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Mídia, consumo e subculturas juvenis


Genilda Alves de Souza

E m Mercadores de sentido: consumo de


mídia e identidades juvenis, que reú-
ne três estudos de caso sobre jovens de gru-
pos de hip-hop, punk e do movimento tradi-
cionalista gaúcho das cidades de Santa Maria
e Caçapava do Sul, Veneza Ronsini apresenta
Mercadores de
o estilo de vida desses jovens, com suas di-
sentido: consumo de
ferenças, tendo em conta critérios de classe
mídia e identidades
social e de consumo midiático na formação
juvenis
da cultura e identidade juvenil.
O texto mostra a “relação dos jovens com
a cultura transnacional, nacional e regional Veneza V. Mayora
mediada pelas instituições da mídia, família e Ronsini
escola” (p. 175). A pesquisa dialoga com os es-
Porto Alegre: Sulina, 2007,
tudos culturais dos anos 1970 sobre subcultu- 184 p.
ras juvenis da classe trabalhadora em sua rela-
ção com o papel do consumo na formação da perde a soberania e se desobriga, com as priva-
identidade juvenil e os problemas relativos à tizações, do papel de prestar serviços públicos
classe social, geração e gênero. A autora apóia- essenciais, degradando ainda mais as condi-
se também nos estudos latino-americanos de ções de vida da classe trabalhadora (principal-
recepção, focando a ligação entre comunica- mente em suas camadas mais pobres). Há o
ção e cultura. aumento do desemprego, enquanto agrupa-
Partindo da sistematização feita por García mentos antes vistos como referências (a famí-
Canclini sobre consumo, incluindo os proces- lia, os sindicatos, a escola, a igreja) perdem sua
sos de comunicação e recepção dos bens mi- força de representação. Passa a imperar a for-
diáticos, temos: ça do mercado, e o consumo assume o papel
referencial das antigas instituições: sou aquilo
1) reprodução da força de trabalho e ex-
pansão do capital; 2) cenário de disputas que consumo (ou desejo consumir).
pela apropriação dos bens produzidos; 3) É nesse contexto que a autora desenvolve
diferenciação social e distinção simbólica suas idéias sobre a formação de subculturas
entre as classes; 4) sistema de integração e ou das identidades juvenis nas classes baixa,
comunicação entre as classes; 5) manifesta- média baixa e média, de famílias com ren-
ção dos desejos individuais e grupais, e 6)
da de até cinco salários mínimos, a maioria
processo ritual que consiste em dar sentido
à ordem social (p. 41). desempregados ou trabalhando na infor-
malidade. A pesquisa analisa a relação entre
Ronsini concentra a análise nos itens 4, 5 consumo de bens materiais e midiáticos e a
e 6, que tratam da diferenciação, comunica- formação de estilos de culturas como hip-
ção e subjetividades individuais, procuran- hop e punk, comparados aos jovens tradicio-
do compreender como a juventude forma as nalistas gaúchos.
“identidades culturais, mediadas pelos meios No Brasil, uma identidade cultural juvenil
de comunicação tecnológica, a partir da posi- influenciada pelos meios de comunicação e
ção de classe” (p. 42). pelo consumo se forma a partir da década de
Com o processo de globalização, o Estado 1960, sendo representada, naquele período,
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pelos movimentos musicais da Jovem Guarda pela “aceitação” da produção cultural desses
e do Tropicalismo. Fica patente a influência grupos nos meios de comunicação de massa,
da mídia na formação da identidade juvenil, com programas televisivos ou radiofônicos
tendo hoje como exemplo importante a MTV, que focam o rap, o funk ou a música punk,
inaugurada em 1990. estendendo a simbologia dessas subculturas
Duas pesquisas realizadas pela Fundação juvenis à moda e ao comportamento e am-
Perseu Abramo (1999 e 2003) e pela Unicef pliando-a nas trocas pelas redes virtuais. A
(2003), citadas por Ronsini, mostram que os favela da Maré, no Rio de Janeiro, possui 50
jovens brasileiros consomem muita TV, se- lanhouses para acesso à internet, contrastan-
guida de rádio, e têm como programas favo- do com a crescente pobreza. “De todo modo,
ritos novelas, minisséries e filmes. O poder as identidades se forjam em campos cercados
público está ausente na promoção de ativi- pelo medo da violência, do tráfico, do desem-
dades culturais e, ainda de acordo com es- prego; elas se formam como sementes híbri-
sas pesquisas, há uma enorme desigualdade, das em campos cercados por estruturas deter-
como na sociedade em geral, no acesso à cul- minadas, do local ao global” (p. 52).
tura, faltando “livrarias, teatros, orquestras e O consumo da mídia internacional per-
cinemas enquanto crescem os provedores de mite aos jovens fazer uma leitura crítica so-
internet e as lojas de discos e CDs nos muni- bre as culturas nacional, regional e de clas-
cípios brasileiros” (p.50). se, considerando os padrões culturais da
Com a mídia globalizada, há uma inter- classe média como alienados. A necessidade
nacionalização da cultura juvenil brasileira e de construção de uma identidade juvenil é
uma massiva adesão aos símbolos mundiais encontrada pelos punks no cenário under-
do capitalismo no vestuário, no cinema, na ground, entendido como espaço de “gente
música e na televisão. Predomina a estética que pensa diferente” e, no hip-hop, no pró-
hollywoodiana, em que valores éticos, morais, prio grupo de dança e música.
sociais e afetivos estão relacionados a padrões A individualização buscada por esses gru-
de beleza, riqueza e sucesso. “Ter é mais im- pos juvenis já não se baseia, em primeiro lu-
portante do que ser”, ou, melhor dizendo, gar, no papel produtivo de cada um – na di-
“sou aquilo que tenho ou aparento ter”. visão social do trabalho –, mas, sim, em suas
Para a autora, as manifestações juvenis identidades culturais, midiáticas e de consu-
são “formas de rebeldia à cultura oficial”, mas mo. O ponto comum a essas “identidades cul-
também desejo de inclusão, “uma vez que os turais” é a desilusão e a desconfiança para com
estilos são formas expressivas de adesão ao as políticas governamentais, que não atendem
mercado de bens materiais, de crítica à exclu- à necessidade de mudanças urgentes em sua
são social das populações pobres, de obtenção condição social.
de posições no mercado cultural” (p. 52). Para
os jovens pobres do hip-hop e do punk, a in- Genilda Alves de Souza é graduada em Psi-
clusão no capitalismo dar-se-ia pela cultura, cologia, mestranda em Comunicação pela
por meio da qual conseguiriam romper as Cásper Líbero e professora da mesma facul-
barreiras de classe e de cor. Isso é reforçado dade e do Centro Universitário São Camilo.

LÍBERO - Ano X - nº 19 - Jun 2007

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