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Resumo
Palavras-chave
Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1087-1110, out./dez., 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201701151678 1087
Characterization factors of non-formal education: a
literature reviewI
Abstract
Keywords
1088 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201701151678 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 43, n. 4, p. 1087-1110, out./dez., 2017.
Introdução Mas apesar de estes conceitos e
categorizações dos sistemas educativos terem
É sabido que, mais de quarenta anos, estão longe de estar
estabilizados ou de serem consensuais. Os termos
[...] a aprendizagem formal tem dominado são polissêmicos, havendo dificuldade em os
o pensamento político, modelando as definir e diferenciar (COLLEY; HODKINSON;
formas como são ministradas a Educação e MALCOM, 2002) e ainda se encontram variações
a formação e influenciando as percepções nas terminologias usadas.
dos indivíduos do que é importante Para além de as definições não serem
em termos de aprendizagem. (UNIÃO consensuais, elas também não são estanques.
EUROPEIA, 2000, p. 9). Por um lado, muitas vezes há sobreposição
entre os diferentes modos educativos, por outro,
Mas apesar do descuido e da pouca as suas diferentes dimensões se interpenetram
valorização dos setores em que se desenvolve e os limites entre cada uma são dependentes
a educação não formal (FALK, 2002), essa das situações e contextos específicos (PASSOS;
área tem crescido de importância nas últimas ARRUDA; ALVES, 2012). Por essas e outras
décadas em todo o mundo (GADOTTI, 2005), razões, vários autores têm sugerido que se
à medida que vai se tornando evidente que olhe para os diferentes tipos como parte de um
uma parte substancial da aprendizagem dos continuum, no qual cada situação particular se
indivíduos tem lugar fora do sistema escolar posiciona (MARANDINO, 2008). Ainda assim,
tradicional (FALK, 2002). não esqueçamos que, apesar de que cada caso
O termo educação não formal começou particular possa ser diferente e único e de que
a ser usado nos finais da década de 1960, entre estas definições existe um continuum de
numa época de conjeturas políticas e sociais possibilidades, achamos fundamental que nele
propícias à criação de novos espaços educativos existam esses três pilares, como “tipos ideais”,
(BELLE, 1982). Assim, “começava a tomar corpo a partir dos quais pensamos, posicionamos e
outro setor da Educação que se deslocava da definimos cada caso concreto.
formalidade da escola, reconhecidamente em Mas que características têm essas
crise” (CAZELLI; COSTA; MAHOMED, 2010, p. tipificações educativas? Que critérios devem ser
584). As publicações de Coombs, de 1968, e da utilizados ou são utilizados na literatura para
Unesco (Organização das Nações Unidas para defini-las?
a Educação, Ciência e Cultura), de 1972, - esta De modo a responder a essas questões
última sobre aprendizagem ao longo da vida -, realizamos uma revisão da literatura da área,
são pioneiras no uso do termo e na proposta de cujos resultados aqui apresentamos. Buscamos
divisão do sistema educativo em três categorias: investigar quais os termos usados para distinguir
formal (F), não formal (NF) e informal (INF) as tipologias educativas e quais as características
(CAZELLI; COSTA; MAHOMED, 2010). Tal utilizadas para descrevê-las e defini-las. Fizemos
concretização foi um marco importante pois, esse estudo por meio da análise de 21 fatores
agrupados em quatro dimensões distintas,
[...] apesar de sempre ter sido dada alguma referentes aos processos educativos.
atenção à educação fora da escola e haver Como lembra Gohn (2014, p. 48):
reconhecimento da importância dos
recursos de ensino e aprendizagem da A educação não formal ainda não está bem
comunidade, o novo termo ‘não formal’ consolidada, não é um conceito, mas todas
ajudou a legitimar esta atenção (BELLE, as categorias e conceitos se estabelecem
1982, p. 160). em um campo de disputas pelo significado
1090 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
Quadro 1 – Fatores de caracterização das tipologias educativas.
Pela lista acima apresentada, ficou conjugação de vários critérios, procurando que
evidenciado que os fatores são de diferentes o corpus incluísse:
naturezas e, por isso, consideramos necessário
agrupá-los para se ter um panorama mais i) publicações de autores diferentes;
esclarecedor. A literatura oferece também ii) publicações cuja principal preocupação ou
algumas soluções para esse agrupamento. Por foco era a definição da NF, ou sua diferenciação
exemplo, Gohn (2006a) faz a discussão em torno das outras tipologias;
de quem educa, onde educa, como educa, por iii) publicações que usassem diferentes
que educa e para que educa; Marandino (2008) terminologias, como NF, aprendizagem ao longo
separa os critérios em propósitos, organização da vida, informal, aprendizagem de livre escolha;
do conhecimento, tempo, estrutura, controle e iv) publicações que pensassem a educação não
intencionalidade. Nesta pesquisa, iremos usar formal e afins em diferentes contextos, como
novamente como referência Colley, Hodkinson abordagens mais voltadas para a pedagogia
e Malcom (2002), que propõem a discussão social, para a educação em países emergentes,
das tipologias educativas em torno de quatro para a aprendizagem em museus ou revisões da
dimensões: processo, conteúdo, estrutura e literatura;
propósito. É em torno dessas quatro dimensões v) publicações oriundas de instituições de
que apresentaremos e discutiremos as definições referência na regulamentação da educação
da educação formal, não formal e informal. (Unesco, Comissões de Educação da UE etc.);
vi) publicações que abrangessem o principal
A escolha dos documentos a período em que esta temática tem sido refletida e
analisar investigada (principalmente da década de 80 do
século passado até a atualidade);
O corpus desta análise foi constituído vii) publicações com aceitação da comunidade
por um conjunto de 28 documentos (listados no científica, medida pelo número de citações1 e
Quadro 2 apresentado abaixo) que, em maior por referências em outros artigos da área de
ou menor extensão, definem e tipificam as educação não formal e afins;
diferentes aprendizagens e/ou educações. Esses
documentos foram selecionados com base na 1- http://scholar.google.com.br/
1092 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
O processo de análise de livre-escolha ou ainda quem acrescente
variações, como a aprendizagem incidental ou
A análise do corpus se deu em várias a self-directed, sublinhando a importância da
etapas: intencionalidade.
i) Leitura de cada um dos documentos, para um As características utilizadas nos diferentes fatores
primeiro reconhecimento de todo o corpus;
ii) Nova leitura de cada documento. Identificação Em seguida discutiremos as definições
das diferentes terminologias usadas em suas de educação formal, não formal e informal
definições; encontradas na literatura consultada, com base
iii) Alocação das características e definições na descrição de cada um dos fatores usados
encontradas a cada uma das dimensões usadas na caracterização dessas tipologias. Os fatores
(processo, conteúdo, estrutura e propósito) e, estarão agrupados nas quatro dimensões
dentro dessas, aos respectivos fatores. Alteração utilizadas como referência (processo, conteúdo,
de fatores, se necessário; estrutura e propósito).
iv) Construção de tabela com todas as Trata-se da apresentação de uma síntese
características referidas de cada um dos 21 fatores dos resultados, feita por meio da construção
finais, para cada tipo de educação (F, NF e INF); de um metatexto a partir de paráfrases do
v) Análise estatística simples dos fatores e conteúdo textual original dos autores, mantendo
dimensões. rigorosamente o núcleo de significação das
ideias. Todas as características distintas
O que encontramos como encontradas na análise dos documentos
resultados constituintes do corpus estão representadas
nesse texto. Porém, como muitas dessas
As terminologias utilizadas na literatura características foram referidas por vários
autores optamos por apresentar, a título de
Em relação aos termos usados e à origem exemplificação, apenas alguns desses autores,
das publicações, o Quadro 2 apresenta um de modo que o texto não ficasse demasiado
panorama dos documentos consultados. Há carregado de citações. No entanto, no Quadro 3,
duas principais terminologias utilizadas: uma apresentado a seguir encontram-se resumidas
que dicotomiza educação formal e informal todas as características encontradas na
e outra que divide o espectro em três grupos literatura consultada com todas as referências
(formal, não formal e informal). É também devidamente apontadas.
perceptível que a tríade é preferencialmente Acrescentamos que, sempre que as con-
adotada na literatura nacional, enquanto que cepções e os comentários expressos forem da nos-
na literatura internacional, apesar de haver sa autoria, isso está explicitado nesse metatexto.
mais diversidade, usa-se principalmente a É importante ainda referir que na maioria
dupla formal-informal. Essa tendência já tinha dos autores que usam a separação formal
sido apontada por Marandino (2008). – informal encontramos características nas
Mas os termos usados não se esgotam definições de informal que associamos ao não
nesses três referidos. Há quem divida os setores formal da separação tripartida. Essas referências
educativos em “dentro” e “fora” da escola foram colocadas em negrito na coluna da não
ou em setor formal, setor do trabalho e setor formalidade do Quadro 3.
CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM/EDUCAÇÃO
DIMENSÃO FATOR
FORMAL NÃO FORMAL INFORMAL
- hierárquica (g,h,i)
- menos hierárquica (t)
- fixa (i)
- mais informal (i,t) - não há professor envolvido (y)
1. Relação - centrada no educador (k,n,v,x)
- papéis não fixos (i) - autonomia do aprendiz (q)
professor/aluno - pode ser repressiva (q)
- relação de apoio (q) - centrado no aprendiz (v)
- assimétrica (t)
- centrada no aprendiz (i,k,n,o,u,x)
- autoridade do educador (y)
- aprendizagem avaliada (k,n,q,t,v,x,y)
- sistema competitivo (n)
2. Avaliação - normalmente não é avaliada (q,v,y) - não é avaliada (v,y)
- avaliação sumativa (y)
- avaliação medindo a proficiência (t)
- coletiva (e,t,o)
3. Aprendizagem coletiva ou - predominantemente individual (n,s,x,y) - colaborativa (e,n)
- comunitária (y)
individual - pouca valorização dos aspetos sociais (k) - centralidade dos aspetos sociais (e,k,m,x)
- também pode ser individualizada (t)
PROCESSO
- observacional e participatória (r, z)
- as pessoas próximas (e, ab)
- por profissionais especializados (e,l,aa) - é mediada (q,u,x) - a mídia (e)
5. Mediação da
- pelo professor (e,k,n,q,x,aa) - pelo outro (e) - o próprio (ab)
aprendizagem
- através da autoridade de agentes (y) - pelo aprendiz (k,n,x) - não tem mediador (q,aa)
- democracia entre os aprendizes (y)
6. Aprendizagem tácita ou
- explícita (y) - implícita, pode não ser reconhecida pelos próprios (e,g,w,y)
explícita
7. Aprendizagem contextual - fora de contexto (r,t) pela flexibilidade há mais possibilidades de:
ou - generalizável (r,s,y) - interdisciplinaridade (t) - intrinsecamente contextualizada (o,r,v,y)
generalizável - padronizada (v) - contextualização (r,t,u,v,y)
8. Papel da emoções - tem uma componente emocional (d,e) - forte componente emocional (e,m)
CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM/EDUCAÇÃO
DIMENSÃO FATOR
FORMAL NÃO FORMAL INFORMAL
- não aplicável de imediato (i) - prático (i)
- prático (y, e)
- padronizado (r) - sensorial (d)
- processual (y)
9. Natureza e tipo de - simbólico (r) - tradicional (r)
- tradicional (r)
conhecimento - proposicional (y) - motor (d)
- sensorial/experiências (e)
- mental (r) - mental (d)
- mental/memória (e)
- não derivado dos sentidos (s) - lúdico (d)
CONTEÚDO
10. Estatuto do - estatuto elevado (y) - subvalorizado (k,w) - baixo estatuto (y)
conhecimento - valorizado (k,r) - com pouco valor no mercado de trabalho (w) - pouco valorizado (k,r)
- fora do quadro do formal (b,i,j,k,m,q,t)
- instituições de educação ou treinamento: escolas, - instituições próprias: museus, zoos... (a,e,f,j,q,z)
- no cotidiano, em todo o lado (b,e,g,q,t,ab)
universidades etc. (b,e,f,i,j,p,q,t,v,w,y,ab) - espaços das trajetórias dos indivíduos: ONGs,
11. Localização - na comunidade (v)
- sala de aula (k,x) igrejas, associações, partidos... (a,e,p,r,w)
- fora das instituições (ab)
- institucionalizada (b,c,g,h,k,o,ab) - institucionalizado (o,ab)
- espaços flexíveis (p)
- não estruturado (b,i,k,n,o,q,x,ab)
- estruturado (b,g,q,t,v,y)
- não organizado (e,i,aa,ab)
- organizado (c,g,h,p,t)
- muito estruturado (b,e,j,k,n,o,p,q,t,v,x,y) - não sistemático (e)
- sistemático (c,g,h,i,p)
12. Grau de planejamento e - currículo prescrito (e,n,t,v,x,aa) - não planejado (g,i,k)
- planejado (g,q,y,ab)
de estrutura - planejado (k,q,y,ab) - flexível, orgânico (v,y)
- flexível (i,q,v,y)
- fechado (k,n,x) - sem currículo (n,v,x,aa)
- sem currículo ou com currículo de escolhas (i,t,v)
- aberto (k,n,x)
- não organizado em séries, idades... (e)
- espontâneo, fortuito (i,j,k,q,t)
ESTRUTURA
- controlo externo (g,k,p,v,ab)
- sem controle externo (k,aa)
13. Determinação dos - determinação externa (c,e,k,p,y,aa) - controle tipicamente mais interno (g,u,v,y)
- controle interno e democrático (u,v,y)
objetivos e resultados - regulamentado por lei (e,k,p) - menos burocrática (p)
- não legislado (k)
- burocrática (p)
- sequencial (c,e,g,i,k,n,p,q,t,v,x) - duração variável (p)
14. Duração/tempos da - contínuo (v,ab) - aberto, flexível (p,t,y)
- constante, permanente, ao longo da vida (c,e,g,t)
aprendizagem - duração longa (e,v) - focado no presente (u)
- tempos fixos: horários, etc. (t,y) - tempo parcial, curto (v,ab)
15. Tipos de grupos - grupos homogêneos (n) - grupos heterogêneos (n) - grupos heterogêneos (n)
CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM/EDUCAÇÃO
DIMENSÃO FATOR
FORMAL NÃO FORMAL INFORMAL
- intencionalidade do aluno e do professor
- intencional (b,c,e,g,i,j,o,t,ab)
16. Intencionalidade do (b,c,p,t,w,y,ab) - pode não ser intencional, incidental (b,w)
- voluntária (a,d,e,i,j,k,n,t,x)
professor/aluno - obrigatório (g,k,n,q,x) - sendo intencional a motivação é intrínseca (c,e,q,u,y)
- motivação tipicamente intrínseca (c,d,i,j,o,q,t)
- motivação por vezes extrínseca (q)
- em geral não é certificadora (b,p,v,w)
- certificadora (b,c,e,g,k,v,y,aa)
17. Certificação - sem qualificações ou com qualificações não - não há certificação ou qualificação (v,aa)
- acesso a titulação (e,w,aa,ab)
reconhecidas (ab)
- endereçada e adaptada a subgrupos específicos
da população (g,h,i,t,u)
- cultura dominante (r,y) - interesse de grupos oprimidos (y)
18. Interesses endereçados - dá condições de desenvolvimento do grupo (e)
- padronizado (j) - preserva a diferença (y)
-fortemente associada a diferenças sócio-econômica,
gênero e identidade étnico-religiosa (g)
PROPÓSITO
- formar o indivíduo como um cidadão ativo,
19. Objetivos da - conteúdos e objetivos adaptados ao grupo - sem objetivos definidos (e,g)
desenvolver habilidades e competências várias,
aprendizagem específico em questão (i,t,u) - aprender para a resistência e empoderamento (y)
desenvolver, criatividade, percepção, motricidade (e)
- aprender para manter o status quo (y)
a - Rennie, Stocklmayer (2003); b - Alves, Passos, Arruda (2010); c - Passos, Arruda, Alves (2012); d - Bizerra, Marandino (2009); e - Gohn (2006); f - Anderson, Lu-
cas, Ginns (2003); g - Belle (1982); h - Brennan (1997); i - Etllng (1993); j - Chagas (1993); k - Wellington (1990); l - Falk (2002); m - Rodari (2009); n - Griffin (1994);
Legenda das o - Marsick, Watkins (2001); p - Gadotti (2005); q - Eshach (2007); r - Martin (2004); s - Resnick (1987); t - Cazelli, Costa, Mahomed (2010); u - Heimlich (1993); v - Maran-
referências dino (2008); w – União Europeia (2000); x – Ramey-Gassert, Walberg, Walberg (1994); y - Colley, Hodkinson, Malcom (2002); z - McCallei et al. (2009); aa - Eraut (2000); ab - UNESCO (2011).
Negrito: referências que consideramos caracterizar o não formal, mas no original estavam alocadas às definições de informal, no binômio formal-informal.
1096 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
aprendizagens e saberes coletivos” e é importante colaboração entre as instituições escola e
na formação da identidade do grupo e no museu, por outro, a “escolarização” que se
desenvolvimento da sua autoestima e valorização. observa nestes espaços não formais nem sempre
Também a informal depende fortemente das é desejável.
relações sociais e da comunidade (COLLEY; Vale acrescentar que no caso de estarmos
HODKINSON; MALCOM, 2002). Aprendemos pensando em aprendizagem veiculada pelas
no seio da família, no trabalho e em todos os diferentes mídias, não podemos considerar
aspectos da nossa vida com as pessoas que nos são apenas as abordagens pedagógicas, mas
próximas. Ainda assim, apesar de não ser referido também as abordagens comunicacionais.
por ninguém, pensamos poder acrescentar que
esta aprendizagem pode ser também individual, Fator 5: Mediação da aprendizagem
quando lemos um livro, navegamos na internet
ou assistimos a um documentário na televisão. Na educação formal, é muito claro que
a mediação é feita pelo professor, que, regra
Fator 4: Abordagem pedagógica geral, tem um papel central e de destaque
no processo (ERAUT, 2000). É ele quem guia
Aqui se oscila, segundo Colley, Hodkinson e controla a aprendizagem e tem autoridade
e Malcom (2002), entre uma pedagogia de (COLLEY; HODKINSON; MALCOM, 2002). “A
transmissão e controle no formal e uma pedagogia educação formal é o local onde profissionais
negociada e centrada no aprendiz no informal. A ajudam a guiar-nos no nosso desenvolvimento”
educação não formal ficaria no meio desses dois (FALK, 2002, p. 3). Também a não formal é,
extremos, mas sendo “fortemente observacional geralmente, mediada, não por um professor,
e participativa” (MARTIN, 2004, p. 74). Ainda mas por um outro agente mediador, guia de
em relação ao não formal, há autores que se museu, animador etc. (ESHACH, 2007). Nesse
referem às correntes teóricas mais utilizadas, cenário, em geral estamos perante uma “relação
principalmente no contexto de museus. São entre o aprendiz e o facilitador não hierárquica”
elas as correntes behavioristas, cognitivistas, (HEIMLICH, 1993, p. 3) ou autoritária. No caso
construtivistas e, em geral, teorias que abordam da informal, pode-se dizer que não existe
a construção social do conhecimento (CHAGAS, efetivamente a figura do mediador (ERAUT,
1993). Mas essas correntes não são exclusivas do 2000), apesar de que em alguns casos há
não formal, são também a base das abordagens na pessoas mediando a aprendizagem, mas sem
educação formal. Aliás, muitas vezes os espaços assumir esse papel explicitamente. Esses
de educação tipicamente não formal (museus e agentes poderão ser todos, principalmente os
centros de ciências, por exemplo): mais próximos (família, colegas de escola e de
atividades, meios de comunicação de massa
[...] partilham formas de organizar as etc.) (UNESCO, 2011). O papel central é do aluno
respectivas atividades que se baseiam em ou aprendiz e, assim, na maioria dos casos, a
princípios pedagógicos consistentes com os aprendizagem é dirigida ou mediada por ele
princípios pedagógicos que regem muitas mesmo (ESHACH, 2007).
das atividades da escola. Tal consistência
põe em relevo a continuidade que existe Fator 6: Aprendizagem tácita ou explícita
entre a educação formal e a educação não
formal. (CHAGAS, 1993, p. 7). Na educação formal, a aprendizagem
é explícita, pois o foco e a intenção são
Mas, em nosso entender, se por um majoritariamente educativos (COLLEY;
lado tal continuidade facilita o diálogo e a HODKINSON; MALCOM, 2002). Apesar de
1098 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
apenas mentais (RESNICK, 1987) e podemos Fator 11: Localização
acrescentar que tem tendência (ou pelo menos
mais possibilidade) de ser um conhecimento O fator localização é um dos mais
interdisciplinar e contextualizado. No âmbito referidos na literatura. Em nosso entender, isso
informal, o conhecimento é prático e empírico se deve provavelmente ao fato de ser comum
(GOHN, 2006a). Pode ser associado ao senso traçar as fronteiras entre o espaço escolar e o
comum e permite a incorporação de saberes não escolar ou associar a educação formal à
tradicionais (MARTIN, 2004). Não é organizado escola e as outras fora dela, por oposição. Mas
em disciplinas e a aprendizagem é “um processo há vários autores que sublinham que
indutivo de reflexão e ação” (MARSICK;
WATKINS, 2001, p. 28). [...] o espaço físico é insuficiente para definir
o carácter das práticas educativas que nele
Fator 10: Estatuto do conhecimento se encerram, visto que as práticas educati-
vas não formais podem ter lugar no espa-
O conhecimento aprendido e ensinado ço físico da escola, assim como as práticas
na educação formal é valorizado, tendo por isso formais podem ocorrer (e de fato ocorrem)
um estatuto elevado. Martin (2004) acrescenta em lugares como os museus, tidos como
até que nesse contexto é mais importante espaços de práticas não formais (CAZELLI;
o conhecimento ensinado do que quem o COSTA; MAHOMED, 2010, p. 586).
ensina. Em relação ao contexto não formal, a
aprendizagem tem normalmente baixo estatuto Então, há que ter em conta um conjunto
e é referido que: mais amplo de fatores e ver cada caso como
um caso particular. No entanto, pensando em
[...] não é habitualmente considerada como tipologias ideais, a literatura consultada é
‘verdadeira’ aprendizagem, nem os seus unânime: a aprendizagem ou educação formal
resultados têm muito valor de troca no é fornecida por uma instituição de ensino. É
mercado de trabalho. A aprendizagem não “institucionalizada através de organizações
formal é, por conseguinte, tipicamente sub- públicas e corpos privados reconhecidos
valorizada. (UNIÃO EUROPEIA, 2000, p. 9). que, na sua totalidade, constituem o sistema
educativo de um país” (UNESCO, 2011,
A informal tende a ser ainda menos p. 11). Assim, os pontos principais são a
valorizada e com estatuto também baixo, uma institucionalização e o reconhecimento dessas
vez que “não é organizada, os conhecimentos instituições. Ou seja, essa é a educação que
não são sistematizados e são repassados a partir acontece em instituições próprias, construídas
das práticas e experiência anteriores” (GOHN, para o efeito: escola, universidade (ALVES;
2006a, p. 3). PASSOS; ARRUDA, 2010), centros de formação,
sala de aula (RAMEY-GASSERT; WALBERG III;
Dimensão estrutura WALBERG, 1994). Para a educação não formal,
a tendência é definir por exclusão, ou seja, a
A localização física da aprendizagem, os educação não formal é a que acontece fora
contextos, os tempos, os currículos, objetivos e a da escola, fora dos quadros formais (RODARI,
certificação entram nesta dimensão que agrega 2009). Mas há também quem a defina de
os elementos estruturais e organizacionais. outra maneira, frisando que ela acontece em
Esta é a dimensão mais comentada e usada na espaços feitos para o efeito, como museus,
literatura para caracterizar e diferenciar os três zoológicos etc., ou espaços de ações coletivas,
tipos educativos. que acompanham as trajetórias das pessoas,
Fator 12: Grau de planejamento e de estrutura Fator 13: Determinação dos objetivos e resultados
1100 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
educadores ou até os aprendizes, não seguindo informal, em que podemos ter grupos de idades
diretrizes externas mais amplas (BELLE, 1982). e interesses variados, por exemplo, grupos
Acrescentamos que, em certos casos, pode ser familiares ou outros grupos heterogêneos que
direcionada, por exemplo, por regras de acesso se encontram por partilharem interesse pelos
a financiamento público. No caso do informal, mesmos temas ou atividades (GOHN, 2006a).
“não há especificação externa dos resultados” Mas sublinhamos que há casos de grupos mais
(ERAUT, 2000, p. 114). É internamente que se homogêneos, principalmente na educação não
definem os objetivos e o controle é democrático, formal, como visitas de um grupo de alunos
quando não é completamente determinado pelo a um museu ou uma atividade especialmente
próprio aprendiz (MARANDINO, 2008). direcionada a um determinado grupo social.
1102 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
e de grupos particulares de alunos (GOHN, Fator 19: Objetivos da aprendizagem
2006a; BELLE, 1982). Assim, há a possibilidade
de ser direcionada aos interesses de minorias Na educação formal, os objetivos
ou de grupos oprimidos. Para Gohn (2006a, de aprendizagem estão bem definidos e
p. 4), esse tipo de educação “dá condições aos especificados, nomeadamente por meio de
indivíduos para desenvolverem sentimentos de parâmetros curriculares e outras diretrizes
autovalorização, de rejeição dos preconceitos educacionais (GADOTTI, 2005), e incluem o
que lhes são dirigidos, o desejo de lutarem para
de ser reconhecidos como iguais (enquanto [...] ensino e aprendizagem de conteúdos
seres humanos), dentro de suas diferenças historicamente sistematizados, normali-
(raciais, étnicas, religiosas, culturais etc.)”. zados por leis, dentre os quais se desta-
Por outro lado, Belle (1982) lembra cam o de formar o indivíduo como um
uma outra perspectiva: cidadão ativo, desenvolver habilidades
e competências várias, desenvolver a
A educação não formal, talvez em maior criatividade, percepção, motricidade etc.
medida do que a educação formal, (GOHN, 2006a, p. 3).
está fortemente associada a diferenças
socioeconômicas, de gênero e identidade Numa outra perspectiva, alguns autores
étnico-religiosa. Entre as crianças e os afirmam que o objetivo é “aprender para
jovens, são os recursos dos pais que manter o status quo” (COLLEY; HODKINSON;
permitem uma escolha entre alternativas MALCOM, 2002, p. 16).
de programas que são frequentemente Na educação não formal, os objetivos
delimitadas por características de gênero e podem ser muito variados. Podem também ser
étnico-religiosos. Entre os adultos, alguns adaptados ao grupo em questão, sendo mais
tipos de programas, como o planejamento flexíveis (ETLLNG, 1993). Alguns exemplos
familiar ou de alfabetização, diferenciam incluem atividades que buscam “aumentar, ou
claramente as populações em termos de conscientizar para a solidariedade religiosa
nível socioeconômico. Outros programas, e étnica; outras servem para potencializar
como o treinamento no trabalho são habilidades para mobilidade socioeconômica e
frequentados por diferentes gêneros e capacitação laboral” (BELLE, 1982, p. 165); e
classes sociais, dependendo da natureza do ainda para
treinamento (BELLE, 1982, p. 174).
[...] a aprendizagem política dos direitos
Na categoria da educação informal, dos indivíduos enquanto cidadãos; […]
apenas Colley, Hodkinson, Malcom (2002) se e exercício de práticas que capacitam
pronunciam, dizendo que esta serve os grupos os indivíduos a se organizarem com
de oprimidos. Os autores ressalvam que estão a objetivos comunitários, voltadas para
definir tipos ideais em cada fator, mas achamos a solução de problemas coletivos
que pela caracterização de outros fatores, o cotidianos. (GOHN, 2006a, p. 2).
informal não sendo organizado ou estruturado
serve espontaneamente ao interesse de todos Numa outra linha, por vezes, os
os grupos e que é o não formal que pode ter objetivos da educação não formal são traçados
um papel de destaque em serviço dos grupos em relação à educação formal, ou seja, ela é
oprimidos e minorias menos representadas na vista em função do seu papel de complemento,
cultura mainstream da escola formal, como já alternativa, adição etc. à educação formal num
sublinhado por Gohn (2006a). determinado contexto (BRENNAN, 1997).
1104 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
Tabela 1 – Média de referências por fator em cada uma das dimensões
TIPOLOGIAS EDUCATIVAS
Enquanto que nas dimensões processo, individuais, são naturalmente os fatores estruturais
conteúdo e propósito há médias entre 2,8 a 5,8 os que têm mais referências por fator e por tipo
referências por fator, na dimensão estrutura de educação. Mas algumas outras dimensões
chegamos a ter onze referências por fator, no estão também representadas no topo, como a
caso da caracterização da educação formal. intencionalidade, a determinação dos objetivos
Há, então, um destaque claro dado aos fatores e a certificação (na dimensão propósitos), e a
incluídos nesta dimensão. relação professor/aluno e mediação (na dimensão
A Tabela 2 lista o número de referências processo). A Tabela 3 mostra os oito fatores
encontradas por fator e por tipo de educação3 e os mais citados4 na literatura e o número médio de
totais por fator. Analisando os totais dos fatores referências por tipo de educação.
Tabela 2 – Referências de autores distintos para cada fator, em cada tipologia educativa. As porcentagens são em relação ao total
de artigos analisados (28).
Total
DIMENSÃO Fatores Formal % Não formal % Informal %
(F+NF+INF)
1. Relação professor/aluno 10 35,7 8 28,6 3 10,7 21
2. Avaliação 7 25,0 3 10,7 2 7,1 12
3. Aprendizagem coletiva ou individual 5 17,9 7 25,0 1 3,6 13
PROCESSO
1106 Joana Brás Varanda MARQUES; Denise de FREITAS. Fatores de caracterização da educação não formal: uma...
Já o âmbito da educação social, cuja distinguir as diferentes tipologias educativas e
principal pensadora no Brasil é a pesquisadora perceber quais os fatores usados nas definições
Maria da Glória Gohn, volta-se mais para das mesmas, procurando, assim, contribuir
o estudo do trabalho de ONGs e outras também para a estruturação e compreensão da
organizações relacionadas com as artes e a área específica da educação não formal.
cultura. No livro sobre a educação não formal Percebemos que, no panorama educativo,
publicado em 2007, Não-fronteiras: universos há uma miríade de casos particulares distintos,
da educação não formal, ela nos apresenta mostrando a diversidade e riqueza de estratégias
dados sobre os educadores, os públicos e as educativas que são possíveis nos dias de hoje.
instituições e conclui, entre outras coisas, que Como lembra Falk (2002, p. 2), “não há uma
há falta de apoios e “dificuldade de atuar em só maneira de aprender, nem um só lugar
redes” (GOHN, 2007, p. 40). Mais recentemente, ou momento nos quais aprendemos. Toda
a mesma autora acrescenta que aprendizagem tem um lugar contínuo, desde
muitas fontes e de muitas maneiras diferentes”.
[...] a nova realidade produzida pela ação Mas tal diversidade constitui um desafio para
de parcerias ou interação da sociedade os pesquisadores e agentes educativos na altura
civil organizada com órgãos públicos, de classificar e definir as atividades, programas
empresas, ONGs etc. é pouco conhecida ou projetos em causa.
dos brasileiros e maioria das universidades Constatamos, como já foi mostrado por
enquanto instituição, assim como tem outros autores, que não há uniformidade nas
recebido pouca atenção dos pesquisadores definições nem nos conjuntos de termos usados.
e intelectuais de uma forma geral (GOHN, Ainda assim, na maioria da literatura nacional
2009, p. 40). a terminologia formal–não formal–informal é a
mais utilizada. Tal prática está em sintonia com
Há, portanto, muito caminho por a opinião de Eshach (2007), quando afirma ser
andar, mas percebe-se que a educação não insuficiente e simplista englobar a educação
formal nesses espaços pode ter um papel ou aprendizagem que se desenvolve para além
importante no panorama educativo brasileiro da educação formal em apenas um setor. Além
e, também, mundial. Num outro trabalho, disso, percebemos que as definições de informal
Gohn (2006b) aponta possíveis vias para da maioria dos autores que apenas distinguem
percorrer esse caminho. As sugestões vão entre formal e informal se aproximam muito das
desde formação específica para os educadores características descritas como definidoras do não
e mediadores, definição dos objetivos e formal nos autores que usam os três termos.
funções desta educação, sistematização das Expusemos também nesta investigação a
metodologias utilizadas e construção de novas dificuldade de se definir e estabelecer fronteiras
ou “mapeamento das formas de educação não entre as diferentes tipologias educativas
formal na autoaprendizagem dos cidadãos” (formal, não formal e informal). Por exemplo,
(GOHN, 2006b, p. 31). Para esta autora, “o novo já nos anos 80 do século passado, Belle
Brasil da educação não-formal representa fôlego (1982, p. 162) referia que “a escola alberga
renovado para as culturas esquecidas; esperança educação não formal através de atividades
de aprendizagem para jovens carentes; diálogo extracurriculares, que pouco têm a ver com
social para a construção de saberes e abolição créditos, notas ou diplomas, mas que refletem,
de preconceitos” (GOHN, 2007, p. 76). de maneira deliberada e sistemática, ensino e
A pesquisa aqui apresentada almejou aprendizagem”. O contrário também acontece,
contribuir para essa discussão com o pois “práticas formais podem ocorrer (e de
esclarecimento dos termos usados para fato ocorrem) em lugares como os museus,
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Joana Brás Varanda Marques é licenciada em física pela Universidade de Coimbra, Portugal, mestre em educação pela
Universidade Federal de São Carlos e doutoranda em educação na mesma universidade. Trabalhou no Sector de Educação do
Museu da Ciência da Universidade de Coimbra durante cinco anos, sendo responsável pelo mesmo de 2010 a 2011.
Denise de Freitas é doutora em educação na área de didática e ensino de ciências pela Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FC da UL). É
professora associada do Departamento de Metodologia de Ensino da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
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