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RESUMO
Concebida como saber ambiental do campo da complexidade, a Agroecologia (AE) emerge do cenário
de crise da modernidade. Na definição de estratégias cognitivas que lhe possibilitem pensar a
inteligibilidade do seu universo de pesquisa - isto é, a realidade sócioespacial rural onde se insere o
agroecossistema – a AE requer uma abordagem que seja capaz de colocar em comunicação crescente
e duradoura as ciências naturais e sociais com os demais saberes culturalmente arraigados. A criação
deste corpo integrado de conhecimentos sobre o comportamento de sistemas socioambientais
complexos implica, portanto, a integração interdisciplinar e o diálogo de saberes. O paradigma
moraniano da complexidade apresenta-se como método para compreender os processos, as
articulações, as implicações, as interdependências entre os sistemas sociais e naturais. Adota, para
tanto, certos princípios lógicos articuladores entre si das dimensões física, biológica e antropossocial: o
dialógico, o autogerativo e o hologramático. Tais princípios permitem evidenciar as emergências do
enraizamento da esfera antropossocial na esfera biológica, e desta na matéria, expressando a
necessidade de unir o objeto ao sujeito e ao ambiente. Isto posto, pretendeu-se discutir o referencial
teórico-metodológico da AE à luz das reflexões de Enrique Leff sobre a configuração dos saberes
ambientais e do método de Edgard Morin, a fim de evidenciar acoplagens (interfaces) cognitivas entre as
propostas atuais da AE com o paradigma do pensamento complexo. Destacadamente, foi possível
verificar no corpo teórico-metodológico atual da AE os seguintes conceitos que estruturam sua matriz
cognitiva: i) sistema-organização-equilíbrio; ii) diálogo entre disciplinas e outros saberes iii) sistema de
práticas agrícolas - território -desenvolvimento rural e; iv) sócio-agro-biodiversidade e sustentablidade.
PALAVRAS-CHAVE: agroecologia, saber ambiental, pensamento complexo, interfaces cognitivas
ABSTRACT
Agroecology may be conceived as environmental knowledge in the field of complexity, requiring the
interdisciplinary approach as a methodology for the interpretation of the agrarian phenomenon and its
territories. This implies, first, the definition of analytical categories that enable it to consider the
intelligibility of its universe of research - the agroecosystem, in terms of cognitive integration of physical,
biological and antroposocial dimensions.These categories, complementary and interdependent, are
summarized in seven principles that guide the complex cognitivies processes and with which they seek to
discuss the theoretical and methodological reference of agroecology to show cognitive junctures between
the current proposals for this knowledge with the paradigm of complexity.
KEY WORDS: agroecology, complex thinking, cognitive interfaces.
Introdução
condicionado das formas anteriores de interação
Estudos têm medido o impacto ambiental e da sociedade com a natureza. Segundo os
social da intensificação agroquímica nos autores, quase todos os grandes pensadores dos
ecossistemas da América Latina. Aponta-se para séculos XIX e início do XX mostravam-se muito
cifras que superam 10 bilhões de dólares por ano otimistas sobre a possibilidade do industrialismo
quantificando-se os custos ambientais da superar não somente as restrições naturais, mas
contaminação de águas e solos, danos á vida inclusive de resolver os riscos de colapso dos
silvestre e o envenenamento de pessoas; não sistemas social, econômico ou ecológico por meio
incluindo ainda os impactos ambientais da ciência moderna.
associados (contaminação de águas por nitrato, Para Enrique Leff (2003), o entendimento e a
eutrofização dos rios e lagos, etc) com o construção do mundo levado pelas idéias de
incremento do uso de fertilizantes nitrogenados totalidade, universalidade e objetividade do
nem tampouco os problemas de salinização conhecimento - que conduziu à coisificação do
ligados à irrigação em zonas não apropriadas mundo e a sua economização, por um lado; a
(ALTIERI, 2002). disjunção entre o ser e o ente, por outro - marcam
Tais impactos e danos ao meio ambiente o sintoma (no ser, no saber e na terra) de uma
produzidos pela industrialização da agricultura crise ambiental, reflexo do limite da racionalidade
colocam em questão o projeto modernizador capitalista e do projeto modernizador da
baseado na mercantilização e na dominação de sociedade de risco.
todas as esferas da vida por meio da Nesse sentido, após analisar o problema dos
racionalidade econômica e instrumental. riscos permanece a grande pergunta relativa às
Não obstante, a modernização equacionada estratégias de entendimento e explicação deste
com o crescimento econômico e a transformação fenômeno, isto é em termos cognitivos ou
tecnológica criam as condições para o seu próprio intelectuais: continuaremos adotando modelos
término, ou seja, a modernização desgasta a sua analíticos contaminados pelos parâmetros da
estrutura essencial e o princípio da modernidade. racionalidade instrumental, visando resultados de
Essa radicalização é definida, por Antony Giddens custo-benefício dos investimentos privados? Ou
como a ‘modernização reflexiva’, ou seja, como então, incluiremos elementos novos de análise -
uma autodestruição criativa de toda uma era, no derivados do campo das disputas simbólicas
caso, da sociedade industrial (BECK, 1995). sobre como entender a natureza, a sociedade e o
Ora, conforme Goldblatt (1998, p. 236), a interesse de outros agentes sociais - e não
ciência quando aplicada à tecnologia é uma causa apenas aqueles ligados aos interesses dos que
dos riscos modernos, isto é, do risco fabricado ou detêm a propriedade privada dos meios de
criado pelo impacto crescente da tecnociência produção e do capital financeiro?
sobre o mundo: a produção moderna de riscos Parte-se, portanto, da idéia de reforma desses
tem origem inevitavelmente no centro do próprio antigos sistemas de entendimento e explicação da
processo de produção de riquezas e, por isso, o realidade, aderidos a uma racionalidade
problema é de excesso de produção crônico. econômico-instrumental, postos à prova e
Bezerra e Veiga (2000, p. 12) afirmam, nesse questionados quando da incapacidade de
sentido, que o impacto crescente da tecnociência responderem aos complexos problemas de ordem
sobe o mundo reflete uma crença ilimitada na socioambiental derivados da radicalização dos
capacidade do industrialismo realizar a missão riscos da sociedade moderna industrial.
histórica de transcender o caráter limitado e
Concebida como saber ambiental (LEFF, de Edgard Morin a fim de evidenciar acoplagens
2001), a Agroecologia emerge do cenário de crise (interfaces) cognitivas entre as propostas atuais
da modernidade. Constrói-se no âmbito de uma para este saber ambiental com o paradigma do
epistemologia ambiental que enseja estratégias pensamento complexo.
cognitivas alternativas diferenciadas do
conhecimento tecnocientífico que cria condições Algumas maneiras de interpretar a complexa
para a radicalização dos riscos da sociedade realidade socioespacial rural na perspectiva
moderna industrial. do conhecimento
Na definição de estratégias cognitivas que lhe Um sistema de entendimento e explicação da
possibilitem pensar a inteligibilidade do seu realidade, segundo Dimas Floriani (2003) ocorre e
universo de pesquisa - isto é, a realidade decorre de trocas e conflitos de significação de
sócioespacial agrária onde se insere o objetos materiais, crenças, valores, interesses
agroecossistema – a Agroecologia enquanto saber consubstanciados em sistemas sociais que
ambiental requer uma abordagem que seja capaz desenvolvem práticas materiais de produção,
de colocar em comunicação crescente e apropriação e reprodução das condições de
duradoura as ciências da sociedade e da natureza existência de uma determinada organização
com os demais saberes culturalmente produzidos. social.
A criação deste corpo integrado de De acordo com Foucault (2008), o
conhecimentos sobre os processos naturais e conhecimento articula os discursos com uma
sociais implica, portanto, a integração classe de objetos possíveis de serem conhecidos,
interdisciplinar e o diálogo de saberes para construídos por uma racionalidade (sistema de
explicar o comportamento de sistemas teorias e conceitos, de normas jurídicas e
socioambientais complexos. instrumentos técnicos, de significações e valores
Por sua vez, o paradigma da complexidade culturais) que identifica e classifica seus próprios
(MORIN, 1983) apresenta-se como método para objetos do conhecimento. A construção social do
compreender as articulações, as implicações, as saber apóia-se, portanto, sobre a construção
interdependências das realidades discursiva dos objetos de conhecimento segundo
socioambientais. Fundamenta-se na idéia de interesses sociais que necessitam tornar
sistema inserido na unidade no múltiplo, hegemônica sua visão de mundo, estabelecendo
sintetizada no conceito de auto-eco-organização. critérios e legitimando suas práticas materiais de
Adota, para tanto, certos princípios lógicos produção, e as suas representações de natureza.
articuladores entre si das dimensões física, Não obstante, as rupturas ocorridas no interior
biológica e antropossocial: o dialógico, o das metodologias e, conseqüentemente, nas
autogerativo e o hologramático. Tais princípios teorias do conhecimento científico resultam de
permitem evidenciar as emergências do solavancos, estranhamentos e incapacidades das
enraizamento da esfera antropossocial na esfera antigas narrativas para explicar a emergência de
biológica, e desta na matéria, expressando a novidades.
necessidade de unir o objeto ao sujeito e ao Jürgen Habermas, referindo-se a um suposto
ambiente. quadro transcendental de rompimento dos
Isto posto, pretende-se discutir o referencial conceitos de natureza vinculados cientificamente
teórico-metodológico da Agroecologia à luz da ao aparato técnico de produção e destruição,
reflexão de Enrique Leff acerca da emergência e aponta para a configuração de um caminho
configuração dos saberes ambientais e do método
imateriais da natureza transformada pelo marcada por três vetores: pela globalização, cujo
pensamento em toda sua realidade – consciente e processo é alimentado tanto pelo mercado, pela
inconsciente, individual e coletiva – encontra institucionalização da questão ambiental, e pelas
ambiente fértil também nas explicações sobre a novas estratégias de organização que fazem
relação território-territorialidade, posto que “a irrupção nos quadros tradicionais da ação coletiva
natureza é realidade material e ao mesmo tempo no meio rural. De fato, presenciamos atualmente a
ideal; é natureza apropriada, humanizada, reunião do
transformada em sociedade, história inscrita na "(...) lugar com o território (o sucesso da noção
natureza” (GODELIER, 1984, p. 13). de terroir, a requalificação naturalista dos espaços),
O enfoque territorial tem um significado muito mas igualmente de instituir novos campos de
relevante nas diferentes perspectivas analíticas relação e de organização que perpassam os
que trabalham o tema do desenvolvimento rural. O quadros tradicionais da ação coletiva no meio rural.
território, nessa nova perspectiva, passou a figurar Vemos aparecer novos territórios de gestão que
como importante unidade de análise dos estão em descompasso com os modos de
problemas das ações políticas sobre o espaço, governabilidade habituais que organizam o espaço
levando-se em conta o esgotamento teórico e rural (...)" (BILLAUD, 2004, p. 116).
prático das ações de planejamento funcional do
espaço como referência para se pensar as ações Trata-se de interpretar a configuração de
e políticas públicas voltadas ao desenvolvimento territórios da agricultura familiar ecológica que se
rural. expressam como lugares alternativos aos grandes
Nesse sentido, esse rural contemporâneo é um espaços “vazios e estéreis” dos commodities
rural que começa a ser pensado como territórios valorizados sazonalmente pelo mercado e
do futuro, como resposta possível à crise do pensados de acordo com o projeto modernizador
emprego e da qualidade de vida gerada pela e homogeneizador para o espaço rural.
civilização urbano-industrial. Tais territórios Algumas categorias analíticas que surgem nos
apresentam-se opostos à posição teórica da últimos 40 anos como crítica à forma da
homogeneização do rural, surgindo como posição agronomia moderna interpretar e se relacionar
da reconstrução e ressignificação do mesmo. com as diversas realidades rurais e agrícolas são
Segundo esta visão, o rural aparece como um destacadas por Jalcione de Almeida (2000) como
espaço de vida e trabalho, uma rede de relações representantes de novas idéias e/ou iniciativas
sociais, uma paisagem ecológica e cultural e metodológicas capazes de abrirem caminho ao
representações específicas de pertencimento, de diálogo fértil com outras ciências. São elas:
desejo ou projetos de vida (FERREIRA, 2002). "i)a análise do perfil de cultivo dos solos de
O rural ressignificado exige a construção de Stephane Hénin que busca associar as avaliações
novas identidades (territorialidades), a partir da qualitativas ao enfoque sistêmico, não dissociando o
valorização de outras dimensões do território que solo das plantas e das práticas agrícolas;
não somente a econômica. Assim, é fundamental ii)a atenção à vocação dos solos, e aqui
destacar valores subjugados pela racionalidade também incluímos a noção de território da
econômico-instrumental implícita nos planos de agricultura, numa nova perspectiva que recuperaria
desenvolvimento do espaço rural: os saberes as interfaces disciplinares, na medida que distingue
produzidos localmente. as diferentes significações da expressão
Segundo Jean-Paul Billaud, a dinâmica atual “potencialidades dos solos” e;
da agricultura reflete uma reterritorialização iii)a construção de uma AE que se apóia no
geossistema: modelo de síntese resultante das influenciou tanto a agronomia como outras
inter-relações existentes entre o potencial disciplinas, dá a possibilidade de interpretar os
ecológico (geomorfologia + clima + hidrologia), os fatos agrícolas em sua totalidade, tornando
componentes biológicos (vegetação + solo + possível num primeiro momento de sua aplicação
fauna) e a tecnologia. Para os autores, esse o reconhecimento e caracterização da diversidade
conceito exige uma mudança de escalas – tanto biofísica e social das paisagens agrícolas.
no sentido horizontal como vertical - que Vemos com isso, que a teoria de sistemas
sobrepassa e agrupa ecossistemas. possibilita a interpretação holística da realidade,
Por outro lado, a noção de agroecossistema segundo diferentes abordagens científicas do
também pressupõe a entidade espacial e exige, espaço rural. Contudo, tais abordagens não
portanto, a complexidade sócio-antropológica podem por isso serem consideradas complexas
como componente de sua estrutura e organização: em suas formas de interpretar a realidade, pois o
recorte do sistema pode ser dado em qualquer
"(...) Nestas unidades geográficas e escala, segundo os objetivos do pesquisador -
socioculturais [os agroecossistemas], os ciclos geossistema/ecossistema/sistema de
minerais, as transformações energéticas, os cultivos/sistema planta-solo-animais/sistema
processos biológicos e as relações fisiológico - sem fazer a volta obrigatória da
sócioeconômicas, constituem o locus onde se pode (re)união das partes, onde é possível perceber a
buscar uma análise sistêmica e holística do conjunto organização do todo e, a partir da qual, há a
destas relações e transformações" (CAPORAL e produção de qualidades ou propriedades
COSTABEBER, 2002, p. 14). emergentes.
Percebe-se assim que quando a teoria geral de
Destarte, fala-se também de região agrícola sistemas tende para um enfoque positivista
como entidades espaciais resultantes de desprende-se de suas bases ontológicas (a
condições ecossistêmicas e socioculturais totalidade organizacional), mostrando-se como
específicas. A diferenciação dessas áreas leva em obstáculo epistemológico na construção de novas
conta a identificação dos sistemas de práticas ordens ontológicas (a simbólica, cultural, histórica
produtivas que por sua vez resultam de variações e social) capazes de apreender a especificidade
locais no clima, solo, relações e estruturas sociais dos diferentes processos que emergem com a
ao longo do tempo, e a similaridade entre esses evolução da natureza: desde a matéria física até a
sistemas podem configurar uma determinada ordem simbólica, desde a organização biológica
região agrícola (ALTIERI, 1989, p. 49). até a autoconsciência dos sujeitos (LEFF, 2003, p.
Para tentar dominar esse jogo de escala 26-28).
essencial à compreensão do espaço agrícola e Ora, a compreensão do mundo como
rural - a complexidade espacial e temporal do “totalidade” propõe o problema de integrar os
território – a AE deve dispensar as idéias de diferentes níveis de materialidade que constituem
parcela e aptidões produtivas do meio aderidas à o ambiente como sistema complexo, e a
noção moderna de fertilidade das terras. Para articulação do conhecimento dessas ordens
tanto, mais que nunca, é necessário apreender a diferenciadas do conhecimento do real, para dar
estrutura e o funcionamento dos sistemas conta desses processos (LEFF, 2003, p. 27).
territoriais em todas as escalas de espaço e de Conecta-se, então, o princípio hologramático
tempo (BERTRAND, 2005, p.30). ao princípio de sistema-organização, que segundo
Como destacado, o pensamento sistêmico que
sistemas adaptar sua estrutura interna frente aos sistema de práticas materiais e imateriais e o
distúrbios externos (perturbação, ruído). sistema geobiocenótico a discussão da
Não obstante, a estabilidade do sistema estabilidade dos ecossistemas remete aos graus
ecológico nunca é absoluta, isto porque os de artificialização dos processos naturais. Na
sistemas vivos não podem ser absolutamente agricultura convencional, por exemplo, essa
constantes. Eles oscilam em torno de um ponto artificialização é extremamente simplificadora,
central. Estando ora mais longe, ora mais perto do pois tende a diminuir a organização estrutural do
ponto de equilíbrio. A este fenômeno podemos dar sistema, substituindo a diversidade de
o nome de Equilíbrio Dinâmico ou componentes. Como resultado, esse sistema
Metaestabilidade (FORMAN e GODRON, 1986). exige para a sua estabilidade a constante
Para a compreensão das mudanças e intervenção humana, caso contrário esse sistema
dinâmica evolutiva, Christofolletti (1999) sugere a se transforma, perdendo os atributos originais e
aplicação de algumas noções fundamentais, tais adquirindo outra funcionalidade.
como: resiliência, incluindo as dos distúrbios e Em particular, os agroecossistemas que
tempo de reação, que se completam com a perseguem a intensificação da produção (a
análise da sensibilidade; a teoria das catástrofes; industrialização da agricultura) não têm a
e a da criticalidade auto-organizada. habilidade, de acordo com Altieri (1989) de
Segundo Atlan (1992), a auto-organização reciclar os nutrientes, conservar o solo e equilibrar
pode ser entendida como o surgimento de uma as populações de pragas e doenças. O
organização estrutural que ocorre dentro de funcionamento do sistema, portanto, depende de
sistemas dinâmicos dissipativos não-lineares. Ela uma contínua intervenção humana. Entretanto,
carrega consigo o princípio da complexidade a existe uma grande variabilidade no grau de
partir do ruído, defendendo que o processo auto- diversidade, estabilidade, controle pelo ser
organizador cria o radicalmente novo, ampliando a humano, eficiência energética e produtividade
capacidade de o sistema interagir com os eventos entre os diferentes tipos de agroecossistemas.
que o perturbam, assimilando-os e modificando De acordo com o agroecólogo chileno, os
sua estrutura. ecossistemas naturais reinvestem uma grande
Buscando uma explicação em Morin (1983, parte de sua produtividade para manter a
p.262), temos a prerrogativa de que a vida em estrutura física e biológica necessária para
todas as suas dimensões é um feixe de sustentar a fertilidade do solo e a estabilidade
qualidades emergentes resultantes do processo biótica (...) [acredita-se], portanto, "que a
de interações e de organização entre as partes e o diversidade biótica e a complexidade estrutural
todo. Esse feixe emergente retroage sobre as promovem ecossistemas maduros e com certa
partes, interações, processos parciais e globais estabilidade em flutuações ambientais (...)"
que o produziram. Deriva dessa assertiva um (ALTIERI, 1989, p. 57).
macroconceito: a ‘complexidade da relação’, que Complexidade estrutural e diversidade
comporta incertezas, antagonismos e biológica são traduções de habitat (estrutura) e
contradições, isto é, a organização do sistema nicho (função) ecológicos. Tais propriedades
produz ao mesmo tempo a sua entropia emergentes são responsáveis pela capacidade do
(degeneração) e a neguentropia (a regeneração) sistema continuar com sua organização, frente às
do sistema. perturbações naturais e antrópicas. Assim,
Tomando-se em conta que os sistemas conforme ALTIERI (1989):
agrícolas são resultados de uma interação entre o
"o sistema pode ajustar-se e continuar estratégias possíveis para criar condições
funcionando após algumas perturbações (...) sustentáveis de vida, vai permitir a emergência de
similarmente, os controles bióticos internos [os liberdades que poderão institucionalizar-se e
mecanismo de regulação homeostática que começar a constituir um dos elementos da auto-
permitem a autonomia de um sistema, o organização das sociedades humanas.
terceiro princípio-guia da complexidade] (tais Adaptação, criatividade, liberdade são
como predador/presa) previnem oscilações emergências dos sistemas complexos auto-
destrutivas nas populações nas populações de organizados que favorecem e tomam caráter com
pragas, promovendo, assim, a estabilidade o aparecimento do Homo sapiens e o
geral do ecossistema." desenvolvimento das sociedades humanas
(MORIN, 2008b, p. 304-305).
Ora, quando a biodiversidade é restituída aos Em se tratando, portanto, do aumento da
agroecossistemas, numerosas e complexas complexidade dos agroecossistemas por meio do
interações passam a estabelecer-se entre o solo, aumento da diversidade e da interação dos
as plantas e os animais. Nesse sentido, na AE a elementos - os valores culturais, entremeados nas
preservação e ampliação da biodiversidade dos formações ideológicas, nos sistemas de saberes e
agroecossistemas é um dos seus fundamentos conhecimentos, e na organização social e
utilizado para produzir auto-regulação e produtiva dos agricultores ecológicos familiares,
sustentabilidade (ALTIERI, 2004). em suma, a diversidade cultural das práticas de
Acrescentamos à formulação de Miguel Altieri uso múltiplo dos recursos naturais - são
a noção de sociobiodiversidade como propriedade responsáveis pela produção de emergências -
emergente dos sistemas complexos. Da mesma reafirmando identidades (criativas, adaptativas e
maneira que nos sistemas naturais, os sistemas libertárias emprestando os termos de Morin) e
culturais aumentam sua complexidade sistêmica enraizando uma racionalidade ambiental em
com o aumento do número e da diversidade dos territórios culturais para o desenvolvimento
elementos e, também com o caráter cada vez sustentável (LEFF et al, 2002, p. 501).
mais flexível das inter-relações - interações,
retroações, interferências (MORIN, 2008b, p. 292), Considerações finais
apontando para a emergência de estabilidades Partiu-se do pressuposto que a Agroecologia é
dinâmicas (graus de sustentabilidade) dos um saber ambiental complexo, isto é,
sistemas complexos. fundamentada em um novo paradigma que exige
Quanto mais complexos forem os a abordagem inter e transdisciplinar. Como
comportamentos, mais os sistemas manifestarão a método, tal abordagem integrada, permite à
flexibilidade adaptativa em relação ao ambiente; a agroecologia interpretar os fenômenos da
flexibilidade adaptativa do comportamento vai realidade agrária e seus territórios, implicando,
exprimir-se no desenvolvimento de estratégias primeiramente, na definição das categorias que
heurísticas, inventivas, variáveis, que substituirão lhe possibilitem pensar a inteligibilidade de tal
os comportamentos programados de forma rígida; universo, do ponto de vista da integração das
o desenvolvimento das estratégias supõe o dimensões física, biológica e antropossocial.
desenvolvimento interno dos dispositivos auto- Tais categorias, complementares e
organizacionais ( MORIN, 2008b, p. 304). interdependentes, são sintetizadas em três
Ora, o desenvolvimento de estratégias princípios que guiam os processos cognitivos do
heurísticas tornadas aptas para encarar várias