Você está na página 1de 3

Trabalho de artes

Crítica ao filme “De volta para o futuro”.


Talvez não exista assunto mais fascinante na ficção científica do que esse. As
possibilidades são infinitas. Ir para frente ou para trás no tempo, ver o futuro ou
o passado. Interferir no passado é possível? O que essa interferência pode criar?
Uma linha temporal paralela? Mudanças imediatas no presente? Os paradoxos
são excitantes, com um sem número de obras literárias e audiovisuais
abordando o tema das mais variadas maneiras, com as mais variadas lógicas
internas.
Dentre tantas criações magníficas ao redor desse assunto, De Volta para o
Futuro é, sem dúvida alguma, um dos grandes destaques. O filme consegue aliar
conceitos teóricos sobre viagem no tempo com linguajar descomplicado e
descompromissado que usa a nostalgia como forte elemento aglutinador. A
viagem no tempo que vemos no irretocável trabalho de Robert Zemeckis é uma
viagem para dentro de nós mesmos, uma conversa interna que, mesmo sem
saber, travamos todos os dias. Puxa, como seria bom consertarmos o que
erramos! Como o “antigamente” é melhor do que o “hoje em dia”! Ah, meus
tempos de escola!
E o melhor de tudo é que o roteiro, co-escrito por Zemeckis e Bob Gale, com
base em ideia original dos dois, faz isso tudo de maneira jocosa, leve, sem se
escorar em efeitos especiais exagerados, onipresentes. É uma comédia à moda
antiga com um toque de ficção científica e não o contrário.
Aliás, falando em roteiro, uma das mais constantes reclamações que vejo está
justamente nos 15 ou 20 minutos iniciais do filme, que funciona como um
prólogo. Muitos críticos comentam – não completamente sem razão – que esse
começo é longo demais e que a ação realmente só começa quando Marty McFly
(Michael J. Fox) finalmente viaja no tempo depois que o Dr. Emmett Brown
(Christopher Lloyd) é baleado pelos terroristas de quem roubou plutônio para
alimentar o capacitor de fluxo, o MacGuffin do filme que permite o milagre da
viagem no tempo. Sim, sem dúvida que De Volta para o Futuro só realmente
engrena a partir desse momento. No entanto, tenho para mim que esse prelúdio
é um perfeito exemplo de narrativa expositiva que cumpre sua função sem nos
fazer revirar os olhos.
Reparem logo na primeira imagem e no som que ouvimos. O tique taque de
centenas de relógios em um irritante uníssono em um laboratório semi-
abandonado. Marty entra sem cerimônia, estabelecendo sua intimidade com
quem ele esperava encontrar lá em que ele chama, apenas de Doc. Há um
enorme número de gadgets que faz do local a versão live action da casa do
Professor Pardal da Disney (só faltava o Lampadinha aparecer!). Entendemos a
profissão (ou hobby) de alguém que ainda nem vimos e sua relação com Marty.
Aprendemos, em seguida, que Marty é um empolgado guitarrista amador (quem
não gostaria daquele super-amplificador?) e que ele é um estudante muito
atrasado que se locomove com skate. Vemos a fictícia Hill Valley em 1985 em
detalhes quando Marty sai desabalado para estudar: a torre do relógio, o
restaurante, a praça. Absorvemos o layout do local que foi milimetricamente
calculado para expor o máximo no menor tempo possível (cenário construído
no backlot da Universal Studios de Hollywood e que está lá até hoje). Marty tem
uma namorada, Jennifer (Claudia Wells), e pais tímidos e explorados por um
valentão local, dando senso de história antiga à narrativa.
Quando Marty, então, pula no DeLorean que encapsula a máquina do tempo e
dirige a 88 milhas por hora, catapultando-se à 05 de novembro de 1955 (a data
é emblemática pois, conforme também aprendemos nesse prólogo, foi a data
que o Doc inventou o capacitor de fluxo e que ele usa apenas como exemplo do
sistema que ele apresenta ao seu amigo/pupilo), o filme muda. O passo diminui
e passamos a reaprender o que já sabemos, só que com um olhar de 30 anos
antes. Pouco precisa ser dito graças as 15 ou 20 minutos iniciais. Percebermos
tudo mais rapidamente do que Marty – ou Calvin Klein – percebe. Ele está no
passado e acabou de “salvar” seu futuro pai de ser atropelado e, com isso, sua
futura mãe se apaixona pelo filho que ainda não tem, não pelo futuro marido. O
paradoxo temporal entra em ebulição e a cabeça do espectador começa a
fervilhar com as possibilidades!
E quem poderá ajudar? Claro, o Doc de 1955, o mesmo que, naquele exato e
fatídico dia, inventara o capacitor de fluxo sem nem saber para que servia. Um
típico inventor maluco que vive isolado, mas que é a única esperança de Marty
para voltar ao futuro (ou ao presente – ou, no caso para nós, nesse momento,
ao passado…).
Michael J. Fox tem a atuação de sua vida. Ele foi a primeira escolha de Zemeckis
para o personagem, mas ele tinha compromisso com a série Caras e
Caretas (alguém se lembra?) e não foi liberado pela produção. As duas escolhas
seguintes eram C. Thomas Howell e Eric Stoltz, com o segundo sendo
efetivamente contratado. Com quatro semanas de filmagens, Zemeckis não ficou
satisfeito com os resultados pouco cômicos de Stoltz e Steven Spielberg
concordou, o que levou à rara decisão de se substituir o ator nesse ponto da
produção, adicionando mais três milhões de dólares ao orçamento do filme. Mas
foram os três milhões mais bem gastos pelos dois, já que, a essa altura, depois
de outras negociações, eles conseguiram trazer Fox para a produção. O ator,
então com 23 anos, retratou um adolescente de maneira extremamente
convincente, dando personalidade ao personagem em todas as sequências, seja
andando de skate, seja vestido como Calvin Klein, seja tocando guitarra no baile
final. É uma performance que atrai o espectador e o impede de virar o rosto
desde o primeiro momento em que ele entra em cena.
E o mesmo acontece com o amalucado Christopher Lloyd (a segunda escolha
de Zemeckis, a primeira sendo John Lithgow, que não estava disponível). Lloyd
encarna a persona de “cientista maluco”, personagem quase que padrão de
muitos filmes de ficção científica, derramando em Doc Brown um timing cômico
que se encaixa perfeitamente com o de Fox, fazendo com que os dois formem
uma das melhores duplas cinematográficas de todos os tempos.
Zemeckis também soube se aproveitar da trilha sonora de Alan Silvestri que é
grande em escala, mesmo com um filme intimista. A música tema é inesquecível
ao evocar ao mesmo tempo aspectos etéreos de uma ficção científica, com
batidas típicas de serials dos anos 40 e 50. E Silvestri ainda foi o responsável
pela contratação de Huey Lewis and the News, que compuseram The Power of
Love e Back in Time para o filme e que se tornaram gigantescos sucessos da
Billboard. E, claro, o uso inteligente, por parte de Zemeckis, de músicas
com Mr. Sandman, Earth Angel e, principalmente, de Johnny B. Goode no
sensacional show de Marty McFly são as várias cerejas no bolo musical dessa
gostosíssima e inesquecível obra.
No final das contas, a temática “viagem no tempo” é uma bela desculpa para
Zemeckis e Gale nos levarem em um icônico passeio pela década de 50 que
apela à nostalgia mesmo em relação àqueles que não viveram a época. E, talvez,
o mais interessante é que, hoje, quando olhamos para trás no tempo – outra
viagem no tempo? – Sentimos nostalgia pela década de 80 que gerou esse e
tantos outros magníficos filmes.

Você também pode gostar