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RESUMO ABSTRACT
O artigo analisa as transformações re- This article analyses the recent transfor-
centes da metrópole de São Paulo em mations taking place in the metropolis of
termos sociais, demográficos, de segre- São Paulo in social and demographical
gação residencial e de acesso a serviços. aspects, regarding residential segregation
As transformações recentes sugerem and access to services. The recent chan-
melhoras em vários indicadores, mas ges suggest that several indicators have
também a permanência e a reconsti- improved, but also that inequalities have
tuição de desigualdades. A metrópole re-emerged and lingered. The metropolis
se mostra mais diversificada e crescen- has made itself more diversified and incre-
temente heterogênea, sendo cada vez asingly heterogeneous, which is why it is
mais necessário escaparmos de catego- more and more important not to fall into
rias dualistas de análise. dualistic categories of analysis.
parte analisa as mudanças demográficas e nos pa- discutidos. Internacionalmente, enquanto alguns
drões de segregação residencial, e a terceira foca as sugeriram a presença de polarização ocupacional
alterações em termos de políticas públicas e acesso – com consequentes polarizações de renda, social
a serviços. e espacial –, outros autores preferiram sustentar
a ocorrência de profissionalização ocupacional.
Análises existentes sobre classes sociais na me-
TRANSFORMAÇÕES ECONÔMICAS E DA
trópole utilizando a classificação ocupacional
ESTRUTURA SOCIAL EGP, amplamente disseminada internacionalmente
(Marques, Barbosa & Prates, no prelo), indicam
Em primeiro lugar, cabe discutir as principais a existência de um lento, mas consistente padrão
transformações econômicas, da estrutura social e de transformações. Não há sinais de polarização,
do mercado de trabalho. Em geral, ocorreram in- pois, embora as categorias superiores profissionais
tensas mudanças produtivas e econômicas na me- tenham crescido e as classes de trabalho manual
trópole paulistana nas duas últimas décadas. Em tenham decrescido, as classes intermediárias tam-
termos econômicos, verificou-se um significativo bém aumentaram relativamente. Por outro lado, as
crescimento relativo no setor de serviços, em es- classes manuais, qualificadas e não qualificadas,
pecial nos serviços produtivos e no comércio. En- continuaram sendo predominantes, o que confir-
tretanto, isso não representou um esvaziamento da ma a hipótese anterior de superposição de funções
indústria, e a metrópole paulistana aparentemente econômicas – com o crescimento de atividades de
superpôs funções econômicas, concentrando ca- comando, mas a manutenção de substanciais ati-
pacidades de comando sem perder completamente vidades industriais de caráter fordista.
a produção industrial (Campolina Diniz & Cam- Como seria de esperar, todas essas mudan-
polina, 2007). A cidade, portanto, tornou-se mais ças impactaram as desigualdades de rendimento
terciária, mas sem ter deixado de ser secundária. no mercado de trabalho. Barbosa e Prates (no
As décadas de 1990 e 2000 apresentaram si- prelo) identificaram sinais de polarização social
nais trocados em termos de emprego e pobreza. entre ocupações nos anos 1990 com a reestrutura-
Nos anos 1990, após um momento concentrado ção produtiva, mas revertida na década seguinte,
de melhora com a estabilização econômica em quando a economia brasileira voltou a crescer. A
1994, o desemprego, a informalidade e a pobreza decomposição da desigualdade por essas dimen-
voltaram a crescer. Nos anos 2000 esses vetores sões sociais mostrou que a desigualdade se reduziu
se inverteram, com redução do desemprego e da entre classes e dentro delas, como efeito de gênero
pobreza e aumento da formalização dos postos de e da formalização do emprego. Por outro lado, as
trabalho. Prates e Barbosa (no prelo) sugerem que desigualdades aumentaram com relação à idade
o mercado de trabalho ficou mais receptivo para e aos níveis educacionais. O efeito da educação
trabalhadores de baixa qualificação nos anos 2000 é interessante, pois contribuiu para a redução das
do que na década anterior, levando inclusive ao desigualdades em nível nacional, mas não em São
crescimento dos rendimentos dos trabalhadores de Paulo, possivelmente pela elevação dos requisitos
baixa qualificação já empregados. O balanço geral dos novos empregos, dados os traços de profissio-
das duas décadas indica um saldo de redução da nalização já indicados. O saldo geral das duas dé-
pobreza e das desigualdades medidas pela renda, cadas, entretanto, foi de redução das desigualdades
assim como de diminuição do desemprego e de (Barbosa & Prates, no prelo).
crescimento dos postos formais de trabalho (Mar- Vale acrescentar que a escolaridade média
ques, Barbosa & Prates, no prelo). cresceu em todas as classes pelo maior acesso às
Muito já se discutiu o efeito de transformações políticas educacionais, especialmente para os mais
econômicas desse tipo sobre a estrutura social. jovens. Esses movimentos se fizeram acompanhar
Uma parte expressiva do debate nacional ao longo de forte entrada das mulheres no mercado de traba-
dos anos 1990 denunciou a presença de polariza- lho em quase todas as classes, mas em especial nas
ção social, o que se associava aos dualismos já ocupações profissionais, contribuindo para uma
nas áreas elitizadas. Ao mesmo tempo, as classes ção entre a estrutura social no espaço e a estrutura
manuais tenderam a se reduzir também em todos de equipamentos e serviços públicos. As últimas
os espaços, mas dessa vez com maior ênfase nas décadas continuaram trazendo melhora em termos
áreas periféricas. O centro histórico, por outro lado, médios dos indicadores de condições urbanas, em-
se tornou mais popular. Ao longo da década, portanto, bora de forma mais lenta dependendo do serviço,
ocorreram dois processos considerados classicamente como no caso do esgotamento sanitário, ainda mui-
pela literatura como opostos: as áreas centrais de eli- to distante da universalização – cerca de 85% de
te tornaram-se mais exclusivas, e as áreas periféricas cobertura, mas incluindo um conjunto expressivo
pobres e médias ficaram mais heterogêneas. Isso pode de ligações nas redes de drenagem (Requena, Ra-
parcialmente ser creditado ao crescimento de condo- lize & Sarue, no prelo).
mínios fechados em áreas periféricas, em especial da A observação de indicadores de condições
região oeste da metrópole, mas mesmo esse tipo de urbanas em São Paulo em 2010, se, por um lado,
ocupação apresenta razoável heterogeneidade, com confirma a melhora das médias, por outro sugere
a presença de padrões médio-alto, alto e muito alto, a permanência de intensas desigualdades intrame-
cercados de habitantes com características pobres e tropolitanas em termos de oferta. Essas desigual-
baixa infraestrutura (Requena, Hoyler & Saraiva, no dades se encontram ainda fortemente associadas
prelo). O padrão de “evitação” entre classes, por fim, a condições socioeconômicas dos moradores
também se tornou mais nítido ao longo da década, mas (Requena, Ralize & Sarue, no prelo). Enquanto os
a maior heterogeneidade nas periferias é incompatível grupos de elite habitam apenas locais de condições
com a ideia de polarização espacial, assim como com ótimas e boas, a heterogeneidade cresce à medida
as representações duais da metrópole. que se caminha para grupos de classe média e de
Contrariamente a uma parte substancial dos trabalho manual. Essas desigualdades apresentam
debates, França (no prelo) acrescentou a esse qua- uma feição territorial, com a permanência de uma
dro de segregação por classe as cores da dimensão região central muito bem assistida e habitada por
racial. O autor mostrou de forma muito eloquente a grupos de elites e a consolidação de espaços de
presença de elevada segregação também por raça, elite em áreas periféricas em regiões ainda não tão
que se combina com classe na constituição da segre- bem servidas. Ao mesmo tempo, espaços de gru-
gação residencial na metrópole paulistana. Essa não pos médios e pobres apresentam condições hete-
aparece nos índices de dissimilaridade entre bran- rogêneas, embora cada vez mais precárias quando
cos e negros, mas, quando se analisa classe e raça se caminha para baixo na estrutura social.
conjuntamente, encontra-se elevada segregação nos Outro tema clássico diz respeito à precariedade
grupos de elite (brancos e negros) e muito menor urbana. No momento de mais intensa metropoli-
nos grupos mais populares e manuais (brancos ou zação, nos anos 1960 e 1970, os loteamentos clan-
negros). Além disso, há claro padrão de “evitação” destinos e irregulares eram predominantes, mas
por cor da pele e classe de forma combinada: dados gradativamente as favelas se integraram ao tecido
de dissimilaridade mostram que brancos ricos têm urbano paulistano a partir dos anos 1980. Estudos
menor segregação de brancos médios, de negros baseados diretamente em dados censitários, como
ricos e só depois de brancos pobres. De uma for- Saraiva (no prelo), sugerem que a população fave-
ma geral, por fim, os patamares de segregação são lada cresceu pouco na década, menos inclusive que
muito mais elevados a partir dos negros, separando o conjunto da metrópole – 0,44% ao ano no mu-
uma elite branca e rica, relativamente próxima de nicípio de São Paulo (Saraiva, no prelo) –, embora
brancos de classe média, do restante da população. com aumento de densidade. Além disso, as condi-
ções sociais nas favelas paulistanas continuaram
ACESSO A SERVIÇOS E POLÍTICAS melhorando na última década, embora esse tipo
de moradia precária continue sendo marcado por
Um tema clássico no estudo das metrópoles intensa heterogeneidade em termos de conteúdos
brasileiras é a cumulatividade das desigualdades sociais e condições de infraestrutura. O trabalho
sociais com a precariedade urbana, ou a superposi- da autora, entretanto, sugere uma redução dessa