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Entrevista com Marina Silva

Revista Graça, edição 22, maio 2001


Repórter: Cleber Nadalutti
Editor: Cleber Nadalutti

Zeladora da obra de Deus

Senadora petista, conhecida pela luta da preservação


do meio ambiente, nega ter atuado contra os
evangélicos na polêmica “lei do silêncio”

Ela foi criticada por lideranças evangélicas, sob a alegação de


que teria participado da elaboração da polêmica “lei do
silêncio”, uma legislação federal que incluía dois artigos, os
quais puniam as igrejas “barulhentas” severamente com
multa, e, dependendo do caso, previam até a prisão de seus
líderes. A lei 9.605, de 12/02/1998, aprovada no Congresso,
foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso,
mas com vetos aos artigos polêmicos.
Naquela oportunidade, a senadora Marina Silva (PT-AC), hoje
evangélica e membro da Igreja Bíblica da Graça em Brasília
(DF), foi acusada de agir contra as igrejas evangélicas. Nesta
entrevista, ao ser indagada sobre o assunto, ela negou ter
redigido aqueles dois artigos da lei, da qual era relatora,
juntamente com o senador Lúcio Alcântara. Apesar da
confusão sobre o tema, Marina se sente tranquila e crê, como
diz a Bíblia em Romanos 8.28, que todas as coisas contribuem
para o bem daqueles que amam a Deus.
Convertida ao Evangelho depois de buscar a Jesus em um
momento crítico de sua vida, no qual estava muito doente,
Marina Silva, abriu sua casa à reportagem de Graça e falou
de seus projetos no Senado, de sua trajetória política, do
Partido dos Trabalhadores e como Deus e o Evangelho
mudaram sua vida e seus conceitos.
Casada com Fábio e mãe de quatro filhas – Shalon (19),
Camila (18), Moara (11) e Mayara (8) –, Marina Silva se
considera uma sobrevivente. Não por acaso. Conseguiu
vencer as doenças adquiridas no Acre; foi alfabetizada aos 16
anos e, aos 20, ingressou na Universidade Federal do Acre,
onde se formou em História.
História que registra a ascensão meteórica da senadora
petista Maria Osmarina Silva de Souza e a sua conversão ao
Deus da bênção que ela ousou procurar. Ela conta como
encontrou a fonte da Água da Vida e deixa claro que a luta por
um mundo melhor tem respaldo bíblico. “O Reino de Deus é
justiça, paz, verdade, liberdade, igualdade e eqüidade; são
todos os valores que encontramos de Gênesis a Apocalipse”.

Poderia falar de seus projetos mais importantes?


Ao todo são 38 projetos em tramitação na Casa; aprovados
pelo Senado, oito. Os projetos mais importantes são: o que
regulamenta o acesso aos recursos da biodiversidade
brasileira; aquele que cria um fundo para o desenvolvimento
econômico dos estados com área de preservação e reservas
indígenas, viabilizando o desenvolvimento sustentável, e o
que pretende dar às trabalhadoras autônomas o direito à
licença-maternidade.

Sua história é uma lição para todos os brasileiros. De


ex-estudante do Mobral, não somente se alfabetizou,
como também se formou em História pela Universidade
Federal do Acre. A senhora acredita que essa trajetória
faz parte dos planos de Deus para a sua vida?
Com certeza. Sempre digo que não tenho o direito de duvidar
da mão de Deus agindo em minha vida. Mesmo na ocasião em
que ainda não era evangélica, sentia muito a presença do
Senhor Deus operando em mim. Tive muitos problemas de
saúde desde a adolescência e dificuldades na minha família.
Lembro-me sempre daquela passagem da Bíblia, a qual afirma
que temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que
a excelência do poder seja de Deus e não de nós (2 Co 4.7).
Sinto exatamente isso.

De modo geral, quando alguém pensa em Partido dos


Trabalhadores, duas idéias vêm imediatamente à
lembrança: comunismo e ateísmo. Em sua opinião,
como essa imagem do PT poderia ser desfeita?
Em primeiro lugar, a melhor forma seria conhecer o PT. A
Palavra de Deus diz Examinai tudo. Retende o bem (1 Ts
5.21). Quando não conhecemos algo e não o observamos, às
vezes, cometemos injustiça. O PT é um partido que carrega o
estigma de comunista e ateu. Na verdade, é um partido de
forte base cristã. O grupo de origem marxista, ou o que tem
uma visão materialista do mundo, é uma minoria. Sem querer
desprezar essas pessoas, é uma quantidade pequena. A maior
parte do PT é formada pelas Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) – católicas. Além disso, atualmente, muitos
evangélicos estão atuando no partido. Lembro-me de que há
um dispositivo no PT, que me permite evocar a questão de
consciência para não apoiar determinada matéria que fira
meus princípios religiosos.

Cite um exemplo de algum fato no qual a senhora


utilizou essa prerrogativa?
Existia um projeto em tramitação referente à aprovação ou
não do aborto. Uma parte do PT era favorável, e a outra, que
seguia os princípios religiosos, contrária. Esta foi respeitada e
não votou a favor. No projeto que criava a doação obrigatória
de órgãos, tanto eu como a senadora Benedita da Silva nos
abstivemos. Embora não cultuemos defuntos, tirar os órgãos
de alguém, sem o consentimento da família, é algo que fere
os valores das pessoas.

Como o PT vê a senadora evangélica Marina Silva?


Com muito respeito. Os próprios padres, que eram meus
amigos, trataram-me com muita consideração. Todos
perceberam que era uma opção minha, consciente.

Seus colegas de partido chegaram a afirmar que a


decisão por Cristo era “coisa de crente”?
De forma alguma.

E no ambiente do Senado?
Não. No entanto, eu ouvi tal afirmativa das pessoas que
estavam fora desse contexto político. Graças a Deus,
atualmente, são evangélicas [risos]. Uma amiga, inclusive,
não me considerou tão inteligente assim porque, segundo ela,
“eu havia inventado esse negócio de ser evangélica”. Três ou
quatro meses depois, ela se converteu ao Evangelho e, hoje, ri
disso. Muitas pessoas, assim como ela, foram tocadas pelo
Espírito Santo.

Há uma visão distorcida sobre os cristãos?


Sem dúvida. Acredito que temos alguns problemas que até
reforçam essa idéia. Enquanto a Igreja Católica possui anos de
experiência no envolvimento com a problemática social,
misturando fé e política, a Igreja Evangélica tem pouco tempo
nesse movimento, pois os evangélicos sempre foram mais
voltados para os lados espiritual, moral e pessoal. Quando os
primeiros evangelistas – que eram estrangeiros – tentavam
opinar sobre a parte social, eram ameaçados de extradição.
Dessa forma, criou-se a tradição de não misturar valores
cristãos com política. Entretanto, penso que essa falha tem
sido reparada. As pessoas percebem que é incompatível ter
uma vivência de fé e um compromisso com Deus sem o
comprometimento com o próximo.

Benedita da Silva (PT-RJ), atual vice-governadora do


Rio de Janeiro, escreveu seu nome na História por ter
chegado ao Senado mesmo sendo “pobre, negra e
favelada”, como ela mesma disse em várias
entrevistas. Em sua opinião, a Igreja Evangélica tem
contribuído para reduzir o racismo no Brasil?
Há muito pastores negros, e vejo esse fato como algo muito
positivo. Com certeza, as igrejas evangélicas têm contribuído
com a retirada dessa visão preconceituosa, principalmente
pelo fato de elas terem grande envolvimento com diferentes
camadas da população. O que mais deve nortear nossa ação é
o princípio bíblico de que não se deve fazer acepção de
pessoas.

A senhora pensou em ser freira aos 16 anos e


freqüentou uma paróquia católica. Mais tarde,
converteu-se ao Evangelho. Como aconteceu esse
processo? Que igreja freqüenta atualmente?
Sempre busquei muito a Deus. Já tinha uma certa
familiaridade com a Bíblia. Ouvi falar de Deus por meio de
minha secretária (Eliana Batichotte, subchefe do gabinete da
senadora), que é evangélica. Na época, vivia um momento de
dificuldade, com sérios problemas de saúde (ocasião na qual
fiz duas viagens para o exterior para tratar-me). Por meio do
médico (Eduardo Gomes) que me tratava, entrei em contato
com o Pr. André, da Igreja Bíblica da Graça, no Distrito
Federal, para que ele orasse por mim. A exemplo de muitas
pessoas, fui à igreja à procura da bênção de Deus, e não do
Deus da bênção. Esperava por um milagre. Tinha uma
contaminação por mercúrio e estava com sérios problemas de
visão, além de sentir tontura, perder peso etc. Era um quadro
bastante complicado. Hoje, estou bem, e o único problema
que restou – o da alergia – a cada dia tem melhorado
bastante. No início, eu freqüentava a igreja buscando o
milagre. Depois de algum tempo, adquiri mais intimidade com
a Pessoa de Jesus como meu único e legítimo Salvador. Foi um
processo de conversão. Graças a Deus, sinto-me muito
abençoada. Freqüento a Igreja Bíblica da Graça, onde sou
dizimista, mas também vou à Igreja Batista Nacional, também
em Brasília. Além disso, todas as vezes que viajo para o Acre,
participo dos cultos da Assembléia de Deus. O importante é
que estejamos na presença do Pai, não importa a
denominação.

Foi uma decepção a senhora não ter obtido aquela


vaga na Câmara dos Deputados nas eleições de 1986?
Não, pelo contrário, foi uma vitória. Sem recurso algum, fiquei
em quinto lugar, mas não consegui o quociente eleitoral.
Lembro-me de que tinha um minuto na TV e, como não tinha
dinheiro para gravar, fazia ao vivo. Eram 30 segundos para [o
líder seringueiro] Chico Mendes, candidato a deputado
estadual, e 30 segundos para mim. Como eu falava muito
rápido, isso ajudou. Foi uma votação muito expressiva. Em
1988, candidatei-me a vereadora e fui a mais votada do PT na
capital [Rio Branco].
Em 1990, eleita deputada estadual, seu nome estava
consolidando-se e fortalecendo-se no Acre, contudo, a
doença atrapalhou um pouco sua caminhada política.
Poderia falar a esse respeito?
Sempre digo que Deus colocou um espírito forte dentro de um
corpo fraco para que eu tenha noção de limites. Era o meu
primeiro ano como deputada estadual (a mais votada do
Acre). Em setembro de 1991, estava em um município
distante e me senti muito mal. Voltei de avião e fiquei 12 dias
internada em Rio Branco. Em seguida, fui para São Paulo, e,
por quase um ano, tive acompanhamento médico no hospital
Albert Einstein.

Correu risco de vida?


Poderia ter morrido sim. Passei um tempo com problemas de
visão e sem andar. Fiquei um ano e oito meses afastada de
meu mandato de deputada e de todas as minhas atividades.
Meu marido cuidou de mim, juntamente com minha sogra.
Fiquei em Santos (SP) e submeti-me a muitos exames, até
que, ao ler um artigo do Dr. Efraim Oswald, da Associação
Brasileira de Oxidologia, descobri que tinha uma
contaminação por metais pesados. Identifiquei os sintomas e
liguei para a associação. Comecei a fazer um tratamento com
Medicina Ortomolecular e, três meses depois, consegui andar
novamente, e a visão melhorou. Retornei ao meu estado e
assumi precariamente o mandato. Estava quase às portas da
nova eleição, em 1994. Por causa da minha saúde e por não
ter dinheiro, sabia que seria muito difícil tentar uma vaga de
deputada federal. Então, concorri para o Senado. As pessoas
me chamaram de louca, e os adversários diziam que eu
estava dando um passo maior do que as minhas pernas. Todos
acreditaram que era muita pretensão minha. Nas pesquisas,
eu aparecia em quarto lugar, e os adversários não se
preocupavam comigo. Quando terminaram as eleições, fui a
senadora mais votada: 63 mil votos entre 150 mil eleitores.

Sua luta pela causa ambientalista ganhou tanto


destaque no Brasil e no exterior, que a senhora
recebeu em 1997, dentro de um grupo de 25 mulheres
do mundo inteiro, um prêmio do Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente. Sua luta, a julgar pelo
que está acontecendo com o clima no mundo, é longa e
difícil. Em sua opinião, o que poderia ser feito para
reduzir os graves danos causados ao meio ambiente?
Em primeiro lugar, tudo passa pelos valores de preservação
do meio ambiente e de respeito à natureza. O homem não é
apartado da natureza: ele depende dela. Deus nos colocou
dentro da natureza, e ela é o nosso “jardim do Éden”. Se nós a
destruímos, fazemo-nos a nós mesmos. É fundamental que se
tenha regras que sejam obedecidas. Alcançamos alguns
avanços na legislação ambiental do país, mas, infelizmente, o
cumprimento da lei deixa muito a desejar. É preciso aplicar a
idéia de um desenvolvimento sustentável, ou seja, que
mantenha nossos recursos naturais para gerações futuras.
Estava lendo no livro Ecologia à luz da Bíblia, de João de
Souza Filho, que Abraão, com mais de cem anos, plantou um
bosque. Ele pensava nas gerações futuras.

Dentro dessa luta, como a Igreja Evangélica poderia


ajudar?
Se a Igreja associar os valores cristãos aos valores nobres de
preservação do meio ambiente, encontrados nos textos
bíblicos, já é uma grande contribuição. Deus nos colocou no
mundo. Em Romanos 12.2a diz: E não vos conformeis com
este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso
entendimento. É claro que Deus pôs o homem em uma
posição privilegiada. Ele não nos colocou na Terra para sermos
contrários à Sua obra, mas para zelar por ela.

É verdade que a senhora separou textos bíblicos para


fundamentar sua tese de defesa do meio ambiente?
Alguns sim. Como é a minha linha de ação, aquilo que
encontro na Bíblia que está relacionado com esse assunto, eu
grifo. Tenho pensado, inclusive, em escrever um livro. Por
exemplo, em Êxodo 22.6 está dito que, se alguém colocar
fogo em uma determinada área, terá de pagar pelo que
queimou. A Palavra ordena também que, se encontrar um
ninho com aves, não deverá matá-las (Dt 22.6). É uma noção
clara de cuidado com a natureza.

A partir da sua conversão, ficou-lhe mais clara essa


riqueza da Bíblia acerca da luta pela natureza?
Na questão do meio ambiente, Deus, com Sua sabedoria,
revelou-me textos bíblicos que fundamentam as minhas teses.
Muitas pessoas consideram que nós, evangélicos, somos
“bitolados” e preconceituosos. No entanto, isso não é
verdade. Sabemos que, segundo a Palavra de Deus, não
devemos fazer acepção de pessoas. Uma visão mais aberta
que essa, de respeito para com o outro, não conheço. A
Escritura Sagrada assevera que não devemos julgar quem
quer que seja, pois quem nos julga é Deus. A Bíblia ainda
declara que o Deus que nos aceita deseja reciprocidade: que
O aceitemos como Ele é: misericordioso e justo. É nessa
relação que ocorre a nossa transformação, porque o projeto
de Deus é que nos tornemos cada vez mais à Sua imagem e
semelhança – estatura do varão perfeito. Tudo o que há em
mim que não é dEle tem de ser transformado.

Aos 42 anos, mãe de quatro filhos, e depois de sofrer


com cinco malárias, três hepatites, uma leishmaniose e
uma contaminação por mercúrio, a senhora pode ser
considerada uma sobrevivente. É um milagre de Deus?
Sem dúvida. Na vida secular, quando decidimos comprar algo,
por exemplo, queremos dividir o valor em prestações, receber
a mercadoria o mais rápido possível e ainda pagar a primeira
parcela em 30 dias. Com Deus é diferente: Ele paga adiantado
para receber depois. Creio que Deus fez isso comigo: pagou
por um vaso quebrado, um preço dobrado e com pagamento
adiantado. Desde pequena, coisas aconteceram na minha
vida que foram obra dEle. Eu me considero uma sobrevivente
pela graça de Deus. Perdi três irmãos mais velhos, duas irmãs
mais novas e a minha mãe. O Altíssimo conhece o agora e o
porvir. Tenho três irmãs evangélicas, sendo que uma delas é
cristã há mais de 30 anos. Ela conta que orou por mim
durante 29 anos. Eu sempre brinco com ela: “Meu Deus, como
você teve paciência e como eu era difícil”.
A oposição tem feito críticas pesadas ao presidente
Fernando Henrique Cardoso. No entanto, tirando as
paixões partidárias, há algo de bom neste governo em
sua opinião?
Confesso que minha expectativa no primeiro mandato era
bem maior. Entretanto, acredito que, no mandato atual, há
coisas interessantes feitas nas áreas de saúde (o programa de
combate à AIDS reconhecido até mundialmente) e de
educação (inovações e valorização dos professores), mas,
infelizmente, ainda não temos um projeto de país que coloque
em primeiro lugar os problemas da exclusão social.

Em 1997, a senhora deu uma entrevista em que se


dizia muito “mística”, mas que estudava a Bíblia. A fé
em Cristo deixou todo aquele misticismo para trás?
Com certeza. Considera que podia “beber” de várias fontes.
Entretanto, quando se entra em contato com a Verdade: Eu
sou o caminho, e a verdade, e a vida (Jo 14. 6a), isso tem uma
força muito grande. Jesus declarou que, a partir do momento
em que alguém tiver acesso a essa fonte, não precisará das
outras. Qualquer pessoa que conhecer essa dimensão da
realidade espiritual, não sentirá necessidade alguma de outra
fonte, pois a que se tem basta.

A revista Time colocou a senhora entre as cem líderes


do milênio, e o Fórum Econômico Global a escolheu
como uma das cem líderes do futuro. Como evangélica,
o que a senadora Marina Silva espera do amanhã?
É claro que vivemos uma situação muito difícil em termos
globais, mas espero que possamos ter mais justiça. Não
desisto do ensinamento do Pai-Nosso: que seja feita na Terra a
vontade de Deus, assim como é no céu; que o Reino de Deus
possa existir na Terra; que haja justiça, liberdade,
fraternidade, e que pensemos no próximo, como em nós
mesmos. O Reino de Deus é justiça, paz, verdade, liberdade,
igualdade e eqüidade – todos aqueles valores que
encontramos de Gênesis a Apocalipse.
Sua lei de acesso à biodiversidade, a qual regula o
acesso a organismos vivos, sejam plantas, recursos
genéticos (células e tecidos vegetais), fungos e
animais (exceto o homem), ganha importância à
medida que crescem as discussões sobre os alimentos
transgênicos (geneticamente modificados) e clonagem.
Em sua opinião, o homem está tentando brincar de
deus?
Em muitos aspectos sim. A ciência também é um dom de
Deus. Entretanto, todos os dons estão sujeitos a uma
limitação. Tudo aquilo que fere e não preserva a vida agride
esse dom de Deus. Os transgênicos e a clonagem são avanços
técnico-científicos que devem ser respeitados, porém, deve
haver um limite ético, uma linha que não nos faça ter a
arrogância de que podemos tudo. Tenho muito medo de que,
de repente, os cientistas comecem a selecionar raças e sexos,
desorganizando algo que já acontecia por processos naturais.
A imprevisibilidade faz parte da existência. No momento em
que tentamos prever e cercar todos os ângulos, podemos
estar encurralando a própria humanidade.

Outra lei, tão polêmica quanto à de acesso à


biodiversidade – a lei ambiental (9.605 de 12/02/1998)
– contou com a participação ativa da senadora.
Naquele mês, em artigo publicado pela Folha de S.
Paulo, a senadora fez duras críticas ao acordo criado
entre o governo, as confederações da agricultura e da
indústria e a bancada evangélica. Por quê?
Não é bem verdade que fiz duras críticas ao acordo com os
evangélicos. Esse acordo passou pelos relatores do projeto,
que eram eu e o senador Lúcio Alcântara. Observei que a
questão da poluição sonora não é algo que podemos arbitrar
de um país para outro. É um dado técnico-científico. Tanto no
Brasil como no Japão uma determinada quantidade de
decibéis causa problemas auditivos, inclusive para nós,
evangélicos. No momento que não há uma lei que regule isso,
todos ficam vulneráveis. Hoje, temos um hiato: uma escola de
samba pode fazer um barulho em frente a uma igreja
evangélica, e a igreja não pode reclamar disso, e vice-versa.
No que concerne aos evangélicos, o meu argumento é que o
louvor faz parte da liturgia dos cultos. No momento em que se
proíbe isso, interfere-se na liberdade de culto religioso. O que
houve, naquela época, foi uma incompreensão. Esse artigo
sobre poluição sonora não foi de minha autoria nem do
senador Lúcio Alcântara. Ele veio no corpo da lei desde 1991,
ocasião do governo Collor de Mello. Acredito que foi o
programa 25ª Hora [já extinto, que passava na TV Record],
que me colocou como autora desse artigo. É bem provável
que, naquela época, os evangélicos de todo o país pediram
para Jesus queimar-me umas 500 vezes [risos], mas eu era
inocente.

Houve algum tipo de pressão para que o texto da lei


fosse mais severo com os evangélicos?
Não. Na ocasião, não tínhamos idéia de que isso feriria os
evangélicos. Demos algumas contribuições na parte da fauna
e flora. Sequer reparamos nesse artigo da poluição sonora. Fui
surpreendida pelo programa, que fez um debate com
deputados. Creio que todas as coisas concorrem para o bem
daqueles que amam a Deus (Rm 8.28). Deve ter havido um
motivo para tal equívoco. Mas lembro-me de que o artigo foi
vetado.

Há quem diga que os artigos 66 e 67, os quais dizem


respeito à poluição sonora, teriam sido colocados na lei
a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB). A Igreja Católica pressionou os membros do
Congresso Nacional para que tais artigos fossem
incluídos na lei?
Para obtermos essa informação, teríamos de perguntar para o
presidente Fernando Collor porque foi ele quem fez o projeto
[risos]. Não acredito nisso. Suponho que as pessoas da CNBB
não se preocupariam em atrapalhar os cultos evangélicos pelo
fato de isso aplicar-se também à Igreja Católica. É uma
convenção internacional, com base técnica. Todas as coisas
de Deus são com ordem. Não são para agredir ou ferir as
pessoas. Entretanto, não sei como poderá ser regulada essa
questão, sem ferir a liberdade de culto religioso.
Algumas pessoas julgam que, se não há discriminação
religiosa no Brasil, há pelo menos comportamentos
discriminatórios velados. A senhora concorda?
Penso que o preconceito existe em vários aspectos da vida
social e cultural do nosso país. Os evangélicos, às vezes,
também são discriminados. Contudo, também é preciso ter
cuidado para não discriminarmos, porque, muitas vezes,
somos tentados a isso. À luz da Palavra de Deus, o correto é
colocar para as pessoas o que são os ensinamentos cristãos.
Elas decidirão, por seu livre arbítrio, qual caminho desejam
seguir.

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