion S. Cardoso Àm éri c o Pré-Colomb ian a

do século XVI, mas feitos seglrrndo a tradição indl eliminar as deÍormações induzidas por uma docu-
gena; e inscrições, principalmente na zona maia, mentação de origem européia ou de europeus resi-
ainda não totalmente decifradas na atualidade. dentes (criol/os), nascidos na América' Apóia'se ao
Tendo em vista a natureza das fontes disponi' mesmo tempo em métodos históricos e antropoló-
veis, que métodos podem ser aplicados ao estudo da gicos.
história pré-colombiana? Por fim, para os sêculos que precedem imediata-
O único mêtodo universalmente aplicâvel ao mente a conquista, em certas regiões privilegiadas -
passado indígena da América é o arqueolôgico, mais como é o caso do México central o método histó-
exatamente o da arqumlogia Pré'histórica. Trata'se
-,
rrco no sentido tradicional ou estrito, baseado em
da reconstituição de culturas desaparecidas através documentos escritos que procedem do passado pré'
dos vestígios materiais por elas deixados (esqueletos colombiano ou da lixação da sua tradição oral, é pos-
dos homens, ou dos animais de que se alimentavam; sivel, embora os historiadores tenham de se apoiar
restos de casas, túmulos, templos; arteÍatos e objetos igualmente nos resultados da arqueologia e da etno'
diversos: cerâmica, esculturas, instrumentos agríco- história.
las e outras ferramentas, etc.), obtidos em muitos Deve Íicar claro, porém, não ser possível para
casos através de escavações realizadas segundo mé- qualquer periodo pré-colombiano a construção de
todos sofisticados, e interpretados com apoio em um saber histórico comparável ao que possuímos
uma tecnologia avançada (datação pelo carbono 14, acerca da Grécia ou Roma anügas, por exemPlo, já
palinologia ou estudo dos polens Íôsseis para recons' que estas são civilizações para as quais podemos
tituir floras desaparecidas, métodos estatísticos, etc.) dispor de muito mais documentação escrita, possibi-
e em algum sistema teórico acerca dos aspectos dinâ- litando uma visão bem mais detalhada dos processos
micos e estruturais das sociedades humanas. e estruturas . Mu tatis mutandis , a situação do conhe-
Outra metodologia muito importante para os cimento histôrico acerca da Amêrica pré-colombiana
estudos pré-colombianos ê a da etno-históna. Estâ se assemelha à do que se reÍere à ÃIrica Negra pré-
foi, a princípio, uma espécie de etnografia descritiva, colonial, inclusive na deformação produzida por uma
aplicada retrospectivamente às Íontes da êpoca da distribuição muito desigual dos trabalhos dos espe-
conquista e dos primeiros tempos da colonização. cialistas no tempo e no espaço: hâ regiões e peíodos
Hoje ê algo bem mais sêrio e interessante: o uso muito Íreqüentados, enquanto outros permanecem
cítico de documentos diversos para a reconstruçeo quase desconhecidos.
das estruturas econômicas, sociais, políticas e inte-
lectuais dos diversos grupos indigenas, tratando de
Amé ric a Pré- Colombiana 13

QUÀDRO I
- Cronologt. dr úldÍn. 8hct.çío do Pleltaocdro ou Qur'
temlrlo (Wsconrltr) tr Aloórlcr, ragündo Bodch Glmpcra.
Fases ai! F66hdot Fotot .lo pté'hitúna an.ncdna
(dosr. c.) ,a6(ou íríd
8l.ciare, (reiirad.s
glâciares)

50000-45 m AÍ!êÍi.a provsÍêlm.íte ri.d3


45 00-400m
4000G30 0m IÍtcio do povoslnento d3

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SOCIEDADES PRÉ-AGRICOLAS 30000-25
2s(xn,230m Poüos ítios arqu@ló9i.6
dâtad6, como Tl&PâcoYa, no
2300G200m Méxi@ . Pikirachâr, no Pêru.
20ün-1E0m
raü)Gl60m
O povoamento da América 160m.150m
t500Gl4 0([ Enir.da de caçdoÍes súPerior.s
poÍ BÚiÍg/corr.d,or do
Esta é uma questão que permanece sem solução r4fin-13 500 Cary I Mackenzi. ( ?). A pont. de
Sprineúêld pÍojéür d. Muâco (VenezuelÀ)
cabal, em parte pela quantidade ainda insuÍiciente e l3 500-130m
toi d.tadâ entft 144m a. c.:!
pela grande dispersão dos achados arqueológicos de 1300G12000 csry ll rme 123m a. C. I 50O.
(xn-11000
restos humanos e implementos anteriores ao século 12

X a. C.t T.m inlcio â ditusÀo d3s Pont6


Talvez convenha resumir, antes de mais nada, 110m-10m CaryIIl d! proi&il d. EsdiçÃo chamad!

os pontos sobre os quais hâ hoje um consenso geral Ini.ir-s . difusro das ponta de
ou quase geral. São eles: 1) a impossibilidade de 10(m-9100 prcjétil dô tradiçao châm8dá
uma evolução autóctone do homem ter-se produzido
na América: todos os esqueletos humanos até agora ApoSlu do Pêlêoütio Sup.Íior
9lm.E 6m
encontrados têm quando muito algumas dezenas de
86Gó0m Trmsiçio do P.l.oÍtio
SupeÍior !o MesolÍtico. InÍcro
ds dorfleíica§ao dê plântâ§
(1) O sistema de datação mais usual hoje em dia é o que tomâ (MesAméÍic!, 70m t. c.).
como relerência o nascimento de Cristo, diÍerenciando a Partir dal as
datas antes de Cristo (a. C. ou a. de J. C.) e as datas dePois de CÍisto (d
C., d. de J. C., ou ainda a.D., óolat.monno Domrri: "ano do Senhor").
14 Círo Ramaion S. Cqrdoso m éric a Pré - Colomb iana 15
^

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Ciro Flamaion S. Cardoso Amé ric a Pré -Colo m bian o

milhaÍes de arros, sendo do tipo totalmente atual chay, no Peru, 19 60O t 3000 anos atrás, entre
(Homo sapiens sapiens), ao qual se atÍibui no Velho outros sítios), e também na medida em que se esta-
Mundo uma antigüidade de no máximo cinqüenta belecem hipóteses sobre a migração asiática vincu-
mil anos, e pôr outro lado não hâ restos de grandes ladas às fases do último Íenômeno glaciar do Qua-
primatas Iósseis no continente americano; 2) a rcta ternârio (glaciação'? chamada de Würm no Velho
que conduz da Ãsia à América do Norte, sejâ pelo Mundo e de Wisconsin na América), é hoje fre-
que é hoje o estreito de Bering, seja pelo atual qüente achar nas sínteses interpretativas uma anti
arquipêlago das Aleutas, é considerada o caminho güidade máxima para o primeiro povoamento que
principal (para alguns, o único) e mais antigo das yaria entre 20 e 40 000 anos atrâs (contra os 5000
migrações povoadoras da Amêrica; 3) admite-se anos apenas que admitia Hrdlicka). O escavador do
atualmente unna antigüidade muito maior ao início sítio de Onion Portage, no Alasca (D. D. Ander-
- aceita-se, emdoespecial,
desse povoamento que son), atribui uma antigüidade de no mâximo 15 000
houve um Paleolítico americano que pensa- anos ao complexo cultural mais antigo que desco-
-
vam. no começo deste século, sâbios como Ales briu ali, perto de Bering, mas isto não é, como vere-
Hrdlicka ou William H. Holmes; 4) embora neste mos, uma prova concludente, já que, se a rota da
aspecto o consenso seja menos geral, muitos espe- primeira migração Íoi costeira e não continental,
cialistas acreditam que o povoamento se Íez em di- seus restos estão hoje sob o mar, cujo nível subiu
versas ondas e no curso de longos perlodos, contra a desde a fase final da última glaciação.
idéia anterior da entrada única de um grupo de Acreditava-se, ao começar o século, que os po-
migrantes racial e culturalmente homogêneos. voadores da América tivessem vindo da Ásia pelo
Quanto à antigüidade mâxima do povoamento' caminho de Bering, sendo todos pertencentes à raça
a aplicação do mêtodo de datação pelo carbono 14 mongolóide. Isto apesar de que P, W. Lund havia
proporcionou datas seguras e numeÍosas para o sé-
culo X a. C. Todas as datas mais antigas foram,
porém, contestadas ou pelo menos postas em dúvida (2) As glaciações são fases da hist6Íia de nosso planeta durante as
quais, por razõ€s ainda mal explicadas as hipôteses a rcspeito são
em maior ou menoÍ grau. Pouco a pouco, contudo, variadas
-
a tempeÍatura média baixa consideravelmente, provocando
na medida em que algumas datas vêm obtendo um -,
nas altas latitudes continentais a acumuldção de grandes geleiras, e nas
consenso consideravelmente amplo (Tlapacoya, no zonas tropicdis o aumento das chuv6s. Durante a era geol6gica chamada
México, entre 21700 + 500 e 24 000 I 4000 anos Pleistoceno ou Quaternário, começada há uns dois milhões de anos,

a cifra depois do sinal + indica a margem


houve quatro Slaciações, separadas por períodos inter-glaciares quentes;
atrâs
de erro
- possivel para mais ou para menos; Pikima-
o Holoceno, período geológico em que vivemos, seSundo alguns não
passa de uma lase inter-glaciar,
Circ Flamarion S. Cardoso A m é ric o Pré - Colombiona

descoberto (por volta de 1840) e S. Hansen estudâdo continente americano ao começar a conquista euto-
(1888) o "homem de Lagoa Santa" (Minas Gerais), péia. O esquema de Rivet foi substituído por outros,
relativamente antigo (atribuise-lhe hoje uns dez mil mais apoiados na arqueologia, baseados por exem-
anos), o qual nada tem de mongolôide. Agora, ao plo nas mudanças de tecnologia: é verdade que um
aceitar-se uma antigüidade maior para o povoa- novo elemento técnico pode provir de invenção para-
mento do continente, é inclusive absurdo insistir na lela, do contato cultural ou comercial sem migra-
unidade mongolóide dos povoadores, jâ que não ção, ou da migração de grupos numericamente ínÍi-
existiam mongolóides quando se iniciou a migração, mos. Parece bem estabelecida, através de numero-
mas apenas pré ou proto-mongolóides, ou seja, um sos indicios culturais, a ocorrência de contatos através
estoque racial menos especializado, do qual mais do Pacífico: estes seriam tardios, posteriores a 3 000 a.
tarde evoluiriam os mongolóides atuais (que pare' C., e talvez se tenham dado em diversas ocasiões,
cem constituir uma especialização bastante recente até fins da era prê-colombiana.
às condições de frio extremo da Âsia Setentrional). A América pode ser atingida pela região do
Os proto-mongolôides que passaram à América vi- estreito de Bering, pelo Atlântico e pelo Pacífico
veram ai em condições de meio-ambiente muito va- (para não mencionar a hipótese antártica de Men-
riadas durante milênios, sendo altamente provável des Correa). Sabe-se que os vikings colonizaram a
que tenham sofrido mutações e variações genéticas, Groenlândia (sêculos X-XVI d. C.) e atingiram a
paralelas às que estavam ocorrendo na Asia. Por ou- América do Norte, sem ter tido impacto discernível
tro lado, ondas mais recentes de povoamento asiâ- sobre as culturas indlgenas. Pretendeu-se igualmen-
tico podem, sem dúvida, haver trazido à América te postular um povoamento pré-histôrico através da
mongolôides autênticos. navegação transatlântica na época do Magdaleni-
A idéia de um povoamento heterogêneo em di- ense euÍopeu (por volta de 12000 a. C.), hipótese
versas ondas, defendida entre outros por Paul Rivet que repousa em bases muito frágeis, como também a
(para quem tais ondas seriam: asiática, australiana, que menciona possíveis influxos negróides africanos,
melanésia e polinésia), recebe algum apoio de ele- Jâ vimos que os contatos transpaciÍicos são indubi-
mentos derivados do estudo lingüistico. Parece difi- tâveis, mas tardios: além disto, podem ter-se dado
cil, se se partir da idéia de um único movimento tanto no sentido oeste-leste quanto no sentido con-
migratório homogêneo, explicar como, em poucas trârio. Quanto ao caminho principal, o de Bering,
dezenas de milênios, se formaram as duas mil e como não está provada a existência há 40 000 ou
seiscentas línguas, pertencentes a diversos grupos mesmo 20 000 anos atrás de embarcações capazes de
lingüísticos (alguns jâ residuais), que existiam no atravessar o estreito, a maioria dos pesquisadores
m Ciro Flsmorion S. Cqrdoso Á mé r ica Pré -Colambiono

passado à América: vârios autores defendem corre-


vincula as primeiÍas miSrações à última glaciação,
quando a â8ua retida nas geleirâs continentais fez lações culturais segundo esta hipôtese. Falta ainda,
de fato, um estudo sistemático de tipo comparativo,
baixar o nível do mar, aparecendo na Íegião do
e em grande escala, dos utensflios pró-históricos de
estreito e das ilhas Aleutas todo um subcontinente,
ambos os lados do estreito de Bering (na linguagem
a "Beríngia", C. A. Chard, C. J. Heusser e P'
Bosch Gimpera sugerem que possivelmente devemos técnica da arqueologia, tratar-se-ia de uma análise e
distinguir áuas rotas: uma, costeira e mais antiga correlação multivariâvel de arteÍatos e complexos).
(talvez durante a Iase glaciar de Farmdale, entre
40 000 e 30 000 a. C.), seguida por caçadores e
pes-
cadores adaptados a um ambiente ártico de tundra,
Existiu na América uma etapa cultural
que pelo sul da ponte de Bering ou pelas Aleutas
p"rtá."- ao sul do Alasca, contornando o que ê anterior ao Paleoútico Superior?
-hoje
o litoral do Canadá e chegando ao oeste dos
atuais Estados Unidos; a outra, interior e posterior, Hâ muita discussão a respeito de saber se, an-
de caçadores avançados jâ providos de projêteis com teriormente aos caçadores especializados de grandes
ponta de pedra, numa fase de parcial retirada gla- animais, armados de projéteis com ponta de pedra,
ciar (talvez a de New Haven, entte 15000 e 14000 a América conheceu uma etapa cultural cujas carac-
a. C.), quando se abriu o corredor do Mackenzie, terísticas seriam: 1) o caráter tosco e não-especiali-
interrompendo localmente a barreira das geleiras zado dos utensílios (pedras talhadas por percussâo e
não por pressão), com ausência de pontas de projétil
continentais: estes novos povoadores teriam avan-
de pedra, e portanto da possibilidade de atacar
çado do norte canadense ao centro dos Estados Uni- frontalmente os grandes mamíIeros, furando a sua
àos de hoje. É interessante notar que, na atuali-
dura pele; 2) um modo de vida baseado na coleta e
dade, o estreito de Bering às vezes se congela e pode
a
na câça não-especializadas (subsistência dependente
' ser atravessado Pê.
A questão de determinar o nível cultural dos da coleta de frutas, raízes, animais pequenos, Iilho-
primeiros povoadores é objeto, jâ o verelnos, de tes, animais grandes doentes ou então caçados por
grandes pólêmicas, complicadas pela insuficiência meios indiretos, fazendo-os cair em armadilhas,
áe conhecimentos sobre a pré-história da Sibéria a afundar-se em pântanos, etc.); 3) uma densidade de
leste do rio l-er'a. É verdade, aliâs, que nada im' população muito baixa, deüdo ao nível primitivo
pede que grupos humanos do Sudeste Asiático e da das Íorças produtivas, o que se reflete, no registro
bt irra, ruÚinão pela costa da Ásia, hajam tambêm arqueolôgico, em um número pequeno (se compa-
22 Ciro Flamarion S. Cardoso Ám é r i c a Pré -Colombiano

rado com o de fases seguintes) de sítios pré-histó- tência dessa etapa cultural americana prévia ao Pa-
ricos3 que possâm ser atribuídos a esta etapa. leolítico Superior.
As provas arqueolôgicas disponíveis para afir- Ao aceitar-se isto, surge de imediato outro pro-
mar a existência de tal etapa cultural são até agora hlema. Na Europa, no Oriente Próximo e na Âfrica,
mais numerosas na América do Sul, mas também as têcnicas anteriores ao Paleolítico Superior apa-
existem no que hoje são o México e os Estados Uni' recem associadas a hominideos Íôsseisa (Homo ha-
dos. As dúvidas permanecem devido a uma série de hilis, Homo erectus, o Homo sapiens neandertha'
fatores: 1) certos sítios que se pretende atribuir a tal /ensr's e seus contempoÍâneos), Ora, jâ vimos que na
etapa são superficiais, impedindo uma datação con- América não há qualquer sinal de tais hominideos
fiável, e outros nunca foram datados; 2) em certos anteriores ao Homo sapiens scprans. Ocorre, porêm,
casos Iez-se a datação pelo carbono 14, que indicou que a Ãsia meridional e oriental apresentava, no
grande antigüidade, mas tais datas Íoram depois Paleolítico, um carâter conservador na sua tecno-
revistas ou postas em dúvida; 3) às vezes a datação logia lítica:s o Paleolítico Superior siberiano, por
do sítio é segura, mas contesta-se que os aÍtefatos exemplo, só se desenvolveu em {ase cronológica ab-
descobertos o sejam de fato: seriam apenas forma' soluta correspondente ao Mesolitico europeu. As-
ções naturais de pedra, não'devidas à Íabricação sim, teria havido simplesmente uma translerência à
humana; 4) muitos sítios são tão pobres que não é Amêrica de um atraso tecnolôgico (e no modo de
possível aÍirmar a ausência de elementos do Paleoll vida) já presente nas regiões de origem dos primei-
tico Superior (pontas de projétil, por exemplo) com ros migrantes.
qualquer ceÍteza, náo sendo representativa a amos-
tra que proporcionam; 5) Iinalmente, grupos huma'
nos tecnicamente avançados podem labricar, para
certos Íins, utensílios de aparência toscâ: não são
propriamente arcaísmos, e sim o resultado de que
necessidades semelhantes, ao voltarem a apaÍecer, (4) Châmamos hominídeos a um grupo de mâmíIeros da ordem
levaram a respostas técnicas parecidas. dos Primatas que inclui o homem atual (Ilorno §rpiens raprenr) e seus
No conjunto, porém, o ceticismo tem dimi' predecessores Iôsseis em linhs direta, além de alguns ramos colaterais
extintos sem descendência, como os Àustralopitecos da ÀÍrica.
nuído, e cad,a vez mais especialistas aceitam a exis- (5) Formas de labricação de objetos ou utensllios de pedra. O
homem pÉ-hist6rico usâva mâdeira e outras mateÍias-primas âlém da
pedrâ, mas s6 esta se conservou no rcgistÍo arqueol6gico na maioria dos
(3) Sltio pré-histôrico é uma localidade na qual foram encon' casos, sendo por tal razão tomada como critéÍio de classilicação dos
trados restos arqueológicos de assentamentos humanos dâ Pré'Hist6ria. grupos humanos da Pré-Hist6ria.
Ciro Flomarion S. Cardoso Á m é ric a Pré-Colom biana

O Paleolítico Superior
§He
Se a fase precedente é objeto de controvérsia,
hoje ninguém duvida de que, durante vários milê-
nios, principalmente entre 11000 e 7000 a. C., em ãÊs
o o\
vârias partes do continente americano, grupos hu- §9"
manos dotados de uma tecnologia lítica que incluia §+§
as pontas de projétil hajam caçado grandes animais
{E{
atualmente extintos, do período Pleistoceno: ma-
mutes; bisões, cavalos e camelos Íósseis; megatérios,
mastodontes, etc.
O exame dos restos arqueológicos correspon'
dentes a este Paleolítico Superior americano mostra
principalmente o seguinte: 1) a proliÍeração dos sl
ffi" 8\
§§§§ü
§
§

iios, indicando maior densidade demogrâfica em \lr.l:i


'! §q
função de uma tecnologia mais eficiente; 2) uma
sucessão de tipos de pontas de projétil e outÍos arte- (â\^§
fatos que indica uma diversidade ou regionalização .§J
cada vez maior dos complexos técnicos; 3) a persis- d
tência paralela da antiga tradição litica ligada à ca- §§E
ça e coleta não-especializadas da etapa anterior, § i:E
com modificações. t g<
Discute-se muito a questão da origem das pon-
tas de projêtil americanas: difusão a partir da Asia : §.:
ou invenção independente na Amêrica? A última
hipótese parece mais provável, por Íazões tipolôgi
3( L
cas e cronolôgicas, em particular para as pontas §oq
O,:-
altamente especializadas da tradição chamada Lla'
zo (Clovis, Folsom, ScottsbluÍf, etc.), podendo-se r§r'
admitir uma origem asiática para o tipo mais gene'
ralizado (ou seja, menos especializado) e aparente- ri §€
Ciro Flamarion S. Cardoso A m é ric o Pré-Colombiana 4,,
26

mentê mais antigo de pontas, ligado à tradição cha' modo de vida pode ser classificado como baseado
mada Plano. Porém, certos autores (Cruxent, Bren- sobretudo na coleta de plantas e animais e não na
nan) postulam uma invenção sul-americana na caca especializada, embora o grupo ali residente dis-
das primeiras pontas de
-
projétil pusesse de pontas de projétil e sem dlôvida também
atual Venezuela
-
(sítio de Muaco, entre 14400 a. C. + 400 e 12300 caçasse.
a. C. + 500; fase contemporânea do sitio de Ca- Devemos, pois, imaginar dois conjuntos pan-
mare). Jâ as pontas Llano, mais aperfeiçoadas e continentais de complexos líticos, refletindo dois mo-
especializadas, têm o seu centro de difusão, a partir dos de vida bâsicos (caça e coleta generalizadas por
de aproximadamente 10 000 a. C., na região norte- um lado, caça especializada por outro lado), mas
u-"ii"arr" que se estende do leste do Arizona atê o evidentemente sob mútua influência. Em particular,
noroeste do Texas e o sul do Wyoming, daí pas' os grupos dedicados ao modo de vida menos especiali-
sando 4o resto da América do Norte, ao México e - zado provavelmente mais antigo
- em muitos
em forma modilicada (com pedúnculo e às vezes em
-
casos adotaram uma tecnologia mais avançada do
Iorma de "rabo de peixe") e êm menoÍ densidade que aquela de que dispunham no passado.
-
chegando à extremidade meridional da América do
Sul.
Pesquisas como as de MacNeish e sua equipe no
vale mexicano de Tehuacan mostram que seria er- O Mesolítico
rado imaginar este período como se ,odos os habi-
tantes da América Iossem pdncipalmente caçadores O fim do último período glaciar, marcando o
de animais grandes. Em certas áreas, os Srandes início da transição entre o Pleistoceno e o Holoceno
herbívoros pleistocenos parecem ter sido o único re- ou período geolôgico atual, começou na América
curso natural amplamente disponivel (para os que com atraso em relação à Europa, entre 8800 e 7000
dispusessem das técnicas adequadas), ou pelo menos a. C. Por volta de 6000 a, C., completou-se a reti-
o. r"",rtto tão abundante que chegava a inibir rada das geleiras e abriu-se uma Iase quente e seca
"ra-
a exploração de outros tipos possíveis de alimentos, que se prolongou até 3000 a. C, Aproximadamente
deviào à alta produtividade da caça especializada' em 2500 a, C., a situação climâtica se tornou muito
Em outras regiões americanas, porêm, uma tal espe- semelhante à atual. O nível do mar, com a retirada
cialização seria impossível ou pouco produtiva. As- das grandes geleiras continentais, subiu gradual-
sim, em Tehuacan, durante a fase que os arqueó- mente até 3 000 a. C., terminando de cobrir as plata-
logos chamaram "Ajuereado" (10000-7 200 a. C.), o Iormas continentais, nas quais surgiu um ambiente
28 Ciro tr'lsmarion S. Cardoso Á m é ric a Pré - Colombiono 29

propício à multiplicação de moluscos, crustâceos e anteriormente, e que se mantiveram em ceÍtas Íe'


peiies, em zonas marinhas mais rasas (antes, du- giões, com modiÍicações e caça generali-
rante o auge da glaciação, passava'se abruptamente zadas; caça especializada
- coleta
outras vêm juntar-se:
do litoral a grandes profundidades marinhas, es' -,
exploração especializada de moluscos e outros recur-
tando a plataforma continental a descoberto). A fau- sos marinhos, pesca marinha ou fluvial, coleta vege-
na tipicá do Pleistoceno sofreu um lento processo de tal especializada, etc. Por outro lado, a não seÍ o
extinção, posterior ao europeu. Tal processo já ia modelo ârtico baseado na caça de mamíÍeros mari-
âvançâdo por yolta de 7 000 a. C. (embora na região nhos e na pesca, muito especializado por razões liga-
costeira do Rio Grande do Sul vivessem megatêrios, das a um meio ambiente peculiar, os diversos modos
cavalos fôsseis, mastodontes e outtos mamíIeros do de subsistir também se misturaram em muitos casos
Pleistoceno em 5 000 a. C., e por mais que ainda e em graus diversos.
houvesse mastodontes no Ohio, Michigan e Indiana O velho modo de vida baseado ll.a' caça e coleta
em 3 500 a. C.). A flora também se modificou' lenta generalizadas se manteve sobretudo em regiões de
mas Íadicalmente, em muitas regiões. bosques. Tratava-se de combinar um grande número
Evidentemente, todas estâs translormações te- de alimentos selvagens vegetais e animais, procu-
riam por força que suscitar mudanças de peso no rando a garantia de uma dieta suficiente e equili-
modo de vida e nos padrões tecnolôgicos dos habi brada ao longo das diversas estações do ano.
tântes do continente americano. Tais mudanças não A caça especializadc desenvolveu-se nos planâl-
foram repentinas, mas graduais, e se deram mais em tos do Canadâ, antes cobertos pelas geleiras, mas
certas zonâs da Amêrica do que em outras. Em ter- agora pot prados; continuou predominando até mais
mos globais, porém, não hâ dúvida de que a grande ou menos 5000 a. C. em vastas regiões canadenses e
caça ispecializada Íecuou entre 7000 e 3 000 a' C" dos Estados Unidos e México atuais, até que a deser-
em favor de uma diversificação e regionalização cres- tificação a tornou impossível no sudoeste norte-ame-
centes dos modos de vida e das culturas pré-histó- ricano e em partes do México. Mas na Patagônia,
ricas, reveladas pelo registro arqueológico. Nisto o por exemplo, continuou existindo até a chegadâ dos
Mesolitico americano se parece com o da Europa, europeus,
embora o mesmo não ocorra no plano das tipologias A, exploraçdo especializada de recursos aquá-
de artefatos (os "microlitos" típicos do Mesolítico trcos deu lugar a modos de vida variados, baseados
europeu só apareceram, depois de 5000 a. C., nas na pesca marinha e fluvial (pesca do salmão no rio
regiões ârticas da América). Colúmbia, pesca marinha na costa do Peru e do
Às modalidades de subsistência que já existiam Chile, etc.), e na colela de moluscos, responsável
30 Ciro Flamarion S. Csrdoso .1 nut ric o Pré - Colom biana 3t

pelâ lormação de "restos de cozinha" que, amon- las norte-americanos, adaptando o esquema de L. H.
toando-se, formaram os sambaquis em muitas re' Morgan para adequá-lo às descobertas da etnologia e
giões costeiras do Atlântico e do Pacifico, tanto na rla arqueologia nos últimos cem anos, abandonaram
parte noÍte quanto na meridional do continente. Al- a noção de "horda primitiva" para a caracterização
tlos grupos de caçadores e coletores, substituindo-a
guns sambaquis são bastante antigos, com 9 000 anos
pcla de "bando".
ou mais, enquanto a pesca especializada parece ser
Um bando é sobretudo uma associação residen-
mais recente (estabelece-se entre 5 000 e 4000 anos cial de familias nucleares ou restritas, segundo um
atrâs, e às vezes bem mais tarde). sistema exogâmico e virilocal (os homens de um ban-
L coleta vegetal especializada caracterizou diver' rlo devem buscar esposas em outros bandos, e estas
sas partes do Mêxico e o sudoeste dos Estados Uni'
vôm residir no bando dos maridos). O fundamento
dos, além de uma porção da zona andina centro- cconômico do bando é a divisão do trabalho segundo
meridional da Amêrica do Sul. Em certos casos, o sexo, sendo a caça uma atividade masculina (e
surgem no registro arqueológico moendas de pedra e
tambêm os indícios dos primôrdios da agricultura. cooperativa) e a coleta uma atividade feminina (e
Por fim, temos o modo de vida dos esquimós, ort individual). Os direitos de uso sobre os territôrios de
ârtico, baseado na caça do caribu e de mamíÍeros caça e coleta são coletivos. O produto da caça soÍre
marinhos e na pesca. um processo de redistribuição imediata, de circu-
A arqueologia reflete a grande variedade das lação instantânea, segundo regras de reciprocidade,
<lc tal Iorma que todo membro do bando se beneficia
modalidades de subsistência - muitas das quais
(em maior ou menor grau) com cada animal abatido
continuaram vigentes em certas regiões americanas
até a conquista ou mesmo até hoje - e também a c, no conjunto, cada família recebe uma quantidade
diversiÍicação e regionalização jâ mencionadas dos cquivalente. Jâ o produto da coleta (vegetais, peque-
nos animais) se destina em principio a cada família.
complexos liticos, sinal de uma crescente estabili
Os caçadores coopeÍam entÍe si. Notou-se que um
zaçác de dados grupos humanos em regiões deli'
bando gira, numericamente, ao redor de vinte e cinco
mitadas. pessoas na maioria dos casos, o que significa de seis a
oito homens.adultos Íormando um grupo de caça. Os
A organizaçho social bandos correlacionados integram uma "tribo dia-
letal", com umas quinhentas pessoas: a quantidade
dos grupos humanos prê-agÍícolas
de indivíduos que, nesse nivel técnico, podem manter
Os antropólogos e arqueólogos neo-evolucionis- uma identidade comum seÍn controle político institu-
t2 Ciro Flamqrion S. Cordoso 1n,t rica Pré-Colombiona 33

cionalizado (que inexiste: os bandos sã'o anarquias tluc pode ser útil; mas dificilmente pode servir de
no sentido etimológico do termo), atravês de relações lrtse para a construção de um modo de produção
pessoais diÍetas suficientemente intensas e íntimas. cspecífico (houve, porém, tentativas nesse sentido:
O nomadismo, implícito neste tipo de organização, r'l. por exemplo Jean-Claude Willame, "Recherches
obriga a .reduzir ao mínimo os objetos labricados e srrr les modes de production cynégétique et ligna-
usados. A base social é o parentesco simples, sem o ger", in L'Homme et la Société, n9 19, janeiro-março
desenvolvimento de linhagens, genealogias longas e tlc 1971, pp. 101-119). Por outro lado, o esquema
culto de antepassados. Não hâ especialistas de tqmpo tladicional marxista, com sua "horda primitiva" e
completo (á que todos os adultos se devem dedicar à se u "comunismo primitivo" (ou "comunidade primi-

obtenção de alimentos), mas pode haver algum co- tiva"), que no fundo inclui sociedades profunda-
mércio entre bandos devido a uma distribuição desi- rrrcnte heterogêneas sob uma etiqueta única, exige
gual dos recursos naturais disponiveis para cada uma revisão urgente. Atê agora, porêm, não pode-
bando. Idade e sexo são os únicos elementos de dife- rnos dizer que os resultados da discussão desenvol-
renciação social, pois o poder, baseado na influência e vida nas últimas décadas nesse sentido sejam satisfa-
no prestigio pessoais, Ítáo iÍaz privilégios, sendo lírrios.
horizontal, ocasional e temporârio nas suas formas Em casos favorâveis, quando a caça abundante
de existência (assim, pode haver o chefe de uma rle grandes animais ou a pesca ou coleta especiali
caçada, um ancião que dirige o culto por conhecer zadas permitem o surgimento de um excedente eco-
melhor o ritual, etc.). nômico acima do consumo imediato, é possível, mes-
A arqueologia do Novo Mundo mostrou que, mo em sociedades pré-agrícolas, o surgimento da
como em outras partei do globo, o habitat dos caça- organização tribal, mais complexa do que a dos ban-
dores-coletores prê-históricos alterna com freqüência rlos. Como, no entanto, a generalização das socie-
a concentração em macrobandos, ocupando acampa- rlades tribais se dá principalmente com a difusão da
mentos maiores, nos peíodos do ano em que a sub- agricultura, deixaremos para mencionar adiante as
sistência, mais abundante, é obtida mais facilmente, características desta Íorma de organização social.
com a dispersão em microbandos durante os meses
mais diliceis.
Que dizer sobre o modo de produção dos caça-
dores-coletores? A noção de "bando" satisfaz certos
requisitos para uma descrição empírica e uma classi-
ficação social em comparação com outros tipos, o
,4 » i ri c a Pré-Colombiana 35

srrrgimento de aldeias e da organização tribal avan-


çatla, produção de um excedente além do consumo
irrrcdiato, etc.).
Hoje, a noção de "revolução neolítica", sem ser
irhandonada, sofreu diversos ataques que pelo menos
rr relativizaram. Em primeiro lugar, tal expressão
lxrde dar a idéia de algo rápido e "explosivo", quan-
tkr na verdade se estendeu por milênios, coisa que é
:rinda mais verdadeira na América, Por exemplo, em
SOCIEDADES l amaulipas (nordeste do México atual), entre o VII e
o I milênio a. C., a proporção das plantas cultivadas
AGRICOLAS PRÉ.URBANAS ra alimentação passou de 5 para 50%. É indub!
lrivel, porém, que, se recolocarmos as transformações
rrcolíticas na perspectiva temporal global da pré-his-
Itiria humana, elas parecerão rapidissimas compa-
A "revolução neolítica" e sua difusão radas com os dois milhões de anos (pelo menos) do
A noção de uma "revolução neolitica", enten- l'aleolitico, muito menos ricos salvo na sua Íase
dida como um conjunto vinculado de invenções - lcrminal (Paleolítico Superior,- Mesolítico) em
-
domesticação de plantas e 'animais, cerâmica, pol! invenções e mudanças radicais do que os escassos
mento da pedra, tecelagem -, signiÍicando princi- nrilênios do Neolítico. Por outro lado, atualmente
palmente a tÍansição de Srupos humanos da situação cstâ demonstrado pela arqueologia que não hâ vincu-
àe predadores da natureza à de produtores, Ioi popu' la.çáo necessária entre as invenções neoliticas (nem ao
lat'aadahâ meio século pelo grande arqueôlogo aus- nivel de seu apareciinento, nem de sua difusão a
traliano V. Gordon Childe (ver, por exemplo, O .ÉIo- outros grupos), embora seja verdade que os grupos
mem Faz-se a Si Nprlo, Lisboa, Ed. Cosmos, 1947, humanos que se desenyolveram mais foram os que as
pp.97-142). É verdade que tal autor tinha plena reuniram todas, Assim, a cerâmica pode preceder a
Lónsciência de que algumas dessas invenções pude' agricultura (como talvez haja acontecido em algumas
ram preceder o Neolítico pleno, embora só em tem- regiões costeiras do Mar das Caraíbas); ou, pelo
pos neolíticos encontremos a sua vinculação coeÍente contrârio, pode ocorrer uma longa fase. agdcola pré-
num tipo dado de sociedade ê em novas possibili cerâmica (como na Meso-América e na costa do
dades abertas aos grupos humanos (sedentarismo, Peru). Na região dos Grandes Lagos norte-ameri
36 Ciro Flamarion S. Cordoso 1 u / rú-0 Pré-Colombiqnq 37

canos, grupos de caçadores usavam jâ instrumentos v,)lla de 7 000 a. C. O algodão americano, pertencente
de metál (cobre martelado) no II milênio a' C' A rr tluas espécies distintas, parece resultar de hibri-
presença de machadinhas de pedra polida estâ tam- rlirção de espécies selvagens americanas e do Velho
tém demonstrada entre grupos não agrícolas' Mas ê Mundo. E o amendoin, tlpico da agricultura ameri-
igualmente certo, por exemplo, que a cerâmica só se lirna, também parece ter sido encontrado em sítios
d]esenvolve plenamente entre grupos sedentários, rrurlíticos da China.
sendo frâgil demais para ser transportada constante' No caso da América, a domesticação de plantas
mente seà perigo ou incômodo; alêm do que, sendo loi incomparavelmente mais rica do que a de animais
uma das suàs utilidades básicas a de guardar coisas, quiçâ pela ausência, na launa holocena americana,
é lôgico que seja mais útil para sociedades que dis- rlt' grandes mamíIeros domesticâveis. De maneira
poeir de ãstoques e excedentes para armazenar (co! sirnplificada, podemos distinguir os seguintes focosdo
ia muito maii Íreqüente entre agricultores do que Ncolítico americano: 1) a Meso-América, a partir de
entre caçadores, pescadores e coletores). / (X)0 a. C. aproximadamente, e tendo como domesti-
Acreditava-ie no passado ter existido um sô foco t ações principais o milho, o Íeiião, a pimenta, a caba-
de desenvolvimento da agricultura e da criação, çà, o cacau, uma espécie comestível de cão e o peru;
situado no Oriente Prôximo' do qual tais atividades .l) a Zona Andina Central (onde sô a costa foi realmen-
progressivamente se estenderam, ganhando outros lc estudada quanto às origens agricolas), a partir de
àmbientes aos quais se adaPtarâm através da domes- rrrais ou menos 5 000 a. C., com a batata, a quinoa, a
ticação de novas espêcies vegetais e animais' Agora cabaça, o feijão, o lhama; 3) em região e época ainda
acredita-se na pluralidade de focos da "revolução rrão-determinadas (talvez no noroeste da América do
neolítica". Em particular, ê hoje bastante dilundida Sul), foi domesticada a mandioca. As possíveis rela-
a opinião de ter ocorido uma invenção da agricul- çires e permutas entre tais Iocos neolíticos não são
tura na América, independentemente do Velho Mun' conhecidas, embora haja especulações pouco funda-
do, embora haja alguns problemas ligados à origem rnentadas a respeito.
boiânica de certas plantas e à prioridade geogrâfica Sempre em forma simplificada, podemos dizer
que o Neolítico americano, ao difundir-se a partir
àe sua domesticaçãã. Assim, a mais antiga das espé-
cies vegetais domesticadas no continente americano, rlos seus focos, originou duas grandes tradições agrí
a cabaçt (Lagenaria siceraria) , não tem um- antepas' uma baseada na semeadura, colheita e arma-
sado selvagem na América - ou ainda não loi desco- zenamento de grãos de cereais e leguminosas (milho,
berto; aléà do mais, era cultivada tanto na periferia fcijão, amaranto, quinoa); a outra, na plantação de
da Meso-América quanto no Sudeste Asiâtico por nrudas, produzindo raizes e tubêrculos (batata, man-
Ciro Flomarion S. Cordoso 1 n,1 ri u Pré-Colombiana t9
3E

dioca. aipim, barata-doce)' A Fig' 2 mostra, por outro


iarlo. a distribuição dos três principais complexos
aprícolas americanos: o andino (no qual o milho teve
d"esenvolvimento maior só tardiamente' desempe-
ntr"nao batata um grande papel); o do predominio
ào milho;" e aquele em que predominava a mandioca'
õãrno ág.i"uttrra ganhou no continente americano
Ãiiot " naiurais e culturais variadissimos'
".-bi"ntet
ã"., o.ig". a sistemas agrários muito heterogêneos'
que se ácalonavam desde uma agricultura primitiva
e itinerante, praticada como atividade subsidiária
extensiva de baixa tecnologia por grupos coletivistas
àue continuavam sendo basicamente caçadores'cole-
tàres, até uma agricultura sedentária, inteúsiva, tec-
nolojicamente mais elaborada (por exemplo, utili-
zand'o a irrigação), e com um esboço ao menos do MILHO
desenvolvimãnio da propriedade privada sobre a :,%,
terra. Seja como Íor, a agricultura antiga do Novo ANDINO
Mundo apresentava certas deficiências têcnicas ^^^^
.o eo ooo MANDIOCA
qrrurrao globalmente à do Velho Mundo:
"o.p".uda
uso exclusivá da enxada e de bastões pontudos para lrlltlll'
gran-
semear, ausência do arado (talvez por Íaltarem
des animais domésticos capazes de puxálo; o mesmo
iÁ. também o não-surgimento de veí-
"*pfi"".iu
.*n rodas); Ialta de uma associação íntima
"rtot
ãniiã ugii""rtu.í e criaçao de sado; não-desenvolvi-
-"ntoão oU"ndantá de metais para confecção de
"* agrícolas (tal desenvolvimento Ioi tar-
in.i-."ntot Os complexos agrícolas pré-colombianos. (Fonte:
ãiã -"t it p".tãnte no Velho Mundo, sendo muitís- l,'ig. 2
-
na América)' .htõo Frank da CorÍo, Evolução Cultural da América Pré-
simo menos discernível p.
Colombiana Brqsília, MEC, 1978, disnte da 46.)
Partindo dos Íocos de seu descobrimento' o
Ciro Flamarion S. Cardoso Améica Pré-Colombiana
4{)

conhecimento da agricultura se difundiu a boa


paÍte lidade cultural: o Neolitico seria simplesmente a cul-
áo ame;cano: 1) a partir da Meso-A-mé- minação de uma diferenciação e especialização cul-
"onti""nt"
rica, a porções não-meso-americanas do atual Mé' turais crescentes dos grupos humanos a fins da prê-
xico e aos bstados Unidos embora se discuta a história, e de um conhecimento cada vez mais pro-
-
possibilidade de um Neolítico independente, por fundo das plantas e animais existentes no habitat de
cada um desses grupos. L. Binford preÍeriu buscar a
e*emplo, no vale do Mississipi; 2) a partir do
ponto
da Zona Andina Central' à resposta numa pressão demogrâIica causada por imi-
àe origem aa mandioca e
à região dos rios Paraná e Para- gração, incidindo negativamente em certas regiões
Àmarãnia e depois
guai; 3) a chamada "zona agrícola intermediâria" ' sobre a disponibilidade adequada de recursos prê-
América agrícolas, surgindo então a agricultura como solu-
ir,e inciui as pa.tes não-meso-americanas da
óentral, as Antilhas e porções da América do Sul, so- ção. Certos autores utilizam tal hipótese em forma
Íreu a influência conjugada de todos os Iocos iniciais' modificada, partindo de um crescimento vegetativo
Éita ai{usao foi lenta: à bacia do Paraná'Paraguai' da população e não da imigração. Jâ K. Flannery
por exemplo, a agricultura só chegou na segunda me- considera a passagem da vida nômade de caçadores-
coletores à sedentâria de agricultores estâveis como
tade do I milênio de nossa era. O extremo meridional
um longo processo, marcado pelo Iato de que certas
da América do Sul não chegou a conhecê-la em tem- plantas não respondem às tentativas dê domesticação
oos pré-colombianos.
' 'À
descrição da domesticação de plantas e ani-
com qualquer efeito multiplicador drâstico sobre os
recursos disponiveis para a alimentação, enquanto
mais não responde à diIícil pergunta: por que Íoi
empreendidai Há algumas dêcadas, quase todos os
outras
- como o milho -, ao seÍem domesticadas e
aos poucos aperfeiçoadas seletivamente pela própria
pié^-historiadores tendiam, como Gordon Childe, a
domesticação (no caso do milho isto provocou muito
uei os inicios agrícolas como uma resposta às drâs- notável aumento das espigas, por exemplo), permi
ticas mudançâs ecológicas e climâticas que marca- tem Íinalmente uma verdadeira "explosâo", um au-
ram a passagem do Pleistoceno ao Holoceno' Acon- mento espetaculat e exponencial dos recursos dispo-
tece, pãrêm, que alguns dos focos neolíticos melhor níveis. Para explicar o surgimento e desenvolvimento
Oriente Próximo e, na Meso-Amé-
"ont ""iao. --o
rica, o vale mexicano de Tehuacan - são
justamente da agricultura no vale de Tehuacan, J. T. Meyers
pouco por tais mu- Íundiu as hipóteses de Braidwood, Binford e Flan-
reeiões relativamente afetadas
nery num modelo único, Porém, trabalhando sobre
dácas. Assim, novas hipôteses se desenvolveram'
uma região muito diferente
üm'àos prin"ipais escavadores do Neolítico do Ori- - a costa central do
Peru, onde os recursos terrestrbs eram complementa-
ente Próiimo, R. Braidwood, acredita numa causa-

II
Ciro Flamarion S. Cardoso A m é ric o Pré -Colombiana
42

e que ceÍta' A diversificação cultural


dos por abundantes rêcursos marítimos'
o
À"dificações mais graves ao terminar
-'."I" t"r."" dos grupos agrícolas pré-urbanos
;i;trd;;; -, T. c. Patterson mostrou que tal mo'
àài. ,ãã sendo necessánio elaborar outro'
"püi"*I,ã"t do sursimento da.asri Ao terminar a era prê-colombiana, em fins do
i'.,,H:-qi,:.'ã
-,i;;; ""u'"t século XV de nossa era, Pierre Chaunu propõe dis-
l,iitu," tenha de receber respostas variadas
e tinguir, quanto à agricultura e ao povoamento, três
:;À;ã";;;;s, em runçao de circunstàncias âreas no continente americano:
ambientes distintos. 1) Uma primeira região de pequena extensão (2
""^"üüü; muito debatido é o da orisem da
úttnao'.À mais antiga cerâmica milhões de km'z, 5% da superfície do continente) e
*r#ü;-ü;á continente é a de Valdivia' na alta densidade demográIica (continha 90% da popu-
,te no
"ãJ""iã" "gora dà excelente qualidade e data4r tação total da Amêrica pré-colombiana): a ilha hoje
ilililil;Ã;, partilhada pelo Haiti e pela República Dominicana,
;;à;õ". êl i30' os arqueótogos B' Mesgers' J'
planaltos centrais do México, talvez uma parte da
ô: í;;;;É. E.t'"aa, ua'ã"nao'se na semelhança os
período Jomon médio do lapão' e zona maia, a região dos chibchas daColômbia, o setor
;#;;;;i.iJo quichua-aimará dos Andes centrais. Esta região
I* t"t-ãiri"íá-pricàr de outro modo o aparecimento apresentava uma densidade mêdia de 35 a '10 habi-
:àil il;ãdü áe tão.boa qualidade'.defendem
transpacíÍico' ponto tantes poÍ km2, permitida pela agricultura intensiva
uirr" ãri*"rn pot .ontato asiâtico dos tubérculos, na ilha; principalmente do milho na
ãã.ã"iiÍiiá"tia.s' como no caso da agricultura -
a ditu- Meso-América; da batata e .do milho, nos Andes,
.* tJã r"ãà-ri; necessário com esta
que
-'
não-9h1e9u a incluindo as técnicas, em cettos casos, a irrigação e a
.?ã a" toi processo longo cultura em terraços.

""ãÁi"; tempos pré-colombianos' Na Meso-
2) Outra região, tambêm de uns 2 milhões de
"oÃpt"t",
América a mais "m antrga ceramica conhecida é da se-
a' c' (Puerto Márquez' km2, a das planlcies e planaltos maias, com uma
;#il;;;;ãJiiãlenio tardia: apro- agricultura do milho baseada no sistema de coivara,
7-ílo a. c.).No Peru' a cerâmica é bem que é hoje o apresentava densidades de 2 a 5 habitantes por km2.
:#j;;;,;iriô i. c' No caso do
Certas porções do sudoeste norte-americano (Novo
IÁãàa;ia
à'i'iii. a conheceu muito antes das
ona" a sua ditusão ainda conti- México, Arizona) haviam conhecido uma densidade
;;â il;;;ui, comparável no passado, mas â paÍtir de lins do sé'
nu"ava na éPoca do descobrimento'
culo XIII d. C. as superfícies cultivadas diminuiram,
engolidas pelo deserto que avançava.
Améico Pré-Colombiqnq
4 Ciro Flamorion S, Cqrdoso

quização social e a existência de um artesanato espe-


3) No resto do continente 35 milhões de km"
90'io da superlície da
-
América-. a coleta' a caça cializado de boa qualidade. A arqueologia permite
ou
à-a o"t"à. e quando muito uma agricultura bem
detectar tais traços através dos enteÍros
- que mani-
festam jâ clara diferenciação social, por exemplo, na
p.i-iti"u, tO pármitiam densidades infimas e modos
cultura aldeã de Tlatilco, no México central (I milê-
de vida nômades.
-- nio a. C.)
- e da
presença de centros cerimoniais.
Esta situação constitui o ponto terminal e-a
de um longo processo de diferenciação Estes últimos são conjuntos de edifícios que serviam
"*or"riao o.a"-o. ãon.idet"t definitivamenie ini- de ponto de reunião, centro religioso e comercial,
"'riÀJori
quànaà, talvez por volta de 2 000 a' C' na permanente ou ocasionalmente, a um conjunto de
"i"ao
ú"ro-ÀÀeti"", e de 1500 a. C. nos Andes centrais' aldeias dispersas, ligadas por algum tipo de conÍede-
g"n"trúo"-."-o habitat baseado em aldeias seden- ração ou chefia, e que uniram seus esÍorços para
iàrias, possitifitado por uma agricultura estâvel- e construir o centro cerimonial. Em certas partes da
América, este precedeu a cidade e pode tê-la prepa-
uii"ã"nt" ptoa"tiva. Foi-se lormando, assim, a dife' rado (não necessariamente, porém); em outras, re-
."r"" o que os arqueôlogos chamam de "11ea
"rttà
(cultural e demograf icamente) da América presentou o simbolo do ponto mâximo localmente
"""f""f'
prê-"oto-ti""", e as "culturas marginais": margi- atingido pela cultuÍa em tempos pré-colombianos.
Entre as numerosas sociedades pré-urbanas da
nais segundo o duplo critério de serem menos desen- América que jâ apresentavam considerâvel complexi-
voiviaa-s tecnica e economicamente
(caracterizando-
dade cultural citemos comoexemplos: as culturaspte-
se. deúdo a isto, por um peso demogrâfico muito á/o do sudoeste dos atuais Estados Unidos, com apo-
menor) e de receberem por difusão muitos elementos geuentrel100 e 1300 a.D.; diversas culturas do no-
da " ârea nuciear" constituida pela Meso- roeste argentino (Zona Andina Meridional), princi-
""il"ái.
América e Pelos Andes centrais'
'-'^--ó"i*ài"-ot palmente na sua fase tardia (850- I 480 a. D.); diferen-
para o próximo capltulo a exposi- tes grupos da parte da América Central não-perten-
e
cao do pio"".to âue conàu'iu, na Meso-América cente à Meso-América (mencionemos o centro cerimo-
lã"2ã"i Á"ai"" ôentrat, às "altas culturas" ameri'
nial de Guayabo de Turrialba, no que é hoje a Costa
sua urbanização e seus Estados orga-
"u*, ""-
nizados.
"^--ú"n"ion".emos
Rica, cujo apogeu se deu entre 800 e 1300 a. D.); as
agora alguns exemplos de socie'
culturas chibcha e de San Agustin (esta com sua Íase
Iinal ou "epigonal" entre os séculos VI e XII d. C.) da
auO". q"", sem atingirem a etapa das cidades e dos
culturais atual Colômbia.
ÉttJoi, á"t.o assiin exibiram comPlexos

t"rt"nté uu"t ç"aos, com esboços claros hierar-
de A cultura chibcha ou muísca quase não deixou
46 Ciro Flomaríon S. Cardoso rl n é r ic a Pré - Colom b iano

rela- diversas partes do continente. Porém, só aquelas pa-


restos arqueolôgicos de tipo arquitetural,-mas.é
ii*-*tá bem-conhecida por ter sido descrita por ra as quais, como é o caso dos chibchas, possuímos
...ri.t"i"ip".ttóis. Desenvolveu-se nas savanas dos testemunhos escritos devido ao seu carâter tardio
ri* Éogotaã Cnicamocho, a mais de dois mil metros podem ser conhecidas em algum detalhe, já que a
;;;ld;". Era politicamente uma conlederação tribal arqueologia não permite descer a pormenores das
aoi. chefis supremos, o Zipa^ de Bogotâ e. o estruturas politico-sociais e intelectuais, pela própria
"oÀ
íiq"i a" Tunja. Havia chefes menores,Oconstante' natureza das Íontes que pode descobrir.
os outros' Zipa e o
-"nt" "* guerra unsd.com
,il; .ãà "heÍe. caráter político-saceÍdotal'
matrili- A organização econômico-social
í.tlã,a.i* segundo uma linha de sucessãocheÍe)' A dos agricultores pré-urbanos
.ã". t. ft"ta"i- sendo o filho da irmã do
agricrtltura, o artesanato e o comércio apÍesentavam
dãsenvolvimento considerâvel. Havia Íeiras nos
po' Na tipologia neo-evolucionista, os grupos agrí-
pro- colas pré-urbanos caracterizam dois tipos de organi-
voados. Trocavam-se com os povos vizinhos as
à""ããt r*rt iecidos de algodão, sal' esmeraldas zação social, a tribo e a chefia.
-
ouro e outros artigos. o trabalho dos metars As tribos são sociedades segmentârias, ou seja,
- oor ou.o, cobre e a liga chamada tumbaga - era subdivididas em unidades sociais cujo grau de inte-
-t"rtnnt" a"."ruolvido, em particular a ourivesaria' A gração é tanto maior quanto menores sejam: grupos
i"rinii"àinau lraços importantes dos cultos multifamiliares (aldeias, linhagens), que exploram
iiiuãii a. fecundidade. Existiam templos a deuses
"ontinha uma área de recursos comuns e.formam unidades
o (Chiminigâgua), o Sol' a Lua' o deus residenciais, por sua yez compreendendo familias
"or"o
,."i"t". "riador
á.t comerciantàs. Os mitos mencionavam nucleares (formadas por um casal e seus filhos soltei-
-".
fr"iai civilizador. Bochica. O culto incluía a imo- ros, embora possa haver também formas de poli
Lação de adolescentes estrangeiros,
que deviam atuar gamia) que são as cêlulas fundamentais da estrutura
intetmeaiários entre os chibchas e o Sol' sendo social. As relações de paÍentesco têm um caráter
"o-à
i""titi"uao. com facas de bambu em lugares altos' multifuncional, isto é, funcionam ao mesmo tempo
õ. g."p* sacerdotal e mercantil eram bem diferen- como relações econômicas, politicas e ideológicas.
ciados. As sociedades tribais aldeãs conhecem a pro-
Á cultura chibcha nada tem de excepcional: priedade coletiva sobre os meios de produção. Urn ou
como elu, muitissimas outras de traços similares
e vârios indivíduos são os depositârios desta proprie-
nivel comparâvel de desenvolvimento existiram em dade em nome do grupo. A reclistribuição (que supõe
48 Ciro Flamarion S, Cardoso Áméica Pré-Colombiano

â existência de excedentes) se dá através das presta- corte, o que abre caminho a um artesanato especiali-
ções de bens e serviços dos mais
jovens aos mais zado de alta qualidade, ligado aos hâbitos suntuá-
velhos, e dos dons destes aos primeiros. Existe um rios, à construção de edilicações importantes, etc.
poder permanente, não de carâter pessoal, mas li Algumas cheÍias incluêm numerosas tribos e aldeias,
gado a funções exercidas, legitimado pela ideologia formando às vezes confederações, no interior das
cujo núcleo é o culto dos antepassados. Os "mais quais há uma hierarquia que vai do chefe supremo
velhos" (chefes de linhagens, adultos iniciados que aos cheÍes menores.
passaram por certas provas, etc.) detêm um mono- Acontece com as noções de tribo e chefia o mes-
pólio sobre a apropriação do saber necessário à re- mo que já haviamos notado parâ a de bando: são
produção do grupo e sobre certos bens aos quais se designações resultântes de uma comparação empi
liga prestígio (escravos, artigos que servem à aqui- rica entre sociedades no fundo muito heterogêneas,
sição de esposas, etc.), os quais se trocam só entre havendo mais inteÍesse, ao estabelecê-las, em ressal-
iniciados. Não há propriamente exploração, pois os tar as semelhanças do que em êxplicar as diferenças.
"mais jovens" terminam recebendo uma esposa e a Por isto, o seu valor é mais classificatôrio e descritivo
iniciação que lhes permite libertar-se da tutela dos do que explicativo e teôrico.
"mais velhos" e criar por sua vez uma rede de depen- A explicação marxista tradicional a respeito das
dentes. Além disto, para manter a sua autoridade, os sociedades tribais pré-urbanas baseia-se na noção de
"mais velhos" às vezes devem praticar dons ostenta- "comunidade primitiva". Foi elaborada em primeiro
tôrios, mostrar-se generosos, o que inclusive pode lugar por F. Engels, a partir dos trabalhos de L.
levar a destruições rituais de bens (em banquetes, Morgan. Segundo tal interpretação, à horda primi-
por exemplo). Embora não exista exploração de tiva sucedeu o regime de clãs. A produtividade do
classe, certos autores (como C. Meillassoux) chamam trabalho, elevando-se, tornou possível a associação
a atenção sobre a exploração dos jovens (passageira) dos homens em grupos menoÍes e mais estáveis do
e das mulheres (irrevogável) nas sociedades baseadas que as hordas iniciais de que provinham. Tais gru-
em linhagens. pos, os clãs, peÍmanecêm, porém, em contato com o
Ãs chefias surgem quando hâ uma hierarquia de restante da coletividade maior de que procedem: os
prestígio entre linhagens, chegando a ser hereditârio clãs derivados de uma mesma horda consideram-se
numa delas o cargo de chefe. Ainda não há uma aparentados. O casamento dentro do mesmo clã vem
estratiÍicação em classes sociais e a sociedade ainda a ser proibido e os matrimônios passam a ser contraí-
se baseia no parentesco. Porém, o chefe, como redis- dos com membros de outros clãs derivados da mesma
tribuidor dos bens que concentra, pode manter uma horda. O casamento, exogâmico no clã, mas endogâ-
50 Ciro Flamoion S. Cardoso Á m érica Pré -Colomb ianq

mico na tribo, não é ainda individual, e sim por que mostraram sua fragilidade em muitos aspectos.
grupos (todas as mulheres de certos clãs são esposas Assim, e principalmente, o casamento de grupos, a
ãe todos os homens de outÍos). Nessa primeira etapa, noção de matriarcado, a idéia de uma anterioridade
o regime de clãs é matriarcal, baseado no parentesco da matrilocalidade sobre a patrilocalidade, etc. são
por linha materna (matrilinearidade). Isto porque, rejeitados decididamente, com base em sólida argu-
no casamento por grupos, a paternidade não pode mentação, pela grande maioria dos antropôlogos
ser estabelecida e a criança pertence ao clã materno' não-pertencentes aos países socialistas. É tambêm
A mulher e o homem são então perfeitamente iguais verdade que, apesar dos eslorços e descobertas im-
do ponto de vista sócio-econômico. Com o início da portantes dos arque6logos e etnôlogos soviéticos, no
agricultura, ela atinge mesmo a supÍemacra' po§ se domlnio da interpretação dos dados colhidos eles se
dãdicava a esta e dirigia a comunidade (velhos, crian- prendiam atê bem pouco tempo de maneira excessiva
ças) enquanto o homem estava quase sempre
au- aos escritos dos fundadores do marxismo, com gran-
sente, caçando ou guerreando. de risco de se tornarem estreitos e dogmáticos em
A translormação da agricultura e da criação nas suas posições.
atividades econômicas principais, e do homem em Recentemente, várias tentativas Íoram feitas no
pastor e agricultor, dão a ele a primerzia, relegando a sentido de construir um novo tipo de teoria destas
mulher a segundo plano na economia e na sociedade' sociedades. Para M. Godelier, elas constituem dé Íato
0 clã torna-se patrilinear (baseado no parentêsco por um campo heterogêneo de estudos, onde vârios mo-
linha paterna) e passa-se ao sistema do casamento dos de produção poderiam e deveriam ser detec-
patrilocal: a mulher, ao casar-se, passa a pertencer
ao clã do marido, enquanto na fase anterior o casa-
tados. Outros autores
- M.deSahlirts,
propuseÍam o conceito
C. Meillassoux
"modo de produção
mento era matrilocal. O casamento por grupos desa'
-
domêstico", ou "modo de produção de linhagens"
parece, cedendo o lugar aos casais estâveis' (P.-P. Rey). A elaboração mais acabada parece seÍ a
Finalmente, o progresso têcnico, passando a de Meillassoux (ver Muieres, graneros y capitales,
permitir que uma família restrita (o casal e seus México, Siglo XXL,7977, pp. 13-127). Contudo, tais
iilhos) assegure a sua subsistência apenas com o seu estudos ainda não chegaram a resultados plenamente
trabalho, abre, junto com outros fatores, o processo satisfatórios, sendo necessârio o prosseguimento dos
de desagregação dos clãs, do surgimento da proprie- esforços teôricos e de pesquisa.
diÍerenças de classe e do Estado'
----Átprivaãa, das
dade
t.itas à intárpretação acima se-avolu-
"rtti"át
*r.;; ;;; descobertas etnolôgicas e arqueolôgicas
A mé rica Pré-Colombiona

plexas, internamente diversificadas e soÍisticadas,


com altos graus de hierarquização e exploração so-
ciais (surgimento da sociedade de classes), um Es-
tado estruturado lora e acima das relações de paren-
tesco e linhagem e dotado de um sistema de impostos
e meios de coação, a invenção de sistemas de côm-
puto (sem os quais não hâ administração possível aci-
ma de certas dimensões do grupo social) e, em quase
todos os casos as civilizações peruanas sendo notá-
vel exceção
-
o aparecimento da escrita.
AGRICULTURA INTENSIVA -,
Segundo Gordon Childe, dez critérios permitem
EURBANIZAÇÃO: distinguir uma cidade de uma aldeia ou povoado que
AS "ALTAS CULTURAS" não seja urbano:
PRÉ.COLOMBIANAS 1) o seu tamanho e população mais impor-
tantes;
2) o aparecimento de especialistas (adminis-
tradores, sacerdotes, artesãos, etc.);
A "revolução urbana" 3) a lormação de um "capital efetivo" (origi-
nado pelos tributos impostos aos produtores agú-
colas);
O surgimento das cidades - sendo a distinção
4) a construção de edificios e obras públicas
cidade/campo, seegndo K. Marx, a primeira grande em escala antes desconhecida;
divisão social do trabalho - exige previamente o 5) a Íormação de uma "classe governante";
desenvolvimento da concentração populacional' Esta 6) a invenção e uso da escrita;
se liga a uma agricultura eficiente, que ao começaÍ a
7) os começos das ciências exatas baseadas na
urbanização seja capaz de alimentar a aglomeração predição: matemática, geometria, astronomia, ca-
urbana, permiiindo pois uma divisão do trabalho lendârio;
entre proàutores e não'produtores de alimentos' A 8) uma arte com estilos conceptualizados e so-
"revoúção urbana" - noção que tambêm devemos fisticados;
a Gordon Childe - constitui o núcleo do processo 9) o desenvolvimento do comércio exterior de
que conduz das culturas tribais aldeãs às verdadeiras objetos de luxo e matérias-primas;
civilizações, ou seja, cultuÍas extremamente com-
54 Ciro Flamoríon S. Cordoso A mé rica Pré -Colombiona

10) os artesãos se tornam especialistas de tempo intelectuais, dotado das instituições. corresponden-
compleio, devido à disponibilidade contínua de ma- tes;
téria-prima. 7) heterogeneidade e dilerenciação hierârqui-
ôs sociôlogos que trataÍam do Íenômeno urbano ca da sociedade, com residência urbana dos grupos
insistiram ãtité.io. variados de definição da ci- dirigentes;
".
dade: o mercado (M. Weber), a heterogeneidade 8) um centro de economia urbana para a sua
época e região, cuja população dependesse até certo
ro"iA, Íelações impessoais e o anonimato, a divi-
"t
são do trabahã... Para o historiador, "cidade" é um ponto da produção agricola de pessoas que em Íorma
termo cujas conotações são variáveis segundo os am- total ou parcial não viviam na cidade;
biintes naturais e éulturais, as sociedades e as épo- 9) um centro de serviços para as localidades
cas. O fato urbano ê dinâmico, evolui com o tempo,
vizinhas, de irradiação de um esquema de urbani-
por zação, e de difusão de progressos tecnológicos;
o lugar, o nível das lorças produtivas, e se deÍine
ápãiiçã" a estruturas rurais que são também variá- 10) com uma forma urbana de vida distinta de
veis. uma forma de vida rural ou semi-rural para a sua
Jorge Hardoy aÍirma que, na Amêrica prê'co- época e região.
lombiana, uma cidade era uma aglomeração com as Se exigirmos a presença da totalidade destes
seguintes caracteústicas e funções: critérios, foi Teotihuacan a primeira cidade meso-
1) extensa e bem povoada para sua época e americana, pelo menos a partir de 100 a. D. Nos
região; Andes centrais, o urbanismo surgiu primeiro em sua
porção meridional (talvez no sêculo II a. C.), antes
2) um estabelecimento Permanente;
3i com uma densidade mínima para sua êpoca de generalizar-se ao conjunto dessa região cultural.
e região;
Em suma: o fenômeno urbano se manifestou na
4) com construções urbanas e um traçado ur- América vários milênios depois de haver surgido pio-
neiramente no Oriente Prôximo.
bano indicado poÍ ruâs e espaços urbanos reconheci-
Chamemos a atenção para o fato de que, exata-
veis;
residiam e traba' mente como aconteceu no caso do Oriente Prôximo,
5) um lugar onde as Pessoas
as tentativas para vincular o surgimento de cidades e
lhavam; Estados organizados na América à agricultura de
possuindo um mínimo de funções especifi
6i regadio, devido a que a irrigação em alta escala
camenie urbanas: ser um mercado e/ou um centro
exigiria um poder Íorte e organizado que controlasse
-itit"t eZou um centro politico'administrativo e/ou
obras consideráveis como diques, canais, represas,
um centro religioso e/ou um centro de atividades
Ciro Flamarion S. Cordoso A mérico Pré- Colom b iana

etc., não deram bom resultado. Um exemplo são as mente primitiva mas adaptada à ecologia regional, e
pesquisas neste sentido levadas a cabo no México por um clima marcado por secas longas, sendo dispersas
A. Palerm. Não apenas não conseguiu descobrir ar- as Íontes de abastecimento de água, não bastando os
queologicamente sistemas realmente antigos de rega- meios elaborados pelos maias para armazená-la para
dio, como também constatou que o sistema de con- sustentar núcleos muito extensos e concentrados de
trole sobre a irrigação, em tempos posteriores melhor população.
documentados, não era de tipo concentrado, e sim de
organização local. Naturalmente, isto não exclui que
a irrigação tenha sido elemento importante na conse- Seqüências histôrico-culturais
cução de excedentes agrícolas para cidades e organi-
zações estatais, mas enfraquece a hipôtese causal na Meso-Amêrica
"hidrâulica" derivada das idéias de K. Wittfogel.
Outro problema histôrico muito discutido é o de A Meso-América
saber se, no I milênio d. C., os maias - povo da
Meso-América responsâvel poÍ uma das mais bri- Foi em meados do II milênio a. C. que tomou
lhantes civilizações indígenas
- construíram cidades
(em periodo posterior, o mundo maia sofreu influên-
forma a zona cultural que chamamos Meso-Amêrica
e que agoia passaremos a delimitar e deÍinir.
cia mexicana, e surgiram indubitavelmente centros As fronteiras meso-americanas Íoram variâveis
urbanos, embora não muito extensos). Esta é a opi. segundo as épocas. De uma maneira geral, podemos
nião de S. Morley, que atribui carâter urbano às aglo- considerar como meso-americanas as âreas de agri-
merações maias, embora não se concentrassem em cultura estável que ocupam a parte do Mêxico si-
quarteirões apertados, e sim estivessem dispersas em tuada ao sul dos desertos setentrionais, a Guatemala
extensos subúrbios e numa sêrie de pequenas gran- e Belize, a parte oeste de Honduras, El Salvador, a
jas. Os edifícios religiosos e públicos, por outro lado, parte sudoeste da Nicarágua e a península de Nicoya
em lugar de se colocarem ao longo de ruas, Iorma- na Costa Rica. A fronteira norte foi particularmente
vam grupos em torno de praças e pátios. Outros variável: por exemplo, em 900 a. D. avançaram os
especialistas, como T. Proskouriakoll e E. Thomp' caçadores-coletores em detrimento da zona agrícola.
son, negam que sejam cidades: tratar-se-ia simples- A Meso-América apresentava as seguintes sub-
mente de centros cerimoniais que serviam a numero- regiões: 1) Noroeste: culturas de Colima, Jalisco e
sas aldeias dispersas. Uma razão da falta de grandes Nayarit; 2) Planalto mexicano: culturas de Teoti
aglômerações poderia ser uma agricultura relativa' huacan, tolteca e asteca; 3) Costa do Golfo do Mé-
Ciro Flqmaion S. Cardoso Am éri c q Pré -Colombiana

xico: culturas olmeca, totonaca e huasteca; 4) Zona vegetação menor. Depois deum peúodo que varia
à"i"r rt""ià, c"mp"óh", Tabasco, parte de Chiapas segundo a qualidade do solo mas nunca é muito
;'ô;i;;;;; Roo (no lvÍéxico). Guatemala'(entre Belize' longo, o rendimento começa a diminuir, o que con-
o duz ao abandono da terra plantada, para que se
í;ã;;;; ácidental; 5) México meridional
zapoteca
ràr" ão uC*i"o e a zor,à maia): civilizações reconstitua o bosque e se regenere o solo; uma nova
-
e misteca.
- clareira deve então ser conquistada à Yegetação natu-
geralmen-
As principais características culturais ral. Este ciclo agrlcola, característico das terras bai-
são: 1) a agriculura ba- xas tropicais, funciona bem se as terras forem abun-
t" otrilúà"t a r"reso-América (pre'
rá"àã tutta" de semear e produzindo milho dantes e se se abrirem novas clareiras com regula-
;;;;il;;"à ;;*iras peculiares: tortitlas'especí{icas;
tamales' ridade. Ao aumentaÍ demasiado a população, a pres-
ãrc.i, e maguei iomo plantas mais são sobre a terra pode ser solucionada pela migração
"""u" esãalonada.ou em degraus' os pâtios
ãií pitÀ-ia" ou pela redução do período de descanso e reconsti-
jogos
rácobirtos de estuque, os com bolas de
rituais tuição da floresta, mas isto provoca rendimentos
to..u"hu; 3) o sistema numérico vigesimal' o! r,ne:es decrescentes. No sistema depousio curto,6 as manei-
ã;;i;i;;i;., o calendârio duplo solar e liturgico ras de preparar e cultivar a terra não são diferentes,
da escri- mas nas regiões de que se tÍata agoÍa
, ú";;i.
";
ciclos de 52 anos;
glilos
3)
do
a existência
México central (nu- temperadas ou subtropicais
- terras altas
é possível reduzir o
tu, f,ütAgfifot maias'
e fo-
-
período de descanso a dois ou três anos depois de
.àJi, "ãi"naa.ios, pictogrâficos' ideográficos
na sua malorla uma fase de cultura de igual duração. Em certos
néticos. sendo estes últimos silábicos
;;;;;t allabéticos; a "leitura" dos côdices ou casos, paralelamente à clareira plantada de milho,
;rií-.-ã"três
pinturas" era complementada por textos cultiva-se uma horta de alto rendimento devido ao
em escolas especiais); 4) outros ele- uso de adubos (folhas, excrementos, detritos domés-
";;;;;d"t
mentos diversos, por exemplo, zarabatanas
com pro- ticos, etc.). Este sistema abre a possibilidade de uma
iéteis de argila.
população mais densa e implica a sedentarização.
'-'-'bã oà-.i. a" vista da história econômica' é mais Por último, o regadio, que permite culturas perma'
e nentes pela eliminação do pousio e uma maior densi-
interessairG a classificação dos sistemas agrícolas
;;;iiJ;e"t de povoamento proposta por Ansel Pa- dade e concentração demogrâIicas: na Meso-Amê-
lerm.
A coivara consiste em plantar os grãos com (6) Chamâ-se pousio o sistema agúcolâ baseado em deiaar des_
aiuda do bastão de semeat (huictli) numa clarelra cansar uma certa porção das terras cultiváveis enquanto outra porção
g'rnfr" e a"f"u cortando as ârvores e queimando a é trabalhada, com o fito depermitfu a recuperação da feÍtilidade.
ó Ciro Flamqrion S. Cardoso Am érica Pré -Colombiana 6l

rica existiram sistemas de irrigação por canais e por parte do ano bom número de pessoas se alimentasse
ilhas flutuantes chamadas chinampas - Estas, utili sem cultivar a terra, jâ que trabalhava em gran-
zadas nos lagos do Mêxico central, permitiam rendi' des construções que exigiam supervisão, usando às
mentos prodigiosos (de 300 a 50O70 segundo lópez vezes materiais trazidos de longe, Apareceram nes-
de Gómara) ao usar plantas aquâticas, limo e excre- sa fase alguns dos traços essenciais da cultura
mentos como Íertilizantes. meso-americana: culto do jaguar (associado ao
A periodização habitual da história meso-ame- deus da chuva e/ou da Terra), centros cerimoniais
ricana ãm prê-clássico ou lormativo, clâssico e pós- orientados, escrita e calendário, formas primitivas da
clâssico, pioposta entre outros por G. Willey.e- P' pirâmide escalonada, jogo ritual com bolas de bor-
Phillips, é inàdequada por basear-se em um critério racha, etc.
estetiiista duvidoso; como decidir, por exemplo, de O centro da cultura olmeca Ioi o sul de Veracruz
maneira objetiva, que a aÍte maia clâssica é "me- e o norte de Tabasco, na zona tropical do Golfo do
lhor" do que a asteca pós-clássica? Reconhecemos México: tal área central tem uns 18000km2 e, se-
em tal periodização o ciclo organicista de tipo nasci- gundo I. Bernal, na época do apogeu olmeca teria
mento-àesenvolvimento-morte (ou decadência)' Para uns 350 000 habitantes. O termo "olmecas" é tradi-
a histôria econômica-social, não tem evidentemente cional mas falso: originalmente designava um gÍupo
qualquer sentido. que vivia no sul de Veracruz em tempos históricos e
nada tinha a ver com os monumêntos antigos.
A. Caso chama a essa região de "Mesopotâmia
A cultura olmeca e outras culturas contemporôneas da Meso-Amêrica", por ser muito irrigada por diver-
(1 200-1 a. C., aProximadamente) sos rios; é também chuvosa. A dieta se compunha
sobretudo de milho, Íeijão e abôbora, produzidos
Este período viu os inicios de uma hierarqui pela agricultura de coivara e ao longo das margens
zaqão social visivel: representação de personagens dos rios, complementâdâ possivelmente pela caça e
com signos distintivos na arte olmeca, enterros lu- pesca. Os trabalhos executados nos centros cerimo-
xuososlontrastando com outros simples em Kami- niais supõem uma organização social relativamente
naljulu (Guaternala) e no vale do México (Tlatilco)' hierarquizada, no nível de chefias e conlederações
etc. inexistiam então, porém, verdadeiras cidades' tribais. A hipótese mais corrente é a do caráter sacer-
Surgiram os primeiros centros cerimoniais meso' dotal do grupo dominante, mas hoje alguns pensam
u."ii""not, os quais de qualquer maneira supõem que se tratava de senhores leigos e que a cultura
uma agricultura suficiente para que durante uma olmeca se difundiu por meio de uma classe de merca-
Ciro Flamarion S. Cardoso A mé rica Pré-Colomb iana 63
62

principal' ("horizonte olmeca") loi diminuindo depois, em fa-


dores armados que iam até â Costa Rica,
Ãerre em buscu de jade. O Íato ê que as construções vor da proliferação de culturas locais mais ou menos
o.uso autônomas. Não sabemos até que ponto puderam
são toAas retigiosas L funerárias, como também
q"" * i*i" ãot produtos ündos de outÍas regiões dominar .politicamente territôrios situados lora do
seu núcleo; o certo é que foi a primeira grande cul-
iúÀ"io, p"ata selpentina, jade)' No sltio principal' tura que associou os recursos e tradições do planalto
L V"ni", construído numa ilha, calculou'se que e da costa na Meso-América. Pinturas olmecas foram
viúam 150 pessoas (o Srupo dirigente com os seus achadas no Estado mexicano de Guerrero (centro-sul
."údo""s), graças a uns 18000 camponeses depen- do México). Alguns alirmam que tiveram verdadei-
dentes disseirúdos nos arredores' Muita mão-de- ras "colônias" no vale do Mêxico. As suas rotas
ãúrn i"rio necessâria para transportaÍ 5000 tonela- comerciais, passando por Chiapas e pelo sul da Gua-
das de serpentina e grandes quantidades de basalto temala, atingiam a Costa Rica. Em Oaxaca (México
km de
ip"tu n"""grçao fluvial) vindas de 250 a 900 meridional), a partir de 500 a. C., a fase Monte
Jisiân"i", 1 p^rn construção e Íeconstrução dos Alban I mostra influências olmecas (os relevos dos
^
---- cerimoniais.
centros "dançarinos" e posteriormente um edilício com gli-
Os centros olmecas mais importantes foram San fos; é verdade, porém, que Monte Alban I conhece a
torerzo (t Zm'9OO a. C.)' La Venta (1000-600 a' C') irrigação, uma arquitetura de pedra, escrita, calen-
po.ie"iàr-""t" Tres Zapotes. No conjunto, pode- dário e religião mais desenvolvidos que os dos olme-
"iã. ã"t"i olmeca entre-i 2C0a'C' e a época
" ""rt"ra cas). A respeito da ampla influência olmeca, Miguel
-- Cristo.
de -
ói olmecas não conheciam os metais; o jade era Covarrubias disse que "o estilo olmeca está ligado,
o minério mais precioso, e vinha de zonas distantes' de longe, mas palpavelmente, com a arte teotihua-
- cana mais antiga, com o estilo chamado totonaca (El
ó"tú"ot""t"- o escrita e o calendârio, embora Tajin), com as lormas mais antigas da aÉe maia e
cerâmica era de
ír""ã t ":" restado a respeito' Suaa escultura monu- com os objetos zapotecas, os quais tendem a ser mais
má oualiàade, em contÍaste com
olmecas na medida em que sejam mais antigos". Dal
."n["] d" pedra, muito bem feita' Muitos restos
inclu- que, para A. Caso, a cultura olmeca seja a "cultura-
àiq""ãroei"àt procedem de oÍerendas rituais, mãe" da civilização meso-americana.
i"a'o riguiintt"i de jade e peças de cerâmica' Não - Mencionaremos agora outras culturas contem-
construíam estradas, usando os rios e trilhas natu- porâneas à olmeca.
rais. Nos arredores da cidade do México, em Morelos
A zona de influência da cultura olmeca Íoi ex- e em Guerrero, e com influências que atingem Co-
tensa. Tal influência, mâxima entre 1 200 e 900 a' C'
g Cüo Flomarion S. Cordoso América Pré-Colom biana

ou As civilizações do I milênio d. L.
lima. Jalisco e Nayarit, desenvolveu-se desde mais
de Tlatilco' com
-""à. f Om a. C. o chamado estilo d9 m91h9r Este é o período que foi chamado "clássico" ou'
."tÀ-i." caracteristica, figurinhas
com critério ainda mais duvidoso, "florescimento das
"À"
(ãlilE iecundidade), mâscaras de argila' Íorte cidades teocrâticas". A sociedade tornou-se mais
i;ilá;"t" olmecóide (e, sesundo alsuns' também complexa e hierarquizada, acredita-se que a agricul-
Infelizmente é mal conhecido em detalhe' tura fez grandes progÍessos, ampliou'se o comércio a
iott".io"-"nt", o vale do México conheceu outras
"riaii*1. longa distância e enlim a Meso-América entrou nos
;lt.; ;;;rã" responsâveis pela base gscalgnapa
inícios da urbanização. PaÍa esta Íase contrasta a
ãã'ii"o"i.r" e pela pirâmide escalonada circular
suntuosidade do registro arqueológico com a carên-
i"".tiirí" áJp"atâ
-c".t., " q,r" tinh" u' templo no topg' {e
cia de Íontes escritas, embora tenha ocorrido entâo o
à1ir"r Ã. pretendem que o sítio dc
"úot". não houvesse jâ desenvolvimento da escrita, da numeração e do ca-
õiltü ,ã" ;àde explicar-se se
lendârio. além do de uma arte diversificada.
uma agricultura altamente produtiva nas margens A primeira cidade meso-americana, Teotihua-
lacustres. ou através de c/rinampas '
-'- ti"ãt"" maia, culturas Íormativas baseadas em can;situada num vale do planalto central mexicano a
1 500. a' núdeste da atual cidade do Mêxico, surgiu a partir
ataeias aúcotas e no milho surgiram entre de quatro aldeias, entrando em Iase claramente ur-
paciÍico
ô.-;; é;;" á" Cristo. Em Ocós, no litoral asiâ- bana por volta de.100 q. C. O arqueólogo René
à" ê"tt"-"r", alguns autores vêem influências Millon acredita que o seu apogeu populacional loi
ii""t (""ra-ta decorada com a impressão de cor-
Guate- atingido entre 450 e 650 a. D. (85000 habitantes), e
ã"ri. ii"rni"a.iuvu e Las Charcas, no vale de oue a mâxima extensão do território urbanizado haja
ÀJ". uma cerâmica avançada e' como
"rt"*rin. V ,ldo d. ,n.22 km2; trata-se de cifras de peso para a
'iiãtii"ã, ii""it de estratiÍicação social' No séculoa cerâ- época, não só no referente à América, mas ao mun-
;. õ. ;ã" na região guatemalteca de Peten do. Constava de um centro urbano planificado, con-
.i"" ã" ü"."-.b sttio ae fimt Íoi ocupado desde
tendo um imenso centro cerimonial com pirâmides e
Oú C., e, entre 300 e 20O a' C" ali surgiram outros edifícios públicos, Palácios, zonas artesanais
". aó tüolot cobertos de gesso; na mesma éPoca
i"-piot
Os com ruas dedicadas a atividades especializadas, blo'
i"-ã. rnnt"á.iot em Uaxactun e KaminaUuyu'rece- cos residenciais, tudo isto organizado num sistema
orincípios da civilização maia parecem haver
de quarteirões quadranSulares (só os blocos residen-
iià" iIàii"i"-"rte a influência olmeca pornointermé-sul do ciais eram uns 4000), avenidas, ruas e praças, con-
áià-aã de lzapt (em Chiapas'
trastando com o labirinto dos subúrbios, que não
úZri"o),""ú"
situada ao longo da "rota dojade"'
6 Cfio Flamarion S- Cordoso Améica Pré-Colombiana

eram planiÍicados' Havia bairros de e§trangeiÍos cado e com grupos profissionais especializados e
residentes (maias, zaPotecas)' organizados. F. Katz acha possível que já então
'-' üã;"útpãtLt"i Ío.t ptopostas para explicar tenham surgido todos os grupos dominantes de cuja
tais dr- existência temos provas em êpocas posteriores: uma
o surgimento ã expansão de uma cidade de
modifica- casta de guerreiros tendendo à aristocracia heredi-
.ãití"tl "r:" planejamento e sucessivas
e bem estrutu'
ã;-;;iá"," "À poãer poütico Íortesistema de agri-
târia (o Íato de serem pouco representados artistica-
ffi;. i;]Ã;ú;t ""t"ait" que um
do rio.San
mente não significa que não existiam), uma aristo'
l"iirt" ã" iãg"ção, utilizando as ágiuas
Íorneceu a base
cracia tribal, sacerdotes, mercadores (entIe os quais
il;;;;;;"";mento das chuvas'
não conseguru
se incluíam algumas mulheres) e talvez um esboço de
ecànômica necessária' mas A' Palerm burocracia estatal em pÍocesso de formar-se como
á"i""tut ài t""t t"stos arqueológicos' T' C' Patterson grupo separado.
ããiãna." a prósperidade de Teotihuacan Teotihuacan necessitava obter matérias-primas
"*pri"aÍ
;ã;ã à; "orrttol. do "otnércio e da transÍormação
o que é sim-
inexistentes na sua região
mas, jade
- algodão, cacau, plu-
ãã irr* *"ieti"-prima, a obsidiana' -, e em troca exportava cerâmica e obje-
preÍerem enÍatizar o tos de obsidiana. A cerâmica foi inclusive Íabricada
;útá;ã;. oitros autores de peregrinações de em série, usando-se moldes. Exportava-se uma cerâ-
ã":pJ J" *tigiosa e centro
"tpit"r
ã"ã .ia"á" i"a"biiavelmente desÍrutou durante sé- mica Íina, que constratava com uma bem mais gros-
ltli.*" i".uc. se defendeu a hipótese de. quemeso- teria seira, não vendida no exterior ou usada cerimonial'
grande império
á;ú"d" politicamente um tributos' Isto se ba- mente, e sim no dia-a-dia. Na verdade, tanto na
i*"ã""n., *tt"ntando-se com cerâmica quanto nos magníficos aÍrescos policroma'
;i;;'d;üt comerciais e estillsticos' arqueolo- dos e outras manilestações artlsticas (arquitetura de
ãiiÃãirt" com boa parte da- Meso- pedra, esculturas, máscaras de pedra) podem ser
"".provados,
iãár.n fv.t""-2, Guerrero, o istmo de Tehuante- detectados vários estilos.
o êri"t".Aa), e é no fundo incompatível
com a A relieião contém todo o futuro panteão mexi-
""".
iisáo tradicional e idealizada de Teotihuacan como cano, com exceção de Huitzilopochtli e Tezcatüpoca.
;;tláú sacerdotal e pacíÍica (visão que se tem Encontramos nas posições dominantes Quetzalcóatl,
ãirr"oti."ioo muito ultimamente) ' A cidade nunca a serpente emplumada, e Tlâloc, o deus'ja8gar da
iãilãitií""a", mas isto pode refletir simplesmente chuva. Os mortos eram provavelmente cremados.
na prôpria Íorça-'-. Teotihuacan foi destrulda e incendiada por volta
-- -- "onÍiat ça arrogante
oÀa
7í) a. D. As hipóteses a respeito variam desde
À socieáade apresentava uma estratiÍicação so- de
cial avançada, com um grupo dominante diversiÍi- revoltas camponesas internas até ataques externos,
Ciro Flomarion S' Cordoso Améica Pré-Colombiana

que apôiem qual' constrúda com pedras claras e contendo mais de


mas a veÍdade é que não há dados
ãrr"t das expli"ações Propostas' tÍezentos nichos. A arqueologia regional revelou
'*' üüa;ú i"eriàionat (oaxaca) desenvolveu-se também esculturas de formas peculiares, finamente
n"tt" p..toão .ivilizagão zapoteca de Monte Alban' lavradas em pedra dura (chamadas "jugos", "ma-
"
natuÍeza centro cerimonial apenas ou chados" e "palmas"). Influências estillsticas toto-
.ãúrã
"ti"
ilíüe.ã"ú" -
ttúano - se discute' sob influência nacas foram detectadas em Chiapas e na região do
à" i."l rtu"ut, surgiram ediÍícios em talude
e mu' Pacífico, até Honduras. Também hâ provas de rela-
em
i"ir ,ãri"iãÀ"r. estei últimos foram encontÍadosâ dos ções com Teotihuacan. Nesta região tropical, com
i"ãt"t,-l" .ã"t.ario da religião teotihuacana' sua agricultura de coivara, não se desenvolveu um
com núcleo urbano ao redor dos centros cerimoniais.
;rp;1;;; "t" dominada pelo culto tunerârio'
de cerâmica' Uma das mais famosas civilizações meso-ameri-
."ãt g.n"a"t urnas antropomôrficas se encontra canas Íoi 4.maia, que ora atinge o apogeu nos seus
ãrrilJa""otnant' O sítio de Monte Alban principais centros de então: Tikal, Copan, Quiriguá,
;'i;t- ;i., que domina três vales'em e consta de
e' pirâmiaes organizadas distintos Piedras Negras, Uaxactun, Palenque, Yaxchilan,
"r"tàiãt."i esp-ianadas' Depois de 550 situados no sul do México (Chiapas, parte do Iuca-
íir"t';;;";"';ú; " tã), na Guatemala ê no oeste de Honduras. Os três
;:'D- ilt;;;td a inÍtuência ae teotihuacan' Cons-
;#;";iil;-il; influxo cutturat maial na sua centros principais
- Palenque, Tikal e Copan -
formam o chamado "triângulo maia clássico", ao
ffi ;inJ;õ#' a civilização zapoteca gslav.a ca$a
isolada' ilonte Alban foi abando- qual se atribui o maior refinamento artistico e a
;;#;iáh;ã;e
ffi;;;;;ii; d" 950 a. D' (embora a sua cerâmica criação dos elementos mais caracteÍisticos da civili
iã;";rii";"t*- údo íabricada por vários sécu' zação dos maias.
ià"il invadida pelos mistecas' No caso A base econômica de tal civilização - a a8ricul'
"JiJi-oilca
da'civilização zapoteca. a arqueologia revelou sem tura do milho pelo sistema de coivara - não permite
agn-
lugar a dúvidas restos de obras para o regadro grandes aglomeraçôes, embora ní§ zonas mais secas
cola. iossem usados depósitos naturais (cenotes) e aÍtifr'
Na região costeira do norte de Veracruz'
encon' ciais de ágga. Aparentemente, nos centros cerimo'
tru"rn't"ãt de El Tajin e Tajin Chico (este niais viviam o grupo dirigente e artesãos especiali-
""*ros
primeiro), pertencentes à cultura toto' zados apenas, enquanto à volta se disseminavam al-
"..tã.i"i
íã"", ". ,e deu entre 600 e 900 a' D" deias náo-permanentes (iâ que a agricultura era iti-
"ü. "ir"*eu
tinha continuado a existir até 1 200 a' nerante). Já vimos que se discute o carâter urbano ou
"ãíàt"ã"p"it é uma pirâmide não dos centros maias.
ólõ mais caracteristico
"ãrício
70 Ciro Flamorion S, Cardoso América Pré'Colombiano

Na interpretação mais antiga' também no caso frada, A cerâmica, muito variada e de excepcional
maia se postulou o caráter pacífico e sacerdotal
qualidade, incluía tambêm maravilhosas estatuetas
;;ã;. É verdade que o afresco de Bonampak 'leste de barro modelado à mão (como todos os outros
mas se argu- povos pré-colombianos, os maias ignoravam o torno
iChiapas) representa uma batalha,
para cap-- do oleiro), descobertas em Jaina, na ilha de Campe-
menta que seria apenas uma escaÍamuça
;r;;à;i";;ir"s àue seriam depois sacrificados' o che.
pequenas unl- A religião parece ter suas origens em cultos da
sistema politico era o de numerosas
As pedras esculpidas (estelas)' natuÍeza e da Íertilidade, com deuses da chuva
ã.J"t ina"p"na"ntes.
-certas (Chac), do vento e do milho. O velho deus do fogo,
afrescos e figurhhas de barro Íepresentâm
que, as interpretações' s:t1T
Itzamna, ocupava posição predominante. Havia
,"ri"n"g"r. se-gundo
a multipli' também inúmeras divindades associadas aos pontos
ã;;;;;; ãu'sacerãotes. É certo quecomplicadas cardeais, à cosmologia e aos astros, aos meses, atros,
ãã"i" ã"-i*"g.ias simbólicas em suas
dias e ciclos do calendário, etc. Os sacriÍícios huma-
irãr..rtâtr"'i pàteceria indicar um poder de fun- nos existiam, mas parecem ter sido raros nesta fase'
cão. mais do que Pessoal.
--' ó. ttà. t"ligio.ot tinham dimensões muito Ligadas à religião e ao calendário, a matemática e a
variáveis.""tOs menoõs constâvam somente de
uma astronomia tiveÍam entre os maias um desenvolvi-
;i;iliõ " o. oo outro monumento adicional' e mento maior do que alhures.
ãr-Ã 1íu"tatiot de outros maiores, e estes de um .A partir de 800 a. D', os centros cerimoniais
g.ãnà. como Tikal ou Copan' Em lodos.os maias Íoram .aUgagna!9; um a um, havendo em
"""uo certos casos sinais de üolência. As hipóteses a res-
ã"nt.* a"ti-o"iais achamos os mesmos elementos peito incluem o esgotamento do solo deúdo à pressão
pâtios, calçadas'
ú;i;;; - phtalormas, pirâmides, borracha'
.itual com bolas de estelas àemo8râÍica e quiçá tributária sobre a primitiva agri'
ã"n.í"t
jlÁ"i oaologo cultura de coivara, provocando emiSrações (porêm, o
.ãrãt"t 6s5çsnhelizado dessa civilização se
dimensões' execu- vale do Copan, por exemplo, continuou habitado
manilesta na grande variação de
maia mesmo depois do Íim do centro cerimonial), e revol-
;;-;;;;";;tá.. No co4iunto, a arquitetura massas em tas camponesas.
preocupava-se mais em distribuir Srandes
edi A queda - ainda mal explicada - dos princi-
ãspaços des"ob"rtos, desprezando o interior
dos
pais centros meso-americanos provocou o floresci
Íí"ioi, os templos que coroavam as pirâmides eram mento de centros cerimoniais secundârios ou regio'
p"qr"not, esc-uros, iom cobertura de madeira ou em nais, como El Tajin (Veracruz), Xochicalco (More:
'""-Àabóbada.
falsa
frtrogliÍica sô está parcialmente deci-
los) e Cholula (perto da atual Puebla)' Por outro
"."rit"
Ciro Flamaion S. Cardoso Am á ri c a Pré -Colombiana 73

como a coluna-serpênte e a coluna-atlante' permi-


lado, o vazio de poder criado pela destruição teÍ
das
unidadãs políticas da região paÍece tem, pela primeira vez na Meso-América, construir
"J""i""i.
;;üãd; u* pto"oio, tarvez iâ anügo' de inril- extensos espaços cobertos. Por fim, ocorrem então os
cna- começos tardios da metalurgia meso-americana.
tÍacão Dara o sul de nômades setentrionats' O início da civilizaçllo dos toltecas está üncu-
iiii"'"iwt^"cas na Meso-América' a
Mas sua
para poder ser lado à migração de grupos chichitnecas vindos do
.*ia" é por demais tardia norte, que fizeram imrpção violenta no planalto cen-
"ii-"áã" o" queda dos centros cha'
"]p;ã]itaãcái,;iáus" tral mexicano a princlpios do século X d. C', termi-
mados "clássicos".
nando porém por sedentarizar-se, assimilando a he-
rança teotihuacana através do contato e mistura com
O último período da histório pré-colombiana
da povos locais, O mito liga tal pÍocesso à lenda de
a' -D')
.
"M roximadimente e00' I 5 I e
írpi Ôuetzalcóatt, no qual seria ingênuo querer identi-
";;:;;;;;; por
ficar um personagem histôrico real, como demons-
Esta fase se caracteriza, antes de mais nada' trou A. lópez Austin. O impêrio tolteca tinha como
a.it ãunâã-pt Em p."ryI:
cessos sócio'culturais'. capital Tulà, situada 60 km ao norte da atual cidade
iJ;.:;;;;#;", vârias vezes repetido' entre dois do México, numa regillo instável, onde entravam em
;il;U;ã;; à áos agricultoÍes sedentáirios e o dos contato a zona agrlcola meso-americana e a TonL
àerreiros nômades, caçadores-coletoÍes'
provocan- setentrional, mais seca, onde se praticava a caça e s
il;;turã.;;"rflito, mas do norte' &centua-se
também mesclas diver- coleta. De fato, alguns autores acham que um tesse-
JÃi"á* o elemento vindo camento cümático a meados do século XIII, aÍetando
a Íronteira agrícola, esteve ligado à queda do império
ããúi"ti..o"oroo prestígio dos guerreiros' e penetram tolteca. Este compreendia diversas regiões subme-
;;;ãil ;;r"t" concepçoes religiosas' Em .segundo
de Teotihuacan' tidas a tributo: Michoacan, o norte de Veracruz, o
iú-i àa-." a tusão da herança Vale do Mêxico: e, desde 1O45 a. D., o rei misteca
iilJúia" ai""rsos centÍos menores e passada-pos-
".aos tortecas, com a mais recente tÍadição aceitou sua suserania. Os toltecas, cujo núcleo inicial
iãrioã"nte havia sido no passado um grupo de nômades do
Cholula' sursindo a
;i;i;;:il"bÉ, com centro emurbanísticas'
.ã""s concepções arquite' norte, agora viSiavam as regiões setentrionais através
""ãiãiit"
Iô;il;í;túi, etc. Êm particular, este períorlo de postos fronteiriços, para evitar novas invasões,
*.itt" I ã""á" piogr"tto ãifusao da urbanização' embora também admitissem chichimeca nas suas
;;i;á;;;il;";dem " na exPansão da agri-
Parte tropas. Como anteriormente Teotihuacan, os toltecas
ãíitlit"l.e i"g"aio. Na arquitetura, novos elementos' de Tula comerciavam com o sul e o leste, importandó
Cúo Flomaion S. Cardoso Amé rica Pré'C o lom b iana

artigos e viviam no México central (incluindo, por último, os


cacau. iade, plumas e algodão e exportando
mexicas ou astecas). A lenda reflete esta influência
ãiãüiái""à. À.ua cerâmica típica, alaranjada' cor-
resoonde ao estilo chamado de Mazapan' A
desrur- na história da miSração de Quetzalcóatl (Kukulkan
;;á;-ú;Ã iolteca lisa-se a novas ondas migra- para os maias), que teria deixado Tula por Chichen-
iã;d;;", Tula Íoitomada em 1168 a' D' e Itzâ, O influxo mexicano se nota em novos estilos
àir"lt t"t"iÀ""te destruida em 1224 a,'D" criando' arquiteturais, em elementos religiosos (intensificação
;'J;';; Poder no
ila situação de vazio deprolileração dos sacriÍícios humanos, importância da serpente
à
üC*t"1""t.4, o que abriu caminho entre si' emplumada) e no crescente militarismo' Os núcleos
ã.-t.*".tu. em luta mais importantes da civilização maia nesta Íase -
-- --õi "iaadis-Estados
que
mistecas, aos zapotecas
sucederam em durante a qual o seu centro de Sravidade se trans-
o*;; ; ãõ;it tômaram cholula (ondeosseus. reis Íeriu para õ norte da península de lucatã e, mais
Jrãã"ãÀ"ã.'t1,.ão, sesundo J' Paddock' pais do tarde, para a Guatemala - eram Chichen'Itzâ, Ux-
última fase' A mal, Tulum, MayaPan e Labnâ. Posteriormente ao
il;;il;;"-americanopoÍ em sua
sua importância começa volta do século XIII d' período chamado maia-tolteca, deu'se o episôdio da
ê. Forã., com os taraicos do centro-oeste mexicano' Liga de Mayapan: esta cidade venceu Chichen-Itzá e
;';;;;* mais desenvolveu na Meso-América o impôs sua hegemonia entre 1 200 e 1 450 a. D., quan-
;#;iú à;; ."t.is, sendo srandes ourives; além do do foi destruída, seguindo-se uma fase de descentra-
jade' Fabricavam lizaçilo.
à"-, ttoúarrur"m a turquesa eo
or' Como ê natural, é paÍa este período tardio que
rica ôerâmica Polícroma, mosaicos de turquesa'
iràiã"i"tã" iii.tal e recipientes de ônix' Alêm disto' as Íontes proporcionam mais informaç?lo sobre a
a maioria dos côdices prê-colombianos
que se conseÍ- organizaçío dôs maias, como tambêm dos demais
;;;;; ^iti""u. Tiniram aÍquitetura inspirada nos po"ot m"to-a-"ricanos. A unidade básica era a
antecedentes zapotecas, mas com inovações (mosal- com um rei, um Conselho de nobres e
*levo motivos geométricos)' Os "idud"-Ett"do,
sacerdotes, um chele militar eleito por três anos e
Io. à-. ,.a.u com
".
sítios mais conhecidos desta civilização são o palaclo submetido a proibições rituais e toda uma rede de
ã;i4if;;" úmbas de Yasul; por outro lado' os funcionârios, policiais e chefes de aldeias. A estru-
co- tura social manifestava restos de um regime de clãs
mistecas reutilizaram antigas tumbas zapotecas'
mo Íoi demonstrado Por A' Caso' ou linhagens tribais e uma estratilicação que com-
-- - ilitt.i" deste perlodo final pré-colombiano' os oreendia nobres, sacerdotes (cuja hierarquia interna
maias soÍreram um profundo impacto tolteca
e'.em ãra complicada), a massa do povo e "escravos" (cri'
g"i.r, áãt po""t q* ?alavam línguas do grupo nahua minosos, prisioneiros de guerra).
Cim Flamarion S. Cardoso ,4 m é ic a P r é' C o lom b i ano

Ouanto à economia, o seu nível técnico man- telolco, Aliando-se primeiro aos tepanecas de Atzca-
,"""-ü-ü,it-",1Àt" p*aoi"t"io de instrumentos agrí- potzalco e depois às cidades de Texcoco e Tlacopan
;il;õ"dã;-Àãa"i"", com a exceção do*uso de ("Típtice Alianga", 1434 a. D.)' a sua posição se
machadoi de cobre para demrbar árvores' E
posst- conrolidou com o rei Moctezuma | (14<10'1469 a.
q* em certas regrões - como teÍras
í§ D,), cujas conquistas abriram a Íase do predomlnio
"'Jrãiirn,
Ji"í at-éuàt".ala - haia'se desenvolvido uma asteca, que continuava a se estender sob Moctezuma
i*i".rftut" rnd, eficiente, com terraços de cultura e II quando chegaram os espanhóis em 1519. Nesta
rtii"ããã. ôt .aas culüvavam o milho' o alsodão' o datã, o chamado "impêrio" asteca - na verdade um
diversas frutas, e criavam cãe-s :1ça' mosaico de alianças, àonÍederações, relações tributá-
ã"":"i. o
rias, implicando povos numeÍosos, heterogêneos e
ã;;;;;; "*"",á* eram comestíveis' p€nts e abelhas'
de madeira ou imperfeitamente submetidos - era um bloco com'
Ál"oú"it"t recolhidas a celeiros
"t"rn As atividades agrícolas eÍam com- plexo, pouco coeÍente e descontínuo (havia enclaves
c.""do. no solo. sar não-submetidos e hostis, como o reino tarasco e o
olementadas pela caça, pesca e coleta' PÍoduzram
senhorio de Tlaxcala). Expedições punitivas eram
ã;;.;; têiteis ae alsodão, cacau, mel'paÍa
escravos'
outras freqüentemente necessârias para manter o dominio e
;il;;;:-l.d; e obsidiana, expoÍtavam
por (construÚam ca- o tributo e para garantir as rotas comerciais.
Loio.s dà Me.o'América, terra
pedra calcárea) ou por A unidade social bâsica dos astecas ou mexicas
.inÍã.-r"ú""tados com
era o calpulli, comunidade residencial com direitos
que liSavam por cabotagem o
-"tl fr"""nao canoas (campeche) comuns sobre a terÍa e uma organização interna de
1,.ãr1"" ,"Ãaí" asteca aJ xicatanso
e com regiões mais a
com todó o lucatã leste' as qua§ tipo administrativo, judiciário, militar e fiscal. Sua
ãii""* tor."oao um processo de conquista progres- inlerpretação como um clã loi usual no passado, mas
não parecà c'orreta' Mesmo ao fundarem Tenochti-
-.' - oelos astecas.
siva
'Ii" aiip.*ao em cidades'Estados independentes tlan, os astecas apresentavam, segundo parec€, uma
riá;q;;;tàrizou o México central depois da organização tribal já bem abalada, e a vida urbana, a
"á"1á" aã império tolteca, emergiu finalmente - inúuência de outros povos do México central e depois
ã; processo que não.podemos as conquistas Íortaleceram a hierarquização e a desi-
ã;õ coàplicado
uma delas' Te' gualdade social, presente inclusive dentro de cada
ãá;ver "qú - a heiemonia deastecas' ialputli. No nível político, porém, até o Íim o rei
iã.itriú, i "ia"de dos mexicas Vale do tundada
ou
México' (Hiey Tlatoaní) tinha direitos e funções que osci
ííã'J" r"go de Texcoco, no iavam entre os de um chefe tribal e os de um chefe de
""Á"
em l3a5 a. D., a qual viveu durante muito tempo â
Tla' Estado, sendo o cargo eletivo numa mesma Íamília'
to.U." O" poO.tosã cidade comercial vizinha de
Circ Flamarion S. Cardoso Am é ri c s P ré- Co lom b iana
7E

ceÍtas restrições, transmissivel por herança; 3) diver-


No apogeu do "impêrio", a sociedade asteca era
sos tipos de propriedades públicas, cujos frutos iam
e muito eitratificada, com uma nobÍeza para a casa real, os templos, o abastecimento de
"";;i;; hereditâria (tlatoque), uma nobreza
"i"rã.-ntátn"nt" gueÍra e a administração. P. Carrasco afirma, po-
á" ru"aa" de origem mnfiar (tecuhtli),.comerciantes iém, qu" as diferentes Íornias de acesso às terras -
(pocftÍeccs ou
especializados residentes em Tlatelolco incluindo as terÍas dos nobres que certõs autores
iito^""or), Iormando uma corporação especial' ar- apÍesentam como "propriedade privada" - eram
iÃaot t"oniaot organizações proÍissionais' diver- tri6ítá'
"m concessôes em troca do exercício de funções
ror-"nt"gàt"t popularis urbanas e rurais' servidores
"escÍavos"' etc' iias, militares, sacerdotais, burocráticas, etc', feitas
ã""
' otAseôant Oitionsideraram pelo Estado com carâter revogável e sob coídição do
plantas cultivadas eram muito numerosas'
cumprimento das obrigações a elas iinculadas.
mas a baie tla alimentação eram o milho, o feijão
ea
o peru e.o
- Quanto ao trabalho rural, existiam quatro tipos
pimenta. Como animais domésticos, havia
e se extraía básicos de trabalhadores: l) os calpuleque ou mem'
ãí.; i"ãuZÀ ie praticava a apicultura plan' bros do calpulli, que trabalhavam as terras deste para
um'colorante vermelho da cochonilha' Certas
(Íibras' suas prôprias necessidades e para pagaÍ o tributo,
á;. ;;;; maguei, tinham usos industriais além de estar permitido alugar partes do solo do
i;Úãçã" de úebiáas fermentadas)' As pelo
produções
comércio "bairro"; 2) osteccaleque eram também membros de
à a" úe*i.o se complementavam
"ni"
u, ,onus tropicais. A tecnologia agràn?, a náo um calpdli, com a única diferença de que o resul-
"o-
*t- o"i" úrnçaô (canais, chinamPcs ou ilhas flu' tado do seu trabalho servia para sustentar a corte,
no caso dos além de suprir as próprias necessidades; 3) os arren'
tu-á.t ao. i"óos) era primitiva: como
pedra datórios, que lavravam terras alheias (de nobres ou
ã4"t, pt"aoÀinavam às instrumentos de e
prá' de comunidades), dispondo ou não do uso de outras
;;d;"', ; ; metalurgia teve pouca aplicação
parcelas a título pessoal; 4) os mayeque, camada
tica.
inÍerior da população rural, igrralmente arrendatâ-
Quanto à estrutura agrária, pode-se aÍirmar
a
proPriedade' talvez rios (vitalicios): eram a mão-de'obra dependente que
existê-ncia de diversas formas de trabalhava nas terras do rei, dos nobres e outros
redutiveis - segundo Manuel M' Moreno - a
tres
comunal: particulares. Algumas Íontes mencionam também
.oaúana.t principais: 1) propriedadc as
uma categoria que os espanhóis traduziam como "es-
terras do bairro ou catpulli, s'tbdiv\didas em terras
cravos".
de cada linhagem e terras realmente comuna§; Tenochtitlan recebeu, ao longo de sua histôria,
ii propriedade àos nobres, em grande parteeles em teÍ-
entre com artesãos vindos de diÍerentes áreas meso-americanas.
rár'"onquitt"a".' individual, alienâvel
60 Ciro Flamorion S. Cardoso A mérico Pré- Colombiqna 61

astecas como
Devemos imaginar a cidade'capital dos
tivesse entre 200
íÃ" ãgr"meração
-talvez
{
"."t*"
gmOOO habitantes, o que a transformaria numa gi
,ii,ti
"das maiores cidades do mundo na época -' con-
;""d;;ir;t" mercado bem regulamentado onde ,liiiiir
;3!:Ji..i

v)@
,-:
uns
i"iãit-rr"* como compradores ou vendedores
cerimoniais'
!flml'Il

àôeroo-l;ãi;iÀ"; todos às dias, centros
;"úJ;ã;; ;omércio de longa distância e-streita-
â

.iirc *ritãi"ao pela casa real' o vale do México ti§


exDortava escrâvos' roupagens, objetos de luxo' úsi- Ír. õ
peles de coelho'
ü;;;tú;iüà"' ocre' cõchonilha'
QN
;';;clü;;:"m ásPecial da costa do Goro - Plu-
.d
;;'':;;.*;, iade, peles de jasuar' m-antos de
pi"íÀ (uiado também como padrão mone- §;
"ã""u rôõ
'----liaescravos.
tário), \§ á
religiao, na ârte, em outras manilestações ôzo
interecLaiiícatóndáúo, medicina etc')' a civilização
asteca constituía uma síntese de tradições
meso-ame- §o
incorporação de alguns elementos se-
§z
ii"unot, 'lÉ
i;;.i";"i. "oaÉ* putti".,iut, caracterizavam-na notâ-
escultura em pedra' a cerâmica com

§.O
inquietante
""ie
*à,i"ãJ".*-t sobre fundo alaranjado ou vermelho' .2,2
plumâria'
o. aorui"ol a" p"dra ou de conchas, a arte
I utquit"tut" àa capital foi destruída na sua paÍte
e é conhecida por bases de monumentos o
"iin.ir"f
'o"" toi"- escavadas, por descrições un.r 9.'J1:
." 9u ɧ
resto de edificio; mas nos arredores da atual
cldade
de
àã úã-i* p"á"in ser vistos templos secundários I

Jãar" ü".'"*tervados (Malinalco, Tenavuca)'. O


IãÃr[."àá punt"ao dominado pelo deus tribal
"."
Àexica, Huiizilopochtli, e o culto comportava nume-
;s
ü2 Ciro Flamarion S, Cardoso Am éri c a Pré -Colomb i ona

Íosíssimos sacrificios humanos. Como êntre os tol- rica em plâncton, atrai peixes em abundância, os
iã"*, uma certa tensão entÍe esta religião quais são alimento humano mas tambêm de aves
"oi.".
iancrenta e o ideal religioso mais espiritual de Quet' marinhas que habitam ilhotas costeiras onde o seu
Á;ô;n, de derivação ieotihuacana' os astecas dis' excremento
- o guano usadoacumulado durante milê-
de um eliborado sistema de educação das nios, já era conhecido e -, em tempos pré-colom-
"""fr"í
ãii"i, pua.t"rn ser recolhidos depois da corquista bianos como adubo. O deserto costeiro é interrom-
"
multós textos titerários de origem pré'colombiana em pido por mais de quarenta vales, de rios grandes e
iingua nahuatl, alguns de Srande valor estêtico' peÍmanentes ou pequenos e ocasionais, os quais são
verdadeiros oásis fertilizados pelo limo que vem das
montanhas carregado pelos rios ou torrentes. De ju-
nho a novembro, o tempo é nublado e ocoÍÍem espes-
Seoüências histórico-culturais
sos nevoeiros; de dezembro a maio é ensolarado e
na Zona Andina Central muito quente. Na parte norte da costa hâ chuyas
ocasionais, porêm mais ao sul quase nunca chove.
A 7-ona Andina Central Faltam árvores e a pedra ê rara: as construções usa-
ram na sua maioria tijolos crus secos ao sol. A impor-
O seu núcleo fundamental compreendia partes tância das marés levou ao culto lunar. O isolamànto
dos atuais Peru e Bollvia; posteriormente, Ioram-lhe dos vales entre si Íavoreceu durante longo tempo
incoóoraaas pela conquista porções do Equador,. do forte individualidade cultural de cada um dàles.
õíite setentrionat e dà Argentina norte-ocidental' _ . As terÍas altas, temperadas e frias jâ
Do ponto de vista geogrâIico e ecológico, ê pre- - que
altitude anula os efeitos da latitude tropical
a
ôom-
ciso dist-inguir na Zorra Andina Central três faixas -
preendem as cordilheiras propriamente ditas (monta-
paralelas que se sucedem de oeste para leste' nhas cobertas de neve, não-habitadas), terras muito
Em primeiro lugar, um deserto costeiro ao longo altas com vegetação herbácea proplcia ao pastoreio
do litoripacíÍico, ãntre o mar e a Cordilheira dos de lhamas Qtunas) e vales ou bacias cercados de
Àndes. com um comprimento norte-sul de 3 200 km e montanhas, de clima temperado, cobertos de bos-
uma largura que varia entre 1,5 e 40 km' A corrente ques, com pastos e arroios. Este vales atraíam espe-
íÁ, ae É"-t-otat, que corre paralelamente à- costa cialmente a ocupação humana, Os principais são, de
no sentido sul'norte, lorça precipitações atmosféricas norte a sul, Cajamarca, Callejón de Huaylas, Huá-
.ãU"" o -n , ao condensar a umidade dos ventos do nuco, Mantaro, Cusco e Titicaca, todos a mais de
oeste: estesjâ chegam secos ao litoral' Esta corrente' 2000 e às vezes 3000 metros de altura. O lago Titi-

L
M Ciro Flamaion S. Cardoso Améica Pré-Colombiano

caca, a3Slzmetros de altura, é a superlicie


navegâ- o culto ao complexo jaguar-pâssaro-serpente. Acima
vel mais alta do mundo. de tudo, porém, apÍes€nta lorte originalidade: entre
'";-;;6;azônica começa em plena monta- outros traços, um complexo a8rícola próprio que
alislos que
nha. a 1 úO metros de altura, devido aos provocam associou tardiamente o milho a plantas como a coca,
ao com os Andes'
r.rt" chocando-se a batata e a quinoa e à domesticação do lhama e seus
"ãã ",
qu" alimentam nas encostas espessa floresta congêneres; culto dos mortos, conservados em envol-
"irú",
il;[;i;;;;ü'" também a planicie oriental' Esta tôrios (as "múmias" andinas); desenvolvimento mais
;#; ffi;;ã;"r"' "óu"'to'-
a" bosques §uzgas)'
sô parcialmente
antigo e bem maior do que entre os povos meso-ame-
:.#;.-i;;;". da úacia amazônica' ricanos do uso de metais (ouro, prata, cobre, bron-
ii'à"t"ã"ããi* dos Andes centrais' ze); sistema numêrico decimal e uso de quipus (pro-
""*à;;;;;;úeso-América
"ultural
-ãt a complementari' cesso mnemônico e de câculo baseado em cordões
d"d;;id;; t"elõet foi orisem de comércio com n6s).
iorcr-r"cio;"1 mais ou menos intenso' na Zana di
Ãn'-
A periodiz+ão da história andina é particular-
ecológicos
ãffiê;i;;l ;ploração de recursos peculiar' a
mente dilícil, devido à maior fragmetrtação cultural e
ü;"i"d; deu ôrigem â uma soluçeo talvez a fases e processos realmente mais acidentados
;#ü'ffi;; ;; deJohn Murra chamou "arquipé-
cada srupo étnl9o- olt
e complicados; por outro lado, a evolução meso-ame-
i;;;;;;ti"tt:' àos Andes: ricana está mais bem estudada em seus detalhes. No
JJiti"o- trnt"u" de aumentar a sua produtividade passado, proliferaram cronologias fantasiosas e até
ffid;;d";;"*imo d" "andares"assim e nichos ecolô- ridículas, que incluíam com aparente seriedade de-
de recursos
gi""i q"" p.a*.", apoderando-se
de colô-
nominações como as dos períodos "cultista", "expe-
variados. Este estorço tnclula a constituição rimental" e "dos mestres artífices"... Se8uiremos
peimanentes, longe do núcleo terri- aqui uma peiodlzaçío adaptada da que propõe E.
"i"t-i*iá.*ài.
ffit"i d" ãürt";r'Éti"do, "n"utt"eadas do abasteci- P. l-,annrng (Peru BeÍore the Incas , Englewood Cüffs,
recursos não-disponíveis nâquele nu- Prentice-Hall, 1967, cap. III), por ter maior base
mento de certos pa-
Este
iir""* i"r.uém colônias multi-étnicas)' arqueológica. As datas são, naturalmente, aproxi-
"i*
átao á" limitou muito' a não ser na
madas.
;;;á, ;,".t"rt".ento
fossibilidades de desenvolvimento
comer'
cial.
''-" Do oorrto de vista cultural, a Zona Andina Cen-
tr^t i-"i'ittt""u a Meso-América certos elemen-
i.i, iiàrio* escalonadas, aspectos religiosos como
"om
C o Flomorion S' Cardoso A m é ri c a P r é- Co lom bian a

mide de La Florida (hoje na cidade de Lima), na


costa central, o de l,as Haldas, tambêm na co§ta
?;*;í;1:;i*::;;'Y;ffi\r#:';fr:'r: (mais ao norte), e o de Kotosh, perto de Huânuco,
partes' Na Íase pré- nas terras altas, contendo o "templo das mãos cru'
Este período consta de duas
a' c')' a aericultura e a zadas".
".t#i;;"liüiisoo-raoo se espalharam por toda-a A construção de estruturas considerâveis como
vida em aldeias sedentanas se ampra- estas exigiria um grau considerável de coordenação e
;;;;;"", as espécies domesticadas
direção. Para explicá-lo, alguns autores pretendem
quejá nesta lase do II milênio a. C' existiram peque-
nos Estados regionais compreendendo vârias comu'
nidades aldeãs. Isto parece pouco provável, bastando

l'ffiiffittr+trffi
llJàiiti"üal;;ierior das economias pré-históricas
predominavam en-
;
admitir um sistema de chefias ou conlederações tri-
bais, como no caso dos olmecas da Meso-América,
embora certamente com um esboço de grupo social-
mente dominante em processo de diferenciação.
il iiãaJ.,;. *;ursos marirhos
A das
ã'lof,;;-;t agricolas na dieta)' PopulaÇão
de 50 e up
iã.i". p"*.. "-laÍ
entÍe um mínimo
eÍam então
pessoas' As culturas
A prímeira cultura inter-regional (900-200 a. C,)
H;fi"'ã 1-0oo
Ent'" os santuários desta Ia-
::ÍâffiJJte;;;;oni'' vale de Por volta de 900 a. C., pela primeira vez, certos
;:^ ffi;il.,mãs o templo construido-'no elementos culturais de tipo arHstico, religioso e ar-

:j#1"$:lt"i*;l;,"':r*l.;r""ff iiitli:: quitetônico se expandiram fora de quadros estrita-


mente regionais, ganhando toda a costa norte e cen-
turais de Pedra.
'''' A;;;;; * estende de 1800 a 900 at p' fu a tral peruana e algumas regiões altas setentrionais e
em-aldeias sedentârias tam' centrais. O estilo então difundido ê chamado Chavin,
airu.ã" ãã"l*tttamento os inlcios da do nome do sítio mais famoso do período, o templo
üà. iã"t-..ii atas dos Andes centrais'domesticação do de Chavin de Huántar, situado num vale estreito das
I"tã.i* l-á" t."elagem comportear' a
a região da cul- terras altas, próximo ao Callejôn de Huaylas. Os
ilil. ; ã;*olüinento toda
e do sítios mais notáveis da lase ou estilo de. Chavin são
ffi;ã;il;; adoção na costa da mandioca quatro. Cupinisque, na costa norte, se caracteriza
" período rtatam importantes cen-
;Hti.il"ó;t'" a
que inclui Srande pirâ- por uma cerâmica com um motivo estilizado repre'
tros cerimoniais, como o
Cim Ftamarion S. Cardoso A m é ric o Pré - Co lom bi on a

sentando o jaguar, produzindo vasilhas


com Sargalo centros administrativos, quartêis para Euarnições
pedra ou adobe' militares ou fortalezas. Por outro lado, a homogenei-
ã- r"t^.ã"ãtt i6ã, por casas de
com ofe- zação cultural, onde ocorreu, foi somente parcial, e
ããl*ãt- a. conchas e turquesas, enterro.s
pintados de vermelho e manr- às vezes o estilo de Chavin e os estilos locais formados
rendas. sendo os ossos
anteriormente aparecem lado a lado. Seja como Ior,
iã.tií.i"""-á"r...ações voluntárias dos crânios'
há indicios de que este período diminuiu a comparti-
ü;i;ú";;" vale de Casma (costa norte)' apÍe'
mentação cultural: houve comêrcio de artigos como
J""ã rei;t d" p"ora gravadas com figuras humanas'
"Jeoililc]aJ"'d. out-ros tipos; alguns atribuem este
cerâmica cerimonial e ossos esculpidos entre regiões.
Também se atribui a esta fase a difusão de um tipo
iítio anterior. O sitio de Chavú de Huàn-
a período mais produtivo de milho, talvez de origem meso-
reli-
i-. otã"u""fr"ote um centro de peregrinação
o mais impor- americana, possivelmente o começo da irrigação
diversos edifrcios' (drenagem, canais) nos vales da costa, o desenvol-
"ili-"oÃpt""naia
irritã'*"ãã de pedra chamado "El cas-
"-i"mplocabeças em relevo' diversas re' vimento da tecelagem e os começos da metalurgia.
iiii";. ã"úoao
;;ã.õ"t;;flt "omadas dó felino e um monolito es' Íim'
:iffi;;;;lr""rt" com o motivo do jaguar'- Por
peninsuta oa As primeiras cidades e o progresso dos Estados
i"iu"ot c"r"tn"" (sitio situado numacom cerâmica organizados (200 a. C.-600 a. D.)
;il;a;";"*) apresenta tumbas
que manilesta algumas in-
;;;-t""i" peculiar,
-a" mas
parece pertenceÍ As características bâsicas deste período são: o
áia""i"i crr""in: de Íato não
grande desenvolvimento tecnológico e artistico; o
ao mesmo horizonte cultural' mesmo
"'i"rti"Ã"tt" surgimento de Estados altamente organizados e
àstàdo sob seu influxo Parcial'
""'"õô;tü;aIt* reámente o estabelecimento do agressivos; o nascimento do urbanismo andino, em-
À sua origem bora nesta fase limitado às terras altas do sul, Nesta
estilo de Chavlin em numerosas regiões? última região surgiram as cidades de Tiahuanaco,
peruano' mas lgno'
,e deo t aa terr"s do centro-norte Pucara e Huari, cada uma delas com um núcleo
Sua rápida
.nÃàt t" na costa ou nas montanhas'
a idéia da monumental provido de praças e edifícios públicos,
;;;;;;; sugeriu a certos êspecialistas
ao cercado de bairros residenciais, e agindo como foco
áitrie" a. uir culto religioso do Íelino' mesmo
de atração paÍa numerosos povoados e aldeias cir-
H;;; prá.ettitmo e pela Íorça das armas' Íor- cunvizinhos (a população destas cidades poderia ser
*orido-rtn" unidade poütica que poderra ser- cna- de uns 10 000 habitantes).
;;i^pe.io Chavin". Não hâ, porém',bases
.Iãn a" Houve um indubitável desenvolvimento têcnico
,iniã"iãgt"tt-a atumâlo: não foram descobertos
Ciro Flomarion S. Cardoso Am érica Pré -Colomb ianq
m

eram o milho (com duas colheitas anuais), a batata,


e ecoflômico, Nos vales da costa criaram'se amplos
para a batata-doce, a mandioca, diversos tipos de feijão, a
sistemas de irrigação; nas terÍas altas, terraços
primitivos' a lentilha, ârvores frutíferas, etc.
cultivo e canais. Mesmo com teares A cerâmica, fabricada pelas mulheres, é cons!
tecelagem de algodão e de lã de alpaca atingiu um
derada a melhor de toda a história do Peru pré-
apogeu nunca superado. produzindo bordados' tape' colombiano. A maioria dos vasos era produzida em
iJr,"u.o""aot, malhas' tãcidos, que conhecemos sô moldes de argila, acrescentando-se depois gargalos,
na costa seca, pois não se conservaram nas terras asas e adornos. As formas eram variadas e distin-
aúas (onde, porém, há estâtuas representadas vesti- guia-se a cerâmica utilitâria, simples, da cerimonial
ãã. à n q""otogia revelou fusos e peças de teares)' e funerâria. Esta representava com grande realismo
"
A metalurgia basicamente ornamental, mas entre
-
os ,noct i"ã. tambêm usada para instrumentos agrí-
cenas da vida quotidiana, personagens, atividades
guerreiras, divindades, etc.
colas e armas - deu um grande passo à frente,
trabalhando-se o ouÍo, a prata, o cobre e ligas destes Como não dispomos de qualquer fonte escrita,
metais, através de técnicas diversas (metal marte- o que se afirma acerca da estrutura social e polltica
i"ao, fo.j"ao, trançado, mêtodo da cera perdida)' A dos mochicas é inÍerido da arqueologia, e sobretudo
cerâmicã cerimonial também se aperÍeiçoou nota' da cerâmica tão gráÍica que deixaram. Existem esta-
tuetas do que paÍecem ser reis e nobres e a presença
velmente.
Na costa norte - vales de Chicama, Moche e de Iorte estratificação social é clara, Pode-se deduzir
das representações de castigos um sistema judiciârio
Viru, posteriormente anexando os vales de Chao' severo: amputação do nariz, do lábio superior, dos
Santa, Nepeía e Casma - desenvolveu-se então a pés; pena do cepo; pena de morte por lapidação ou
cultura que chamamos mochica. por exposição do condenado, amarrado a um poste,
A bàse da economia mochica era agrícola' mas a
a aves de rapina. Hâ muitas representações de guer-
botes de junco, ganchos e redes
pesca
- utilizando
^- continuava sendo importante. O mar fornecia
ras e guerreiros: estes usavam capacetes e orelheiras
para proteção, e combatiam com escudo, Íaca, ta-
também sal e usava'se o guano costeiro' A caça tinha
cape de ponta de cobre e fundas. Cães eram usados
sendo talvez um esporte aris-
""iát"t "o-pt"-entar, nos combates. Há representação de prisioneiros de
i""iáii"". Aàrqueologia revela canais de irrigação de guerÍa, que provavelmente eram sacrificados. A ad-
barro pisado com atê 130 km de extensão e um ministração de um Estado de considerâvel dimensão
aquedrito do mesmo material em Chicama' Estas são
levou à contrução de uma rede de caminhos, percoÍ-
obras que supõem uma população numeÍosa e uma
.ãrlJo ãtg*t"ção estalal. Os cultivos principais ridos por corredores com função de correio oficial.
Ciro Flqmorion S. Cardoso A mérica Pré -Colombiona
v,

A arquitetura usava tijolos de barro cru' As tumbas que constam de um poço cilíndrico dando
eram gÍandes - incluindo templos' pa- acesso a uma câmara retangular ou em abôbada,
iã"iãi.-ràtt"r"r". I mas não houve verdadeira urba-
"onsirucõei consolidada às vezes com postes de madeira. Os
,irr"à". N. vale de Moche foram descobertas duas cadâveres eram envoltos em mantos, com os mem-
pitarniaes, chamadas "do Sol" e "da Lua"' bros flexionados, e enterrados com abundante cerâ-
= Os Àochicas
e.ãn'a"i
eram bons ourives, usando turque- mica e outras oÍerendas. A cerâmica é às vezes estili-
prata'
sas, ametistas, lápis-lazúli, conchas, ouro e zada, mas hâ tambêm representaçõ€s de felinos
il"Uámu"". iott bé- o cobre. Quanto à tecelagem' coroados de serpentes e outÍos animais. Os tecidos
"*
dispomos de poucos tecidos de cor creme' eram de algodão e de lã de lhama e vicunha. Apare-
Á.Jigiá.' tal como pode ser inferida da cerâ' cem objetos de ouro martelado e gravado.
mica, conhecia um felino humanizado que aparêce Quanto a Paracas-Necrôpoles, suas tumbas são
.ontnao em pássaros, associado a vârios verdadeiras casas subterrâneas com espessas paredes
"ou"ào
animais humanizados ou não, e em luta com outros de pedra e barro cobertas com ramagens, costelas de
tipos de animais com conotações demoníacas' A ce- baleia e couro. Foram achadas centenas de múmias,
ráÁica, através de representações realistas- de doen- preparadas atravês da extirpação dos ôrgãos internos
cegueira) mos- e de ressecamento pela fumaça e colocadas em cestos
ças (lepra, bocio, paralisia, tumores, '
i.o à". ti"fr". cónhecimentos de medicina e prati' depois de envoltas em tecidos. Muitas delas apre-
cavam inclusive a cirurgia (amputações, trepânação sentam crânios deÍormados e trepanados. As mú-
mias aparecem associadas a cerâmica, jóias, macha-
do crânio) com instrumentos Íeitos às vezes de
ossos
prova- dos de pedra, restos de plantas e animais. Os tecidos,
de tubarão. Havia curandeiros e curandeiras,
de plantas medicinais' A mú' que chegam a ter 30 metros de comprimento, são
""f-""t"
sica inclula trombetas, percussão e flautas' É
"o"ft"aedores pos- mantos, ponchos e tuÍbantes que envolviam as mú-
sível que existissem representações teatÍais' mias: suas decorações Íepresentam seres Íantâsticos
.
Na costa sul desenvolveram'se as culturas de e flutuantes, provavelmente figurações das almas dos

-'*;;
Nazca e de Paracas-NecrôPoles' mortos assimiladas a astÍos. Foram achados instru-
N;; ;à" foram achados restos arquitetô- mentos cirúrgicos: bisturis, Iacas de obsidiana, espá-
nicos. Existem, porém, IiSuras geométricas e
r-epre- tulas de dentes de mamiferos marinhos, discos de
i""t"ç0". diversâs, gigantescas, desenhadas sobre o algodão, fios de coser.
solo, iigadas talvez a algum culto astral ou a uma Nos planaltos do sul desenvolveu-se a já mencio-
;toÀ"ãi"nçaC' .itual com deuses celestes' Cerâmica nada civilização urbana. Tiahuanaco compreendia
e tecidos dL alta qualidade foram encontrados em um grande centro cerimonial corn construções de
Círo Flqmorion S. Cordoso .4 m éi c q Pré -Colom b ian s

primeiros impérios (600-1 000 a. D.)


pedra, situado em territôrio hoje boliviano. A agri- Os

iultura (batata, quinoa) e o pâstoreio de thamas


eram a base econômica desse elevado planalto do Neste período há provas inequivocas de con-
quistas em alta escala, formando impérios conside-
Titicaca. Como Chavin no passado' Tiahuanaco pa-
rece ter sido um centro de peregrinações religiosas' râveis mas efêmeros, que romperam o tradicional iso-
Situado entre a costa e a zona amazõnica, pode lamento das culturas andinas e fizeram circular bens
também ter constituído uma zona de passagem e e idéias na Zona Andina Central.
intercâmbio. Na chamada "Porta do Sol" estâ repre- O império de Tiahuanaco compreendia a tota-
sentado um personagem central humano, associado lidade da bacia do lago Titicaca e o sudoeste da
a cabeças de Ielinos e condores e a pequenas liguras Bolivia, pequena parte do sul do Peru até o vale de
aladas: poderia, segundo alguns, tratar-se do deus Majes e Arequipa, e a costa e zona montanhosa do
criador Viracocha. Encontram-se lâ grandes estâtuas Chile setentrional. Conhecemos mal este episódio,
monolíticas e colunas com relevos. Uma cerâmica o qual inclusive é negado por vários autores, que
vêem na difusão da cerâmica e dos estilos artistico e
tipica de vasos polidos e policromos assume às vezes
fárma de puma ou de lhama. Além das cidades maio-
religioso de Tiahuanaco uma expansão exclusiva-
mente cultural, e não político-militar.
res Tiahuanaco, Pucara, Huari - havia outras
-
menos consideráveis no planalto do sul do Peru,
Jâ no caso do império posterior de Huari, as
pesquisas de D. Menzel permitiram uma ampliação
Chakipampa, Acuchimay e Nawimpukyu, em pro-
vável dependência econômica de Huari. Presume-se
dos nossos conhecimentos. Huari era um centro
urbano do vale do Mantaro, com longa tradição de
a presença de organizações estatais, mas nada sabe-
màs a repeito. Em vales da costa meridional - Pis-
vinculos culturais com Tiahuanaco o estilo das
co, Ica, Nazca e Acari - surgiram igualmente pe- duas culturas é virtualmente idêntico- e também
quenas cidades. Mais ao norte não hâ traços de com os vales de Ica e Nazca. A expansào-começou em
urbanismo. mas sim de guerras que levaram à unifi- 650-700 a. D., formando-se uma espécie de liga de
cação de cada vale, e mesmo à reunião de vârios cidades, e entre 700 e 800 a. D. Huari foi a capital de
deles, como vimos no caso do Estado mochica. Su- um vasto império que, no seu apogeu, incluía quase
põe-se que existiram Estados também nas terras altas todo o Peru, até Cajamarca. A expansão militar
centrais e setentrionais, mas faltam dados' acompanhou-se da difusão dos estilos artísticos e do
padrão urbanístico de Huari. Tal império, porém,
desintegrou-se rapidamente, sendo a capital inclu-
sive abandonada. À queda por causas desconhe-
-
96 Ciro Flamorion S. Cordoso Améica Pré-Colombiana

cidas deste império seguiu-se o abandono das sob os chimus e incas. Por outro lado, há indícios de
-
cidades do sul peruano e diversos sêculos de eclipse um aumento de população, conduzindo à extensão
da vida urbana. dos sistemas de irrigação e à multiplicação , na zona.
Neste período desenvolveu-se o importante san- serrana. dos terraços para cultivo.
tuârio e cidade de Pachacamac, na costa central O reino chimu, cuja civilização parece ter resul-
peÍuana, com um estilo prôprio em cerâmica e tape- tado da fusão da cultura do vale setentrional de
laria policromas representando âguias, aparentado Lambayeque com elementos mochicas e de Huari,
com o de Tiahuanaco, o qual predominou na costa chegou a dominar a costa setentrional do Peru, de
central e influiu também nos vales do norte e do sul' Tumbes a Paramoya, e talvez uma parte do Equa-
É possivel que o prestigio de Pachacamac
jâ então se dor. Sua capital, Chan-Chan, cidade de adobe cons-
vinculasse ao seu orâculo, famoso centro de peregri truída no vale de Moche, foi o maior centro urbano
nações em etapa posterior, mas de cuja existência da Zona Andina Central. Era uma cidade planifi
nesta Iase não hâ Provas. cada, estruturada em blocos retangulares contíguos e
Do ponto de vista das técnicas e artes, este não independentes, separados por muralhas. As paredes
eram decoradas com arabescos antropomórficos, zoo-
Ioi um periodo de grande progresso. A expansão do
urbanismo e do militarismo são sem dúvida os seus
morfos ou geométricos, visivelmente derivados dos
traços mais maÍcantes. motiyos usados nos tecidos. É possível que sua popu-
lação mâxima tenha sido de 80 000 habitantes, em 17
a 22 km2 de extensão urbanizada (comparável, pois,
O grande interregno e o império inca à muito anterior cidade meso-americana de Teoti-
(t 000-t s34 a. D.) huacan). Os chimus tinham pelo menos outras qua-
tro cidades, povoados com guarnições militares, e
A destruição do império de Huari levou a que finalmente as aldeias, algumas também planificadas.
durante vários séculos imperasse a descentralização e A economia agricola baseava-se em vastas obras
existissem outrâ vez numerosos Estados regionais de regadio que se estendiam às vezes de um vale ao
independentes. Do ponto de vista das têcnicas, o seguinte. O reino tinha um estrito sistema adminis-
cobre teve maior uso do que no passado em ferra- trativo e tributário, inspirador do dos incas; estradas
mentas e armas e deu-se a invenção, ou pelo menos uniam os vales, percorridas por mensageiros. Tudo
uma maior difusão, do bronze. Depois do eclipse que indica uma sociedade diversificada. hierarquizada e
se seguiu à queda de Huari, deu-se uma nova inten- de grande soÍisticação.
siÍicação do urbanismo planificado, principalmente Os chimus fabricavam uma cerâmica negra
9E Ciro Flamarion S. Cardoso A mé rica Pré -Colomb iana

derivada dos estilos Lambayeque, mochica e HuaÍi' depois, em 1531 a. D. Caracterizou principalmente
Sua metalurgia era avançada, como a produção de os reinados dos imperadores, ou Incas, pachakuti,
tecidos. Em todas estas atividades, porém, o traço Tupa Yupanki e Wayna Kápak.
mais marcante era a produção em série, em grande Iniciando a exposição das características princi-
quantidade mas Pouca variedade. pais da civilização incaica, falaremos primeiramente
Sua religião culto da Lua e das estrelas, de da sua estrutura econômica de base agrãria.
-
certas pedras associadas aos antepassados - inclula A preparação da terra se Íazia com um bastão
sacrifícios humanos de crianças e a consagração de de semear reforçado, com apoio para o pé (taclla), às
virgens à Lua. Suas múmias eram enterradas sen' vezes denominado "arado de pé", jâ que permitia
tadlas em fossas coletivas, com oferendas; às vezes não apenas perfurar como tambêm revolver o solo-
apresentam deformação tabular do crânio' Depois que passavam os homens, "arando" com tal
Reinos e cultuÍas menoÍes deste periodo Íoram: instrumento, as mulheres quebravam os torrões com
Cuismancu, na costâ central (Yales de Chancay, An- rma enxad,a (lampa). Os vales andinos são estreitos,
con, Rimac e Lurin), com as cidades de Cajamar- e os terrenos planos pouco extensos, de modo que a
quiila e Pachacamac; o Estado chincha (vales de Ca- construção de terraços para cultivo e a irrigação por
iiete, Chincha, Pisco, Ica e Nazca, na costa sul)' meio de canais (às vezes cortados na pedra) tiveram
menos urbanizado mas com IortiÍicações; nas terlas sob os incas grande desenvolvimento. A expansão do
altas do sul, a cultura de Pukina, derivada da de milho esteve muito ligada a estas técnicas. A base da
Tiahuanaco-Huari, estendendo-se de Arequipa até a alimentação eram quatro plantas: a batata, o milho,
Bolivia e o norte do Chile. a quinoa (um quenopódio) e a oca (um tubérculo).
No vale do Cusco formou-se uma confederação Através da desidratação da batata congelada, prepa-
inter-étnica que, dominada pelo grupo quíchua ou rava-se um alimento que se conserva por longo tempo
inca, serviu áe primeira base, em fase posterior, à (chufru). O lhama, além de transporte e lã, forneóia
expansão militar que unilicou a totalidade da Zona couro e catne, seca ao sol (charque).
Andina Central, com acréscimos exteÍnos, no imenso A base da agricultura andina, e de toda a vida
Tawantinsuyu ou império inca, que no seu apogeu se social, era a aldeia, habitada por diversas Íamílias
estendia de norte a sul por mais de 4000 km, do vinculadas pelo parentesco, formando uma comuni-
Equador ao norte do Chile. A expansão imperial dade ov, ayllu. Este não era um clã,.ou linhagem;
inca, que não vamos descrever' Íoi Íase tardia da apresentava tendência à endogamia e um sistema de
históriã andina, estendendo-se somente de 1438 a' descendência paralela (linha masculina para os ho-
D. atê a chegada dos espanhóis quase um sêculo mens, feminina para as mulheres). A Íamília nuclear
100 Ciro Flamorion S. Cardoso A m é ric a Pré - Colomb iana

um casal e seus Iilhos solteiros - era â unidade de os homens comuns (pzrjq) e os poderosos ou privile-
-consumo e de produção. Cada ayllu tinha um chefe giados (Éapa), e cada categoria era endogâmica em
(kurakal, que atribuía o usulruto de lotes de terra às princípio.
iamilias, oiganizava os esforços coletivos e arbitrava Na história andina, formaram-se estruturas pi-
ramidais em que um cyl/u dominava outros. Ao tor-
os conflitos. A terra do ayllu (marka) incluia
campos
cultivados e pastos coletivos, estes na puna lria' onde narem-se mais vastas surgiram cheÍias, conÍedera-
crianças e jovens solteiros pastoreavam os thamas e ções tribais e por fim reinos, mas em todos estes ní-
alpacâs. Ao contrário dos pastos indivisos, a terra veis repetia-se tal qual o mecanismo das prestações
e.u dividida em lotes lamiliares calculados e da redistribuiçào. O império inca era somente
"rlti"adu
i"g,rndo o tamanho de cada Iamília' constituidos de uma espécie de enorme confederação de confedera-
teiras situadas em diferentes altitudes, para que ções, organizando em escala nunca vista nos Andes
cada Iamilia gozasse de recursos ecológicos diversos' tais operações e exigindo trabalho nas terras do Inca
ó ciclo dã vida agrícola estava baseado na ajuda e do Sol, espécies de snper-kuraka e super-wata,
mútua (ayni), ou seji, em intercâmbios de trabalho mas Iiéis ao padrão usual. Nestas condições, o co-
entre as Iamilias para a semeadura e a colheita, bem mércio não podia ter grande desenvolvimento, pois a
como para outros Íins (construção de casas, por circulação dos bens realizava-se de outra maneira.
exempio). A divindade ou letiche tttelar do ayllu, a Por outro lado, germes de mudança estavam sur-
waka^, e o chefe, ou kuraka, rccebiam prestações de gindo, na medida em que os incas aplicaram sistema-
trabaiho da comunidade; não havia, porêm, qual- ticamente a política de transferir populações mal
quer lorma de trib:utos in natura além das prestações submetidas a regiões distantes da sua de origem (cor-
áe trabalho. O kuraka centralizava, através de tais tando assim os laços comunitários), de reduzir algu-
trabalhos forçados (mita), mais riqueza - repÍesen- mas pessoas a um estado de servidão fora das comu-
tada em especial por bens raros como a coca, a nidades (osyarc), de aproveitar o trabalho de fiação
bebida Íermentadi de milho, certos tipos de vesti e tecelagem das "mulheres escolhidas" que viviam
mentâs, etc. do que qualquer outro membro do nos conventos do Sol. Tais medidas estavam criando
-
ayl/z, mas o costume o obrigava a uma redistribuição um esboço de grupos explorados, separados do sis-
ãe seus bens, alimentando os que trabalhavam para tema comunitário tradicional, mas este último ainda
átL. aanao presentes, distribuindo alimentos quando predominava muito claramente.
ne"essário âe"ido a mâs colheitas, etc' Havia, porém' O império dividia-se em quatro grandes provín-
iimites à redistribuição dos bens do chefe e da divin- cias e a tradição burocrâtica via cada uma delas
dade, e assim existia uma diferenciação social entre como uma estrutura geometricamente organizada se_
702 Ciro Flamqrion S. Cardoso A mó rica P ré- Co lom b iana

gundo um principio decimal. Embora isto seja uma arte e religião, deixaram subsistir o substrato ante-
idealização simplilicadora, é verdade que o império rior em cada região, mas impuseram a adoção para-
inca atingiu um grau de integração e coerência ja' lela de seus padrões. Em particular, o culto do Sol,
deus dos incas e do império, era obrigatôrio em todo
mais sonhado pelo "império" asteca. Uma rede de
estradas unia o essencial do territôrio, com um sis-
o Tawantinsuyu. A religião, apesar de elaborada,
tema de correios públicos e de depósitos de alimen' dispondo de uma rede de templos e de um clero
tos, aÍmas e roupas para tropas e funcionários. Um altamente hierarquizado, tinha entÍe os incas sinais
sistema de contabilidade, cujo cerne eram os funcio- inequívocos de origens primitivas ainda próximas:
nârios chamados kipukamayoc ' que operavam o sis- por exemplo, o culto de Íetiches variados , ot wakas,
tema contâbil e mnemônico dos trpris, inÍormava a que podiam ser rochas, múmias, fontes, cavernas,
tributação (exclusivamente em trabalho) e o serviço edifícios, etc., com freqüência associados aos ante-
militar. Havia uma burocracia imperial, chefiada passados. A cultura intelectual baseava-se na trans-
pelo Inca ou Fitho do Sol, e cujo exercício era reser' missão oral. Em particular, as tradições mítico-histó-
vado aos incas apenas; mas, subordinada a esta, ricas eram função de especialistas hereditârios ligados
persistia a burocracia tradicional dos ftzrakas regio- a cada linhagem real, os chamados amautas. A lin-
nais e das aldeias. gua quíchua, antes estritamente local, do vale de
Cusco, a câpital, era uma cidade vasta e magn! Cusco, com o império se dilundiu por toda a Zona
fica, com templos e palâcios, mas pouco resta dela. A Andina Central, onde, com o aimará do Titicaca, até
arquitetura incaica, com seus grandes blocos poligo- hoje é o idioma mais importante.
nais de pedra, irregulares mas perfeitamente ajus-
tados sem cimento, seus tetos de palha ou em Íalsa
abôbada, suas portas e janelas trapezoidais, é conhe- A organização econômico-social
cida principalmente através de outros sítios: Tambo das "altas culturas" pré-colombianas
Colorado, Sacsahuaman, Machu Picchu, Ollantay-
tambo. Como no caso de Huari, a administração inca
se apoiou na difusão do urbanismo. Cidades como à primeira vista, pelo menos no que se refere à
última etapa por isto mesmo é a mais docu-
Tumipampa, Cajamarca, Huânuco, Jauja, Huayta-
mentada - que
da história pré-colombiana, a compa-
rá, Vilcashuamân, foram por ela planejadas e cons- -
truídas. ração da Meso-América e da Zona Andina Central, e
Em cerâmica e metalurgia, como em geral em mais especificamente do "império" asteca e do impé-
matêria de tecnologia; os incas não inovaram. Em rio inca (á que o apogeu maia, sendo anterior, é por
1M Ciro Flamarion S. Cordoso Am éri c a Pré - Col o m b iana

tal Íazáo mal iluminado pelas Íontes), Ítz aparccer econômico-social, enfoques antes empregados para o
uma sêrie de diferenças importantes. Sistema tribu' caso do Peru. Por sua vez, a ampliação da análises
târio in natura na Meso-América contra tributos sobre a costa peruana (no passado, para os últimos
exclusivamente em trabalho nos Andes; coméÍcio sêculos antes da conquista, predominaram os estu-
desenvolvido a longa distância no primeiro caso em dos acerca da serra) mostrou, em contÍaste com a
oposição a um sistema de reciprocidade/redistribui- economia serrana estudada por J, Murra, uma
çãolconstituição de "arquipéla8os verticais" andinos organização econômica costeira que associava a agri-
no segundo; carâter amorlo e pouco consistente do cultura à exploração do mar e apÍesentava maior
"império" asteca em contraste com a sôlida organi- desenvolvimento do artesanato especializado (inclu-
zação do Tawantinsup; enÍim, maior campo aberto indo a produção em série), do comércio a longa
int".".se., à iniciativa e talvez t um esboço de distância e inclusive de um esboço de propriedade
"oi
propriedade de tipo individual ou privado nâ econo' privada, traços que a aparentam com a visão habi-
mia e sociedade meso-americanas, enquanto o esta- tual acerca da economia meso-americana.
tismo reinaria absoluto na sociedade e economia Ao nivel da interpretação, quase não hâ Iorma
andinas. de organização econômico-social que, em algum mo-
De Iato, a evolução dos estudos conduziu, nestes nrento, não haja sido atribuida aos Estados pré-
últimos anos, de uma oposição antes tacitamente eolombianos (com a possível exceção do capitalis-
aceita das características das duas gtandes âreas cul- rr()). Assim, para os marxistas dogmáticos stalinistas
turais de "altas culturas" as quais, aliâs, aparen- ou pris-stalinistas, como se pode comprovar em cer-
temente se ignoravam nos
-últimos tempos pré-colom- los nranuais soviéticos bastante Íecentes, seriam so-
bianos a uma confluência de tais características' c[.rlrrrlc escravistas (interpretação que se choca Íron-
-
Antes, dissemos, considerava-se a Meso-América ltlnrcnte com os dados disponíveis). Outros autores
como uma região que viu um desenvolvimento do r)t)lrtr{rrn pelo Ieudalismo. Também há adeptos da
comêrcio e da economia "privada" muito mais consi i«lóin rlc que, no fundo, tratava-se, mesmo nos casos
derâvel do que no caso andino. Agora se percebe que ntnis hrilhantes, de sociedades ainda muito primi-
a circulação mercantil meso-ameÍicana foi exagerada íivus, quc atravessavam a Iase de transição da'.co-
no seu volume e significado por diversos pesquisa- munitlulc primitiva" à sociedade de classes plena-
dores, e se coloca para a Meso-América a possibili- mente constituída. Louis Baudin por certo num
dade de que sejam vâlidos conceitos como os de reci- óontexto intelectual que nada tem -a ver com o con-
procidade e redistribuição, e um estudo que leve em ceito de modo de produção
conta o grande peso da organização estatal no campo - Íalou, mesmo, de um
"império socialista dos incas"...
106 Ciro Romarion S. Cordoso A u í ritu Pré-Colombiana r07

Em anos recentes, certos desênvolvimentos ain' h rgia bem pouco avançada.


da incompletos, mas promissores, meÍecem menção' 2) A discussão acerca da organização econô-
1) Iá vimos que a tecnologia das "altas cultu- rrrico-social das sociedades mais desenvolvidas da
ras" pré-colombianas apresenta sérias deficiências Arnérica prê-colombiana dos últimos séculos antes
em reiação, por exemplo, à do antigo Oriente Prô- rlrr conquista baseava-se, apesar do choque de opi-
ximo: ausência do arado, do torno do oleiro, de veí- rrir\cs muito divergentes, sempÍe nas mesmas fontes.
culos de rodas, de um uso amplo de metais para Íins A nraior mudança de direção interpretativa veio da
produtivos (ferramentas), escasso emprego de adrr' rlcscoberta e valorização, por John Murra, de outro
Los pela lalta de associação agricultura/pecuária' tipo de fontes antes pouco utilizadas: as vrkr'las, que
Vimôs tambêm que hâ certas razões lógicas que ex- rrlo relatórios de funcionârios espanhôis no Peru,
plicam vârias destas deliciências. Ora, o conceito b:rseados em interrogatórios feitos em regiões recêm-
marxista de Íorças produtivas , Íreqüentemente redu' (orquistadas, nas quais portanto se manilestava
zido só à tecnologia, na verdade inclui igualmente os rirrrla a organização indlgena. Interpretando tais da-
homens que trabalham, vistos nas suas capacidades ,lrs novos à luz de noções como "reciprocidade" e "re-
físicas e mentais (socialmente determinadas). A Par- rlislribuição", derivadas de Karl Polanyi e em geral
tir dai, relerindo-se à sociedade mexica ou asteca - rlrr corrente da antropologia econômica conhecida
mas a observação pode ser generalizada -, Victor r'orrro "substantivista", Murra provocou uma trans-
M. Castillo chamou a atenção paÍa o Iato de que, dos lrrlrnação radical das concepções acerca da história
dois aspectos das lorças produtivas, o tecnolôgico rrrrrlina; mais recentemente, como jâ mencionamos,
permaneceu relativamente primitivo, mas paralela' lirl lransformação também começou a afetar a inter-
pletação das altas culluras meso-americanas.
mente se deu um progresso considerâvel do outro
aspecto, o humano: o esforço das civilizações pré- 3) Desde princípios da década de 1960, reno-
colombianas se concentrou no aperfeiçoamento da virrlffr-se as discussões acerca de um conceito que
divisão social e técnica do trabalho e das Iormas de rlrarcce sem grande elaboração na obra dos mar-
controle e cooperação da mão-de'obra, o que é um nislas clássicos, o de modo de produção asiático (al-
trâco também discernivel nas estruturas econômico- llrrrrs preÍerem chamâ-lo "despótico-tributârio"), o
sociais da ÂÍrica Negra pré-colonial (cuja tecnologia' rlrr;rl havia sido esquecido durante longos anos. As
porém, era, no conjunto, mais adiantada do que a , rrlacteristicas fundamentais deste tipo de sociedade
pré-coiombiana). Isto explicaria a possibilidade, de rr.r'ium: 1) a importância das grandes obras de irri-
iociedades estratificadas e diversilicadas e de bri- yrrç;lo, e outras obras públicas considerâveis, reali-
lhantes desenvolvimentos culturais, à base de tecno' rrrrlas sob controle do Estado despótico; 2) o Íraco
Ciro Flamqion S, Cardoso

desenvolvimento da propriedade privada; 3) a coexis-


tência de estruturas rurais ainda comunitârias com
uma classe dominante que, de certo modo, se en-
carna na estrutura estatal e submete as comunidades
aldeãs a uma exploração via elaborado sistema tribu-
tário. As tentativas de aplicar esta hipôtese à Amê-
rica pré-colombiana deram resultados variados. Jâ
vimos que dificilmente se pode atribuir o surgimento
dos primeiros Estados e cidades da Meso-América e
do Peru à necessidade de controlar centralizada- REFLEXÕES FINAIS
mente grandes sistemas de irrigação, mesmo se pos-
teriormente, no reino chimu e no impêrio inca, tais
sistemas Íoram sem dúvida considerâveis e objeto de
planificação global. Quanto às outras características, Por que interessar-nos, hoje, poÍ essas remotas
''trrlturas assassinadas", varridas da face da Terra
são mais plausiveis, embora seja lorte atualmente a
tendência a negar, com bons argumentos, o carâter rrir ópoca da conquista e dos inicios da colonização
, rrropéia da América, ou por suas ainda mais remo-
clânico e igualitârio das comunidades prê-colombia-
nas do tipo ayllu ort calpulli (este último especial- lits antecessoÍâs?
mente), CeÍtos autores, como Perry Anderson, pen- Uma primeira forma de respondermos a esta
sam que jâ é tempo de "enterrar honrosamente" a pcrgunta poderia ser retomando em outro con-
tr.xlo a frase lamosa do
-
personagem de Terêncio:
noção de modo de produção asiâtico, mas esta não -
parece ser a opinião predominante na atualidade. I lr »no sum, et humani nihil a me alienum puto ("Ho-
rr('nr sou, e nada do que é humano considero estra-
rrlro a mim"). Isto é, podemos simplesmente interes-
.,;rl nos pelo passado pré-colombiano por si mesmo,
,,,rrro copioso Íeixe de variadas e interessantíssimas
,.rpcriências humanas. A curiosidade é um impulso
lrrrrrtno dos mais legitimos e desconfiamos muito de
,lrrrlquer exagero do imediatismo pragmâtico quan-
rl,, se trata de justificar uma dada atividade. Seja
,,,rrrtr for, hâ razóes sem dúvida mais específicas e de
110 Ciro Flamarion S. Cordoro
d Ám é ri c a Pré -Colombisna 111

maior peso do que a simples curiosidade para que o riqte" , in Cahiers de I'Institut des Hautes Etudes de
estudo da história antiga da América nos inteÍesse' t'Améique Latíne, n9 6, 1964, P. 25):
Do ponto de vista teôrico, em primeiro lugar. O
método cientíIico não pode basear-se na abordagem "..- o contacto secular do índio com o meio
de casos ou processos únicos e irrepetiveis, ou seja, geogrâfico da América constituiu um pâtrimô-
singulares, porque a generalização em tais circuns- nio de experiências, de recursos, de cultura, que
tâncias ê impossível e sem ela não podem ser estabe- os recêm-chegados [europeus] aproveitaram,
lecidas regularidades e leis' Para a construção de que eles assimilaram de maneira mais ampla do
uma teoria geral de como funcionam e mudam as que habitualmente se crê. É por isto que a his-
sociedades humanas, tem valor inestimâvel o fato de tória da América deve incluir de maneira orgâ-
se poder comparar a evolução pré e proto-histôrica nica o vasto capitulo indlgena..."
do Velho Mundo com a da América pré-colombiana,
que evoluiu, não em total, mas em relativo isola- AÍinal, o milho, a batata e a mandioca, para
mento. E o mais interessante é que constataremos, citar só os elementos mais evidentes, são resultados
no continente americano, Iases análogas (não-idên- rle milênios de atividades e experiências do homem
ticas, claro) em relação às etapas mais gerais jâ pré-colombiano que se integraram ao nosso quoti-
conhecidas na Eurâsia, em menor escala e com atra- rliano, na América e também em outras partes do
so cronológico que têm várias explicações: uma deÍa- rnrrndo.
sagem cultural jâ presente em tempos paleoliticos na A história da conquista, e a da colônia, Íoram
região de origem dos primeiros povoadores e que se profundamente influenciadas pela histôria indigena
transÍeriu com eles paÍa o novo habitât; o poYoâ- irnterior
-
por exemplo, pela distribuição diÍerencial
mento de um continente vasto por contingentes pro- rla população pré-colombiana. As colônias escravis-
yavelmente reduzidos de migrantes que tiveram de tirs baseadas no tráfico africano se desenvolveram em
gastar longo tempo simplesmente adaptando-se a v:rzios demográficos relativos (a não ser nas Antilhas,
meios ambientes diversos e garantindo sua sobrevi- ,rrrdc a população indígena era numerosa mas foi
vência e multiplicação antes que se tornasse possível rlcstruída em poucas décadas nos primeiros tempos
dar novos passos decisivos na evolução social. (Ver a rlir colonização), como o Brasil e o Sul do que hoje
sr'to os Estados Unidos, e o mesmo podemos dizer das
Figura n9 4.)
Vejamos, agora, o que diz a Íespeito do tema z,rrras de imigração européia maciça (Argentina,
que nos ocupa o historiador mexicano Silvio Zavala Nrrva Inglaterra, Canadà, etc.). Onde existia uma
(i'Indigênes et colonisateurs dans I'histoire d'Amé- rlt'nsa população indigena, praticando uma agricul-
tt2 Ciro Flamaion S. Cardoso À m é ri c a Pré -Colombiana 113

tura estâvel e produtiva, mesmo com â catástrofe


demogrâfica dos séculos XVI e XVII (até 1 650 apro-
ximadamente), a colonização se apoiou na manu-
tenção
- modificada, como é evidente - da comu-
nidade aldeã de raizes pré-colombianas e na explo-
ração da força de trabalho do indio dentro e fora das
comunidades, por mais que posteriormente a mesti-
çagem e outros latores viessem complicai o quadro
colonial. Outrossim, as violentas lutas de classes que
denominamos habitualmente "reformas liberais",
travadas no século XIX, e que deram origem às
estruturas eontemporâneas dos países da Indo-Amé- l,ig. 4 Esquema tempo-espacial do surgiü1ento e expsn-
sio dos
- pincipais níveis culturais arqueológicos no Velho
rica Guatemala, El Salvador, Colômbia,
- Mêxico,
Equador, Peru, Bollvia... Mundo e na Américc. Linha contínua extema: começo da
- são incompreensíveis
sem referência a um elemento agrârio indígena e
,tgricultura de cereqis \ VIII milênio o. C. No Ásiq ociden-
td, trigo e cevada; V milênio no México, milho): linha de
mestiço que remete, em maior ou menor medida, a traços começo da cerâmica (6 000 a. C. no Ásía, 3000-
realidades geradas no passado pré-colombiano, em- -l 500 no noroeste sul-americano); linha pontilhada: Cclco-
bora depois tenham sido profundamente transfor- litiLtt tardío da Ásia Qtroto-literário ds Mesopotômia,
madas e às yezes desfiguradas. l.]00 q. C.), de nível similar ao Íormativo médio-tardio
Ainda em nosso século, a presença do passado \proto-urbano) da América nucleqr (800 c. C. ), linha con-
indígena é algo quotidiano, evidente, em muitos paí- iirua interna: culturas urbanas ou altas culturas (2 800 a.
ses do continente. Na Bolívia, depois de um século de l'. no Egito e ns Mesopotômia, com bronze e escita;
ataques impiedosos contra as estruturas comunitâ- t»neços de nossa era no México e no Peru fases classi-
co e pós-clássicas -
apenas parcialmente com escrita
rias, o censo agricola de 1950 revelou que ainda -,
lquda ao culto e metalurgia). á linha horizontal inferior
existiam 3 779 comunidades indigenas, controlando trlresentq o momento da conquista, começos do século
2690 das terras efetivamente cultivadas do país. Tra- .\' Vl. (As datas são aproximadas, e além disto o passagem
ta-se de exemplo extremo, mas não único. Nesses ,h um nível a outro nunca é tão taxativd quqnto pqrece-
paises, qualquer compreensão adequada do pre- rr,tn indicar os ÍroçoJ. ) Fonte: Juan Schobinger, Ptehis-
sente, e portanto qualquer planejamento do futuro, t,,r'ia de Suramérica, Bqrcelona, Labor, 1969, p. 13. Obs.:
não pode passar ao lado de uma "questão indlgena" I oonologia qdotada pelo outor não coincide totalmente
que tem algumas de suas raizes mergulhadas bem t t't a que usamos nestetrabalho.
u4 Ciro Flamarion S. Cardoso

antes de 1492 a. D., e que afetâ a muitos milhões de


pessoas. Nesses países e em menor escala também
-
em outros do continente, incluindo o nosso seres
-
humanos que chamamos índios solrep todos os dias,
diante de uma indiferença quase geral, processos de
exploração, discriminação, expropriação, marginali'
za-ção, paternalismo mal informado e até genocídio,
que prolongam até nossos dias alguns dos aspectos INDICAÇÔES PARA LEITURA
mais iníquos da época da conquista.

Em português dispomos de três boas sínteses, de


diferente orientação: William T. Sanders e Joseph
Marino, Pré-História do Novo Mundo, Rio, Zahar,
1971 ( neo-evolucionista); João Frank da Costa, ,Eyo-
luçõo Cultural da América Pré-Colombiana, Brasí-
lia, MEC, 1978 (compilação informada sem maiores
pretensões teôricas); Betty J. Meggers, América Pré-
Histórica, Rio, Paz e Terra, 1979 (difusionismo e
ecologismo bastante fortes).
Em línguas estrangeiras, recomendamos as sin-
teses gerais seguintes, em ordem decrescente de inte-
resse: Pere Bosch Gimpera, La América pre-hispá-
arca, Barcelona, Ariel, 1975; Shirley Gorenstein
\ed.), Prehispanic America, Nova Iorque, St. Mar-
lin's Press, 1974; Thomas C. Patterson, America's
/'csl, Glenview (Illinois), Scott, Foresman & Co.,
tq73.
Para as questões ligadas ao povoamento da
11ó Ciro Flamarion S. Cardoso A mé r ic a Pré -Co lom b iana lt7

América e a todas as fases anteriores às "altas cul- Miguel Acosta Saignes et alii, El comercio en el
turas", ver: Richard S. MacNeish (ed.), Earlv Man México prehispánico, Mêxico, Instituto Mexicano de
in America, San Francisco, IrY. H. Freeman & Co., Comercio Exterior, 1975; Angel Palerm, Agricultura
1973; Alex D. Krieger, El hombre primitivo en y sociedad en Mesoamérica, México, Secretarla de
América, Buenos Aires, Nueva Visión, 1974; Gordon Educaciôn Pública, 1972; A. Palerm e E. Y{olÍ, Agri-
F. Ekholm et alii, Problemas culturales de la AmÜ culturu y civilizqción en Mesoamérica, México, Se-
rica precolombíntz, Buenos Aires, Nueva Visión, cretaria de Educación Pública, 1972.
1976 (acerca dos contatos transpacíficos); Stuart Obras relativas à Zona Andina Central: Luis G.
Struever (ed.), Prehistoric Agricallure, Nova Iorque, Lumbreras, The Peoples and Cultures of Ancient
The Natural History Press, 1971; Juan Schobinger, Peru, Washington, Smithsonian Institution Press,
Prehistoria de Suramérica, Barcelona, Labor, 1969. 1974; Frédéric-André Engel, Le monde précolom-
Para o caso específico do passado pré-colombiano bien des Andes, Paris, Hachette, 1972; Ralael Larco
brasileiro. ver Josué Camargo Mendes, Conheça a Hoyle, Perú, Barcelona, Editorial Juventud, 1966;
Pré-História Brasileira, Sáo Paulo, EDUSP/Ed. Po- Edward P. Lanning, Peru Before the Incas, Engle-
1ígono, 1970. wood Clifls (N. Jersey), Prentice-Hall, 7967; Maria
Sobre as origens e características do urbanismo Rostworowski de Díez Canseco, Etnía y sociedad.
na América pré-colombiana, ver Jorge E. Hardoy' Costa peruana prehispánica, Lima, Instituto de Es-
Ciudades precolombinas, Buenos Aires, Ediciones tudios Peruanos, 1977; Franklin Pease, Del Tawan-
Infinito. 1964. tinsuyu a la historia del Perú, Lima, Instituto de
Passando às "altas culturas", vejamos primeiro Estudios Peruanos, 1978.
uma bibliogralia mínima para a ârea Meso-ameri- Vejamos agora as questões relativas às interpre-
cana: John A. Graham (ed.\, Ancient Mesoamerica' tações globais e teôricas acerca da organização sócio-
Palo Alto (Califôrnia), Peek Publications' 1974 (83 econômica dos povos pré-colombianos, em particular
ed.); Eric Wol| Pueblos y culturas de Mesoamérica, o problema dos modos de produção. Uma interpre-
México, Ed. Era, 1967; José Luiz l-.oÍenzo et olii, taçAo marxista do conjunto da história pré-colom-
Historía General de México, tomo I, México, El biana, com ênfase nas "altas culturas", pode ser
Colegio de México, 1976; Jürgen Briggeman, Evolu- cncontrada em Friedrich Katz, The Ancient Ameri-
ción o revolución?. México, Secretaría de Educaciôn can Civilizations, Nova Iorque, Praeger Publishers,
Pública, 1976; Pedro Carrasco et alii, Estrati/icación 1972. A, nova interpretação da história andina pro-
socíal en la Mesoamérica prehíspánica, México, Ins- posta por John Murra pode ser estudada em dois de
tituto Nâcional de Antropologia e Historia, 1976; seus livros: La organización económica del Estado
-- rlE Ciro Flamarion S. Cardoso  n é rica Pré-Colomb iana l19

rzca, Mêxico, Siglo XXI, 1978; Formaciones econó- tu, l, Antiguas culturas precolomàlnas, Madri, Siglo
mícas y polítícas del mundo andíno, Lima, Instituto
XXI, 1973 (41 ed.); da mesma autoÍa,, Pensamiento ),
de Estudios Peruanos, 1975. Sobre os modos de pro-
religión en el México antiguo, México; Fondo de
dução, consultar: Hermes Tovar, Norcs sobre el mo-
Cultura Económica, 7973 (33 ed.); AlÍredo lópez
Alustin, Ho m b re -drbs, México, Universidad Nacional
do d.e producción precolombino, Bogotâ, Aquelarre,
Autónoma de México, 1973; Walter Krickeberg, Mi-
1974; Waldemar Espinoza Soriano (ed.), Los modos
ttrs y leyend.as de los aztecas, incas, mayas y muiscas,
de produccíôn en el imperio de los incas , L\ma,
México, Fondo de Cultura Económica, 1971; Mi-
Mantaro-Grafital, 1978. Especificamente sobre a guel I-eón-Portilla, Los antiguos mexicanos, Mêxico,
hipôtese do modo de produção asiâtico, ver: Sergio
de Santis. "Les communautés de village chez les
li. C. E., 1973 (3? ed.); Angel M. Garibay, Pano-
ruma literario de los pueblos nahuas, México, Edito-
Incas, les Aztêques et les Mayas", in La Pensée, n9 rial Porrúa, 1971; Demetrio SodiM., La literatura de
122, agosto de 1965, pp. 79-95; Roger Bartra, Mar- kts mayas, México, Editorial Joaquin Mortiz, 1970
xismo y sociedades antiguas: el modo de producción (23 ed.).
asiático y el México prehispánico, Àíêxico' Grijalbo,
1975; Pôdro Carrasco e J. Broda (ed.)' Economía
política e ideotogía en el México prehispáníco, Ndê-
xico. Ed. Nueva Imagen, 1978; os capítulos "Le con-
cept de 'formation économique et sociale': l'exemple
dei Incas" e "De la non-correspondance entre for-
mes et contenus des rapports sociaux. Nouvelle réfle-
xion sur I'exemple des Incas", no livro de Maurice
Godelier. Horízon, trqiets marxístes en qnthropo'
Iogie, Paris, François Maspero, 1973' pp. 83-92 e
343-355.
Finalmente. acerca das questões artísticas, reli-
giosas e intelectuais, que neste texto não puderam ter
grande desenvolvimento, ver: Romualdo Brughetti,
El arte precolomárzo, Buenos Aires, Editorial Co-
lumba, 1963; Pablo Castellanos, Horizontes de Ia
música precortesiana, Méxíco, Fondo de Cultura
Económica, 1970; Laurette Séjournê, América lati-
Sobre o rutor
Ciro Flamarion Sanr ana Cardoso nasceu em Goiânia em t 942.
Cursou História na Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Íormando-se em l9ó5. Depois de lecionar durante dois anos na
mesma universidade e [a Universidade Catôlica de Petrópolis,
empreendeu estudos de pós-graduação em História, concluindo
em 1971 o Doutorado na Universidade de Paris X (Nanterre).
Foi, em seguida, pesquisador do Programa Centro-Americano
de Ciências Sociais, na Costa Rica (1971-1975), e do Instituto
Nacional de Antropologia e Hislória, no México (1976-1979).
Como professor convidado, lecionou na sede mexicana da
Faculdade [átino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), no
Colégio do México, na Universidade inglesa de Oxford e na
Universidade de Amsterdã. Como proÍessor de quadro, ensinou
na Universidade da Costa Rica e na Universidade Nacional,
também na Costa Rica. Desde março de 1979 é professor do
Mestrado em História da Universidade Federal Fluminense
(NiteÍói).
.
Obras principais: em colaboração com Héctor pérez Brignoli,
diversos livros, como El concepto de clases sociales (liadi,
1977), Centrcamérica y h economía occidenÍal (San José, 1977),
Historia económica de Américo Latino, 2 vols. (Barcelona,
1979), Os Métodos da Ilsldna (Rio, 1979, trad.). Outros livÍos:
Agriculturo, escravidão e capitalisno (petrópolis, 1979), Ia
historio como c,errcta (San José, 1975). pubiicou numerosos
artigos e capltulos no México, no Brasil, na França e na
llel1terra. Pela Brasiliense tem publicados tlma Introduçõo à
Eistóia e Afro-América: a escravidão no Noro Mundo (C;leçío
Tudo é História).

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