Você está na página 1de 7

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO


GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 510192/RN (2009.84.00.001398-0)


APTE : EMGEA - EMPRESA GESTORA DE ATIVOS E OUTRO
ADV/PROC : CARLOS ROBERTO DE ARAÚJO E OUTROS
APDO : EVANDRO FIRMINO DE SOUZA E OUTRO
ADV/PROC : VENI ROSÂNGELA G. DE SOUSA MACEDO VIRGÍNIO E OUTRO
ORIGEM : JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
RELATOR : DES. FED. FRANCISCO WILDO

RELATÓRIO

O Sr. Des. Fed. FRANCISCO WILDO (Relator):

Trata-se de apelação interposta em face da sentença de fls. 177182, da


lavra do MM. Juiz Federal da 5ª Vara/RN, que, nos autos da ação ordinária Nº
2009.84.00.001398-0, julgou procedente o pedido de liberação da hipoteca do imóvel objeto
do contrato de mútuo firmado com a CEF, declarando a nulidade da cláusula para pagamento
do saldo devedor residual, devendo ser paga através dos recursos do FCVS.

A CEF apela da sentença alegando, em preliminar, julgamento extra


petita tendo em vista que o pedido inaugural se restringe à nulidade da cláusula de cobrança
de saldo devedor residual, inexistindo pedido expresso de que o saldo seja coberto através do
FCVS. No mérito, acaso vencido na preliminar, aduz que a cobrança do saldo devedor
residual decorre do pactuado, e não havendo cláusula de cobertura do FCVS, incabível ao
Poder Judiciário determinar a quitação do contrato. Prequestiona a matéria.

Contrarrazões apresentadas.

É o relatório.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 510192/RN (2009.84.00.001398-0)


APTE : EMGEA - EMPRESA GESTORA DE ATIVOS E OUTRO
ADV/PROC : CARLOS ROBERTO DE ARAÚJO E OUTROS
APDO : EVANDRO FIRMINO DE SOUZA E OUTRO
ADV/PROC : VENI ROSÂNGELA G. DE SOUSA MACEDO VIRGÍNIO E OUTRO
ORIGEM : JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
RELATOR : DES. FED. FRANCISCO WILDO

VOTO

O Sr. Des. Fed. FRANCISCO WILDO (Relator):

Antes de adentrar no mérito aprecio a preliminar de julgamento extra


petita trazida pela CEF.

Da simples leitura da inicial observa-se que o pedido restringe-se a


declaração de nulidade da cláusula de cobrança de saldo devedor residual depois de quitado o
contrato, sem haver menção de sua cobertura pelo FCVS.

Portanto, havendo sido proferida sentença ultra petita, resta por


declarar sua nulidade apenas de forma parcial, determinando-se a exclusão da parte em que
não houve pedido expresso, na hipótese, a cobertura do saldo devedor através do FCVS.

Preliminar acolhida em parte.

Passo ao mérito.

Acerca da não incidência do código de defesa do consumidor nos


contratos de mútuo, mesmo para os pactuados antes de sua vigência, resta pacificado pelo c.
STJ sua aplicação, por se tratar de relação de trato sucessivo, em que os acontecimentos
durante sua execução poderão ser dirimidos pela legislação em epígrafe.

Sobre o tema colaciono arestos recentes em relação ao tema, confira-


se: (STJ - AgRg-REsp 804.842 - (2005/0209726-7) - 4ª T - Rel. Min. Fernando Gonçalves -
DJe 22.06.2009 - p. 621); (STJ - AgRg-AI 914.453 - (2007/0153591-8) - 3ª T - Relª Minª
Nancy Andrighi - DJe 20.03.2009 - p. 115).

Acerca da cláusula que prevê o pagamento de saldo residual apurado


no final do contrato de mútuo, para possibilitar a liberação de hipoteca, não deve ser
suportada pelo mutuário, por se apresentar desarrazoada e excessivamente onerosa.
Sobre a matéria cabe destacar excerto do elucidativo voto proferido
pelo Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel, ao apreciar a matéria no Plenário desta
Corte (Pleno do TRF5, AR 5589/PE, Rel. Des. Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, j. em
23.07.2008, unânime), litteris:
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

AC510192-RN
V2
“No exame do tema, observo que a tese deduzida pela autora não merece
ser acatada. Com efeito, tenho o entendimento de que a cláusula do saldo
residual é nula, pois estabelece obrigação que coloca o mutuário em
desvantagem exagerada, excessivamente onerosa, violando os preceitos
contidos no art. 51, inciso IV e § 1º, inciso III, da Lei nº 8.078/90. No caso
em estudo, a leitura dos números já revela, no meu modesto sentir, essa
realidade, pois após o pagamento regular das 180 prestações do mútuo, de
30.11.1987 a 30.10.2002 (cf. fls. 30 a 45), o imóvel foi avaliado pela própria
Caixa Econômica Federal em R$ 170.365,50 (fl. 92), na data de 26.11.2002,
subsistindo uma dívida de R$ 269.230,40, em 30.11.2002, com a primeira
parcela a ser paga no montante de R$ 6.007,26 (cf. fl. 95). Na verdade, o
critério de atualização monetária utilizado pela CEF para reajustar o saldo
devedor, qual seja, a Taxa Referencial (TR), acarreta tais disparidades, em
razão da contradição ocasionada pelo galope incessante do saldo devedor
da operação financeira, em detrimento do resguardo da capacidade de
adimplemento dos mutuários, dada a aplicação de índices muito maiores do
que os repassados às prestações mensais previstos no contrato original, que
findam sem albergar, sequer, a quitação dos juros incidentes sobre o capital
despendido no empréstimo.

Penso, também, que esse mecanismo de correção, no âmbito do SFH,


é impróprio, pois lhe desvirtua a finalidade, que não é o lucro, a rentabilidade dos
investimentos, mas sim o incentivo à aquisição da moradia própria através de planos de
pagamento razoáveis, que conduzam à liquidação dos contratos no prazo acordado, sem
prejudicar a subsistência de sua clientela, cujas obrigações não podem se dilatar infinitamente,
num compasso de progressão geométrica.
Sendo esta a essência idealizada para o Sistema, não podem ser
considerados corretos os contratos ali realizados, cujos efeitos não se
coadunam com as diretrizes daquele, por terem caminhado a passos largos
em direção à excessiva onerosidade da obrigação desses indivíduos, tal qual
se afigura o caso dos autos. Assim, diante da nulidade da cláusula que
estabelece o saldo residual, por ser excessivamente onerosa, não há que se
falar em violação aos preceitos indicados na inicial. Sobre o tema, é válido
transcrever o posicionamento do Des. Federal Francisco Cavalcanti, nos
autos dos Embargos Infringentes na Apelação Cível nº 177.362/SE, cujos
fundamentos endosso como razão para minha decisão: (...) Ademais,
sublinhe-se que o mutuário não pode ser penalizado por equívocos
cometidos pela instituição financeira no planejamento do sistema
habitacional. Se as prestações não foram corretamente prognosticadas em
suficiência à solvabilidade do preço contratado no prazo ajustado; se a
forma de exercitação do sistema de correção/amortização adotado implica
sempre na geração de um elevado saldo devedor, que contratualmente é
enunciado como eventual, mas alcança patamares equivalentes ou mesmo
superiores ao valor do imóvel objeto do contrato; e, finalmente, se esses
equívocos ou deficiências de programação afrontam o escopo do sistema
financeiro da habitação, não é razoável imputar ao mutuário a
responsabilidade pelos ônus que daí decorrem, quando para eles não
concorreu, nem acreditou na sua ocorrência.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

AC510192-RN
V3
Não é aceitável a imputação ao mutuário de todos os riscos que envolvem o
negócio jurídico firmado, enquanto a instituição financeira fica
salvaguardada de contínuas oscilações da economia e dos índices
financeiros. (...) Tais asseverações repercutem na cláusula que impõe, ao
termo do prazo de amortização, pagamento de resíduo. (...) A cláusula de
resíduo, da forma como atualmente evolui o saldo devedor, transforma
mesmo o contrato de mútuo/compra e venda em contrato de aluguel
perpétuo, haja vista que, não tendo o mutuário como saldar o débito
residual, perderá o imóvel que acreditava estar adquirindo a cada prestação
adimplida. Considerando a finalidade do contrato de mútuo, que consiste na
transferência da propriedade do bem imóvel ao mutuário, restaria, o
referido tipo contratual, descaracterizado diante da insolvabilidade
crescente imputada ao prestamista, insolvência que implicará na não
transferência da propriedade da coisa fungível. (...) Acredito, em verdade,
que a cláusula de resíduo não evita a exacerbação das prestações, mas
apenas transfere a exacerbação - não autorizada pela regra da equivalência
salarial - ao saldo devedor, sem que o mutuário tenha compreensão desse
deslocamento. Realce-se que, diante da função social atribuída ao Sistema
Financeiro de Habitação, escudada mesmo no direito à moradia e no fato de
não se buscar, pela via do sistema, lucro imobiliário, não seria razoável
exigir-se do mutuário preço de mercado. Se devesse valer a regra de
mercado, concernente à iniciativa privada, o sistema financeiro de
habitação não encontraria justificativa de existir.

Com esteio no precedente do e. Plenário desta Corte resta possível


anular-se cláusula contratual que se apresenta excessivamente onerosa, em valor praticamente
impossível de ser pago pelo mutuário, após cumprir com todas as obrigações contratuais
impostas inicialmente. No mesmo sentido do posicionamento ora firmado, trago à colação
outros precedentes desta Corte que apreciaram a matéria em desfavor do agente financeiro:

SFH - CONTRATO FIRMADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 8.177/91 -


INAPLICABILIDADE DA TR - SUBSTITUIÇÃO PELO INPC -
REVISÃO DE CLÁUSULAS - SALDO RESIDUAL - ONEROSIDADE
EXCESSIVA - QUITAÇÃO - POSSIBILIDADE - 1- Não há qualquer
substrato jurídico para a aplicação da TR no presente contrato, haja vista que
o mesmo foi celebrado antes da edição da lei 8.177/91, a qual instituiu o
referido índice. Incidência do INPC, por ser índice que reflete a variação do
poder aquisitivo da moeda. Precedentes do STJ. 2- Verifica-se, da análise
dos autos, que os mutuários honraram com as 216 prestações devidas em
dezembro de 2006, sendo que a última assumiu a importância de R$ 170,59.
Todavia, após quase 18 (dezoito) anos pagando as parcelas do
financiamento, a instituição financeira informou que havia um saldo residual
no valor de R$ 396.399,36, o que ensejaria um encargo mensal no montante
de R$ 7.308,36. 3- Para a correção do saldo devedor, e, de fato, sob pena de
comprometer-se a própria sustentabilidade do SFH, deve-se utilizar o mesmo
índice de correção do FGTS e das cadernetas de poupança (de onde provêem
os recursos do SFH) para a correção do saldo devedor, de modo que o
recurso seja corrigido igualmente quando sai de sua origem e a ela retorna.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

AC510192-RN
V4
4- Obviamente haverá descompasso entre o reajuste do saldo devedor e o das
prestações, se não forem utilizados os mesmos índices de correção para um e
outro, por essa razão é que havia previsão de cobertura do FVCS para que
este pudesse arcar com o saldo residual decorrente desse descompasso ao
final do contrato. 5- Assim, é possível a intervenção do Judiciário para,
considerando a onerosidade excessiva do contrato, decorrente da errônea
sistemática de amortização de juros e saldo devedor de que se vale a
instituição financeira, bem como considerando a irrealizabilidade da
quitação do débito residual, promover a revisão contratual e considerar
quitado o contrato, sem necessidade de pagamento de débito residual,
quando restar demonstrado no caso concreto que o mutuário cumpriu com
todas as suas obrigações contratuais e, a despeito disso, restou saldo residual
irrealizável. 6- Apelação dos demandantes provida; Apelação da EMGEA
prejudicada. (TRF-5ª R. - AC 2007.83.00.006856-7 - (445514/PE) - 2ª T. -
Rel. Des. Fed. Manoel de Oliveira Erhardt - DJU 03.09.2008 - p. 502)

Ainda nessa senda: (TRF-5ª R. - AC 2008.83.00.018618-0 -


(471136/PE) - 2ª T. - Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha - DJe 22.07.2009 - p. 162); (TRF-5ª R. -
AC 2008.81.00.009009-3 - 1ª T. - Rel. Des. Rogério Fialho Moreira - DJe 09.11.2009 - p.
239); (TRF-5ª R. - AGTR 2008.05.00.115288-0 - (93811/CE) - 3ª T. - Rel. Des. Fed. Vladimir
Souza Carvalho - DJe 15.05.2009 - p. 402).

Acerca do prequestionamento aduzido pela CEF as questões


encontram-se analisadas nas próprias razões de decidir, o que atende seu objetivo para fins de
interposição nas instâncias superiores. Ademais, não cabe ao julgador analisar ponto a ponto
das matérias trazidas à baila, como se estivesse respondendo a um questionário, quando por
outros fundamentos solucionou a lide.

Posto isto, acolho a preliminar de nulidade da sentença aventada pela


CEF, apenas em parte, para excluir a determinação da cobertura do saldo devedor residual
pelo FCVS, e no mérito, negar provimento ao apelo da CEF.

É como voto.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 510192/RN (2009.84.00.001398-0)


APTE : EMGEA - EMPRESA GESTORA DE ATIVOS E OUTRO
ADV/PROC : CARLOS ROBERTO DE ARAÚJO E OUTROS
APDO : EVANDRO FIRMINO DE SOUZA E OUTRO
ADV/PROC : VENI ROSÂNGELA G. DE SOUSA MACEDO VIRGÍNIO E OUTRO
ORIGEM : JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORT
RELATOR : DES. FED. FRANCISCO WILDO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONTRATO DE MÚTUO. SFH.


PRELIMINAR DE SENTENÇA ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA.
NULIDADE PARCIAL. APLICAÇÃO DO CDC. SALDO
DEVEDOR RESIDUAL. CLÁUSULA ABUSIVA. ONEROSIDADE
NAS PRESTAÇÕES APÓS CUMPRIMENTO DO CONTRATO.
NULIDADE DA CLÁUSULA. PRECEDENTES.
- Da simples leitura da inicial observa-se que o pedido restringe-se a
declaração de nulidade da cláusula de cobrança de saldo devedor
residual depois de quitado o contrato, não havendo pedido acerca
de sua cobertura pelo FCVS.
- Proferida sentença ultra petita, resta por declarar sua nulidade de
forma parcial, excluindo da sentença a parte em que determinou a
cobertura do saldo devedor residual através dos recursos do FCVS.
Preliminar acolhida em parte.
- “Com relação à aplicação do CDC in casu, sendo o contrato de
mútuo habitacional uma relação continuada, isto é, de trato
sucessivo, a lei nova deve ser aplicada aos fatos ocorridos
durante sua vigência”. (STJ - AgRg-REsp 804.842 -
(2005/0209726-7) - 4ª T - Rel. Min. Fernando Gonçalves - DJe
22.06.2009 - p. 621)
- É possível o Poder Judiciário anular cláusula contratual que se
apresenta excessivamente onerosa, in casu, em torno de trezentos
mil reais, valor praticamente impossível de ser pago pelo
mutuário, após cumprir com todas as obrigações contratuais
impostas inicialmente.
- “A cláusula do saldo residual é nula, pois estabelece obrigação
que coloca o mutuário em desvantagem exagerada,
excessivamente onerosa, violando os preceitos contidos no Código
de Defesa do Consumidor”. (TRF-5ª R. - AR 2007.05.00.006220-
8 - (5589/PE) - TP - Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel - DJU
15.08.2008 - p. 737)
- Apelo da CEF improvido.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO

AC510192-RN
A2

ACÓRDÃO

Vistos, etc.

Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região,


por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do Relatório, Voto e notas
taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 16 de novembro de 2010.


(Data de julgamento)

Des. Fed. FRANCISCO WILDO


Relator

Você também pode gostar