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Alagados, a música utilizada como instrumento de crítica

social.

Adilson Wagner Oliveira De Matos


Agnes Barbosa Morais

"É um elemento capaz de informar, expor ou explicitar as ações humanas, sua


história, existências, angústias e necessidades", assim Madeira define o
substantivo música e, talvez esses tenho sido os conceitos utilizados na música
“Alagados”, da consagrada banda Paralamas do Sucesso. Composta por Bi
Ribeiro, João Barone e Hebert Viana, aquela foi lançada em 1986, no álbum
Selvagem, figurando para estes entre as três composições mais importantes da
carreira do grupo. Mas, quais componentes fazem dela um grito e, ao mesmo
tempo um olhar crítico-reflexivo, contra um sistema injusto e segregador que cria
bolsões de miséria e desfavorece os mais pobres?

Todo dia,
O sol da manhã vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo quem já não
queria.
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia.
(Alagados, Paralamas do sucesso)

A primeira estrofe dessa canção, faz referência ao dia-a-dia da população


dessas vielas habitadas por indivíduos que abrem mão dos seus sonhos ao
nascer do dia, para partir rumo aos seus trabalhos, traduzindo assim, o viver real
e por vezes, repleto de sacrifícios, em que a dura realidade é companheira e, ao
mesmo tempo inimiga das utopias arraigadas no peito. Distopias miseráveis e
difíceis, exemplificadas pela expressão “ (...) Palafitas, trapiches, farrapos(...)”.
Pessoas que muitas vezes traçaram projetos durante suas duras infâncias,
planos de que quando crescessem teriam um trabalho, moradia, condições
melhores mas, por falta muitas vezes de ajuda governamental, ou mesmo de
encorajamento para mudar essa realidade, veem seus planos escorrerem pelo
ralo, e virarem mera desilusão. Sem esquecer da parte mais frágil dessa
segregação, as crianças, que ao se enxergarem nesse mundo desigual,
inicialmente com toda pureza que emanam, constroem devaneios em torno de
melhores oportunidades e, castelos de areia, onde só cabem pedra. Cabe julga-
las? Indubitavelmente, não! A culpa, são da politicas publicas falhas e que só
favorecem uma minoria, enquanto a massa, vira manobra, é ceifada em sua
origem.

Nesse emaranhando de situações, surge a violência, uma rota de fuga em meio


a condições precárias, e dela, se disseminam outros pormenores, como a
insegurança, o medo, o crescimento do tráfico de drogas, à alienação e o
domínio psicossocial, problemas estes refletidos na falta de saneamento básico,
nos baixos níveis de escolaridade. Ver a realidade, dói, os números de guerras
se tornam obsoletos quando comparados com ela, pois segundo o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), em determinado ano de todos
os homicídios ocorridos no Rio de janeiro, 199 – ou 44% do total – foram
cometidos em favelas; e, em 2010 somente 1,6% dos moradores desses
conjuntos de habitações populares tinha o curso superior completo de acordo
com estudo desse mesmo órgão.

E a cidade
Que tem braços abertos num cartão-
postal
Com os punhos fechados da vida real
Lhes nega oportunidades
Mostra a face dura do mal. (Alagados,
Paralamas do sucesso)

Já na segunda estrofe, os compositores escolhem como foco a cidade do Rio de


Janeiro, fazendo um paradoxo com a imagem do Cristo Redentor, pois enquanto
os seus braços abertos estão ligados a hospitalidade da tão desejada Cidade
Maravilhosa, cheia dos seus encantos, os seus punhos fechados fazem
referência às crueldades e a violência que convivem ao lado desse belo cartão
postal, e desfocam essa bela imagem acolhedora, registrando-a em favelas
violentas, sem segurança, talvez até sem sonhos maiores. O trocadilho feito
pelos compositores é um dos pontos máximos que disfarçados por um melodia,
criticam a cegueira que por vezes impede o ser de romper barreiras e quebrar
amarras, mesmo que históricas e solidas. Falta acolhimento, sobra abandono e
descaso, e quem paga essa conta fica encurralado.

Alagados, Trenchtown, Favela da


Maré
A esperança não vem do mar
Nem das antenas de tevê
A arte é de viver da fé
Só não se sabe fé em quê. (Alagados,
Paralamas do sucesso)

Alagados, Trenchtown, Maré, três bolsões de miséria situados em cidades


famosas do Brasil, Rio de Janeiro, Salvador e, Kingston, na Jamaica, são as
protagonistas dessa composição e, ajudam a entrelaçar sentimentos opostos, a
alegria, nesse caso, sempre anda ao lado da tristeza, no tocante aos moradores
favelados, entregues à própria sorte. Hebert, em depoimento sobre a música,
diz: "Acabei juntando as três imagens no refrão e tinha sonoridade que eu
mesmo falei, 'uau!'. A partir daí, foi fácil escolher o título, pois todas as três
favelas foram erguidas em cima de palafitas, e sintoniza-las foi mais ainda,
admirador de Jorge Amado e um passageiro que todos os dias passava pela
Maré, Viana pensou e eternizou as classes trabalhadoras, os pescadores, os
esquecidos pelo capitalismo selvagem, “sistema de dimensões globais, em que
acontece disputas ferrenhas entre multinacionais dominantes de vários
mercados ou mesmo países”.

A música “Alagados” também faz uma crítica a esse sistema, que só destrói e
menospreza os indivíduos menos favorecidos, atualmente, uma das ferramentas
ideológicas usada para demarcar um indivíduo de classe social baixa é
responsabilizar o mesmo pelo seu “fracasso”. Tendo em vista que o pobre seja
associado pela sociedade capitalista como uma pessoa perdedora,
incompetente ou incapaz de alcançar o mesmo patamar financeiro de pessoas
de classe alta, o torna assim um alvo de preconceito, que o mantém a margem
da sociedade devido a teoria do determinismo, utilizada pelos opressores para
justificar todo um passado de preconceito e disparidades.

Os sistemas protegiam seus sócios e eliminavam os demais. Depois


de 100 anos de socialismo e capitalismo, a miséria no mundo
aumentou, a economia transformou-se num código de brancos e numa
fábrica de exclusão racionalizada. A modernidade produziu um mundo
menor do que a humanidade. Sobram bilhões de pessoas. No Brasil
essa exclusão tem raízes seculares. De um lado, senhores,
proprietários, doutores. Do outro, índios, escravos, trabalhadores,
pobres.
Isso significa produzir riqueza pela produção da pobreza. Sendo um
modelo econômico sustentado em vícios sociais, o padrão rural da
colônia transferiu-se praticamente intacto ao país urbano, com
pretensões a ser moderno. O Brasil tem uma indústria com duas caras
– e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações de
trabalho. Sua classe média espreme-se entre a ideologia do senhor e
as agruras dos pobres. Teme o destino de um e respeita o poder do
outro. A industrialização brasileira não encurtou o abismo entre pobres
e ricos. Os senhores viraram empresários, mas continuaram a viver em
novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores,
mas continuaram morando na senzala, em dormitórios feitos para isolar
o pobre depois do serviço. (HERBERT, 1993, p. 4)

Tomando como base o texto de Herbert de Souza, que como em Alagados, traz
uma crítica social, verifica-se uma problemática com embasamento na questão
Em seu texto, Herbert de Souza analisa a problemática com embasamento na
questão social da divergência entre os senhores (ricos) e os trabalhadores
(pobres), onde é colocado em pauta a questão do capitalismo inserido em uma
sociedade onde os ricos ficam cada dia mais ricos, e os pobres, cada vez mais
pobres. Embora seja considerado um país rico, o Brasil reproduz um grau
elevado de pobreza expressando uma situação de extrema desigualdade, país
que, apesar do desenvolvimento e da tecnologia, permanece em um paradigma
patriarcal. No tocante a isso, tem-se que as desigualdades, a pobreza e a miséria
são frutos de um passado colonial de exploração, mas, principalmente, de uma
abolição mal elaborada, em que a carta de alforria, foi o símbolo de uma falsa
liberdade, onde os escravos sem recompensas, posses, heranças do pesado
trabalho de décadas, não tinham para onde ir, tão pouco como se sustentar. Não
tiveram um leque de escolhas, as opções eram duas: ou continuavam
trabalhando com os seus antigos senhores por um valor irrisório ou procuravam
um lugar para morar. Ser este, o início da habitações deploráveis e indignas.

Nada mais importante para chamar a atenção sobre uma


verdade do que exagerá-la. Mas também, nada mais
perigoso, porque um dia vem a reação indispensável e a
relega injustamente para a categoria do erro, até que se
efetue a operação difícil de chegar a um ponto de vista
objetivo, sem desfigurá-la de um lado nem de outro. É o
que tem ocorrido com o estudo da relação entre a obra e o
seu condicionamento social, que a certa altura do século
passado chegou a ser vista como chave para compreendê-
la, depois foi rebaixada como falha de visão, e talvez só
agora comece a ser proposta nos devidos termos. Seria o
caso de dizer, com ar de paradoxo, que estamos avaliando
melhor o vínculo entre a obra e o ambiente, após termos
chegado à conclusão de que a análise estética precede
considerações de outra ordem. (CÂNDIDO,2006, p.8)

Seria Alagados, um poesia crítica dos tempos modernos? Poder-se-ia fazer um


paralelo entre essa composição e a literatura? Claro que sim, porque nela o ser
consegue enxergar claramente o quanto a realidade influencia a arte, e vice
versa.
O quadro pintando e a poesia expressa nas entrelinhas, mostra o quão dura é a
realidade das pessoas que vivem nesse bolsões de misericórdia e, o quanto o
eu poético influenciou na criação de um dos clássicos da música brasileira,
trazendo para os ouvintes, uma reflexão profunda e realista, mas com uma
sutileza própria de um poeta. Que bom seria, que um dia o poeta compositor,
cantasse Alagados, Maré, Trenchtown, mas sobre uma ótica transformada onde
as palafitas fossem apenas marcas do passado, pois todos tem direito como
expresso na declaração dos direitos humanos, à moradia digna, alimentação,
saneamento básico, e principalmente à educação, pois só esta tem o poder
maior de transformar vidas e realidades utópicas, em realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul,


2006.

SOARES, Rafael. Favelas têm taxas de homicídio por tiros três vezes maior do
que as demais áreas do Rio. Disponivel em:
<https://www.google.com.br/amp/s/extra.globo.com/casos-de-policia/favelas-
tem-taxa-de-homicidios-por-tiros-tres-vezes-maior-do-que-as-demais-areas-do-
rio-21728048.html%3fversao=amp>. Acesso em: 27 ago. 2018.

UOL. Apenas 1,6 dos moradores de favelas chegam ao ensino superior. Disponível em
<https://www.google.com.br/amp/s/educacao.uol.com.br/noticias/2013/11/06/ap
enas-16-dos-moradores-de-favelas-chegam-ao-ensino-superior.amp.htm>.
Acesso em: 27 ago. 2018.

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