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A MINHA SAGA

por Fabio Barbiero

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Capa Janiel Escuerta

Aos meus amores…


CAPÍTULO UNO
Prólogo

PRÓLOGO

Província de Pistóia, 24 de dezembro de 2007 –


10:38 da manhã

Saio de casa rumo ao comune1. Faz frio.


Provavelmente está uns 2 graus e um vento gelado
pra piorar. Meu coração parece que vai saltar pela
boca, afinal de contas estou indo perguntar se
meus documentos foram transcritos e se já posso
ser considerado “cidadão italiano” de verdade…

Faltam dois quarteirões pra chegar na sede do


comune. Daqui já consigo ver a torre da igreja a
direita e a esquerda vejo o hospital. Quanto mais
próximo, mais a ansiedade aumenta. Afinal são 6
meses e 11 dias desde que desembarquei em
Milano no dia 13 de junho, num calor quase
insuportável.

1 *Comune significa sede da prefeitura na Italia


Depois de várias barreiras, diversos obstáculos,
perseguições pessoais (sim, elas existiram) e outras
tantas dificuldades passadas tudo parece um
sonho. Quantas noites sem dormir, quantas
lágrimas caídas por causa da saudade dos meus
amores. E agora eu estou aqui, provavelmente a
dois quarteirões do fim da Minha Saga

Minhas mãos estão congelando. Cáspita,


porque não trouxe as luvas? Passo pelo prédio dos
correios e já consigo ver o prédio do comune. Meu
coração parece que vai parar. O que vou falar?
Começo a treinar meu diálogo com o oficial: -
Ciao amigão, tudo bem? Você já transcreveu meus
documentos?

Não, muito direto, pensei. O cara pode me


mandar a quel paese. Melhor falar diferente: - Ciao
oficial, bom dia! Olha só, você podia me dar uma
cópia do meu certificado de matrimônio pra que
eu possa enviar para a minha esposa no Brasil?
Péssimo texto, também não vai colar.

Quer saber? Vou entregar pra Deus, quando eu


chegar lá eu abro a boca e vamos ver o que
acontece…

Nossa, sem perceber já cheguei. Tô parado que


nem um idiota na frente da porta. Faço o sinal da
cruz e peço a Deus que me acompanhe. Abro a
porta e engulo meu coração que insiste em querer
saltar pela boca.
O setor de cuida dos processos de
reconhecimento de cidadania fica no fundo de um
longo corredor. Enquanto o atravesso, assisto o
filme da Minha Saga. Diversos momentos vem à
minha cabeça, alguns tristes, mas a maioria felizes.
Me recordo das pessoas que conheci aqui, dos
amigos que deixei no Brasil e dos milhares de
amigos virtuais que fiz através do blog e das
comunidades. A cada passo que dou me lembro
das palavras de carinho e de apoio destes tantos
amigos. Quando finalmente chego à porta, parece
que cresci pelo menos uns vinte centímetros!

Mal entro na sala, o oficial me vê e logo me


cumprimenta: - Ciao Fabio, que bom que você
veio, estava pra te ligar. Seus documentos estão
todos transcritos, porem tenho uma dúvida aqui no
nome da sua esposa. Confirme pra mim: é Ednea
mesmo?

Devo ter balbuciado alguma coisa que depois


de todos estes anos ainda não consigo me lembrar,
tenho apenas alguns fragmentos de imagens: ele
agradecendo a minha resposta, depois digitando
algo no computador e depois falando que a
certidão de casamento também estava transcrita.

Eu ainda estava em estado de choque, e ele


deve ter percebido. Virou pra mim e disse: - Escuta,
você pretende trazer sua mulher e suas filhas
quando? Respondi que não em um futuro muito
breve, pois a partir de então eu teria que conseguir
um emprego, me estabelecer financeiramente e só
então trazê-las.

Me entregou os documentos transcritos e me


sugeriu ir ao Brasil buscá-las, assim elas não teriam
problemas na imigração. E me lembrou também de
posteriormente apresentar as certidões de
nascimento das meninas, devidamente traduzidas
e legalizadas pelo consulado, para que ele as
transcrevesse também.

Depois de todas estas recomendações, saindo


do estado abobalhado que eu me encontrava, virei
a ele e perguntei, ainda zonzo: - Ô moço, quer
dizer então que eu já posso ir lá lo setor anagrafe
solicitar a minha carta d’identità como cidadão
italiano?

- Não só pode como deve! Você tem que


solicitar o seu documento de identificação como
cidadão italiano. E não esqueça também de ir a
questura solicitar o seu passaporte.

Depois dos afagos e da enorme vontade de dar


um beijo na sua bochecha, sai da sala e fui –
tremendo dos pés a cabeça, obviamente – fazer a
minha identidade italiana. Como eu não tinha mais
fotos, tive que sair correndo para tirar outras na
máquina automática da estação de trem.

Saio do comune e dou de cara com o pessoal


que morava comigo na casa: a Paula, o José e a
Marcelle num mar de flashes e perguntas sobre o
meu processo. Depois de explicar o que tinha
acontecido, fiz todos eles correrem comigo rumo a
máquina para tirar então aquelas que seriam as
fotos do meu tão desejado documento italiano.

Fiz as benditas fotos e retornei ao comune.


Olhei no celular: 12:12. Entreguei as fotos a oficial
encarregada e enquanto ela preenchia os papéis,
aproveitei para perguntar se o José poderia tirar
uma foto minha assinando os documentos. Ela me
olhou com uma cara de interrogação, mas
consentiu.

Assinei as folhas, ela recortou as fotos, colou


aqui, ali, acolá, grampeou um bocado de papéis,
carimbou assinou e PIMBA! Me entregou a tal
sonhada carta d’identità italiana, aquela mesma
que eu aguardei com tanto esforço durante 6
meses e 11 dias e que finalmente pude ler, entre
lágrimas, a parte onde constava “cidadão italiano”
e a data da sua emissão: 24 de dezembro de 2007,
véspera de Natal.

                                        

Pois é queridos leitores, foi mais ou menos


assim que eu contei ao mundo através do meu
blog como me tornei cidadão italiano
reconhecido, às vésperas do natal de 2007 e em
pleno inverno europeu.
Desde aquele fatídico dia, que fez minha vida
virar literalmente de ponta cabeça, muitas outras
coisas aconteceram. E hoje, finalmente eu tenho a
honra e o orgulho de apresentar a todos vocês o
livro da Minha Saga.

E s p e r o q u e g o s t e m , s e d iv i r t a m e s e
emocionem, boa leitura!
CAPÍTULO DUE
Um pouco de história

O INÍCIO

Nasci em 1976 na capital de São Paulo, e fui o


primeiro de uma série de filhos que ainda estariam
por vir. Não tanto da parte da minha mãe, que
teria apenas outros dois, mas principalmente por
causa do meu pai, que além destes dois filhos com
minha mãe, ainda seria fértil suficiente para ter
outros quatro. Conhecidos.

Tive muita sorte em crescer dentro de uma


família tradicional italiana - ainda que meu
ascendente italiano era o meu trisnonno por parte
de avô e bisnonno por parte da minha avó - meus
avós foram extremamente importantes, pois
conseguiram transmitir aos filhos e netos grande
parte da cultura italiana. Hoje percebo que tudo
isso foi feito de forma completamente casual, não
houve da parte deles uma ideia concreta ou
organizada de transmissão dos valores e da vida
italiana.
É impressionante perceber o quanto a cultura
italiana influenciou não apenas a minha vida, mas
também a vida de milhões de pessoas ao redor do
mundo.

Na vitrola da casa da vó era comum encontrar


no meio de discos do Tonico e Tinoco, Dilermando
Reis, Chitãozinho e Xororó, João Branco e
Xavantinho, discos de cantores italianos famosos,
como Sergio Endrigo, Rita Pavone, Pepino di Capri
e Gianni Morandi.

E foi assim que cresci: ora ouvindo Moreninha


Linda, ora escutando C’era un ragazzo che come
me, amava i Beatles e i Rolling Stones. Tristeza do
Jeca num dia e Nel blu dipinto di blu no outro.

Porém mesmo com tanta Italia presente em


nossa família, o conceito de cidadania italiana ou
até mesmo a ideia de viajar a Italia parecia um
mito, algo intangível, diria até inimaginável.

Muitas vezes quando estávamos reunidos ao


redor da mesa de jantar e alguém perguntava sobre
o nonno Giordano a resposta era sempre a mesma:
-Xiiiii fio, ninguém sabe direito deonde o italiano
veio. Sua tia-avó diz que ele era de Padua, mas
ninguém nunca procurou saber melhor não...

O "STALO"
Um belo dia, cansado das lendas em torno da
história da nossa família, resolvi pesquisar de
forma mais ordenada. Me lembro que naquela
época, o Orkut estava se tornando muito forte no
Brasil com milhões de inscritos. E não demorou
muito para que fossem criadas ali comunidades
tendo como assunto principal a cidadania italiana.

E foi navegando na rede que encontrei uma


comunidade chamada Família Barbiero. Ali
encontrei a seguinte mensagem:

Olá Fábio, vi que você está procurando


informações do seu trisnonno, que
coincidentemente é o meu bisnonno. Ele se
chamava Giordano Barbiero, nasceu em uma
pequena cidade próxima a Padova chamada Lozzo
Atestino e foi batizado na igreja de lá.

Abraços Jean Barbieri

Vejam que nesta singela mensagem de um


primo distante constavam todas as informações
que eu procurava: Giordano (Jordão) Barbiero,
filho de Cipriano Barbiero, natural de Lozzo
Atestino, Padova. Mandei um email ao Arquivo de
Estado de Padova e em poucas semanas eles me
enviaram pelo correio algumas informações sobre
a vida militar do meu antenato, assim como a data
correta do seu nascimento e ainda outras
informações super bacanas, que conservo até hoje
na minha pastinha do coração.
Naquele momento fui tomado por um frio na
barriga que me acompanharia por muitos anos. Era
a primeira vez que eu estava tendo contato com
algo que tinha vindo diretamente da Italia. O
envelope, o selo italiano, as folhas escritas naquela
língua maravilhosa, a assinatura do responsável
pelo Arquivo, o cheiro do papel… Tudo isso me fez
pensar que a Italia, aquela dos meus sonhos, das
músicas da casa da vó, dos programas de
auditório, existia de verdade! E ficava logo ali, a
apenas um oceano de distância.

Aquele episódio foi o despertar do meu desejo


de conhecer a 'terra do meu nonno italiano'.

Estávamos no final de 2006 e super empolgado


com a descoberta, comecei a perceber que as
coisas não eram tão fáceis. Existia muita
informação na rede, porém bastava pouco para
perceber que a maioria destas informações eram
jogadas ao acaso, muitas vezes por pessoas que
sequer tinham a cidadania italiana e simplesmente
opinavam ou davam pitacos sobre qualquer coisa.
Não foram poucas as vezes que me peguei lendo
informações sobre o mesmo assunto com respostas
completamente diferentes, muitas destas vezes até
contraditórias: enquanto uma resposta dizia que
sim, outra dizia que não.

Vendo essa bagunça toda e já imaginando que


por causa disso muitos poderiam vir a Italia e
literalmente quebrar a cara com informações
erradas (incluindo eu), resolvi começar a anotar
tudo aquilo que eu ia descobrindo e realizando, e
foi assim que no final daquele ano de 2006 ia ao
ar o meu blog, carinhosamente apelidado de
Minha Saga. Curioso que mesmo sem saber o que
eu ainda iria passar na Italia, o nome não seria
mais apropriado, quase uma premonição do que
estava por vir.

A IDEIA DE VIR A ITALIA

- Alô, pai, tá me ouvindo? Sou eu, Fabio! Então,


tô te ligando para te dar uma ótima noticia: estou
indo no consulado americano tirar o visto e em
poucos meses pretendo 'emigrar' pros States e ir
morar com o senhor.

No outro lado da linha: - O quê? Como assim?


E o seu trabalho?

- Pois é, a vida aqui no Brasil está difícil, a


minha empresa quebrou e portanto nada mais me
prende por aqui. Conversei com a minha esposa e
resolvemos, juntos, que eu vou tentar a vida ai, da
mesma forma que o senhor fez!

- Você está louco! Eu ainda estou ilegal aqui,


você não tem ideia da vida que levamos e eu não
quero isso pra filho nenhum. Vá pra Miami, New
York ou qualquer outra parte dos States; se vier a
Boston juro que chamo a policia e te denuncio.
Não tem parente lá na Italia? Não tem direito a tal
cidadania italiana ou sei-la-o-quê? Então vá pra lá,
que é melhor. Na Europa não tem crise e você vai
ter a oportunidade de permanecer legalmente. Se
precisar de um suporte, o papai te ajuda com uns
duzentos dólares...

Quando me perguntam o que me fez escolher


vir à Italia, as pessoas imaginam que eu vou
declamar versos de Dante Alighieri sobre o motivo
desta escolha ou ainda vou contar uma história
super bonitinha. Na verdade, como vocês puderam
acompanhar a conversa com o meu pai, que mora
nos Estados Unidos há mais de vinte anos, não foi
bem uma escolha: foi a única opção que me
restou...

Depois deste diálogo pouco inspirador,


comecei a pensar na ideia de vir à Italia; só que
uma coisa era ir a um país onde eu moraria com
meu pai, que me ajudaria com a língua, com a
procura de um trabalho e demais mazelas; outra
coisa era ir a um país onde eu não conhecia
ninguém, não falava a língua, não sabia
absolutamente nada além de ter tido um
ascendente que nascera ali.

Comecei então a pesquisar tudo sobre o


assunto e a me preparar para a empreitada.
Comprei meu primeiro livro para aprender a língua
italiana, assinei o canal RAI, comecei a ouvir a
Rádio Italia na internet, mudei a língua dos meus
aplicativos e do meu computador e praticamente
não saia das livrarias e sebos a procura de
materiais complementares sobre a língua italiana.
Aliás, frequentar livrarias que vendem livros usados
foi uma grande sacada, pois nestes lugares
encontrei muita coisa boa a preços baixíssimos.

Num belo dia, folheando a sessão turismo do


jornal Folha de São Paulo,, encontrei um anúncio
de voos com promoções realmente atraentes. Me
lembro que era um anúncio pequeno, bastante
colorido e que continha vários destinos a preços
vantajosos. Liguei para o número de telefone que
constava no anúncio, marquei um dia para ir até a
loja e, junto com minha mãe que me ajudou
imensamente naquela época, comprei a passagem
para a Italia.

Claro que depois de quebrar uma empresa, e


pobre de marré-marré, escolhi aquela que custava
mais barato, pela companhia espanhola Ibéria.
Meu voo sairia de São Paulo no dia 7 de fevereiro
de 2007 às 17:35 e portanto eu tinha apenas
algumas semanas para me preparar. Finalmente a
ideia de conhecer a Italia e realizar o meu
processo de cidadania tomava forma. E eis que o
frio na barriga estava lá, presente mais uma vez…
CAPÍTULO TRE
A primeira viagem

A PRIMEIRA VIAGEM

É impressionante como o tempo voa quando


nos preparamos para uma viagem internacional.
Não sei se foi apenas comigo, mas a impressão
que eu tenho é que quando menos percebemos, já
estamos a caminho do aeroporto!

Uma semana antes da minha viagem, comprei


uma mochila grande, dessas que o povo
mochileiro utiliza para desbravar o mundo! A
propósito de mochilas, um site que ajudou muito
na minha programação foi o mochileiros.com, foi
através dos fóruns deles que eu tive a ideia de levar
tudo literalmente nas costas. Foi lá também que
descobri os poderes mágicos da pomada
Minâncora, que seria minha companheira
inseparável durante aquela viagem.

Claro que por ser a minha primeira viagem


internacional, muitos micos foram cometidos!
Começando pela ideia estúpida que eu li em uma
das comunidades orkutianas de que jamais
deveríamos vir à Europa no período do inverno
com calças jeans, pois estas poderia quebrar por
causa do frio. Juro por Deus que eu li isso e pior:
acreditei! Comprei quatro calças estilo cargo,
aquelas cheias de bolsos, de cor cáqui-presidiário.
Pois é, a escolha não poderia ter sido pior, pois
aquele paninho salafrário no frio europeu não
combina, acreditem…

Desembarquei em Madrid no dia 8 de fevereiro


de 2007 às 06:10 da manhã, depois de um voo
bastante tranquilo - tão tranquilo que eu
praticamente nem me lembro dos detalhes.
Quando dei por mim já estava desembarcando no
aeroporto de Barajas e isso eu me lembro bem,
pois fiquei embasbacado com o tamanho absurdo
daquele aeroporto.

Entrei na fila da imigração, e mais uma vez me


lembrei de alguns relatos das comunidades, onde
diziam que ao vir realizar a prática de
reconhecimento jamais deveríamos dizer a
verdade, mas sim que estávamos vindo a turismo.
Chegando no balcão de imigração, diante da já
esperada pergunta, respondi de forma
completamente natural e nada ensaiada que o
motivo da minha viagem era única e
exclusivamente turismo.

Diante da minha resposta, o oficial então


indagou quanto dinheiro eu tinha, onde eu iria
ficar hospedado e pediu também para ver a
passagem de retorno. Depois de ver tudo,
carimbou meu passaporte, me desejou uma boa
estadia e lá fui eu procurar o portão de embarque
para o segundo e último trajeto da minha viagem,
rumo a Milano.

O TERROR DA IMIGRAÇÃO EM MILANO

Faltava menos de uma hora para o meio-dia


quando já saindo do aeroporto de Malpensa,
resolvi perguntar a um guarda como eu deveria
fazer para comprar o bilhete que me levaria até a
estação central de trem. Mal abri a boca, ele já foi
pedindo meu passaporte. Ao ver que eu era
brasileiro, pediu que o acompanhasse até uma
pequena sala, minuciosamente camuflada entre as
paredes do aeroporto. E foi lá que começou o
interrogatório:

- De onde você vem?


- De Madrid, senhor.
- Digo, de qual país você saiu, meu filho.
- Ah, do Brasil.
- E o que você veio fazer aqui?
- Turismo (maldita rede social).

Ao mesmo tempo que ele fazia as perguntas, ia


abrindo a minha mochila e começando a tirar tudo
de dentro dela. Foi cueca pra um lado, meia pra
outro, pomada Minâncora pra lá, barrinhas de
cereal pra cá, até que ele encontrou o que eu
chamava de ‘pastinha da felicidade’. Bom, aqui
cabe uma explicação rápida:

Nesta primeira viagem eu não tinha a menor


ideia de onde eu faria o meu processo de
cidadania. Isso mesmo, como cantava Renato
Russo: vamos celebrar a estupidez humana!

Eu havia pesquisado alguns relatos de pessoas


pela internet e de acordo com as respostas a
famosa frase “qual o melhor comune para dar
entrada na cidadania italiana”, fui criando
pequenas pastas, com o nome da cidade na capa e
dentro dela algumas informações que eu julgava
úteis, como por exemplo o endereço do comune,
da questura, do correio, quantidade de habitantes,
etc.

E no final destas pastas, eu tinha separado a


mais importante de todas, onde havia escrito na
língua italiana e em letras garrafais:
RICONOSCIMENTO DELLA CITTADINANZA
ITALIANA.

Agora imaginem o meu desespero: a cada


cueca que saia da minha mochila, mais perto desta
pasta o guarda chegava, e na minha cabeça
praticamente ouvia as vozes orkutianas que
gritavam: - Jamais diga que está vindo fazer o seu
processo de cidadania, pois eles te mandarão
embora. Os italianos são racistas, preconceituosos
e acham que quem vem aqui pra isso é para roubar
os empregos deles. Juro que em um determinado
momento pensei que era melhor que ele
encontrasse uns papelotes de cocaína do que meus
documentos para a prática de reconhecimento, os
danos seriam menores.

A primeira pasta que ele achou foi a de


Bologna. Me perguntou do que se tratava e
respondi que era uma das cidades que eu gostaria
de conhecer, em minha viagem de turismo. Depois
foi Lucca, Rimini, Padova e até então tudo
absolutamente dentro de um roteiro turístico, não
fosse pela última e temida pasta…

- E isso, o que é?
- Oi?
- O que esses documentos chamados
cittadinanza italiana estão fazendo aqui?

Já me preparando para ser deportado de volta


ao Brasil e quase arrependido de não ter drogas na
minha bagagem, lhe disse que o motivo principal
da minha viagem era turismo, mas que uma das
cidades que eu conheceria era a cidade onde meu
antenato italiano tinha nascido, pois eu precisava
pegar com o padre o documento de nascimento
dele. E que, dependendo da receptividade das
pessoas daquela cidade, eu gostaria de morar lá
por um tempo e junto com isso solicitaria o
reconhecimento da minha cidadania por lá - o que
sinceramente não era mentira.
De todas as reações que eu poderia esperar,
veio a menos usual: - Peraí, você tem origem
italiana? Dá aqui o seu passaporte novamente.
Porca miséria, seu sobrenome é Barbiero, por que
você não me disse isso antes?

Eu abobalhado, não consegui sequer balbuciar


nada (sim, meu mutismo em situações extremas
estava se tornando um padrão) e ele então ficou
tão chateado, tão constrangido que começou
imediatamente a pedir desculpas pela bagunça!

Me explicou que durante aquele período,


muitos brasileiros estavam sendo presos por entrar
no país com drogas e quando percebeu o meu
sotaque tupiniquim não teve dúvidas de que podia
se tratar do mesmo problema, me levando então
para o interrogatório. Depois desta justificativa,
olhou para a mesa repleta de cuecas, meias e
b a r r i n h a s d e c e r e a l e fi c o u a i n d a m a i s
constrangido. Mas em nenhum momento me
ajudou a arrumar nada.

Naquele momento senti na pele o dano que


informações jogadas em redes sociais por pessoas
que não tem nenhuma responsabilidade pode
causar. E foi naquele mesmo instante que, ainda
xingando mentalmente um monte de gente que se
considerava especialista em cidadania em rede
social, decidi que o blog teria que servir para algo
maior do que apenas contar a minha história. Ele
deveria ser o retrato fiel do que eu encontraria na
Italia, destruindo qualquer mito ou informação
errada que aparecesse na internet e ao mesmo
tempo corroborando com as informações corretas.
Jurei que se dependesse de mim, ninguém mais
teria que recolher meias e cuecas na sala de
imigração de um aeroporto novamente. Porque se
tem algo que ninguém merece, é ficar na dúvida se
entre uma cueca e outra, vai acabar aparecendo
algum furo ou buraco em uma delas.

O BAQUE DA CHEGADA NA ESTAÇÃO CENTRAL

São tantos os preparativos de uma viagem que


muitas vezes não nos preparamos para o que fazer
quando efetivamente chegarmos ao nosso destino.
E foi exatamente isso que aconteceu comigo ao
desembarcar na estação central de Milano. Olhei
para o lado, olhei para o outro e... entrei em
pânico!

Porca miséria, e agora? O que eu vou fazer? Pra


onde tenho que ir? Me lembro exatamente do frio
na barriga que eu senti naquele momento, seguido
de uma vontade imensa de chorar. Foi tudo muito
estranho, pois eu tinha calculado toda a minha
viagem, sabia quais os passos que eu deveria dar,
onde eu deveria ir, o que eu deveria fazer, porém
naquele momento - quando a adrenalina das
últimas semanas de preparativos tinha finalmente
terminado - eu "cai na real”, exatamente depois de
desembarcar pela primeira vez na Europa, logo ali,
em frente a Estação Central di Milano.
Após o susto inicial, me recompus, peguei o
mapinha que eu tinha feito para chegar até o
albergue da juventude Piero Rotta, coloquei a
mochila nas costas e comecei a caminhar. Apenas
poucos metros adiante, do meu lado aparece um
rapaz em cima de uma motoquinha, perguntando
seu eu era turista. Balancei a cabeça
afirmativamente e ele então perguntou se eu
precisava de um celular novo.

Antes mesmo que eu pudesse responder, ele já


tirou do bolso um Nokia N70 - que naquela época
era o top dos celulares - e disse que me venderia
por 300 euros. Respondi que eu era pobre e que
não tinha este dinheiro.

- Quanto você quer pagar por ele? me


perguntou. Para acabar com a conversa disse que
eu pagaria no máximo cem euros... - Nããããão,
cem euros é muito pouco, estamos falando de um
N70!!! Oxênte, eu sequer queria comprar algo do
cara, e ele ali falando como se estivéssemos no
balcão de uma loja negociando.

Resmunguei e eis que ele começa a baixar o


preço: 200 euros. Não. 150? Não, obrigado. Tá
bom, eu faço por 100 e ainda te dou uma capinha
grátis. Saí correndo em direção ao metrô e desci as
escadas rapidamente, pensando: - Até parece que
vou comprar alguma coisa roubada! Quando a
esmola é muita o santo desconfia. Pior que o
celular era lindo!
Como era minha primeira viagem internacional,
não entendia muito bem como as coisas
funcionavam, como por exemplo ter que reservar
uma vaga em um hotel ou albergue. Então
imaginem a minha cara quando recebi a singela
informação do rapaz do albergue que todas as
vagas estavam ocupadas! Cosa? Como assim? Não
tem nenhuma sobrando? Não, não tinha!

Quer dizer, não tinha vagas que cabiam no meu


bolso, que eram aquelas em quartos
compartilhados e que custavam menos de 20
euros. Eles tinham apenas valores acima de 50
euros por noite, e isso estava completamente fora
de cogitação. Mudança de planos: ao invés de
ficar em Milano neste primeiro dia, voltei para a
estação central e comprei um bilhete para Padova,
até porque ainda teria que enfrentar o padre para
conseguir o documento de batismo do meu
antenato italiano. Pois como se não bastasse não
saber onde eu ia realizar o meu processo, eu
também não tinha em mãos o principal e mais
importante documento do meu processo.

Parabéns Fabio, que belo exemplo!

O DOCUMENTO ITALIANO E O PADRE

Lozzo Atestino é uma minúscula cidade


encravada nas montanhas ao redor da cidade de
Padova. Atualmente tem cerca de 3.000 habitantes,
portanto não é difícil imaginar quantos haviam na
época em que meu trisnonno resolveu levantar
acampamento e ir junto com sua esposa ao Brasil.

Desde o dia que descobri que ele tinha nascido


ali, vinha tentando entrar em contato com o o
padre para obter o documento. Na verdade o
primeiro contato foi com o comune de Lozzo, que
me respondeu gentilmente que os registros civis
naquela região iniciaram no ano de 1871 e visto
que ele nasceu em 1862 eu deveria solicitar ao
padre da (única) igreja de lá.

Tenho certeza que muitos passaram pela


mesma experiência que eu: ligar pra Italia e tentar
falar italiano. Não é nada fácil, primeiro porque
geralmente não falamos a língua e também tem o
problema da própria comunicação telefônica,
quando você não está vendo a pessoa! No meu
caso, eu tinha decorado algumas frases, só que
obviamente o padre não seguiu o meu roteiro, o
que me obrigava a sempre entrar em pânico e
desligar o telefone na cara dele.

Depois de muitos telefonemas e algumas


centenas de reais gastos, tive a brilhante idéia de
deixar para pegar o documento quando estivesse
aqui, pois na minha cabeça eu tinha certeza que
conseguiria me comunicar com o dito cujo padre
pessoalmente.
A viagem de Milano a Padova durou mais do
que eu imaginava: foram cerca de sete horas,
trocando de trem em Bologna. Na verdade o meu
destino final não era Padova, mas sim uma cidade
vizinha chamada Este, com outra troca de trem na
cidade de Monselice. Cheguei em Este às 6 da
manhã e tive que aguardar um ônibus para Lozzo,
pois pequena como é, sequer dispõe de uma
estação ferroviária.

O ônibus me deixou na praça central da


cidade. Ali se concentram todos os serviços que a
população precisa: comune, correio, bar, alguns
poucos negócios e a policia municipal. Entrei no
comune e perguntei onde era a igreja da cidade -
bastava percorrer a rua que ficava a direita do
prédio e caminhar por cerca de trezentos metros.
Enquanto percorria aquele pequeno trajeto,
imaginava como teria sido a vida do meu antenato
ali: com certeza ele teria caminhado naquela
mesma rua, provavelmente teria tomado café
naquele mesmo bar, talvez até morado numa
daquelas casas por onde eu estava passando
naquele momento. "Quem sabe se o padre for
bonzinho, procurará e encontrará algum
documento que conste o endereço em que ele
viveu", imaginei.

Cheguei na frente da igreja e um baque: ela


estava fechada!!! Putz grilo, por essa não esperava!
Olhei pra um lado, olhei pro outro e vi que existia
um parque próximo a igreja, com algumas freiras
que tomavam conta de meia-dúzia de crianças.
Perguntei a uma delas qual o horário que a igreja
abriria, e para o meu completo desespero fiquei
sabendo que somente aos finais de semana era
possível encontrá-la aberta.

Eu devo ter feito uma cara de choro tão grande,


que uma das freiras se aproximou e praticamente
cochichou no meu ouvido: - Dê a volta na igreja, e
do lado direito dela você encontrará uma porta
vermelha. O padre mora ali, mas não diga a
ninguém que fui eu quem te contou isso, ok?

Agradeci e lá fui eu. Toc, toc, toc. Abre a porta


um senhor com cara de poucos amigos e eu mais
do que depressa me apresento:

- Ciao padre, eu sou o Fabio Barbiero que ligou


pro senhor lá do Brasil, estou aqui para pegar a
certidão de batismo do meu nonno Giordano
Barbiero!

A reação dele foi exatamente a seguinte:

- Ah, então é você que me ligava e sempre


desligava o telefone na minha cara? Eu já mandei
este documento lá para o Brasil, você não recebeu?
- Não senhor, acredito que deve ter extraviado,
pois nunca o recebi.

Depois de uma longa bufada, ele me mandou


entrar e esquecendo daquilo que tinha acabado de
me dizer, perguntou: - Você tem certeza que o seu
antenato nasceu e foi batizado aqui? Pois não
posso perder tempo procurando documentos...

- Sim, eu tenho sim senhor (ué, ele não havia já


enviado o documento ao Brasil?). Foi então que
percebi que ele jamais tinha procurado ou sequer
tomado qualquer iniciativa em relação ao
documento do meu antenato. E aquele mesmo
medo que eu senti ao desembarcar na estação em
Milano voltou com força total: eu estava diante da
pessoa que poderia mudar o meu destino, para o
bem ou para o mal. Pois sem aquele documento
todos os meus sonhos iriam por água abaixo!

Comecei em silêncio a rezar e a pedir a Deus e


a Nossa Senhora que tocassem no coração dele e
fizesse com que ele achasse e me entregasse o
documento. De repente, me dou conta que estou
com as mãos no bolso e com a mão direita toco
um objeto que eu tinha esquecido completamente
que tinha trazido comigo à Italia…

Poucos anos antes, quando eu era diretor de


uma grande empresa no Brasil, trabalhava conosco
um rapaz com pouco mais de 18 anos, católico
fervoroso e de uma grandeza de espírito e caráter
sem igual. Infelizmente, por questões familiares ele
teve que se mudar para Fortaleza, e ao se despedir
de mim, com lágrimas nos olhos (de ambos) me
deu um broche de Nossa Senhora de Fátima, que
ele usara desde que tinha terminado a sua primeira
comunhão. E aquele broche estava ali comigo,
dentro do bolso direito da minha calça sendo
apertado com força, num silêncio beirando o
insuportável enquanto aquele senhor com cara de
poucos amigos folheava um livro antigo que eu
rezava pra todos os anjos que fosse o mesmo onde
estava o registro de batismo do meu antenato
italiano.

Depois de resmungar por alguns minutos, que


pra mim pareceram horas, eis que ele pára em uma
determinada folha e me pergunta: o nome dele era
Giordano, filho de Cipriano? Confirmei com a
cabeça, ele me olhou e disse: - Ok, o que você
quer que eu faça agora? Respondi que eu precisava
que ele emitisse o certificado de batismo com o
nome dos pais. Ele abriu uma gaveta, pegou um
folha modelo, preencheu, assinou e me entregou o
bendito documento.

Com um misto de felicidade e desespero, com a


voz que quase não queria sair de medo e
vergonha, balbuciei entre os lábios que eu
precisava também da certidão de casamento, tendo
que suportar mais uma saraivada de reclamações e
xingamentos que ecoavam pelas paredes da igreja.

- Em que ano eles se casaram?


- Essa informação eu não sei, padre.
- Porca miséria, assim fica difícil! Como é que
eu vou encontrar este documento agora?

Eu devo ter feito uma cara de cachorro


sarnento, faminto e sem dono, pois ele
simplesmente virou as costas, sem falar nada,
retornando poucos minutos depois com vários
livros nas mãos: - Vamos começar a procurar a
partir do ano que ele teria completado dezoito
anos...

Cada página virada era um aperto no coração.


Ele percorria aquelas páginas amareladas de cima
até o final, quando de repente parou, olhou pra
mim e disse: - Hoje é realmente o seu dia de sorte,
o nome da esposa dele era Regina Miola?

- Sim, padre lindo, era sim!

E finalmente sai de lá com o certificado de


batismo e a certidão de casamento do meu
antenato italiano - o último documento que faltava
para que eu pudesse ter a minha cidadania
reconhecida. Quando eu já estava de saída, tirei
do bolso meu broche e com lágrimas nos olhos
entreguei a ele dizendo: - Padre, este broche
representa muito pra mim, pois me foi dado de
presente há muito tempo atrás por uma pessoa
maravilhosa, e eu gostaria que o senhor ficasse
com ele.

Ele então se negou, dizendo que não poderia


aceitá-lo, que não era justo, coisa e tal. Eu então
segurei as suas duas mãos, coloquei o broche entre
elas e lhe respondi que aquilo que ele acabara de
fazer por mim era o início de uma nova vida, que
através do simples gesto em emitir aquele
documento, ele estava abrindo as portas para que
eu pudesse ter a minha cidadania italiana
reconhecida e isso representava uma vida melhor
não só pra mim mas também para as minhas filhas.

Percebi que ele se comoveu, me abraçou, me


abençoou e me desejou boa sorte.

Anos depois, quando já estava com a Luciana,


minha atual companheira e já cidadão italiano
reconhecido, fomos juntos a Lozzo pois eu queria
mostrar a ela a cidade do meu antenato, e
felizmente encontramos a igreja com as portas
abertas. Entramos e percebi que haviam algumas
pessoas preparando-a para algum tipo de festa ou
feriado religioso, com parte das luzes apagadas.

Uma das figuras me pareceu familiar e não


demorou muito para perceber que era o mesmo
padre, que retribuiu o mesmo sentimento. Quando
perguntei se ele me reconhecia, ele não só
confirmou, mas também fez um gesto maravilhoso:
pediu que acendessem as luzes da igreja, para que
eu pudesse finalmente conhecer o local onde meu
antenato foi batizado, coisa quase impossível com
a quantidade de lágrimas nos olhos e a sensação
incrível em saber que naquele local, entre aqueles
bancos, perante aquelas imagens, minha família
italiana esteve ali.

Sem dúvidas aquele foi um dos dias mais


especiais de toda a minha trajetória aqui na Italia.

A DESILUSÃO COM AS MUDANÇAS E A


DECISÃO DE RETORNAR
Depois de conseguir os documentos do meu
antenato, o passo seguinte foi colocar em prática o
plano ‘cidadania italiana’. Visto que eu já estava na
cidade de Lozzo, retornei novamente ao comune,
e mostrando os documentos a oficial, perguntei a
ela como eu poderia fazer para realizar o meu
processo de reconhecimento na mesma cidade da
minha família.

Ela me explicou que eu deveria alugar um


imóvel e posteriormente solicitar o
reconhecimento, porém tinha acabado de saber
que o governo italiano tinha feito algumas
mudanças e que as coisas estavam complicadas.

Quem não acompanha o assunto 'cidadania


italiana' há muito tempo, talvez não saiba que
2007 foi um ano complicado pra quem veio a
Italia para realizar o processo de reconhecimento.
Naquele ano várias mudanças aconteceram em
relação a modalidade de ingresso na Italia: o mais
importante foi a introdução do pedido de visto
diretamente nos correios e não mais na questura -
e eu cheguei bem no meio desta bagunça!

Alguns meses antes da minha chegada, a coisa


funciona da seguinte maneira: o requerente
chegava na Italia, comprava um seguro saúde no
correio, pagava uma pequena taxa de cerca de 15
euros, tirava algumas fotos nas máquinas
automáticas, madrugava na fila da delegacia de
polícia e depois de ser atendido já saía de lá com o
visto em mãos, pronto para dar entrada na
residência e consequentemente no pedido de
cidadania.

Com as mudanças, este procedimento não


existia mais. A partir de então o requerente deveria
ir a uma agência dos correios, preencher um
envelope específico, anexar uma fotocópia de
todas as páginas do seu passaporte e neste mesmo
envelope era necessário inserir também um
documento emitido pela prefeitura italiana
comprovando que o pedido de reconhecimento já
havia sido iniciado.

Vejam a contradição disso: para apresentar o


pedido no comune era obrigatório ter o visto em
mãos; e para ter o visto em mãos era necessário ter
dado entrada na prefeitura. Fácil, não?

Diante daquela bagunça generalizada, qualquer


pessoa normal jamais escolheria aquele momento
para vir a Italia. Eu por outro lado, resolvi fazer jus
às inúmeras vezes que minha família e meus
amigos me chamaram de teimoso, e lá estava eu,
com o documento do meu antenato em mãos, é
verdade - porém sem o visto necessário para poder
iniciar o meu processo.

Depois do fracasso de tentar dar entrada em


Lozzo, pensei que seria uma boa ideia ir
diretamente a uma cidade grande, acreditando as
pessoas seriam mais maleáveis e tudo seria fácil.
Decidi então ir para a capital Padova. Chegando lá
a primeira coisa que o oficial fez foi sugerir que eu
fosse conversar com o pessoal na delegacia.
Chegando na delegacia, fui informado que o que
eu precisava não era mais com eles, e me
sugeriram a conversar novamente com a
prefeitura…

Bastaram dois dias para eu perceber que não


conseguiria fazer absolutamente nada até que
resolvessem arrumar aquela confusão. Resolvi ligar
para a minha esposa na época, contei a ela sobre a
situação e pedi que tentasse remarcar a minha
passagem de volta ao Brasil o mais rápido possível.
Depois de algumas horas chegou a confirmação
por email da agência de viagens onde eu havia
comprado o bilhete: a data mais próxima
disponível era dali a 12 dias, portanto eu teria que
me virar por aqui durante aquele período,
literalmente.

OS 12 DIAS E OS 2 BANHOS

Como já citei anteriormente, poucas semanas


antes de embarcar para a Italia era já um
frequentador de carteirinha do site
mochileiros.com. Fuçando entre os tópicos,
encontrei um relato onde o autor recomendava a
utilização de trens noturnos ao invés de pagar
hotéis ou albergues. Segundo ele, em muitas
cidades na Europa você consegue encontrar trens
noturnos por valores mais baixos do que um quarto
de albergue, economizando uma boa grana.
Tão logo recebi a notícia dos 12 dias de espera,
coloquei esta ideia em prática: fui até a estação de
trem em Padova e lá verifiquei quais os trens
disponíveis e os respectivos valores. A maioria
deles custava entre 10 e 30 euros.

Dentre as diversas opções encontrei uma ótima


tarifa com destino a Roma e sem pensar duas vezes
fui conhecer a terra do Papa. Permaneci por lá um
dia e na noite seguinte mais um trem, desta vez
para Reggio Calabria, lá no finalzinho da bota.

Durante estes 12 dias conheci mais de dez


cidades diferentes de norte a sul da Italia, além de
descobrir várias dicas (que seriam conhecidas no
blog como “dicas de pobre") e dentre elas talvez a
mais importante: que a pomada Minâncora é
essencialmente um ótimo companheiro de
viagens!

Acompanhem comigo: tirou a meia e sentiu


aquele chulézinho? Passa Minâncora! Acabou o
antitranspirante? Minâncora nas axilas! O porta
dólar está assando sua barriga? Se problemas, uma
camadinha de Minâncora resolve!

Aquele período foi praticamente o mais


produtivo do blog, eu praticamente escrevia todos
os dias. Como não tinha computador ou mesmo
um celular decente, a técnica era escrever tudo
que acontecia num bloco de papéis que eu havia
trazido, e a cada lan-house que eu encontrava,
aproveitava para colocar as histórias no ar.

O roteiro das viagens foi o seguinte: de Padova


segui até Roma, de lá para Reggio Calabria, depois
fui pra Napoli, Perugia, Assisi, Roma novamente,
Firenze, Lucca, Pisa, Livorno, Mantova, Brescia,
Parma, Verona, Vicenza, Venezia, Padova outra vez
e de lá segui para Milano e então retornei ao
Brasil. Destas cidades todas, somente na primeira
passagem em Roma e em Mantova resolvi ter uma
noite decente num hotel, e consequentemente
aproveitei para tomar os meus dois banhos da
viagem.

Sim, foram dois banhos. E duas latinhas de


Minâncora.

A ÚLTIMA NOITE ANTES DO RETORNO -


PROPOSTA INDECENTE

Era pouco mais de uma da manhã quando fui


convidado a me retirar da estação de trem de
Padova - que só reabriria novamente às 04.30.
Logo no meu último dia na Italia e pra piorar
aquela era a noite mais fria que eu havia pego até
então, faziam míseros 3 graus.

Estávamos eu e mais uns sete estrangeiros na


frente da estação. Depois de mais de dez dias de
Italia e apenas com aqueles dois banhos tomados,
o porta dólar que eu tinha trazido tinha
praticamente se desintegrado. Por causa disso eu
tinha colocado meu suado dinheirinho dentro da
minha mochila, com todo o medo do mundo em
perder o meu suado (literalmente) dinheirinho.

Ficar uma noite inteira acordado sem fazer


nada é terrível, pois o tempo simplesmente não
passa. Ainda mais quando você está em um país
que não é aquele onde nasceu, com pessoas que
não falam a mesma língua que você. E como era a
minha primeira vinda a Europa, eu ainda tinha o
preconceito estúpido que muitos tem ao ver um
estrangeiro por estas bandas de cá.

Por isso quando eram aproximadamente três


horas da manhã ao ver se aproximar um rapaz
italiano me perguntando o que tinha acontecido eu
não tive medo ou hesitação. Pelo contrário,
confesso que cheguei até a ficar um pouco mais
tranquilo com a situação, afinal de contas eu
estava com um italiano do lado (e daí?). Expliquei
a ele que a estação estava fechada para limpeza e
que só reabriria dentro de algumas horas. Papo vai,
papo vem, ele me disse que era de Trento, no norte
da Italia e que estava retornando de Venezia, onde
tinha ido passar o carnaval.

Me perguntou de onde eu era, disse que


adorava o Brasil, pois sempre via reportagens sobre
o país, mostrando a alegria e a felicidade das
pessoas - papo normal de gringo. Perguntei sobre a
região trentina, como era viver por lá e ficamos
nessa conversa mole por alguns minutos, até que
sem mais nem menos o cara vira pra mim e
pergunta:

– E sexo?
Eu respondo: – Que tem?
Ele: – Não te faz falta?

Daí o retardado aqui, querendo ser o maior


falador da língua italiana do mundo, ao invés de
simplesmente responder NÃO, quis falar bonito e
ao tentar falar em italiano "non mi manca" - que
significa “não me faz falta” acabei esquecendo o
"non" no início da frase, que mudou
completamente o seu sentido dela.

Pois é, em sã consciência, às três hora da


madrugada em frente de uma estação ferroviária, a
um completo estranho eu disse que sexo me fazia
falta…

Com um misto de surpresa e alegria o rapaz


nem pensou duas vezes e em alto e bom som
soltou:

- MI PIACE RAGAZZI (Eu gosto de meninos)

Educadamente respondi que eu não gostava,


mas ele parecia não se importar, pois em seguida
me perguntou:

- É CARNEVALE, VUOI GIOCARE CON ME? (É


carnaval, quer brincar comigo?)
Saí de perto dele e fui indo em direção aos
estrangeiros, os mesmos que eu tinha ficado com
medo antes. E ele continuava:

- Voglio giocare con te! – Voglio giocare con te!


– Voglio giocare con te!

Aí eu dei um grito: BASTA!!! QUE CA**O DE


PAROLA È QUESTA??? ME PIACE RAGAZZO O
CA**O. VAI CAGARE. VAI PRA **** QUE TE *****
em bom português mesmo.

Finalmente percebendo que eu não queria


brincar, ele saiu de perto e me deixou em paz. Foi
então que comecei a conversar com os novos
amigos que eu tinha acabado de conhecer. Os
mesmos que anteriormente eu tinha tido medo de
me aproximar por pura ignorância, e que foram
extremamente gentis e educados comigo.

Não demorou muito pra estação reabrir,


comprei meu bilhete para Milano e de lá
finalmente embarquei de volta ao Brasil, fechando
assim o primeiro capítulo da minha saga na Italia e
melhor: sem brincar com ninguém!

A CHEGADA NO BRASIL

Existe um troço chamado "depressão pós


viagem" e eu juro que não fui eu quem inventou.
Conversei com várias pessoas que me contaram
terem sofrido do mesmo problema quando
retornaram ao pais de origem, e me explicaram
que o nome correto disso é síndrome do regresso.

Tudo fica feio, todo mundo fica chato até que


você percebe que quem ficou chato foi você.
Começa a reclamar de tudo e principalmente faz
comparações entre as realidades:

- O que? Dez reais o quilo do feijão? Lá na


Italia custa apenas dois euros e mesmo
convertendo ainda fica mais barato, que absurdo!

Comigo não foi diferente e nem podia, afinal eu


tinha voltado por outros motivos, não
necessariamente por livre e espontânea vontade.

Não me conformava por ter tido que voltar, pois


mesmo tendo passado poucos dias na Italia, já
tinha dado para perceber que as coisas eram muito
diferentes. Principalmente em relação a violência
(na verdade a falta dela).

Coloquei então na cabeça que eu iria fazer de


tudo para retornar a Italia o mais rápido possível,
não me daria por vencido pois eu tinha sim
voltado, mas não desistido! O problema era ter que
esperar (e torcer) para que houvesse algum tipo de
mudança na legislação italiana que resolvesse a
bagunça que havia sido criado por causa dos
vistos.
Foi então tive uma idéia que parecia ser genial:
já que o problema na Italia era com o visto de
ingresso e permanência, por que não tentar obter o
reconhecimento da cidadania em outro país na
América do Sul? Entrei então no site do ministério
das relações exteriores da Italia e comecei a ver
todos os países onde haviam um consulado
italiano:

Paraguai? Não, muito pobre...


Venezuela? Não, muito longe...
Chile? Deus me livre, muito frio...
Argentina? Hummmm, nada mal tentar fazer o
meu processo em Buenos Aires.

E foi então que comecei a colocar em prática


aquela que viria a ser uma das aventuras mais
engraçadas da minha vida, na tentativa de realizar
a minha prática de cidadania na Argentina.

V I A JA N D O PA R A B U E N O S A I R E S E
MUAMBANDO NO PARAGUAI

Eu sempre adorei aparelhos eletrônicos,


especialmente computadores e similares e por
causa disso não demorou muito para que eu
conhecesse os encantos do paraíso das compras
Ciudad del Este, na fronteira com Foz do Iguaçú. Já
tinha ido duas ou três vezes saindo de SP de
ônibus só pra atravessar a ponte da Amizade e
curtir o clima de faroeste que tem do lado de lá da
ponte.

Decidi então que o roteiro para chegar a


Buenos Aires tinha necessariamente que passar por
lá, tentando encontrar uma maneira de unir o útil
ao agradável, ou seja: viajar para a Argentina e ao
mesmo tempo comprar uns badulaques no
Paraguai e com a venda destes produtos ter de
volta os custos da viagem.

Com muita sorte, na mesma época a TAM tinha


lançado uma promoção muito bacana, com vários
trechos por apenas R$ 50,00 e para minha
felicidade dentre elas tinha exatamente a que eu
precisava: um trecho entre SP e Foz do Iguaçu. E lá
fui eu com minha pastinha de documentos
embaixo do braço rumo a tentativa desesperada de
obter informações sobre a residência na Argentina
para cidadãos brasileiros e também informações
sobre o processo de cidadania no consulado
italiano de lá.

NUESTRA SEÑORA DE LA ASUNCIÓN

Depois de comprar aquilo que eu precisava, era


hora de pensar como ir do Paraguai a Buenos
Aires. Perguntei a algumas pessoas que encontrei
na cidade, que me aconselharam a ir até a
rodoviária de Ciudad del Este e lá pegar um ônibus
que me levaria ao meu destino. Cheguei naquilo
que poderia ser uma rodoviária, meio desconfiado
pois o lugar estava praticamente deserto e me dirigi
a um guichê onde haviam uma garota e um rapaz:

- Holla, gostaria de uma informação, por favor


- Pois não.
- Yo preciso ir para Buenos Aires na Argentina,
vocês fazem este trajeto?
- Si, señor, o ônibus partirá daqui a duas horas.

Dai eu olhei para o pátio onde deveria estar o


tal ônibus e não vi nenhum sinal dele por lá:

- Desculpe-me, mas cadê o ônibus?


- Ahhh, é esse aqui - e me mostrou uma foto
que estava na parede ao lado dele, e continuou:
- O senhor vai adorar nosso ônibus, ele é
double-deck, oferecemos serviço de bordo com
um garçom disponível por toda a viagem, duas
refeições quentes, etc. etc. etc..

Eu ouvia ele falando tudo aquilo e pensava


"putz grilo, mas será que esse ônibus existe
mesmo?" Eu sempre ouvir falar de pessoas que
compravam produtos paraguaios e quando
chegavam em casa encontravam um tijolo dentro
da caixa, já pensou se eu compro o bilhete, eles
fecham os guichês, fogem com o meu dinheiro e
eu fico esperando um ônibus que nunca vai
chegar?

Agradeci ao rapaz e disse que iria pensar sobre


a viagem um pouquinho, quando me lembrei que
não tinha perguntado o valor:
- A propósito, qual é o valor do bilhete?
- Ida e volta ou somente ida?
- Hum, pode ser o valor só de ida.
- Neste caso, o bilhete ai custar DUZENTOS E
DEZ MIL GUARANIS.

Tente imaginar a minha cara naquele momento.


Pensei: - Tô lascado, onde eu vou arrumar esse
dinheiro todo?

Meio sem esperanças, perguntei se poderia


pagar em reais e ele imediatamente disse que sim,
sem nenhum problema. Mas quando eu perguntei
qual seria o valor em reais, foi um Deus nos acuda,
o rapaz pegou uma calculadora e simplesmente
não conseguia fazer a conta, por causada
quantidade de zeros. Clicava daqui, apertava botão
de lá, até que suado e cansado de tanto fazer
contas, perguntou para a garota que trabalhava
com ele se ela sabia quanto seria em reais o valor
da passagem.

Ela olhou pro lado, depois olhou pro outro,


coçou a cabeça, pôs a mão no queijo e exclamou:

- O valor é 'uns' 90 reais, senhor.

Foi então que eu tive um duplo alívio: descobri


que a moeda no Paraguai não valia nada em
relação ao real, e com muita satisfação percebi
que o belíssimo ônibus double-deck acabava de
estacionar - sim, ele existia!!!
Assim que terminei de pagar, a funcionária me
perguntou se eu tinha o passaporte brasileiro
comigo. Não sei porque cargas d’água eu tinha
tido a ideia de levar o meu passaporte na minha
viagem, porém quando respondi a ela que sim, eu
o tinha comigo, fiquei abismado com a pergunta
seguinte:

- O senhor o carimbou na sua entrada no


Paraguai?
- Carimbar o passaporte? Aqui? Claro que não!
- Então neste caso o senhor terá problemas para
entrar na Argentina, pois todos os cidadãos do
Mercosul tem a livre entrada nos países, porém
isso não significa que todos podem transitar
livremente sem controle.

Achei aquilo tudo muito estranho, mas na


dúvida resolvi retornar ao final da ponte de
Amizade para obter o tal carimbo, afinal de contas
não seria por causa dele que eu deixaria a minha
viagem ir por água abaixo.

Peguei um ônibus para chegar mais rápido,


desci na frente do posto policial, entrei e perguntei
a um policial se ele podia carimbar o meu
passaporte. A sua reação foi a mesma que eu tive
quando a funcionária me pediu o carimbo. Me
olhou profundamente e perguntou por que raios
eu precisava da um carimbo. Expliquei a mesma
coisa que a funcionária tinha me dito, ele coçou a
cabeça, indicou uma mesa que estava lá jogada às
traças e disse que em cima dela tinha um carimbo,
que eu mesmo podia providenciar o carimbo.
Aproveitou para me desejar boa sorte, pois ele não
se lembrava da última vez que o tinha utilizado e
provavelmente estava seca, ainda mais com aquele
calor tão peculiar.

Infelizmente percebi que ele tinha razão, e para


minha alegria eu tinha uma garrafinha de água na
mochila, que foi suficiente para umedecer a
espuma e conseguir então o meu belo carimbo de
entrada em terras paraguaias. De lá peguei
novamente um ônibus para retornar a estação e
aguardei cerca de uma hora para poder entrar no
ônibus.

Embarquei juntamente com outras dezenas de


passageiros, a imensa maioria composta de
paraguaios e outros poucos argentinos, e lá fomos
nós em direção a Argentina. Depois de algumas
horas, percebi que o ônibus parou e em seguida
entrou um policial - estávamos na fronteira entre os
dois países. Ele solicitou a todos os passageiros que
t i r a s s e m o s r e s p e c t ivo s d o c u m e n t o s d e
identificação, pois que ele passaria controlando-os.

E bóta controle nisso, a coisa era mais ou


menos assim: ele parava na frente do passageiro,
solicitava o documento e então começava um
verdadeiro interrogatório:

- Pra onde vai?


- Qual o motivo da sua viagem?
- Quanto dinheiro tem?
- Deixe-me ver o dinheiro, por favor.

E foi fazendo isso com todos os passageiros, e


eu ali só imaginando o que aconteceria comigo,
pois o único valor que eu tinha eram alguns parcos
reais, resultado da troca de uma nota de 100 euros
que eu tinha trocado no mercado negro no
Paraguai. Aliás foi com ela que eu tinha
aproveitado também para pagar pela passagem.

O controle prosseguia de passageiro a


passageiro até que ele, chegando perto da minha
poltrona, viu o meu passaporte brasileiro. E já foi
logo dizendo que eu poderia guardá-lo, pois eu era
brasileiro e não precisava dar nenhuma satisfação.
Abri um baita sorriso, pensando que aquela era a
primeira vez que eu via alguma vantagem em ser
brasileiro. Só que a alegria durou pouco, pois
quando me dei conta todos os outros passageiros
estavam me olhando com cara de ódio, e
sinceramente prefiro nem pensar no que eles
estavam pensando ao meu respeito naquele
momento.

A viagem prosseguiu e na manhã seguinte


chegamos em Buenos Aires, cidade que não
precisou muito tempo pra me encantar. As pessoas,
os lugares, a atmosfera eram fantásticos. Me
lembro de ter pensado que parecia que eu estava
na Italia, porém com as pessoas falando espanhol.
Fui até o consulado italiano, onde fui
muitíssimo bem atendido, com uma organização
de dar inveja a qualquer órgão público italiano.
Me acomodei dentro de uma sala, e uma
funcionária extremamente educada e solícita, que
me disse que naquele momento o consulado não
estava aceitando novos pedidos de
reconhecimento. Me explicou que ainda existiam
muitas pessoas na fila e que não seria justo aceitar
novos pedidos sem antes terminar aqueles
existentes.

Eu perguntei qual era o tempo médio de espera,


já que segundo levantamento do governo italiano,
naquele ano de 2007 o tempo médio no consulado
em SP era de 55 anos. Com uma genuína surpresa,
ela arregalou os olhos e me informou que em
Buenos Aires este tempo não ultrapassaria dois
anos. Desta vez a surpresa foi minha!

Comecei a pensar seriamente em viver ali por


dois anos, até que eu conseguisse ter o tempo
necessário de residência para então me registrar na
prefeitura e depois disso dar entrada no processo.
L i g u e i p ra m i n h a e s p o s a n o B ra s i l q u e
imediatamente disse que se tratava de uma
péssima idea, pois se era pra sair do Brasil para
ganhar dinheiro, que fosse a um país onde a
moeda local valesse mais do que o real, não
menos. Isso fez todo sentido, peguei minhas
muambas, coloquei nas costas e voltei pra São
Paulo com a esperança de que, se as coisas não se
resolvessem na Italia em um futuro próximo, o
próximo projeto seria convencer a mulher a morar
na Argentina.
CAPÍTULO QUATTRO
A segunda viagem

A SEGUNDA VIAGEM

Como contei anteriormente, mesmo com a


minha volta forçada ao Brasil, sabia que mais cedo
ou mais tarde teria que retornar a Italia para
realizar o meu processo de cidadania.

Com o sucesso do blog, não demorou muito


para aparecer diversos convites de amizade e
também contatos de pessoas que viviam na Italia e
trabalhavam com o mundo da cidadania italiana.

Dezenas de pessoas me escreviam todos os dias


e dentre estas, uma em particular, que neste livro
chamaremos de Isadora, era assessora (e de fato,
no Orkut era famosíssima) e num determinado
momento me ofereceu gratuitamente uma vaga em
uma de seus apartamentos para que eu pudesse
fazer o meu processo aqui na Italia, com a
condição de fazer propaganda dos seus serviços.
O problema era que eu tinha acabado de gastar
um bom dinheiro com a primeira ida a Italia e
também pra Argentina, portanto tinha que juntar
novamente uma quantia pelo menos considerável,
já que meu plano era ir pra ficar definitivamente.
Como estávamos em maio, disse a ela que
permaneceria no Brasil por mais quatro ou cinco
meses, e assim que passassem os meses de julho e
agosto, eu aceitaria sim o seu convite e voltaria a
Italia.

Nós conversávamos através do finado chat MSN


e em uma destas conversas, ela me disse que seria
ótimo se eu viajasse em junho, pois nos meses de
junho, julho e agosto ela tinha poucos clientes e
desta forma eu ocuparia uma destas vagas ociosas,
e com isso todos ficaríamos felizes - eu com a
minha cidadania reconhecida e ela com uma
grande fonte de propaganda que seria a minha
história contada no blog.

Durante uma destas conversas, ela também me


tranquilizou em relação ao pouco dinheiro que eu
tinha, pois tinha ótimos contatos aqui na Italia e
que facilmente conseguiria um trabalho durante a
minha estadia.

Compartilhei com ela que eu indo em junho,


teria no máximo 1000 euros no bolso, impossível
de se manter por mais de três meses e a sua
resposta foi a seguinte:
- Saga, quem quer trabalhar consegue emprego
aqui. Por exemplo, eu tenho um amigo que está
procurando um caseiro para o seu hotel fazenda,
você se incomodaria de trabalhar limpando bosta
de cavalo, ganhando 1300 euros por mês com casa
e comida?

Respondi que por 1300 euros por mês, com


casa e comida, eu recolheria toda a bosta da Italia!

Diante da sua insistência, e pensando que


realmente tinha encontrado uma oportunidade de
ouro, lá fui eu mais uma vez contar com a ajuda
do mesmo rapaz com quem eu tinha comprado a
primeira passagem, e junto com minha mãe - que
foi minha principal motivadora, além da minha ex-
esposa que também não via a hora de se livrar do
mala sem alça que eu tinha me tornado - comprei
a passagem para a segunda e definitiva vinda a
Italia.

O voo era mais uma vez com a companhia


Ibéria, e partiria de Guarulhos no dia 11 de junho
de 2007, véspera do dia dos namorados. Desta vez
levaria não somente a mesma mochila e a mesma
pomada Minâncora, mas também a enorme
vontade em ter o tão sonhado reconhecimento da
minha cidadania italiana, que parecia muito mais
factível do que nunca!

Só que eu ainda tinha um enorme problema:


meus documentos não estavam legalizados pelo
consulado italiano, apenas traduzidos. Isso porque
o consulado usou como desculpa as mudanças no
sistema de visto e permanência na Italia para
cancelar arbitrariamente o serviço de legalização
de documentos. E foi em mais uma das conversas
com a Isadora que eu me acalmei novamente,
quando ela me orientou a deixar os documentos
no consulado e viesse apenas com a cópia deles
em mãos. Assim que estivessem legalizados um
familiar no Brasil os mandaria pra Italia e então eu
daria entrada no meu processo, pois já tinha feito
isso com dezenas de outros clientes e nunca tinha
tido nenhum problema com isso, pelo contrário,
era uma prática comum.

O BOOM DO BLOG

Depois das minhas andanças pela Italia e por


Buenos Aires, retornei pra São Paulo, escrevi sobre
as minhas peripécias e foi então que me dei conta
pela primeira vez que o meu blog tinha virado um
sucesso! Percebi isso pela enorme quantidade de
pessoas que me adicionavam e me escreviam no
Orkut, pelos comentários no blog mas
principalmente pela quantidade de emails que eu
recebia pedindo informações sobre cidadania
italiana. O pior é que eu não tenho a menor idéia
sobre como aconteceu este crescimento pois
naquela época, ao contrário de hoje, não existiam
ferramentas para medir a audiência nos sites e
blogs e tampouco não existiam nem o Twitter nem
o Facebook - a única rede social era o Orkut e
fazer um blog ou site ter sucesso era uma
verdadeira saga...

De repente eu recebia mensagens do tipo


"caramba saga, eu adorei os seus posts, era como
se eu estivesse ali contigo passando pelos
perrengues"; me lembro de um comentário
sensacional no post sobre a ida a Argentina: "lendo
suas experiências de viagem lembrei-me da minha
viagem São Paulo-Buenos Aires-Mendoza em
1977. Tínhamos um corcel (novo à época) e
viajamos uns dez mil quilômetros. Meus filhos
e r a m c r i a n ç a s . . . n ã o s e u s av a c i n t o d e
segurança...era outro mundo".

Sem saber bem direito o que fazia, percebi que


a minha forma de escrever contagiava as pessoas e
de alguma maneira eu fazia com que elas se
sentissem parte integrante do que estava
acontecendo, como se estivessem junto comigo
nas viagens e aventuras. Aqueles que já estavam na
Italia passando pelo sufoco que é o processo,
acabavam encontrando nos meus relatos um alento
aos próprios problemas, pois percebiam que a luta
não era solitária. Por outro lado, quem ainda estava
ainda no Brasil descobria quase em tempo real
qual era a sensação de chegar na Italia e mergulhar
de cabeça na cultura e na burocracia, com todos
os problemas e micos que isso acarretava.

Particularmente uma das sessões que mais


atraíam novos leitores era exatamente aquela onde
eu contava os micos que aconteciam comigo - e
que não eram poucos, claro. O primeiro deles
aconteceu logo no dia da minha chegada, quando
interceptei um italiano e pedi a ele indicações
sobre como chegar no albergue que eu deveria
ficar em Milano. Depois de meia hora de pura
gesticulação (imaginem um italiano que já "fala"
tradicionalmente com as mãos dando indicações
na rua) eu fingi que tinha entendido, senão estaria
lá até hoje recebendo as infindáveis orientações,
quando de repente e sem nenhum pré-aviso o
bucéfalo me lasca um tapa no pé da nuca,
desejando-me boa sorte na minha estadia.

Vocês se lembram da época em que no Santos


jogavam vários garotos, entre eles o Robinho e
Diego? Pois então, eles tinham como brincadeira
dar tapas na nuca uns dos outros, coisa que ficou
conhecido como "pedala Robinho". Pois é, assim
que fui recebido aqui na Italia, com um verdadeiro
e autêntico pedala Robinho...

A CHEGADA

Fazer uma viagem intercontinental de avião é


sempre uma aventura! Não estou falando do medo
de voar, ou algo do gênero - estou falando da
experiência que passamos durante a viagem.

Existem diversos tipos de viajantes aéreos. Tem


aqueles que entram, sentam e dormem, e por este
motivo escolhem ficar na janela. Existem aqueles
que entram, sentam e então começam a sentir uma
espécie de siricutico no furébis. Tão logo a
aeromoça avisa que pode tirar o cinto de
segurança, estes pulam do assento e começam a
fazer jogging no avião. Começam a andar de um
lado pro outro, atravessam os corredores, visitam
os 'metidos' da primeira classe, até que finalmente
terminam a corrida no fundo do avião,
propositadamente perto das bebidas.

E existe também outra modalidade de viajante,


composto por aqueles que ADORAM socializar!
Eles ficam procurando um motivo para conversar
com você: se percebem que você está lendo um
jornal ou revista, te perguntam como anda a
leitura; se você abre a boca de sono, elas
comentam sobre a duração da viagem e não
adianta, ninguém consegue escapar de um colega
de poltrona extremamente sociável!

Foi assim eu não consegui escapar da Maira,


minha coleguinha de viagem. Aliás, antes de
contar sobre a Maira, deixe-me situá-los em
relação a odisséia que foi esta primeira viagem. A
minha poltrona foi escolhida a dedo por ser na
janela, pois faço parte da turma que entra, senta e
só acorda duas vezes durante a viagem: na hora de
comer e no fim dela.

Do meu lado, sentou-se a Maira. E nos bancos


atrás de mim sentaram-se duas mocinhas
vendedoras do próprio corpo, uma delas
proveniente das Minas Gerais enquanto a outra
vinha do pais da Chulélândia. Como se não
bastasse a não tão agradável fragrância que exalava
sabe-se-Deus-de-onde, esta pessoa com uma
elasticidade ímpar (talvez devido a profissão),
conseguiu deitar de uma tal forma tal, que um dos
seus pés despontava entre a minha poltrona e a
poltrona da minha amiguinha Maira, ou seja, a
poucos centímetros das nossas cabeças.

Antes mesmo de levantarmos voo, a Maira se


apresentou: disse que era paulista mas vivia no Rio
de Janeiro, onde era casada com um rapaz da
marinha. Papo vai, papo vem, ela me perguntou o
que eu achava que iria acontecer na imigração em
Madri. Respondi que eu nem havia pensado nisso,
já que o meu verdadeiro destino era Milano, e que
em Madri eu faria apenas a troca de aeronave.

Ficamos em silêncio por algumas horas, quando


sem mais nem menos, ela voltou a tocar no
assunto da imigração, pois estava preocupada que
alguém poderia achar que ele estava indo a
Espanha para permanecer ilegal. Fez questão de
dizer que não era este o motivo, e que para provar,
tinha consigo todos os papéis que demonstravam
que o objetivo da sua viagem era apenas para fins
turísticos.

Achei tudo muito estranho, mas resolvi não


falar nada. Por que será que aquela completa
estranha estava querendo se justificar pra mim o
que ela iria ou não fazer na Espanha? Cada doido
que encontramos neste mundo…
Logo após o jantar - com o respectivo cafezinho
ralo tradicional das companhias aéreas, todo
mundo resolveu socializar! Porca de uma miséria,
dessa vez não era só a Maira que queria conversar,
mas também os coleguinhas da frente, de trás, dos
lados - todo mundo falando ao mesmo tempo,
compartilhando as suas aventuras e desejos. Eu via
tudo aquilo como uma grande loucura
generalizada! Como era possível que pessoas que
jamais tinham tido contato antes contarem uns aos
outros detalhes das suas vidas? Como quem tá na
chuva é pra se molhar, eu também fiz a minha
parte: compartilhei emails, contei um pouco da
minha vida e entrei no meio daquela loucura toda.

A chulezenta era tão sem noção do que ela


estava fazendo ou para onde ela estava indo, que
num determinado momento perguntamos qual era
o seu destino.

- Tô indo pra uma cidade, que se não me


engano se chama Santiago.

Neste momento, eu e a Maira nos


entreolhamos, e então ela perguntou:

- Mas você está indo pra Santiago do Chile ou


Santiago de Compostela?

- Eita, agora você me pegou, pois não tenho


ideia!
Pacientemente lhe respondemos que era
Santiago de Compostela, pois Santiago do Chile
ficava… no Chile!

E lá fomos nós atravessar o oceano Atlântico:


eu, a Maira e o pé de chulé da amiguinha que não
sabia nada de geografia da poltrona de trás. E é
aquilo: gente chata uma hora dorme, criança
também cansa, mas gente fedida não dá, pois
quando acontece isso quem não dorme é você!

A SEGUNDA IMIGRAÇÃO

Desta vez, por causa de um grande atraso na


saída de São Paulo, chegamos em Madrid por volta
das 8:00 da manhã. Quando me dei conta, a Maira
tremia, suava... e rezava!

Cheguei no balcão, mostrei meu passaporte e a


passagem pra Milano. O oficial perguntou se eu
estava indo a turismo e escaldado da primeira
viagem resolvi não mentir e dizer a verdade, que
estava indo a Italia reconhecer a minha cidadania
italiana. Neste momento ele – acho que pra me
testar - perguntou onde estava o meu permesso di
soggiorno.

Num primeiro momento não entendi a pergunta


e precisei de uns três ou quatro segundos para
pensar e respondi que eu não tinha o permesso e
sequer podia tê-lo ainda, pois ele seria pedido na
questura dentro de oito dias da chegada na Italia.
Isso porque felizmente algumas semanas antes da
viagem o governo italiano tinha mudado
novamente as regras e resolvido o problema que
tinha me impedido de realizar o processo meses
antes. Agora, para permanecer legalmente por
noventa dias no país bastava se apresentar na
polícia dentro de 8 dias em caso de voos com
escala, como aquele que eu estava fazendo, ou
então ter o carimbo de entrada diretamente na
Italia, com voo direto.

Ele deu um sorrisinho maroto e ploft: carimbou


o meu passaporte. Não perguntou se eu tinha
dinheiro, cartão de crédito internacional, seguro
saúde, papel higiênico ou qualquer outra coisa.

Já a coitada da Maira…

Precisou mostrar passagem de volta, cartão de


crédito internacional, holerite do marido, explicar
o que o marido fazia no Brasil, quanto tinha de
dinheiro , onde ia ficar, entre tantas outras
perguntas. Mas no final também recebeu o
carimbo com o aviãozinho de entrada e tenho
certeza que ela só não chorou porque eu estava do
lado.

Passamos então pelos portões, nos dirigimos ao


elevador que nos levaria ao andar inferior, onde
pegaríamos o metrô para o outro terminal quando,
sem mais nem menos, a louca da Maira me abraça
com os olhos cheios de lágrimas e solta a seguinte
pérola:

- Chuuuupa oficial, que eu vim mesmo é pra


imigrar!!!

Devo ter dito em voz alta o quanto ela era


retardada em gritar algo do gênero, apenas depois
de poucos metros das meses de imigração, pois ela
parou, olhou novamente pra mim e perguntou se
realmente tinha me enganado durante o voo e se
eu realmente tinha caído na história que ela tinha
me contado - de que estava indo para Madri
apenas passear. Sua felicidade era tão grande que
menti dizendo que sim, tinha me enganado
direitinho - como se alguém que estivesse indo
fazer turismo passaria horas e horas a fio
preocupado com a imigração e enchendo o saco
do seu amiguinho de poltrona.

Como se não bastasse toda aquela loucura, de


repente chega a nossa amiguinha mineira, aquela
lá da venda do corpo e do pé de chulé, nos
agradecendo:

- Aqui, brigado pela ajuda dôceis, não é que o


rapaz realmente me perguntou se eu tava indo pra
Santiago do Chile ou aquele lá de Compostela, e
graças a vocês eu respondi certinho, que tava indo
pra Compostela!
Até hoje durmo sabendo que sou culpado por
aumentar o número de garotas de programa na
Espanha.

DE MILANO AO CENTRO DA ITALIA

Se existe algo que eu não aconselho a ninguém


é chegar num aeroporto distante do seu destino.
Como sofri para sair de Milano e chegar na região
de Marche de trem! Isso porque lá tem um
aeroporto, só que o pobre aqui pensou nessa
possibilidade? Claro que não, afinal de contas:
POBRE NÃO PENSA!

Foram longas cinco ou seis horas, que mais


pareceram quarenta e oito, num calor disgramado
e pior: tive que pagar quase 50 euros num trem
Eurostar, mesmo levando quase seis horas! Agora
pense neste calvário, depois de ter atravessado o
oceano com a amiguinha falante e o pé de chulé.
Por compaixão façam um minuto de silêncio e
tenham pena de mim, eu mereço!

Chegando em Marche, região central da Italia,


ainda tive que pegar outro trem para a cidade do
lado, onde eu faria o meu processo. Para evitar
d i s s a b o r e s a ch a m a r e m o s d e c i d a d e d e
Neverland2. Segundo a assessora Isadora, seria
nesta cidade que eu iria morar e realizar o meu

2 *Neverland significa terra do nunca


processo. Desembarquei na pequena estação da
cidade e percebi que não tinha uma alma viva por
perto. O único lugar que existia era um minúsculo
bar que ficava na frente da estação. Entrei e
perguntei a dois senhores que estavam sentados
como fazer pra chegar ao meu destino.

Após quase se estapearem tentando me indicar


o caminho correto, os deixei brigando e comecei a
caminhar. O problema era que eu não tinha a
menor ideia pra onde deveria ir! Eu tinha duas
opções: uma rua a esquerda e outra a minha
frente. Num úni-dúni-trê mental decidi ir reto,
esperando encontrar alguém pelo caminho.

Caminhei poucas centenas de metros e vi uma


ambulância da Croce Rossa (Cruz Vermelha)
parada em frente a uma escadaria. Olhei pra cima
e lá na ponta da escada havia um rapaz. Perguntei
a ele onde ficava a rua que eu deveria ir, ele tentou
me explicar como chegar e percebendo a minha
cara de retardado, mandou eu subir no carro que
ele me levaria.

E foi assim que cheguei na casa da tal assessora


para começar a minha saga, literalmente com a
ajuda da Cruz Vermelha!
CAPÍTULO CINQUE
A minha saga

CONHECENDO OS PRIMEIROS PERSONAGENS


DA MINHA SAGA

Toquei a campainha e uma senhora atendeu,


perguntando quem era. Respondi que era o Fabio
Saga e ela perguntou então quem eu procurava.
Disse que procurava a Isadora e ela me mandou
subir. Era um lance de escadas simples, que dava
pra uma pequena sala de estar, por sua vez ligada
a outra sala maior. Foi então que conheci as quatro
primeiras pessoas na Italia: uma senhora e seu
filho, provenientes de Goiás, um rapaz do interior
de São Paulo e outra garota que eu já tinha
conhecido precedentemente, em uma das vezes
que fui ao consulado italiano em SP, quando
paparicamos na fila de entrada do consulado.

Todos muito educados, mas ao mesmo tempo


confusos em ver aquele gordinho que chegava sem
nenhum pré-aviso. Sim, a tal Isadora não tinha
avisado ninguém sobre a minha chegada e pior,
tinha saído de férias por uma semana com seu
marido, para conhecer as belíssimas ilhas gregas.

Felizmente esta mesma senhora que me


recebeu, disse que esta assessora tinha uma irmã -
que a chamarei de Iracema. Me explicaram que ela
ajudava a Isadora com os processos de cidadania
e que provavelmente ela sabia sobre a minha
chegada. Ligou então para esta tal irmã, que não
demorou muito para chegar.

Nos apresentamos e ela disse que realmente a


irmã tinha dito algo sobre a chegada de um rapaz
de um blog, mas que ela não tinha a menor ideia
de quando eu chegaria, assim como não tinha
também a menor ideia do local em que eu seria
hospedado. Como se não bastasse tamanha
desilusão, tinha ainda um agravante: a tal assessora
estava incomunicável, no meio do mar e eu ali,
tentando entender onde é que eu tinha ido parar,
cansado, com fome e sono.

Depois do susto inicial que todos tiveram com a


minha aparição, Iracema me disse que verificaria
posteriormente onde eu seria alocado e
consequentemente faria o meu processo, e que
naquele primeiro dia eu dormiria no chão da sala.

Esta foi a minha recepção por parte da equipe


de profissionais que eu tinha escolhido para me
ajudar com o processo de cidadania, sem saber
que o pior ainda estaria por vir.
Completamente tomado pelo cansaço, apoiei a
minha mochila no canto do sofá e desabei a
dormir, acordando apenas na manhã seguinte. Me
lembro que era ainda madrugada quando levantei,
me sentei no sofá e comecei a me dar conta que
finalmente cá estava eu, na minha tão sonhada e
querida Italia.

Todos ainda dormiam e portanto reinava o


silêncio. O sol estava já nascendo e olhando pela
janela tudo parecia um sonho. Como são lindas as
casas italianas, pensei. Com aquelas pequenas
janelas, as ruas cheias de pedrinhas, os carros
diferentes daqueles que estamos acostumados a
ver no Brasil - tudo parecia fazer parte de um
sonho. Naquele momento fui tomado por um forte
sentimento de gratidão! Sentia uma alegria imensa
em estar ali, na terra do nonno. Rezei em silêncio,
agradecendo a Deus por aquela nova oportunidade
que Ele estava me dando e jurei que não a deixaria
escapar novamente. Era o momento de me
concentrar e correr atrás dos meus sonhos, pois era
a única forma de garantir um futuro melhor para as
minhas filhas.

COMEÇANDO A CORRER ATRÁS DO MEU


PROCESSO

Com a ausência da Isadora, percebi que teria


que correr atrás do meu processo de
reconhecimento sozinho, pois não poderia esperar
que ela retornasse das férias, visto que eu tinha
que fazer a declaração de presença dentro de oito
dias da minha entrada no país, conforme manda a
legislação.

Depois do café da manhã que o pessoal da casa


fez pra mim, pedi a Iracema o endereço da
delegacia de polícia. Como havia feito escala na
Espanha, era lá que eu deveria fazer a tal
declaração. Para meu completo espanto, ela me
perguntou o que seria essa tal declaração, pois ela
jamais tinha ouvido falar.

Acredito que deixei transparecer a minha


surpresa, pois em seguida ela tentou corrigir a
informação, dizendo que na verdade sabia sim do
que se tratava mas que ainda estava verificando os
detalhes todos, pois quem se ocupava desta parte
do processo era a sua irmã. Como era possível que
uma assessora não tivesse informações sobre uma
das etapas mais importantes do processo? Tentando
remediar o erro, pediu que eu lhe mostrasse os
meus documentos para a prática de
reconhecimento. Retirei as cópias que eu tinha
trazido e mostrei a ela, que num esforço teatral
muito mal feito, fingia entender o que estava
fazendo, apenas passando os olhos pelos diversos
documentos.

Naquele momento, percebi que as pessoas que


estavam na casa trocaram olhares entre si, mas não
disseram absolutamente nada, nenhum pio.
Solenemente terminou a “análise” dos meus
documentos, dizendo que estavam todos perfeitos
para a prática, e que tão logo a sua irmã
retornasse, eu podia entregar a ela. Em seguida me
passou o endereço da delegacia, que era
localizado em outra cidade e me explicou também
qual o ônibus pegar para chegar até lá e onde era o
ponto mais próximo.

Aproveitei para perguntar se ela já havia


decidido onde eu iria morar, pois precisava do
endereço do local para informar corretamente a
questura. Depois de alguns telefonemas e uma
certa confusão, mandou pegar a minha mochila,
dizendo que me levaria para conhecer o local
onde eu moraria durante os próximos meses,
conhecida como a "casinha".

MINHA PRIMEIRA MORADA

A casinha era um pequeno apartamento de dois


quartos, banheiro e cozinha que ficava na pequena
cidade distante cerca de 40 quilômetros da capital.
Ela ficava na mesma cidade que eu tinha chegado
e dormido no chão da sala da casa da Isadora, no
primeiro dia que cheguei.

A Iracema trabalhava como cozinheira em um


restaurante local e por isso não tinha muito tempo
para me explicar os pormenores da casa e
tampouco da cidade. Atrasada para o trabalho, me
levou às pressas pra lá, me mostrou onde era o
quarto que eu deveria ocupar e disse que passava
no dia seguinte para me passar maiores
informações sobre tudo. Deixou comigo uma
garrafa de água mineral e a chave do imóvel.

Fiquei eu lá, com uma chave na mão, uma


garrafa de água na outra e a mochila nas costas
sem saber se sorria ou chorava diante da situação.
Resolvi entrar no quarto, deixar a minha mochila
em cima de uma cadeira que existia ao lado da
cama e lá fui eu desbravar aquela que seria o local
onde eu não apenas moraria mas também
realizaria o meu processo de cidadania.

Não era nenhuma mansão, mas também não


era nenhum cafofo - era até simpática como casa.
O primeiro ambiente era uma pequena cozinha,
que ficava do lado esquerdo e do lado direito
ficava o primeiro quarto - onde eu fiquei
hospedado. Seguindo em frente abria-se um
pequeno corredor, separado da cozinha apenas por
uma mureta baixinha, que nos levava ao segundo
quarto, que ficava lá no final à direita. Do lado
esquerdo, em frente a este outro quarto, tínhamos
o banheiro com a tradicional banheira italiana.

Ou seja, em menos de cinco minutos já


conhecia toda a casa e como todo gordinho, fui
conhecer melhor a cozinha. De cara pude
perceber que a pia tinha duas torneiras, em uma
delas saía água quente e da outra água fria. Abri os
armários, fucei nas prateleiras, descobri os talheres,
pratos, panelas e demais utensílios, convicto que
estava sentindo falta de alguma coisa. Sentei-me ao
redor da mesa, em uma das quatro cadeiras
presentes, encontrei um troço que só depois
descobriria que se tratava da caldeira que aquecia
a água. Foi então que percebi que a casa não
tinha... geladeira.

Cáspita, cadê a geladeira? Fui até o quarto,


voltei. Fui ao outro, voltei. Entrei no banheiro,
pensando que de repente na Italia o povo colocava
a geladeira em outro lugar diferente da cozinha,
mas não a encontrei em nenhum outro cômodo.
Ela realmente não existia...

Felizmente pouco antes da viagem, minha irmã


preocupada com meu futuro colocou na minha
mochila uma dezena de embalagens de sopinha
instantânea, aquelas da Knorr. Dos mais variados
sabores: mandioquinha, creme de cebola,
champignon e mais um bocado delas. Bastava
abrir a torneira com água quente e voilà, minha
refeição estava pronta!

Graças a estas sopas, consegui sobreviver neste


período inicial, pois a Iracema foi dar o ar da sua
graça somente depois de três dias. Além do mais,
eu tinha ficado sem comunicação com o mundo,
pois não tinha tido tempo de comprar um chip de
celular. Como se não bastasse tudo isso, eu não
tinha a menor ideia de onde eu estava, pois nas
proximidades da casinha não tinha nenhuma placa
com o nome da rua e, claramente, eu não tinha
nenhum mapa, indicação ou referência pra poder
sair do imóvel com segurança
Vendo que sair de casa poderia ser uma
péssima ideia, pois provavelmente não conseguiria
retornar e num destes momentos surreais que
passamos pela vida, resolvi ficar ali quietinho,
esperando o retorno de alguém.

Ah, também não tinha televisão e nem rádio,


foram literalmente 72 horas em prisão domiciliar,
comendo comida de cadeia e foi então que, pela
primeira vez nesta segunda viagem, comecei a
pensar que talvez aquela que parecia ter sido uma
ótima escolha, poderia ser uma grande furada.

O RETORNO A VIDA "QUASE" NORMAL

Finalmente após longos três dias, que mais


pareceram três meses, ouvi um vuco-vuco na
frente da casa, uma barulheira. Era a Iracema, que
chegava com outro rapaz e junto com eles uma
linda e majestosa geladeira!

Sim, porque você que está lendo este livro


muito provavelmente não tem a menor ideia da
falta que faz este pequeno eletrodoméstico em
nossas vidas. Ainda mais para um gordinho pobre,
pois venhamos e convenhamos: a maioria das
coisas baratas que encontramos no mercado são
congeladas! Nuggets, pizzas, hambúrguer, linguiça
e tantas outras coisas baratas, só encontramos na
sua versão para geladeira. Sem contar que basta
abrir um pote qualquer de alguma coisa, para que
seja necessário "manter no refrigerador, para não
estragar".

Então a chegada da Iracema junto aquela


maravilha tecnológica me fez esquecer todo o
período de prisão domiciliar, vendo o mundo se
abrir diante dos meus olhos.

Claro que ao descobrir que a casa dela ficava


literalmente na mesma rua, há menos de duzentos
metros da casinha, fez parte da revolta retornar,
afinal de contas porque cargas d'água ela tinha
demorado tanto para retornar, sendo que tinha dito
que estaria de volta no dia seguinte?

Para mais uma surpresa, a resposta dada foi:

- Eu tive mais o que fazer, além do mais, eu te


deixei com uma garrafa de água mineral. De sede
você não morreria...

Engolindo seco e colocando na frente a


gratidão por ter um teto onde morar e realizar o
meu processo, pedi a ela os documentos da
proprietária para realizar iniciar os trâmites
burocráticos. Como ela não sabia de nada,
perguntei onde era a biblioteca mais próxima e lá
fui eu correr atrás das coisas. Infelizmente na
biblioteca da cidade de Neverland não haviam
computadores disponíveis, porém me informaram
que em um hotel próximo, eles mantinham um
computador disponível para seus hóspedes e por
um pequeno valor, eles liberavam para outras
pessoas também.

E foi lá, no Hotel San Gabriele que pude entrar


no site da polícia, baixar os respectivos formulários
e deixar tudo pronto para poder começar a correr
atrás das coisas. No dia seguinte levei tudo
preenchido na casa da Iracema, que me pediu um
dia para poder passar tudo para a proprietária do
imóvel assinar. No dia 20 de junho - sete dias após
a minha chegada a Italia, eu finalmente conseguia
fazer a minha declaração de presença junto aos
órgãos públicos e estava pronto para dar entrada
no meu pedido de residência e consequentemente
ir rumo a tão sonhada cidadania italiana.

O PRIMEIRO MICO

Situação: você acaba de chegar em um novo


país com seu dinheirinho contado e já na primeira
semana seus novos amigos te convidam para
almoçar em um restaurante. Ao mesmo tempo que
você quer muito ir, não pode deixar de se
preocupar com os gastos. No meu caso a coisa era
um pouco mais complicada, pois cheguei aqui
com apenas 1.100 euros no bolso, contando com
o emprego que a assessora tinha prometido.

Passávamos na frente de um restaurante quando


o Alexandre e o Bruno, meus novos companheiros,
resolveram que almoçaríamos por ali mesmo.
Entramos, nos sentamos e em seguida chega o
garçom para nos apresentar o menu. Com a
desculpa de falta de fome, percorri rapidamente o
cardápio procurando pelo prato que custava
menos, e foi então que percebi que por apenas
poucos euros, poderia saborear um tal de pastine
in brodo.

Um detalhe importante pra história: estávamos


em junho, em pleno verão italiano.

Após alguns minutos, o garçom retorna


perguntando se estávamos prontos para pedir.
Todos respondemos que sim, e iniciam-se os
pedidos:

Alexandre: - Eu gostaria de um spaghetti com


ragu a bolonhesa
Bruno: - Já eu prefiro um tortelini com molho
branco
Garçom: - Perfeito senhores! E o senhor, já
decidiu qual prato gostaria de pedir?

- Sim, claro. Eu gostaria de experimentar o


pastine in brodo de vocês.

Desculpe senhor, não entendi o pedido. Teria


dito o senhor pastine in brodo? Vejam que este era
um grande indício que estava fazendo besteira,
mas preferi ignorar…

Isso mesmo meu caro: hoje eu vou de pastine in


brodo!
Sem ao menos se dar o trabalho de responder,
ele retirou os menus e saiu balançando a cabeça.
Eu tenho certeza que ele pensava algo tipo "como
tem gente esquisita neste mundo, preciso encontrar
outro emprego".

Continuamos conversando, falando sobre


nossas experiências e expectativas, quando
começaram a chegar os nossos pedidos. Primeiro
chegou a massa do Alexandre e em seguida a do
Bruno, pareciam deliciosas!

Num dado momento, o garçom veio a mesa e


me disse algo que confesso não ter entendido
muito bem do que se tratava, sei apenas que ele
me perguntava algo sobre estrelinhas. E como todo
idiota que não entende uma nova língua
corretamente, ao invés de dizer que não havia
entendido preferi respondi afirmativamente a ele,
apenas balançando a cabeça.

De repente, o cara me aparece com um prato


nas mãos, coloca-o na minha frente e
educadamente (ou talvez de sacanagem, nunca
saberei) me deseja bom apetite.

Ao mesmo tempo que os meninos começam a


chorar de rir da situação, eu observava meu prato,
repleto de pequenas estrelas de macarrão que
boiavam alegremente num caldo de água fina, sem
cor e aparentemente também sem gosto.
E foi assim que tive a minha primeira
experiência gastronômica na Italia - terra das
massas, dos presuntos e queijos - comendo nada
mais nada menos do que um miojinho sem
vergonha. Só não foi pior porque aproveitei o
queijo ralado que foi servido aos meus amigos,
para dar um toque de sabor as minhas pequenas,
serelepes e nadadoras estrelinhas.

CONHECENDO A ISADORA E OS PRIMEIROS


PEDIDOS DE BUSCA DE DOCUMENTOS

Iracema havia me dito que para realizar


qualquer procedimento no comune era necessário
aguardar o retorno da Isadora, afinal de contas ela
era a verdadeira assessora, com os contatos e com
o conhecimento necessário para que tudo se
desenrolasse da melhor forma possível.

Fiz tudo que eu podia fazer sozinho, incluindo


a compra do chip de celular, e nos dias seguintes
aguardava ansiosamente o seu retorno, já
c o m e ç a n d o a fi c a r p r e o c u p a d o c o m o
planejamento financeiro dos meses seguintes. Isso
porque na minha cabeça, eu chegaria na Italia e
em seguida já estaria trabalhando, conforme aquilo
que ela mesma tinha me dito quando ainda estava
no Brasil.

Foi uma semana de completa ansiedade,


parecia não passar nunca! Felizmente eu tinha
descoberto o computador do hotel e com isso
podia atualizar o blog, checar os emails e trocar
mensagens com a minha família no Brasil.

E foi durante esta espera que eu comecei a


receber os primeiros emails de pessoas que
seguiam o blog, me pedindo para ir buscar o
documento dos seus antenatos. Eu respondia a elas
que isso não era possível, que eu não tinha
nenhuma experiência com isso e que além do
mais, eu ainda não tinha sequer conhecido
pessoalmente a Isadora e não sabia se ela também
oferecia este trabalho as pessoas. Se oferecesse, eu
jamais iria fazer qualquer coisa para prejudicar o
seu trabalho.

Além disso, estava esperançoso que tão logo ela


voltasse, me arrumaria o trabalho para cuidar dos
cavalos e portanto não teria como ir atrás de
documentos ou exercer qualquer outra atividade.

Porém, tinha ainda outra coisa que eu jamais


tinha dito a ninguém, mas que cheguei aqui
convicto: jamais trabalhar com algo ligado a
cidadania italiana e muito menos com busca de
documentos!

Meu sonho por aqui, depois de anos


trabalhando em grandes empresas em São Paulo,
era ser peão de fábrica: horário e salário fixo,
juntamente com tranquilidade e qualidade de vida.
Desta forma, em poucos anos conseguiria juntar
dinheiro suficiente para retornar ao Brasil, abrir um
novo negócio e dar o futuro que minhas filhas
mereciam.

Diante disso, aguardei o dia até que finalmente,


estava lá eu no meu quarto, quando ouvi a
campainha tocar e eis que finalmente lá estava
diante de mim a famosa Isadora, tão conhecida no
mundo virtual.

Nos apresentamos, conversamos um pouco até


que num determinado momento, perguntei sobre o
emprego que ela havia dito e como poderíamos
alinhar as coisas. Talvez surpresa com a forma
direta que fiz a pergunta, logo começou a
desconversar, dizendo que a Europa estava em
crise, que não era possível trabalhar, mas de que
qualquer forma me ajudaria a encontrar um
emprego.

- Peraí, como assim vai me ajudar a encontrar


um emprego? Eu vim a Italia com pouco mais de
1000 euros no bolso porque você disse claramente
que já existia um emprego pra mim aqui, não que
me ajudaria a procurar um!

Daí quem ficou surpreso fui eu, ao ouvir que


em nenhum momento ela tinha dito algo do
gênero, que não poderia jamais oferecer qualquer
tipo de emprego a ninguém e que eu
provavelmente me equivoquei.

Frustrado e completamente boquiaberto com a


situação em que eu me encontrava, perguntei se
ela trabalhava também com busca de documentos,
pois alguns leitores tinham me pedido este tipo de
trabalho. Não só respondeu que não trabalhava,
como ainda me incentivou a trabalhar com isso,
pois desta forma eu conseguiria me manter aqui na
Italia. E aproveitou que estávamos falando de
dinheiro para me cobrar os 250 euros do primeiro
mês de aluguel da casinha, que seria repassado a
proprietária do imóvel - sem esquecer de citar que
tinha conseguido, como forma de cortesia com
esta proprietária, que eu não pagasse um mês de
caução, como era praxe por lá, exatamente para
me ajudar. Quanta generosidade!

GANHANDO OS PRIMEIROS TROCADOS

Tão logo percebi que as coisas não seriam


como eu pensava, resolvi dar ouvidos a todos
aqueles que estavam me escrevendo pedindo a
busca dos seus documentos.

Conversando com o pessoal que eu tinha


conhecido por aqui sobre essa possibilidade, a
senhora de Goiás me disse que também estava
com dificuldades em obter o documento de
batismo do seu antenato italiano no sul da Italia e
me fez uma proposta: pagaria os custos do trem
para que eu fosse até a cidade de Potenza, na
igreja onde o bisavô dela tinha sido batizado e se
eu conseguisse o documento, me pagaria outros
100 euros.
Claro que aceitei e na mesma noite peguei o
trem em Neverland com destino a Potenza,
chegando lá pela manhã.

Pela segunda vez na Italia, ia ficar frente a


frente com um padre, será que desta vez seria
diferente? Afinal de contas, o pessoal no sul da
Italia é conhecido pela cordialidade. Ledo engano,
a primeira pergunta que ele fez foi a já conhecida
"como é que você sabe que a pessoa foi batizada
nesta igreja?"

Mostrei a ele a copia da  certidão, explicando


que faltavam informações primordiais para que
fosse possível o reconhecimento da cidadania,
como por exemplo o nome dos pais. Depois de
resmungar algo, abriu um armário, pegou alguns
livros e colocou-os em cima da mesa:

- Ecco, pode ficar a vontade, quando encontrar


o que procura me chame que eu preparo o
documento.

Depois de decifrar o que parecia  chinês,


consegui as  informações  necessárias e o chamei,
conseguindo finalmente o documento correto.

Agradeci (não  sei bem por qual motivo), voltei


pra Neverland e fui dar a boa noticia para a minha
primeira cliente aqui na Italia, extasiado com os
primeiros trocados ganhos na terra do meu nonno.
Hoje percebo o quanto foi importante “topar” logo
no início da carreira com dois padres complicados,
pois isso me deu confiança para posteriormente
conseguir passar por situações semelhantes, com
desenvoltura e jogo de cintura.

OS 'SEGUNDOS TROCADOS'

Não sei se por culpa ou qualquer outro motivo,


naquela mesma semana recebi uma ligação da
Iracema dizendo que no restaurante onde ela
trabalhava estavam precisando de um ajudante de
cozinha para o final de semana, e se eu estaria
interessado na vaga.

Mais do que depressa aceitei e combinamos


que eu deveria passar na casa dela por volta das
15:00 no sábado para que fôssemos juntos ao
restaurante, que ficava em uma cidade próxima.

Ao chegar lá, fui designado para cortar verduras


e legumes, descascar ovos e batatas, fatiar os frios
e tudo mais relacionado a preparação do jantar.

Tudo parecia muito fácil, até começar a chegar


os primeiros clientes. Foi então que me explicaram
que aqui na Italia, a tipologia daquele restaurante
é conhecido como Agriturismo e que felizmente
trabalharíamos com uma espécie de menu fixo.
Isso significaria que todos os clientes receberiam
pratos iguais, sejam de entradas, prato principal,
segundo prato e sobremesa.
Felizmente pra quem cara pálida? Começaram a
chegar dois, três, cinco, dez pedidos ao mesmo
tempo e começou uma gritaria, uma loucura que
só Deus sabe como eu sobrevivi naquele dia!

Era um corre corre danado: coloca a carne na


grelha, pôe a linguiça no fogo, enfia 750 gramas
de spaghetti na água, rala 150 gramas de queijo -
metade ia pro prato, metade pra boca!

Já com as pernas doendo de tanto trabalhar, por


volta da meia-noite descobri que o meu cargo
incluía também a lavagem de toda a louça do
local. Putz grilo, ô povo pra sujar louça esses
italianos! Parecia que toda a produção industrial da
Tramontina estava entrando pela porta daquela
cozinha, só que suja!

E quando eu achava que tinha conseguido


terminar de lavar todos os pratos, eis que descubro
outra coisinha: era o momento da chegada dos
copos e taças, que não podiam ser lavados juntos
com o resto, pois existe outra técnica de lavagem
dos mesmos.

Saímos do restaurante às 2 horas da manhã e ao


mesmo tempo que estava completamente morto de
cansaço, sentia uma grande felicidade, pois pela
primeira vez pude experimentar alguns pratos
típicos da cozinha italiana, visto que a minha
experiência até aquele momento se resumia ao
miojão do outro restaurante. No final ganhei 50
euros, fruto do meu suado trabalho em terras
italianas.

CONHECENDO PESSOAS ESPECIAIS

O tempo passava e o trabalho com buscas de


documentos aumentava. Já era comum eu passar
três ou quatro dias perambulando pelo país,
dormindo em estações de trem em busca dos
documentos dos leitores do blog e retornar pra
casa somente no final de semana.

Num destes retornos, a Isadora me ligou


dizendo pra que eu passasse na casa da Iracema,
pois elas queriam me apresentar uma pessoa.
Cheguei lá no final da tarde e finalmente tinha a
oportunidade de conhecer a Paula, que mais tarde
seria uma das pessoas que me acompanhariam
durante todo o meu processo de reconhecimento.

Eu já tinha trocado inúmeras mensagens com a


Paula durante o período em que ela estava vivendo
com o marido José nos Estados Unidos, dando
algumas dicas sobre como reunir e traduzir os
documentos, por isso aquele nosso encontro foi
apenas uma mera formalidade, pois parecia que
nos conhecíamos desde sempre.

Fiquei ainda mais feliz quando soube que,


depois de alguns problemas com a residência dela
na casa da Iracema, ela se mudaria pra casinha e
moraria junto comigo, onde realizaríamos juntos
os nossos processos.
Também não demorou muito pra que eu
conhecesse duas outras pessoas que também
seriam fundamentais na minha vida e que até hoje
os considero meus pais aqui na Italia: a Bianual e o
Caco.

Ambos vivem na Italia há mais de dez anos, e


vieram em épocas diferentes pra Italia, primeiro
veio o Caco e depois de dois anos vieram a Bia
com os filhos pequenos deles. Isso aconteceu
porque o Caco já tinha duas irmãs que viviam aqui
na Italia, sendo que ambas trabalhavam com
cidadania italiana na pequena cidade de
Neverland. Pois é, mundo pequeno este!

Eu conheci o Caco na casa da Iracema. Um


belo dia estava por lá quando entra pela porta um
rapaz magro, alto e completamente careca. Me
cumprimentou e foi extremamente simpático
comigo. Não demorou mais do que alguns dias
para conhecer também a sua esposa Bia e seus
filhos Raul e Renan, todos eles moravam lá na
cidade e eram pessoas mais do que especiais.

Mal me conheceu, o Caco se compadeceu com


a minha história, por também ter passado alguns
perrengues na sua chegada, longe da sua família.
Como estávamos no verão, sempre que eles iam a
praia ou em qualquer outro lugar aos finais de
semana, passavam lá na casinha e me levavam
com eles. Fizeram com que aquele momento de
incerteza e sofrimento se tornasse mais ameno,
digamos mais familiar.

A consideração e o carinho que tiveram com


alguém que eles tinham acabado de conhecer
demonstrava a grandeza de caráter e o enorme
coração destas pessoas. Por isso eu os tenho muito
próximos, todos os anos passamos algum feriado
juntos. Quando retorno pra cidade de Neverland
onde eles ainda vivem,, trocamos figurinhas,
lembramos de algumas histórias do passado, rimos
e também choramos, mas sempre juntos.

Ao longo deste livro vocês poderão perceber


que, em momentos cruciais, estas pessoas foram
importantes nesta minha saga aqui na Italia e
foram determinantes para o meu futuro, hoje
presente.

A BATALHA BUROCRÁTICA COM O COMUNE


DE NEVERLAND

Após fazer a declaração de presença na


primeira semana da minha chegada, o processo
estava praticamente parado, pois sem os
documentos originais legalizados nada mais
poderia ser feito. Mais uma vez algo que tinha sido
dito antes da minha vinda, não correspondia.

Finalmente os documentos chegaram no dia 14


de julho, dois dias antes do meu aniversário e corri
para protocolá-los no comune quando tive a
péssima notícia que a oficial responsável estava de
férias e retornaria apenas no início de agosto.

Aguardei o retorno da oficial e no mesmo dia


que ele retornava das suas merecidas férias, lá
estava eu lembrando-a que eu existia. Me pediu
para aguardar, pois iria analisar os documentos e
em breve me ligaria. Aproveitei para já pedir a
m i n h a r e s i d ê n c i a n o o u t r o s e t o r, m a s
estranhamente negaram o pedido, pois disseram
que somente após a análise dos documentos isso
seria possível. Conversei com a Iracema que
confirmou que ali trabalhavam desta forma, e
acatei, claro.

Passaram 15 dias e nada. Fui ao comune no dia


15, e estavam fechados, era feriado.

No dia 4 de setembro eu voltei no comune e


disse a ela que precisava da carta, pois ja havia
passado quase 50 dias da data do protocolo e eu
não podia esperar mais. Sem meias palavras, a
oficial disse que não tinha como analisar os meus
documentos, pois eu havia deixado apenas as
fotocópias no setor de protocolo do comune e com
aqueles documentos nada podia ser feito.

Respondi que ela tinha razão, mas que isso


tinha sido feito a partir da sugestão da Isadora, que
já conhecia os trâmites naquele comune e me
disse que não seria um problema. Entreguei os
documentos originais e ela me pediu outra semana
para analisá-los.
Já ressabiado com todos aqueles
acontecimentos, retornei na segunda-feira
seguinte, apenas três dias antes de vencer o meu
prazo para dar entrada no visto permanente,
procedimento que só poderia ser feito com a
bendita declaração do comune.

Mais uma negativa da sua parte, dizendo que


não tinha tido tempo e que além disso estava
esperando a resposta de uma pergunta que tinha
feito a um órgão superior na capital, pois segundo
ela alguns dados contidos nos documentos
c o l o c ava e m d ú v i d a o m e u d i r e i t o a o
reconhecimento. Mais um motivo para me
preocupar.

Sem esperar ela terminar de falar, saí do prédio


do comune e corri em direção ao ponto de ônibus,
convencido em resolver tudo aquilo de uma vez
por todas. Eu iria pessoalmente até este tal órgão
superior, que era a Prefettura3, pedir urgência nesta
análise.

Como não falava ainda muito bem a língua


italiana, comecei a anotar num caderninho quais
seriam os prováveis diálogos que eu teria, junto
com as possíveis respostas que receberia e fui
treinando durante os cerca de quarenta minutos
que separavam as duas cidades.

3 *Prefettura é o equivalente a sede do governo


estadual no Brasil
Cheguei na Prefettura, entrei esbaforido pela
porta, e sem saber bem onde estava indo vi uma
escada que levava ao segundo andar e quando
cheguei lá, encontrei uma senhora que ao me ver
perguntou quem eu procurava e o que precisava.

Perguntei sobre o setor de cidadania, ela


gentilmente respondeu que ela mesma cuidava
deste tipo de procedimento e como podia me
ajudar. Depois das minhas explicações, a bomba:
não havia nenhum pedido de informações
realizado pelo comune de Neverland sobre o meu
processo.

Sem acreditar naquilo desabei em lágrimas.


Não consegui me conter, pois todos os meus
sonhos estavam indo por água abaixo e eu não
entendia o que tinha feito de errado. A senhora
percebendo o meu desespero e tentando me
acalmar, me perguntou o que estava acontecendo
com o meu processo e o que o comune tinha me
dito.

Contei todos os detalhes e mostrei a ela as


cópias dos documentos que eu tinha em mãos.
Depois da sua análise, que não demorou mais do
que trinta segundos, ela respondeu que não havia
nenhum problema e que o comune não tinha
nenhum motivo pra não aceitá-los.

Perguntou então desde quando eu era residente,


e quando expliquei que o oficial do outro setor
não tinha aceito o meu pedido por ter dito que a
circular que eu tinha em mãos não era válida, ela
perdeu completamente a compostura.

- O que? Como cazzo um oficial diz que a


nossa circular não vale?
Eu respondi que não era a circular dela, mas
sim a circular do Ministério do Interior em Roma.
Ela então me explicou que o local onde eu
estava, era nada mais nada menos do que uma
espécie de filial do Ministério em Roma, e que eles
eram os responsáveis pelo envio das circulares
emitidas na capital, aos devidos comunes da
região pertencentes a eles.

Sem saber tinha mexido em um vespeiro…

No mesmo instante pegou o telefone ao


comune de Neverland

- Quero falar com a funcionária do stato civile.


- Tà ocupada? Desocupa! Aqui quem fala é a
Oficial Maior Sensacional da Prefettura.

Não sei bem o que aconteceu, mas ela ficou


vermelha, desligou o telefone, pegou um pedaço
de papel e anotou o telefone dela, me dizendo o
seguinte:

- Retorne agora mesmo até aquele comune e


peça aquela funcionária aceitar hoje mesmo os
seus documentos e também emitir a declaração
que você precisa para solicitar o seu permesso di
soggiorno. E faça a mesma coisa em relação ao
incompetente do oficial anagrafe sobre a sua
residência. Qualquer problema que você tiver com
uma destas pessoas, me ligue a cobrar neste
numero, que é o número do meu celular pessoal, e
passe o telefone para a tal pessoa. E fique tranquilo
que vamos resolver este problema pra você ainda
hoje!

Saí daquele prédio com a impressão de ter uns


quatro metros de altura. Cheguei no comune e ao
entrar na sala da tal oficial, encontrei a sua mesa
tomada pelos meus documentos, pois a oficial-mor
tinha conseguido falar durante o meu trajeto de
retorno. Começamos a discutir a plenos pulmões,
embora não sei se eu realmente falei tudo aquilo
que eu acho que falei, porém na minha cabeça eu
tive uma discussão perfeita na língua italiana com
ela.

Comecei chamando-a de mentirosa, perguntei


quais os motivos que ela tinha para me prejudicar,
o que ele ganhava criando problemas com o meu
processo e tantas outras cabeludas que
sinceramente, eu no lugar dela teria chamado a
polícia, já que eu estava cometendo o crime de
desacato a autoridade.

Por algum motivo que eu nunca saberei, ela


não só não chamou a polícia mas começou a
discutir comigo de volta, dizendo que não tinha
nenhum motivo para prejudicar ninguém, que eu
não tinha que ter ido até a capital colocá-la em
dificuldade, entre outras coisas que eu não
entendi, confesso.

Respondi que eu não sairia de lá sem a carta e


que eu contava com o apoio da senhora da
prefettura, que já tinha analisado os meus
documentos e não entendia porque o comune de
Neverland estava criando problemas.

Nisso, acho que por ter sentido a frase apoio da


senhora da prefettura, apareceu na sala uma outra
senhora, que eu não havia conhecido até aquele
momento, pedindo calma a todos os envolvidos.
Sendo muito simpática e solícita, se apresentou
como a chefe de todo aquele departamento e me
disse que ninguém naquele local tinha interesse
em prejudicar qualquer pessoa, que todos estavam
ali para cumprir com as suas obrigações junto a
população.

Conversou brevemente com a oficial sobre o


meu caso e pediu a ela que preparasse a
declaração naquele mesmo dia, para que então eu
pudesse buscá-la na manhã seguinte. Assim como
a outra senhora, me perguntou desde quando eu
era residente no comune de Neverland e mais uma
vez expliquei que o oficial do primeiro andar não
tinha aceitado o meu pedido de inscrição.

Como Deus realmente existe, naquele


momento, sem ter a menor ideia do que estava
acontecendo naquela sala, entra o dito cujo oficial
que até hoje deve estar meio zonzo da reprimenda
que recebeu da oficial-mor, não acreditando que
ele tinha se recusado a obedecer uma circular do
governo italiano e que depois teria uma conversa
com ele em particular. Porém fez questão de
salientar que este senhor (que era eu!) assim que
terminássemos de conversar, desceria e solicitaria a
residência.

Desci, fiz a minha inscrição e na manhã do dia


seguinte – 13 de setembro, último dia útil que eu
tinha para realizar o pedido do visto, consegui
finalmente estender a minha permanência de
forma regular aqui na Italia.

Agora era só aguardar a visita do guarda


municipal.

A INFINITA ESPERA DO GUARDA MUNICIPAL

Aqui na Italia quando alguém se muda de casa


ou apartamento, deve ir até a sede da prefeitura da
cidade onde está residindo e informar as
autoridades sobre esta mudança. O funcionário
público, ao receber este pedido, manda um guarda
municipal até o endereço indicado para confirmar
que a pessoa efetivamente está ali e se o local tem
condições higiênico-sanitárias para receber esta
pessoa.

Isso acontece porque muitos benefícios sociais


e outros serviços estão estritamente ligados aos
cidadãos residentes. Por exemplo, se você tem um
filho recém-nascido, só poderá colocá-lo na
creche municipal se for cadastrado naquela cidade
como residente. O mesmo para tantos outros
serviços, como a escolha do médico de família, a
inscrição no colégio, o desconto na farmácia, entre
tantos outros.

Isso também é importante a quem vem realizar


o processo de reconhecimento da cidadania
italiana: somente quem é cadastrado no comune
tem o direito a solicitar o reconhecimento ao
prefeito da cidade. E lá estava eu, com o meu
pedido feito, apenas esperando a visita do dito
cujo.

Coincidentemente naquela mesma semana, a


Paula também tinha conseguido dar entrada no seu
pedido de residência, portanto ambos estávamos
aguardando ansiosamente a visita do vigile. Só que
tinha um problema: eu tinha dezenas de buscas de
documentos que estavam pendentes, e eu tinha
que ir urgentemente ao norte da Italia buscá-los.

Escrevi um email a todos aqueles que eu


carinhosamente chamava de CAB’s - Clientes
Amigos do Blog explicando a situação e felizmente
todos não só entenderam como começaram a
torcer e a esperar junto comigo a confirmação da
minha residência.

Um dia, dois dias, uma semana e nada!

Na semana seguinte aos pedidos, toca a


campainha: era ele!!!
Pedindo licença entrou na casa , olhou para a
sua pasta e perguntou:

- Bom dia, estou aqui para confirmar a


residência da senhora Paula Rossi.

Mais do que depressa, a Paula se apresentou,


entregou o passaporte, ele então confirmou os
dados, escreveu algo em uma folha e em seguida
respondeu que a residência estava confirmada e
que dentro de alguns dias esta residência seria
inserida no sistema do comune, quando então
receberia uma confirmação pelos correios.

E já ia saindo quando eu, também mais do que


depressa, pedi desculpas pela interrupção e disse
que eu também estava ansiosamente aguardando a
minha confirmação de residência.

Com uma cara de enorme surpresa, disse que


não havia nenhum outro pedido daquele imóvel
pendente e perguntou se eu tinha o recibo do
pedido, que já estava meticulosamente ali nas
minhas mãos.

Entreguei a ele, que continuava a balançar a


cabeça, não entendendo como era possível outro
pedido de residência naquela mesma casa e ele
não tinha visto.
Me disse que verificaria o quanto antes o que
tinha acontecido e tão logo solucionasse o
imbróglio me ligaria.

Ao mesmo tempo que estava bastante feliz pela


confirmação da Paula não conseguia entender
como era possível que cada parte do meu processo
era realmente uma saga!

Também quem mandou dar o nome ao blog de


Minha Saga? Se ele se chamasse ‘Minha Prática
Bonitinha’ ou ’Minha História Divertida’ com
certeza as coisas seriam diferentes…

MAIS UMA BATALHA - A CONFIRMAÇÃO DA


RESIDÊNCIA

Quando nada mais parecia poder piorar, lá


estava a Lei de Murphy para provar que se hoje
está ruim, amanhã pode ser pior!

Mais uma semana se passou e nada do guarda


municipal (re)aparecer. Entrei em contato com a
minha magnânima assessora Isadora, que me disse
que tinha acabado de ligar para a sede dos guardas
municipais e justamente o vigile que era
responsável pelas confirmações da minha rua
estava de férias, mas que retornaria dentro de
alguns dias.

Depois de vociferar todos os palavrões e xingar


a coitada da mãe do guarda, resolvi sair para
espairecer. A pior coisa quando estamos realizando
o processo de cidadania aqui na Italia sozinho é a
falta de informações concretas sobre os
procedimentos e quanto tempo eles levarão

Como nada tem prazo, nos sentimos perdidos


pois não dá pra planejar o que pode acontecer no
dia seguinte, na semana seguinte ou sequer dá pra
imaginar qual será o nosso futuro. E o desespero
começa a bater…

Saí da casinha rumo ao centro da cidade, subi a


ladeira que ligava o nosso bairro a civilização,
desci a rua da tabacaria e quando me preparo para
atravessar um dos poucos cruzamentos da cidade,
quem está lá, firme e forte cuidando do trânsito?
Pois é…

Sem acreditar no que estava vendo, cheguei


próximo dele, o cumprimentei e completamente
incrédulo, perguntei quando ele tinha voltado das
férias.

As suas palavras foram como um soco na boca


do estômago: - Férias, eu? Quem me dera, nem me
lembro da última vez que tirei férias…

Permaneci imóvel por alguns momentos e


quando consegui falar algo, ele já estava longe,
parando um casal de jovens em cima de uma
vespa com todos os indícios que não só não
tinham documentos, mas que a motoquinha não
deveria estar rodando pelas ruas da cidade.
Tudo aquilo que eu não queria acreditar, estava
acontecendo. Aquela era a prova que eu estava
sendo enganado, recebendo informações erradas
sobre o meu processo.

Por que? O que eu tinha feito de tão ruim para


merecer aquele tratamento daquelas pessoas?

Eu tinha que tomar alguma atitude, tomar de


volta as rédeas da minha vida. Decidi não
compartilhar aquela informação com a assessora.
Seria uma arma a ser utilizada em caso de
necessidade.

Entrei na igreja da cidade e rezei. Pedi a Deus


que me ajudasse a agir com clareza, que me desse
forças e que cuidasse de mim. Exausto de tanto
lutar, chorei.

CONVERSANDO COM O CHEFE DOS VIGILES

Depois de contar tudo que tinha acontecido pra


Paula, resolvi que na manhã seguinte iria
pessoalmente na sede dos guardas municipais
conversar com o chefe e ver o que poderia ser
feito. Assumi que tudo que tinha acontecido antes
estava muito mal contado e não podia acreditar
mais em nada.

Tão logo abriram as portas lá estava eu, com o


meu recibo do pedido de residência em mãos,
pedindo pra falar com o responsável. Uma coisa
curiosa é que a sede dos guardas ficava
literalmente a poucos metros da porta de entrada
na prefeitura, na mesma pracinha. A única coisa
que dividia um prédio do outro era a estátua em
bronze de Giuseppe Garibaldi no meio.

O senhor que me atendeu pediu o meu


sobrenome, procurou, procurou e não achou nada.
Não entendia como era possível eu estar com o
recibo oficial do pedido em mãos e com eles não
ter nem sombra do meu pedido. Pediu que eu fosse
até o comune verificar com o oficial, pois a única
explicação plausível era que o papel jamais
chegou do outro lado da praça porque nunca saiu
do prédio do comune.

Contornei a estátua do ex-marido da Anitta e


entrei no comune. O setor responsável pelos
pedidos de residência se encontrava no térreo, do
lado direito após a entrada no prédio. Cheguei lá e
pedi gentilmente ao oficial que verificasse se
houve algum problema com o meu pedido de
residência, pois tinha acabado de falar com os
chefes dos guardas municipais e ele não encontrou
o meu pedido.

- Oras, eles que se virem, se perderam o pedido


é um problema deles, respondeu com a grosseria
que lhe era característica.
- Senhor, na verdade é um problema meu, pois
independente de quem tenha perdido o papel, sou
eu que estou aguardando a confirmação da
residência, respondi.
- E o que você quer que eu faça? Já foi aceito o
seu pedido, não? Não tenho mais o que fazer, se o
guarda perdeu o papel, ele que venha aqui e
verifique os pedidos em aberto.

E para fechar com chave de ouro a sua


demonstração de cordialidade, terminou a
conversa dizendo que eu não deveria me
preocupar, pois se em 90 dias eu não recebesse a
visita do guarda, automaticamente a residência
seria confirmada.

Voltei pro outro lado da praça e reportei a ele


tudo que o oficial tinha falado e perguntei se ele
podia fazer algo pra me ajudar. Disse que iria
conversar com o oficial no comune, fez uma
fotocópia do meu recibo, devolveu o original e
prometeu que me ligaria assim que possível.

Escrevo este livro no início de 2015 sem nunca


ter recebido aquela ligação…

PAULA, VOU EMBORA PRA LONDRES

Voltei pra casa arrasado, sem forças nem


vontade de continuar brigando. Eu estava
esperando há mais de 15 dias desde o pedido de
residência e sequer sabiam onde o meu pedido
tinha ido parar. Conversei com a Paula e disse que
ia embora pra Londres, pois já tinha conversado
com alguns leitores e eles me disseram que se eu
fosse pra lá me ajudariam na chegada ao país, a
passar pelos primeiros perrengues.

Ela então começou a tentar me fazer mudar de


ideia, dizendo que eu não podia desistir, não
depois de tudo que passamos.

Não seria a primeira vez que eu teria que


começar minha vida do zero, mas estava disposto
a assumir os riscos. Olhei minha carteira e vi que
eu tinha pouco mais de 150 euros. Levando em
consideração que eu pagava 200 de aluguel, já
não tinha dinheiro suficiente para permanecer na
Italia, porém era um valor que ainda me permitia
comprar uma passagem aérea pra Londres e
permanecer alguns dias em um albergue até que as
coisas se ajeitassem.

O mais difícil de tudo isso era não poder contar


a minha família no Brasil o que estava
acontecendo. Minha então esposa, minha mãe e
minhas filhas tinham a mais absoluta certeza de
que deste lado de cá do oceano tudo estava
normal. Eu tinha a consciência de que não podia
compartilhar estes momentos com elas, pois só as
deixaria preocupadas. Eu tinha que suportar isso
sozinho, como tinha feito em todas as outras
etapas da minha vida.

Me tranquei no meu quarto e comecei então a


colocar o plano em prática. Verifiquei quantos
pedidos de documentos ainda estavam pendentes,
fiz algumas contas, e comecei a preparar o projeto
da minha mudança, escrevendo alguns emails e
mandando algumas mensagens a conhecidos que
viviam na Inglaterra.

De repente ouço o barulho do carro do Caco


estacionando do outro lado da rua. Barulho da
campainha e a voz angustiada da Paula: - Graças a
Deus você chegou Caco, o Fábio tá falando em ir
embora, não podemos deixar isso acontecer!

- Don, abre a porta, queremos falar com você.

Nunca perguntei ao Caco o porquê dele me


chamar de Don, mas sempre me chamou assim,
desde que nos conhecemos.

Abri a porta e ambos entraram.

A Paula, vermelha de vergonha, com cara de


irmã mais nova que tinha dedurado o irmão aos
pais, sequer conseguia me olhar nos olhos.

O Caco tomou a palavra e me perguntou o que


estava acontecendo. Contei a ele tudo que eu tinha
descoberto, todas as mentiras, a discussão com a
oficial, o comportamento do vigile e da falta de
boa vontade do oficial em relação a minha
residência. Ele ouviu tudo sem me interromper em
nenhum momento.

Quando terminei, ele ficou calado por alguns


segundos, coçou a cabeça e com a voz calma e
pausada que lhe é característica me disse:
- Don, eu conversei com a Paula e você vai
começar a trabalhar com cidadania, prestando
consultoria.

Sem conseguir esconder o espanto retruquei: -


Vocês estão loucos? Não tenho onde cair morto,
como é que eu faria pra trabalhar com algo do
gênero? Eu preciso cuidar da minha vida, preciso
ganhar dinheiro!

O Caco, sem perder a compostura e tampouco


alterar o tom da voz, me perguntou:

- Don, me responda uma coisa. Você teria


coragem de olhar nos olhos das suas filhas e dizer
que você fracassou de novo? Que foi um covarde
por não querer lutar pelo bem e pelo futuro delas
aqui na Italia?

Aí é sacanagem! Abaixei a cabeça e comecei a


chorar muito. Entre soluços, expliquei a eles que
estava cansado de lutar e não ver retorno. A Paula
veio, me abraçou e com lágrimas nos olhos disse
que não ia me deixar desistir, que iríamos lutar
juntos. Me senti amparado, como há muito tempo
não me sentia.

Conversamos sobre algumas ideias, a Paula me


falou que tinha alguns conhecidos no Brasil que
estavam interessados no processo de
reconhecimento e o Caco disse que tinha vários
amigos nas cidades vizinhas, que tinham casas
para alugar e que me levaria nas prefeituras para
conversar e ver se eles estavam dispostos a receber
pedidos de cidadania.

Nos despedimos e finalmente, depois de tantos


meses, consegui dormir uma noite tranquila, com a
certeza de que eu não estava sozinho.
CAPÍTULO SEI
Tempo de grandes decisões

UM SOPRO DE ESPERANÇA

Na manhã seguinte estava revigorado pela


ótima noite de sono. Tomei meu café da manhã
tradicional que consistia em uma grande xícara de
café preto com biscoitos de manteiga. Liguei meu
computador, respondi vários emails, alguns
comentários no blog, vi as mensagens recebidas no
finado orkut e por fim percebi que tinha uma
notificação de mensagem do Messenger.

Qual não foi a minha surpresa em ler que uma


das minhas amigas virtuais do Orkut tinha
respondido um dos pedidos de ajuda da noite
anterior. Ela dizia que era um absurdo eu querer ir
pra Londres, que o blog era um sucesso e que via o
meu futuro na Italia, prestando consultoria.
Praticamente ela falava a mesma coisa que a Paula
e o Caco já tinham me falado no dia anterior, só
que com outras palavras.
Me explicou também que trabalhava com
consultoria financeira e que justamente alguns dias
antes tinha recebido do noivo de uma amiga, um
pedido de sugestões para investimentos no Brasil.
O cara era italiano, tinha uma grana guardada e
gostaria de investir em algo, só que não sabia bem
como e nem onde.

Ao ler a minha mensagem, ela não teve dúvidas


e pensou que seria uma ótima ideia passar a este
italiano a possibilidade de criar comigo uma
sociedade de consultoria na obtenção do
reconhecimento da cidadania italiana. Explicou
que não o conhecia muito bem, porém sabia que
esta amiga iria se casar com ele e juntos iriam vir
morar na Italia. Sabia também que existiam
grandes chances dela comprar a ideia de vir a Italia
já com algo garantido, caso contrário acabaria se
tornando apenas mais uma dona de casa em terras
italianas.

Me pediu para preparar um plano de negócios e


claro que quando li aquele pedido, comecei a rir.
Como era possível num dia estar praticamente sem
perspectiva de futuro e no outro ter um pedido de
envio de um business plan?

Agradeci a proposta, mas expliquei que as


coisas não eram tão fáceis assim. Não adiantava ter
um italiano rico para que o negócio de consultoria
funcionar, mais do que isso era necessário ter
contatos com os comunes e expliquei a ela tudo
que estava acontecendo aqui.
Combinamos de nos falar novamente no dia
seguinte, mas reforçou o pedido pra que eu
colocasse no papel tudo aquilo que seria
necessário para abrir uma empresa de consultoria.
No dia seguinte, eu já tinha a resposta de que o
irmão do italiano já tinha trabalhado em um
comune na Toscana, que ficava do outro lado de
onde eu me encontrava, e que segundo ele isso
não era um problema, pois este irmão ainda
mantinha contatos com os funcionários e poderia
ajudar o negócio quando fosse necessário.

No final de setembro de 2007 enviei pra ela por


email o plano de negócios com o nome de “síntese
do trabalho de reconhecimento da cidadania
italiana jure sanguinis”, email este que conservo
carinhosamente até hoje no meu arquivo pessoal.

Poucos dias depois, ela finalmente me retornou


dizendo que o italiano tinha adorado a ideia, mas
que queria me conhecer pessoalmente antes de
qualquer outro passo. Me passou o seu email e seu
telefone, e então marcamos para nos conhecer na
semana seguinte. Desta vez eu teria que pegar um
trem até a Toscana, onde ele morava e torcer pra
que ele fosse com a minha cara e aceitasse ir
adiante com o projeto. Como se eu não tivesse
pressão suficiente na minha vida naquele
momento.

CONHECENDO O ITALIANO
Depois de alguns telefonemas, decidimos nos
encontrar na cidade de Lucca, pois ele estava
trabalhando temporariamente naquela cidade. Só
que tinha um problema: eu tinha apenas meus
parcos 150 euros no bolso e uma viagem de
Neverland pra Lucca custava cerca de 50, ida e
volta. Aquele encontro para tratar de negócios
tinha quase cem por cento de chances de não dar
em nada, o que colocaria em risco 1 das 3 notas
de 50 euros que eu tinha em mãos. Me sobrariam
apenas 2 delas…

Foi então que em mais um destes momentos


que parecem acontecer só em filmes, um leitor me
escreveu pedindo para ir buscar a certidão do seu
antenato que estava na cidade de Massarosa,
distante apenas 2 estações de trem da cidade de
Lucca. E felizmente desta forma não precisei
desembolsar nenhum centavo para poder me
encontrar com o italiano e ainda por cima iria
ganhar um pouco de dinheiro pela busca do
documento.

Contei ao italiano que estava indo até


Massarosa e no final das contas acabamos nos
encontrando lá mesmo, na frente da igreja onde eu
fui buscar o documento do cliente. Nos sentamos
no bar da praça, expliquei o projeto a ele, que me
questionou sobre alguns detalhes técnicos. Por fim,
me disse que tinha gostado muito da ideia e que
da parte dele não havia nenhum problema ou
obstáculo para que pudéssemos trabalhar juntos.
Também explicou que não era fácil encontrar
uma casa para alugar de imediato na Italia, mas
que iria começar a ver algo e a partir daquele
momento conversaríamos com frequência, para
alinharmos os planos e decidir as próximas ações a
serem tomadas. Compartilhou também que a sua
noiva estava vindo no final do ano para morar com
ele, e que a presença dela poderia ser de grande
ajuda na organização e realização das coisas por
aqui.

Terminamos o encontro, ele me deixou na


frente da estação de trem de Lucca e de lá peguei
o trem de volta para Neverland. Foram quase 6
horas pensando em tudo aquilo que estava
acontecendo e como as coisas começavam
novamente a se endireitar.

O DESPEJO

Estávamos já no início do mês de outubro de


2007 e eu não tinha recebido nenhuma resposta
do guarda municipal e muito menos da minha
assessora ou do comune de Neverland. Por outro
lado as conversas com o italiano e com a amiga no
Brasil progrediam a passos largos. Eles já tinham
visto uma casa para alugar e combinamos que eu
receberia um notebook para começar a trabalhar
prospectando novos clientes e elaborando as
estratégias futuras de negócios. Tudo acontecia
muito rápido: eles me posicionavam sobre o
a n d a m e n t o d a s n e g o c i a ç õ e s d o i m ó ve l ,
discutíamos os nossos planos e ao mesmo tempo
leitores me escreviam torcendo pelo meu processo
e diziam que se eu estivesse disponível, não
pensariam duas vezes em realizar o processo com
a minha ajuda.

No dia 15 de outubro, já completados quatro


meses que eu havia chegado, estávamos eu e a
Paula jantando por volta das 20 horas quando de
repente toca a campainha. Será que finalmente
minha residência seria confirmada? Estranho o
vigile passar aquela hora, mas não importava,
antes tarde do que nunca…

Abri a porta e dei de cara com uma senhora,


reconhecendo-a imediatamente por causa da foto
do documento que haviam me entregado quando
cheguei: era a proprietária do imóvel.

- Boa noite, quem é você? chegou logo


perguntando.
- Boa noite, senhora, eu sou o Fabio, que está
alugando este apartamento da senhora
- De mim? Como assim? Não vai me dizer que
vocês são aqueles brasileiros que vem pra cá por
causa da cidadania italiana?
- Na verdade, somos sim senhora.
- Porca puttana, não acredito nisso! Fazem mais
de dois meses que eu disse a Iracema que esta casa
estava vendida e que não deveria mais ser utilizada
pra este tipo de coisa!

Sem nem ter me dado a chance de responder,


pegou o telefone e ligou para Iracema. Chamava-a
de irresponsável, que já tinha avisado há tempos
que não era pra ter mais ninguém aqui, que ela
deveria resolver no máximo até a manhã seguinte,
quando o novo proprietário iria com o guarda
municipal fazer uma vistoria no imóvel e não
queria ninguém ali, e muito menos aqueles móveis
decadentes que estava vendo, pois a casa tinha
sido entregue vazia, e assim deveria ser devolvida.

Durante a confusão, a Paula incrédula com


tudo aquilo já tinha ligado para o seu marido José,
que estava do outro lado do oceano trabalhando,
que por sua vez já tinha ligado para a Isadora
exigindo uma tomada rápida de decisão, pois sua
esposa estava sendo inexplicavelmente despejada
do imóvel.

Algumas pessoas que passaram por


experiências traumáticas, como aquelas chamadas
de quase morte, dizem que num determinado
momento tiveram a impressão de terem visto o
próprio corpo como se estivessem fora dele,
observando-o através de uma posição privilegiada,
como num filme. Esta é exatamente a imagem que
eu tenho daquele momento: eu ali em pé na frente
da proprietária da casa, que estava aos berros no
telefone. Atrás de mim eu via a Paula andar de um
lado a outro com o telefone na orelha, desesperada
pedindo ao marido para ligar para a “cretina” (juro
que nesta minha experiência de “quase morte”
estas eram as palavras que ela usou) para que ela
tomasse uma atitude, pois tudo já tinha ido longe
demais.
Depois de alguns minutos tudo se acalmou. A
proprietária desligou o telefone e percebendo que
nós também éramos vítimas daquela situação, nos
explicou que há alguns anos tinha conhecido estas
irmãs e que depois de muita insistência da parte
delas, resolveu alugar aquele imóvel para que
pudessem receber brasileiros. Porém não tinha
ideia de que isso ainda acontecia, pois já há muito
tempo não recebia mais o dinheiro dos aluguéis e
que por isso tinha a mais absoluta certeza de que o
imóvel estava vazio.

- Felizmente eu tive a ideia de passar aqui hoje


para ver como estava a conservação geral da casa
antes da vinda do novo proprietário, imaginem se
vocês tivessem sido surpreendidos por ele junto ao
policial - disse tentando amenizar o clima, coisa
completamente sem sentido naquele momento,
visto tudo que estava acontecendo.

O telefone da Paula tocou, era a Isadora


dizendo que a Iracema viria dentro de algumas
horas conversar com ela para resolverem o
problema e que ela seria realocada para outro
imóvel. Enquanto isso a proprietária se despedia,
não sem antes pedir desculpas por toda aquela
confusão e desejando sorte em nossos processos.
Tive tempo de ouvir a Paula perguntando o que
elas fariam a meu respeito, e a resposta parecia
não ter sido muito boa, já que ela começou a
gritar, dizendo que tudo era surreal e que não
havia um mínimo de profissionalismo naquilo
tudo.

Eu já tinha entendido tudo antes mesmo que ela


desligasse o telefone, teria que me virar. E rápido!

Peguei o celular, liguei pra Bia e perguntei se


podia passar lá rapidinho pra conversar com ela e
com o Caco. Deixei a Paula aos prantos e em
menos de dez minutos estava tocando a
campainha da casa deles. Contei tudo que tinha
acontecido e a cada detalhe sórdido, via a boca da
Bia se abrir ainda mais. Tudo era absurdo, surreal.
Ninguém em sã consciência conseguiria ouvir toda
aquela sequência de horrores que parecia não ter
fim, sem se chocar.

Contei também todos os meus planos com as


pessoas que eu tinha conhecido, falei que
estávamos correndo contra o tempo para alugar
um imóvel e que em breve eu me mudaria pra
Toscana. E completamente sem jeito perguntei se
eles poderiam me hospedar ali por alguns dias até
que eu recebesse o aval do italiano para poder me
mudar.

O Caco respondeu que eu não tivesse pedido,


jamais me perdoaria. Já a Bia já mandou que eu
voltasse imediatamente até a casinha e buscasse as
m i n h a s c o i s a s , r e i t e r a n d o q u e fi c a r i a m
extremamente ofendidos se eu não tivesse ido lá
conversar com eles. Com os olhos marejados
agradeci, porém respondi que voltaria somente no
dia seguinte, pois naquela noite teria que fazer
companhia pra Paula até que resolvessem a
situação dela também.

Nos despedimos e voltei pra casinha. Ficamos


eu e a Paula acordados durante toda a noite,
incrédulos sobre tudo que tinha acontecido. Por
um lado ela estava aliviada porque eu tinha
conseguido um lugar pra ficar, por outro sabia que
ainda teria que conviver com aquelas pessoas por
algum tempo, até que a sua cidadania fosse
reconhecida.

No dia seguinte fomos acordados pela Iracema,


que já chegou tentando se justificar, como sempre.
Explicou que também tinha sido pega de surpresa,
que a proprietária não era uma pessoa confiável e
que estava ali para resolver todos os eventuais
problemas que estavam aparecendo. Disse a Paula
que ela seria seria alocada na casa da Isadora e
que no meu caso iria ver com alguns amigos seus
se teriam uma vaga para me ajudar, mas que eu
poderia dormir na casa da Isadora até que tudo se
resolvesse.

Mandei-a ir ao inferno, dizendo que ela não


passava de uma grande sem vergonha, que junto
com a irmã eram duas picaretas que se
aproveitavam da boa vontade das pessoas para
ganhar dinheiro sujo. Chocada, como se eu tivesse
dito uma grande mentira, sustentava que o fato do
meu processo durar já quatro meses não era culpa
não era dela nem da irmã. E pra fechar com chave
de ouro a coleção de pérolas, falou que em
nenhum momento elas tinham me prometido uma
casa que me desse o direito a solicitar a minha
residência.

- Como cazzo você tem coragem de falar uma


coisa destas? Você está me dizendo então que eu
vim pra Italia passar férias, já que o imóvel não me
dava o direito a fixar minha residência? Então tudo
não passou de teatro, quer dizer que os
funcionários do comune também estavam sabendo
de tudo isso? E os valores que eu te paguei de
aluguel e que jamais foram parar nas mãos da
proprietária da casa?

Contra fatos não existem argumentos, ela então


se calou por alguns segundos. Em seguida
desabafou que estava cansada de resolver os
problemas criados pela irmã, que tudo isso era
culpa dela - Isadora - e que nunca quis trabalhar
recebendo brasileiros, que era também vítima
daquilo tudo.

Respirei fundo diante da dissimulada na minha


frente, peguei meus pertences, que cabiam ainda
na minha mochila e fui saindo rumo a casa da Bia
e do Caco. Ela então me perguntou pra onde eu
estava indo, respondi que não era da sua conta,
que ela podia me esquecer, que da minha vida
cuidaria eu.

Disse também que ela estava proibida de


chegar próximo ao meu processo na prefeitura e
que se fosse lá se passando por amiga, consultoria
ou qualquer coisa parecida, eu chamaria a polícia
e contaria toda a palhaçada que tinha acontecido,
incluindo que havia pago mil euros que teriam
sido referentes ao aluguel de um imóvel, dinheiro
este que a proprietária nunca viu a cor.

Fiquei na casa da Bia e do Caco durante 14


dias, os mais felizes de todo aquele período.
CAPÍTULO SETTE
A nova vida

A MUDANÇA PRA TOSCANA

Já na casa da Bia e do Caco, voltei a conseguir


raciocinar com mais calma, e com os pensamentos
em ordem, voltei a pensar no meu processo.

Fui até o comune e soube que o consulado em


SP tinha respondido o pedido sobre o último
documento que faltava para o meu processo ser
finalizado na Italia. Porém estava em uma situação
completamente surreal: meu processo todo tinha
sido conduzido sem que eu tivesse tido a minha
residência confirmada. E claro que a oficial ao me
dar a notícia fez questão de me lembrar - ela só
poderia terminar tudo se eu conseguisse um local
para que o guarda municipal passasse e
efetivamente eu fosse incluído como cidadão
residente daquela cidade.

E mais uma vez eu tinha uma decisão difícil a


ser tomada. Conseguir uma casa para terminar o
meu processo ou largar tudo e recomeçar do zero
na Toscana? Foi então que eu ouvi a voz na minha
cabeça que dizia:

- Ué você não é o Saga? Então deve escolher o


mais difícil, pois se é fácil não tem graça!

Ouvindo a tal voz, resolvi que iria até o


comune cancelar tudo, pegaria os meus
documentos originais e levaria o meu processo pra
Toscana.

No dia 29 de outubro recebi a ligação do


italiano:

- Ciao Fabio, a casa vai ficar pronta daqui há


alguns dias, como anda a sua situação por aí?
- Aqui as coisas estão cada vez piores. Estou já
há duas semanas na casa dos meus amigos e já
retirei os meus documentos do comune, estou
apenas esperando o seu aval para poder ir até aí.
- Peraí que daqui a pouco eu te ligo novamente.

Passados alguns minutos:

- Fabio, pode vir pra cá. Nós da sociedade


conversamos e decidimos que você precisa sair daí
o mais rápido possível, por isso venha pra cá
amanhã. Já reservei um hotel onde você ficará
hospedado até o apartamento ficar pronto.

E no dia 30 de outubro, as 11:47 da manhã eu


deixava a cidade de Neverland rumo a Toscana.
Enquanto esperava o trem na pequena estação da
cidade, ouvia através do fone as músicas que eu
tinha no seu celular, quando de repente começou
a tocar “O dia que eu saí de casa” do Zezé de
Camargo e Luciano.

Lembrei da minha mãe no Brasil, todos os


esforços que ela fez desde que meu pai saiu de
casa quando eu tinha 9 anos, criando bravamente
os três filhos sozinha. Foi com a sua ajuda que eu
tinha vindo a Italia, sempre acreditando e torcendo
por mim. Pensei também na Bia, que tinha se
tornado a minha mãe por aqui. Na noite anterior
ela me abraçou, me beijou e disse pra que eu não
tivesse medo, que Deus estaria sempre comigo e
que eu seria um vencedor. Fez questão de
relembrar que as portas estariam sempre abertas e
que eu jamais deveria me sentir novamente
sozinho, pois eles estariam sempre ali, caso eu
precisasse.

E lá fui eu rumo ao desconhecido, sem ter a


menor ideia de como as coisas iriam se desenrolar,
mas com uma única certeza: nada poderia ser pior
do que tudo aquilo que eu tinha passado até
aquele momento.

A CHEGADA AO HOTEL

Desembarquei na Toscana às 18:00 horas e na


saída da estação o italiano estava já me esperando.
Nos cumprimentamos, entrei no carro e ele me
levou até o hotel onde eu ficaria hospedado.
Fizemos o check-in e percebi que ficaria
sozinho em um quarto duplo, com meia pensão
inclusa. Isso significava que eu tinha a minha
disposição, incluído nos valores pagos, o café da
manhã e o jantar. Precisava me preocupar apenas
com o almoço. Naquele mesmo dia jantamos
juntos em um pequeno restaurante chinês,
conversamos um pouco e finalmente eu pude
conhecê-lo um pouco mais, pois ao mesmo tempo
que ele fazia o maior esforço para me deixar
confortável, era muito discreto e reservado.

Eu o agradeci por tudo que eles estavam


fazendo por mim, nos despedimos e lá fui eu
tomar um merecido banho que pareceu lavar todos
os problemas e angústias que pareciam ter se
acumulado em quase cinco meses.

Pois é, cinco meses. Ninguém poderia imaginar


que depois de cinco meses na Italia eu já teria sido
despejado, brigado com várias pessoas, saído de
um comune sem nunca ter tido a residência
c o n fi r m a d a , d i s c u t i d o c o m u m a o fi c i a l ,
denunciado um comune aos superiores, conhecido
pessoas extraordinárias, iniciado o trabalho de
buscador de documentos e estaria na iminência de
começar um negócio próprio como consultor.

Naquela mesma noite, durante a inspiração


para escrever um novo post no blog, começou a
tomar uma música da banda Charlie Brown Jr,
onde num determinado trecho ela diz:
O tempo passa e um dia a gente aprende
Hoje eu sei realmente o que faz a minha mente
Eu vi o tempo passar e pouca coisa mudar
Então tomei um caminho diferente

Num outro trecho:

Tem gente que reclama da vida o tempo todo


Mas a lei da vida é quem dita o fim do jogo
Eu vi de perto o que neguinho é capaz por
dinheiro
Eu conheci o próprio lobo na pele de um
cordeiro

Achei graça e comecei a escrever um dos textos


mais inspirados que escrevi no meu blog:

Antes de mais nada quero dizer que nossa vida


é feita de escolhas. Elas podem ser boas ou ruins
mas sempre temos que faze-las. E, se perceberem a
todo instante em nossas vidas estamos fazendo
algum tipo de escolha. Escolhemos a cor da roupa
que usaremos para ir a uma festa, escolhemos o
corte de cabelo dentre tantos que vimos em uma
revista, escolhemos até se iremos sorrir de volta ao
gatinho ou gatinha que está logo ali, na balada. E
dependendo da escolha, pode ser que nada
aconteça e cada um viverá a sua vida, ou quem
sabe pode começar um romance que durará o
resto da vida. Como dizemos em italiano magari…

Escrevo isso para que todos saibam que, mais


hora menos hora vocês também terão que fazer
suas escolhas. Se serão boas ou ruins deixem que o
tempo decida. E saibam que todas elas terão 50%
de chance de darem certo… ou errado. O risco
existe, mas o que seria da vida sem correr riscos?
Quem não se lembra da época da adolescência
quando namorávamos escondidos dos pais
(geralmente dos pais da garota). Aquela sensação
de “estar fazendo as coisas às escondidas” é que
fazia valer a pena!

Contei aos meus leitores que a partir daquele


momento iniciava-se a Minha Saga na Toscana, e
que só o tempo diria se esta escolha tinha sido
ideal. Só tinha uma certeza: de que eu não me
arrependia absolutamente de nada, pois eu estava
ali correndo atrás dos meus sonhos.

Postei o artigo e adormeci.

FINALMENTE ENTRANDO NA CASA

Os dias que se seguiram após a minha chegada


na Toscana foram bastante frenéticos. Muitos
leitores continuavam pedindo que eu fizesse as
buscas dos seus documentos e eu ainda tinha que
verificar todos os emails que eu tinha recebido
anteriormente das pessoas que tinham declarado
que se um dia eu trabalhasse com consultoria, me
contratariam.

Como a entrada no apartamento poderia


acontecer a qualquer momento, liguei para o
italiano e pedi a ele para marcarmos uma reunião
com o oficial do comune para que eu pudesse
conhecê-lo. Minutos depois me retornou dizendo
que iríamos lá no dia seguinte.

Na manhã seguinte nos encontramos no hotel e


antes mesmo de sair de lá, ele me disse que
finalmente iríamos conhecer o oficial. - Como
assim, você ainda não conhece o oficial? Ele
balançou a cabeça negativamente e então pedi a
ele os esclarecimentos necessários, pois eu tinha
sido bastante claro no início, quando disse que era
fundamental conhecer alguém dentro do comune.
Ele me explicou que os contatos que ele tinha era
na cidade onde ele morava, distante cerca de cem
quilômetros de onde estávamos.

- Cáspita, então porque nós alugamos uma casa


nesta cidade? perguntei.
- Eu julguei que seria mais conveniente, já que
estou realizando o projeto que te disse
anteriormente e tenho passado a maior parte do
tempo por aqui nesta cidade.

Falou também que havíamos tido algum tipo de


falha na comunicação, pois ele tinha entendido -
através da minha conhecida no Brasil e da sua
noiva - que era necessário conhecer qualquer
pessoa dentro do comune, e que de fato ele
conhecia um funcionário ali.

- Eu conheço o rapaz do setor técnico do


comune, que trabalha com os projetos e
construções. Isso não é suficiente?
- Claro que não! Eu preciso que você conheça o
oficial di stato civile e do anagrafe, que são os
setores responsáveis pela realização do processo
de reconhecimento e que, em caso de problemas
você possa conversar diretamente com eles.

Desiludido com aquela informação de última


hora, falei que naquele momento não poderíamos
fazer mais nada, já que a casa estava alugada.
Agora era ir ao comune e torcer para que o cara
fosse alguém de cabeça aberta e estivesse disposto
a trabalhar conosco.

Para nossa felicidade o oficial nunca tinha feito


sequer um processo de reconhecimento e ficou
empolgado em finalmente ter a possibilidade de
colocar em prática o que tinha apenas lido nos
manuais. Agradeci a sua disponibilidade e
expliquei que começaríamos com o meu próprio
processo, que estávamos aguardando as chaves do
apartamento para poder solicitar a inscrição no
comune e que dentro de alguns dias eu voltaria lá
com tudo certinho.

Saí de lá mais calmo, porém preocupado para


que aquela falha na comunicação não acontecesse
novamente. Relendo os emails e mensagens
trocados entre todos os componentes, percebi que
o problema existia porque a menina que estava no
Brasil e que costurou todo o projeto falava comigo
e com a noiva em português; a noiva não falava
italiano e portanto se comunicava com o italiano
somente em inglês (bizarro) e o italiano falava com
a menina no Brasil também em inglês e comigo em
italiano - uma verdadeira torre de Babel, com
todos os elementos para termos enormes
problemas de comunicação.

Diante desta bagunça toda, enviei um email a


todos em português e com o conteúdo traduzido
em italiano, explicando o que tinha acontecido e
definindo qual seria o papel de cada um dentro da
sociedade: eu seria o responsável por toda parte
burocrática do processo aqui na Italia e também o
responsável pela captação dos clientes, a menina
no Brasil cuidaria das finanças e do planejamento
a médio e longo prazo, o italiano era o sócio
investidor e portanto não teria nenhuma função
prática nos procedimentos. Quanto o papel da
noiva, isso era um grande problema, pois ela não
tinha nenhuma característica que pudesse agregar
valor ao negócio, e por isso em uma conversa
privada entre eu e a colega no Brasil, achamos
melhor que ela fizesse parte do time dos
investidores, juntamente com seu futuro marido.

Correndo contra o tempo, criei uma proposta


oficial de trabalho e depois de receber a aprovação
dos meus novos sócios, comecei a enviá-la aos
nossos ‘prospects clientes’.

Depois de apenas alguns dias da ida ao


comune, aconteceram dois eventos praticamente
ao mesmo tempo: a noiva do italiano chegou do
Brasil para viver com ele aqui na Italia e finalmente
o apartamento ficou pronto. E num piscar de olhos,
lá estávamos morando juntos eu, o italiano e sua
noiva. Como essa decisão de estarmos todos juntos
na mesma casa foi tomada juro que não tenho a
menor ideia, só sei que foi assim.

NADA COMO TER UM TETO

Durante toda esta jornada, percebi o quão


importante é ter um lugar para deitar a cabeça no
travesseiro e poder relaxar. Muitas das decisões
que tomei foram feitas em momentos de puro
stress: dormindo em estações de trem, em
albergues da juventude ou até mesmo pelas
andanças entre uma cidade e outra. E o simples
fato de ter um local fechado, com uma porta que
te divide do mundo exterior faz um bem enorme.
Não se trata apenas de algo psicológico, mas
reflete-se fisicamente também, posso garantir que é
realmente verdadeira a afirmação de que quando a
cabeça está mal, o corpo padece.

Quando entramos no apartamento fiquei


animadíssimo, pois o lugar era realmente lindo.
Tratava-se de uma construção nova e estava
completamente mobiliado também. Tinha dois
andares: na parte superior existiam 4 quartos e um
banheiro e no andar inferior a cozinha, outro
banheiro menor, uma grande sala de jantar e outra
de estar. Já fui ocupando o meu quarto e
organizando as coisas que estavam pendentes.

No dia seguinte já comecei a correr atrás do


meu processo. Passei na sede dos guardas
municipais, deixei um documento que era
necessário quando entramos em um imóvel aqui
na Italia e de lá fui até a prefeitura para solicitar a
minha residência.

Cheguei lá com todos os documentos


necessários em mãos, incluindo o contrato original
do imóvel, o recibo do meu pedido de visto que eu
tinha feito em Neverland e também o papel que
momentos antes eu tinha protocolado lá com os
guardas. A funcionária inseriu tudo no sistema,
imprimiu uma folha gigante onde eu assinei, me
deu o protocolo e me explicou que a partir
daquele momento eu estava oficialmente
esperando o vigile.

Saí de lá meio ressabiado, pois tudo tinha sido


muito fácil. Quer dizer, na verdade tudo foi como
deveria ter sido sempre, mas eu ainda estava com
as sequelas de tudo que tinha acontecido de ruim
na cidade anterior, e por isso infelizmente pra mim
não era fácil acreditar que algo pudesse dar certo
sem sofrimento.

Passaram-se alguns dias e enquanto aguardava a


residência ser confirmada pelo guarda municipal,
passei novamente na prefeitura para falar com o
oficial, que me recebeu com a mesma gentileza de
antes e pediu para ver os meus documentos. Os
apresentei, ele pegou papel e caneta e começou a
conferir os dados contidos em todas as certidões,
anotando os nomes e datas no papel.
Bastaram alguns minutos pra que ele fizesse a
conferência de todos os meus documentos. O
mesmo procedimento que a oficial de Neverland
demorou noventa dias para realizar. Respondeu
que tudo estava certo e pro meu espanto me
perguntou o que ele deveria fazer dali em diante,
pois como era a primeira vez que estava realizando
um processo não tinha a menor ideia do que fazer.

Expliquei quais eram os procedimentos que ele


deveria fazer, incluindo o pedido de um
documento ao consulado italiano em SP e
aproveitei para compartilhar o que tinha
acontecido comigo na cidade anterior, em relação
a residência. Inconformado me respondeu o
seguinte:

- O problema Fabio, é que as pessoas não


entendem que vocês já são italianos, bastando o
reconhecimento da cidadania propriamente dita.
Eu conheço a história da grande emigração italiana
e sei o quanto nossos concidadãos sofreram para
deixar as suas origens para desbravar um novo
mundo. Porém infelizmente muitas pessoas fingem
que não sabem da história, o que é uma pena.

Eu simplesmente não acreditava naquilo que


estava ouvindo. Aproveitei para perguntar sobre o
processo das minhas filhas, pois infelizmente eu
não havia trazido a Italia a certidão de nascimento
delas.
Ele completou: – Qual o problema? Elas são
filhas de cidadão italiano, portanto você pode
trazer as certidões posteriormente para transcrição.

Conversamos mais um pouco sobre outros


detalhes do processo, falamos sobre a emigração
italiana, ele me perguntou um pouco sobre o Brasil
e me disse que já faria tudo que deveria fazer e
que tão logo tivesse novidades sobre o processo
me ligaria.

Pela enésima vez aqui na Italia sai de um


prédio completamente abobalhado, sem acreditar
se tudo aquilo que estava acontecendo era
realmente verdade. Poucas semanas eu estava
vivendo um verdadeiro inferno e agora tudo
andava de vento em popa.

CHEGADA DOS AMIGOS E DA PRIMEIRA


CLIENTE

Embora minha vida tinha mudado


completamente e as coisas estavam entrando nos
eixos, eu não conseguia parar de pensar na Paula.
Trocávamos mensagens diárias e ela tinha me dito
que as coisas estavam indo de mal a pior. O seu
processo continuava parado no comune de
Neverland e para piorar um pouco mais, o seu
marido José tinha deixado os EUA para poder
acompanhar de perto a bagunça aqui na Italia,
tentando de alguma forma pressionar as irmãs
Iracema e Isadora a trabalhar bem.
Pouco antes de sair de lá, eu tinha conhecido
um senhor com muita influência na cidade, que
fazia parte de uma associação de defesa dos
consumidores ou algo parecido. Instruí a Paula a
procurá-lo, afinal de contas ela não tinha mais
nada a perder. E pra felicidade de todos, foi
necessário apenas um dia para que tudo se
resolvesse: ela conversou com ele em uma tarde, e
já no dia seguinte foi chamada ao comune para
assinar e retirar os próprios documentos italianos.

Chegando lá, a oficial-mor pediu milhões de


desculpas pela demora com o seu processo, e num
determinado momento deixou escapar que as
coisas demoraram porque ela tinha se apresentado
com a Iracema no comune, e tanto ela quanto a
irmã não eram bem vistas por ali, devido a uma
série de problemas causados em um passado
recente. Por fim ela assinou tudo que tinha que
assinar, fez o documento de identidade italiano e
prometeu que iria embora o quanto antes daquele
lugar.

O que ela não contava era que ao chegar em


casa, a Isadora já estava esperando-os com a
notícia de que deveriam se mudar rapidamente, já
que o seu trabalho de consultoria tinha terminado
com êxito. Ignorando a parte final da frase, pediu
apenas alguns dias para a compra da passagem e a
saída do imóvel e me ligou contando todas estas
novidades.
Sem ter para onde ir, me pediram referências de
algum hotel ou local aqui na Toscana onde
pudessem ser hospedados enquanto se preparavam
para o futuro. Mais do que depressa, conversei
com os sócios sobre a possibilidade deles
ocuparem um dos quartos que ainda estavam
vazios no apartamento, com isso todos seriam
beneficiados: eles teriam um local para morar
durante algumas semanas e a empresa receberia o
valor do aluguel deste quarto, que estava ali vazio.

Pra minha alegria a ideia foi aceita e nos dias


seguintes chegavam também na Toscana a Paula e
o José que acabaram permanecendo conosco
durante os meses de novembro, dezembro e início
de janeiro de 2008.

Também em novembro foi a vez da chegada da


primeira cliente da Minha Saga. Curiosamente ela
tinha sido uma indicação minha para a Isadora, na
época em que eu havia chegado aqui na Italia e
ingenuamente acreditava na boa índole delas.

No final do mês de outubro eu recebi um email


da mãe desta cliente, que eu tinha conhecido
pessoalmente em uma das minhas idas ao
consulado em SP, onde ela me perguntava se eu
tinha outros assessores para indicar, pois a Iracema
estava cobrando valores exorbitantes e nunca
respondia os seus emails. Respondi que se ela
quisesse eu poderia ser o seu consultor, elas não só
gostaram como ficaram felicíssimas em saber que o
processo seria conduzido por mim.
Depois de algumas semanas de negociação, no
dia 14 de novembro chegava a super badalada
modelo Marcelle, que já tinha vivido por um
tempo em Milano e que precisava do
reconhecimento da cidadania italiana para
continuar os trabalhos na capital da moda.

Na mesma semana da sua chegada, já tínhamos


ido ao comune e lá estava ela esperando o guarda
municipal junto comigo.

A CONFIRMAÇÃO DA RESIDÊNCIA

Esperar o guarda municipal é uma das etapas


mais chatas do processo de reconhecimento aqui
na Italia. Você tem que ficar de castigo todos os
dias, das 8 da manhã às 18 da tarde e isso é
horrível. Caso queira sair para fazer compras, ir no
cinema ou qualquer outra atividade deve ir aos
domingos ou então depois das 18. Claro que todos
fazemos porque é por uma causa maior, afinal de
contas sem isso o processo não anda.

No meu caso e no caso da Marcelle não foi


diferente, lá estávamos nós esperando o cara. Aliás,
no meu caso eu estava esperando desde que
cheguei aqui, então posso dizer que já faziam
quase 6 meses que eu torcia desesperadamente
para que alguém fardado tocasse a campainha.

E finalmente isso aconteceu, lá estava o guarda


municipal em casa. Porém tinha um problema, nós
não estávamos presentes neste momento lindo.
Porca de uma miséria, seis meses esperando a
visita do cara e quando ele passa eu não estou em
casa!

O que aconteceu foi o seguinte: quando


estivemos no comune pedindo a minha residência
e também a residência da Marcelle, o funcionário
fez questão de dizer que o guarda municipal podia
passar a surpresa de segunda a sexta-feira, e que
tínhamos os finais de semana livres. Indaguei sobre
o sábado e ela respondeu que eles não faziam
visitas aos finais de semana.

Diante de tal informação, no sábado seguinte


ao pedido fomos até a cidade que ficava ao lado,
pois estavam fazendo algum tipo de festa medieval
típica quando de repente toca meu telefone, era a
noiva do italiano:

- Fabio onde vocês estão?


- Acabamos de chegar aqui na cidade, por que?
- O vigile está aqui…

Olhei pra Marcelle e falei: - Corre que o vigile


está lá em casa !!!!!!!!!!!

Não sei porquê eu tive esta ideia estúpida, pois


estávamos a pelo menos três quilômetros de
distância e como não temos o talento do atleta
Usain Bolt não chegaríamos em menos de 30
minutos. A Marcelle também não conseguiu pensar
com clareza que era uma ideia estúpida e
começamos a correr que nem duas gazelas loucas
pelas ruas.

Trinta segundos depois e menos de dez metros


percorridos o telefone tocou de novo, com a
notícia que o vigile tinha mais o que fazer e já
tinha ido embora, dizendo que passaria novamente
durante a semana. Atordoados com a notícia,
afinal de contas a funcionária do comune tinha
sido categórica em afirmar que ele não fazia visitas
aos finais de semana, decidimos relaxar e curtir a
festa, não tinha nada que pudéssemos fazer.

Depois de alguns dias, lá estávamos em casa


novamente de castigo quando finalmente eu tive a
honra de conhecer pessoalmente, com toda a sua
autoridade, o senhor vigile urbano. Ele entrou,
pediu os nossos documentos, anotou as
informações em sua pasta de trabalho, oferecemos
um café que ele gentilmente aceitou e ficamos por
alguns minutos conversando sobre a vida. Pedi a
e l e d e t a l h e s s o b r e a s u a p r o fi s s ã o , e l e
compartilhou conosco alguns detalhes, nos
perguntou sobre nossos planos e depois de um
papo super agradável ele terminou o café e então
nos despedimos.

E foi assim que, em novembro de 2007 eu


comecei a fazer parte do cadastro geral da
população residente no país, após pouco mais de
150 dias da minha chegada na Italia.
CAPÍTULO OTTO
Finalmente a minha assinatura

RUMO A LINHA DE CHEGADA

O mês de dezembro chegou, trazendo com ele


muita ansiedade. A minha residência já tinha sido
confirmada, os documentos protocolados e a
prefeitura já tinha entrado em contato com o
consulado no Brasil solicitando o documento
faltante, portanto nada me restava além de esperar
alguma notícia.

Neste meio tempo continuei fazendo as minhas


buscas de documentos pelo país, quando de
repente recebi uma ligação do oficial pedindo pra
dar uma passada por lá. Estávamos já na metade
do mês quando dei as caras na prefeitura. Sempre
solícito, o oficial me recebeu e sem me preparar
psicologicamente, perguntou até onde eu tinha ido
com o meu processo no comune de Neverland,
pois tinha recebido a resposta do consulado em SP
explicando que o documento que estávamos
aguardando tinha sido enviado anteriormente a
eles, adicionando a informação que recebera do
consulado de que ele deveria entrar em contato
com a oficial de lá pedindo o documento.

Gelei dos pés a cabeça, pois não tinha a menor


ideia de que isso pudesse acontecer. Quando dei
entrada na minha documentação, evitei falar sobre
o que tinha acontecido anteriormente exatamente
por temer que ele pensasse que meus documentos
eram falsos ou algo parecido. Além disso, a Paula
me confidenciou que antes de sair da cidade, a
Isadora tinha prometido que iria tentar descobrir o
meu paradeiro e me prejudicar a qualquer custo.
Outro amigo disse ter ouvido ela dizer que tão
logo soubesse onde eu estava, mandaria alguns
marroquinos para me dar uma lição. Isso porquê
ela estava convicta que assim que eu saísse da
cidade, iria publicar no meu blog todas as
confusões e absurdos que ela e a irmã tinham
aprontado, coisa que, aliás, jamais fiz.

Com aquela notícia eu tinha duas


preocupações: que a Isadora descobrisse a cidade
onde eu me encontrava e de repente eu topasse
pelas ruas com morenos altos e fortes; e que o
oficial da prefeitura onde eu estava entrasse em
contato com a fulana que me prejudicou e ela
tentasse colocar na cabeça dele que de alguma
forma meus documentos tinham problemas. Isso
na minha cabeça era o que aconteceria, até
porquê era a palavra de um oficial da prefeitura
contra a palavra de um brasileiro.
Resolvi ser o mais sincero possível com ele,
contando tudo que tinha acontecido desde a
minha chegada na Italia. Todos os detalhes
sórdidos que eu passei, todas as tentativas de me
sacanear que houveram, enfim abri o meu
coração. Terminei pedindo a ele que enviasse os
meus documentos ao consulado em SP, que eles
iriam confirmar que todos eram verdadeiros, que
foram traduzidos e legalizados por eles conforme
as regras e que ainda entrasse em contato com o
comune do meu antenato para também se
certificar que o documento apresentado era
correto.

Ele ouviu tudo em silêncio e acho que


conseguiu ver no meu rosto que tudo aquilo que
eu dizia era a mais pura verdade. Deixou que eu
terminasse, respirou fundo e em seguida me disse
que sentia muito por tudo que eu tinha passado.
Me tranquilizou explicando que não precisava
conferir nada com nenhum consulado, pois já
tinha visto os meus documentos e se o consulado
havia já enviado o documento para um órgão
italiano, era porque tudo estava dentro das regras.

O interrompi para dizer que eu tinha certeza de


que quando ele pedisse o documento, a
funcionária a responderia com uma série de
problemas, tentando de qualquer forma impedir o
meu reconhecimento.
- Calma Fabio, uma coisa de cada vez. Eu vou
pedir o documento e assim que eu tiver uma
resposta, te aviso.

Saí de lá desesperado, pois ao mesmo tempo


que ele me tranquilizava, eu sabia muito bem do
que as pessoas eram capazes. Felizmente a igreja
da cidade era próxima ao comune, fui lá e pedi a
Deus para que tomasse conta de tudo, que eu
estava fazendo a minha parte, sem prejudicar
ninguém.

Mais alguns dias se passaram quando


finalmente recebi a sua ligação: a oficial havia
respondido sem nenhuma anotação ou qualquer
outro tipo de comentário. Chegou o documento
exatamente da mesma forma que o consulado
havia enviado. Agradeci a notícia e combinamos
de que tão logo o processo fosse finalizado, ele me
avisaria para que eu pudesse finalmente voltar lá e
assinar a tão sonhada carteira de identidade
italiana.

Praticamente eu podia começar a comemorar,


pois nada mais me impedia de ter a minha
cidadania italiana! Porém preferi a cautela, diante
de tudo que eu já tinha passado pra chegar até ali,
não podia me dar o luxo de achar que nada estava
resolvido. Porém era inegável que grande parte do
peso que eu carregava há seis meses tinha sumido
dos meus ombros, faltava pouco pra tudo terminar.

FINALMENTE A MINHA CIDADANIA


A ligação do oficial contando sobre a chegada
do último documento aconteceu no dia 20 de
dezembro, uma quinta-feira. Achei melhor esperar
o final de semana passar e na segunda-feira,
véspera do natal eu iria voltar lá como quem não
queria nada para saber a quantas andavam as
coisas.

Passei o final de semana sem tentar pensar na


minha cidadania, todos da casa combinamos o
que faríamos no dia do Natal e no seguinte a ele,
pois aqui na Italia o dia 26 de dezembro também é
feriado. Tudo transcorreu tranquilamente, sem
nenhum acontecimento especial.

Na segunda-feira acordei cedo, num frio


danado e fui até a prefeitura. Cheguei por lá e
depois de conversar rapidamente com o oficial,
percebi que a minha cidadania estava pronta. Saí
da sala dele para fazer o meu documento de
identidade italiana sem nem ao menos me dar
conta que eu não tinha as fotos necessárias. A
oficial olhou no relógio e me convidou a ser
rápido para fazê-las, já que fechariam em menos
de uma hora e caso eu não chegasse em tempo,
teria que retornar após os feriados.

Saí do prédio e percebi que meus queridos


amigos tinham feito uma surpresa: lá estavam a
Paula, o José e a Marcela, loucos para ouvir as
novidades. Expliquei rapidamente a eles que eu
tinha que ir tirar as fotos e eles decidiram me
acompanhar. Caramba, nada podia ser melhor do
que isso - ter os meus companheiros de aventura
compartilhando aquele momento ali comigo.
Principalmente a Paula, por tudo que passamos
juntos.

A loja que ficava ao lado do prédio estava


fechada e por isso tivemos que caminhar até a
cidade próxima, onde ficava a estação de trem,
pois eu sabia que lá dentro tinha uma máquina
automática de fotos. Cheguei lá colocando os
bofes pra fora, mas consegui prender a respiração
pelo tempo necessário para que as fotos não
ficassem tão terríveis, coisa quase impossível
quando se trata de fotos para documentos.

Retornamos a prefeitura, com o olhar incrédulo


da funcionária que achou que eu não seria capaz
de retornar na véspera de um feriado para fazer
uma simples carteira de identidade. Entreguei a
minha carteira anterior, onde constava que eu era
brasileiro, as fotos necessárias e o valor
correspondente das taxas públicas pela emissão
daquele documento.

Ela terminou os procedimentos e me indicou a


linha pontilhada onde eu deveria assinar meu
nome. Assinei enquanto o José tirava a foto
daquele momento tão esperado, me despedi da
funcionária desejando um feliz natal e boas festas
e saímos do comune, de volta a nossa casa.
Aquela pequena folha em minhas mãos onde
constava que eu era cidadão italiano representava
muito mais do que um simples pedaço de papel.
Significava a finalização de um caminho que tinha
se iniciado no dia 9 de dezembro de 1886, quando
meu trisnonno Giordano Barbiero desembarcava
no Brasil junto com a sua mulher Regina.
Representava seis meses de luta aqui na Italia.

Aquele documento é a prova de que quanto


queremos muito algo, o Universo sempre conspira
a nosso favor. Que não podemos nos abater diante
das dificuldades e muito menos desistir, mesmo
quando todas as pessoas ao nosso redor dizem que
somos sonhadores, que nossos planos não darão
certo, que tudo será uma grande perda de tempo.

As lágrimas derramadas, o choro noturno


silencioso, o frio sentido durante tantas noites
dormidas em bancos de estações, o medo do
futuro que poderia não chegar nunca, a saudade
dolorosa das pessoas que eu amava e que estavam
longe. Tudo isso valeu a pena, pois eis-me aqui,
cidadão italiano reconhecido…
CAPÍTULO NOVE
Sobre o autor

SOBRE O AUTOR

Fabio Barbiero nasceu em 1976 em São Paulo,


capital. Escritor, professor, conversador e fundador
do blog Minha Saga, hoje é empresário na Italia,
titular de uma empresa que presta consultoria na
obtenção do reconhecimento a cidadania italiana
por direito de sangue desde que obteve o seu
reconhecimento.

Além deste seu trabalho de consultoria e dos


artigos no blog, continua até hoje fazendo buscas
de documentos porém não mais dormindo em
estações de trem ou nos bancos das praças
italianas.

Recentemente criou um canal no Youtube, onde


d á d i c a s g ra t u i t a s s o b r e o p r o c e s s o d e
reconhecimento da cidadania italiana a quem está
interessado em realizar este processo.
Seu blog Minha Saga se encontra em
www.minhasaga.org

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