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Práticas discursivas multimodais no

WhatsApp: uma análise verbo-visual


Renata da Fonte*
Roberta Caiado**

Resumo
Introdução
Neste artigo, discutimos práticas
discursivas multimodais encontradas Este artigo propõe discutir os aspec-
no aplicativo WhatsApp com o propó- tos multimodais encontrados em práticas
sito de refletir a relação entre o texto discursivas presentes em dispositivos
verbal e a imagem. Respaldamo-nos
na perspectiva da multimodalidade,
móveis - smartphones - mais especifica-
principalmente nos fundamentos da mente no aplicativo WhatsApp, de forma
Semiótica Social, fundamentando- a refletir sobre a relação entre texto ver-
-nos nos trabalhos de Kress (1998) bal e visual e sobre os papéis da imagem
e Kress; Leeuwen (1996, 2011) para
na constituição multimodal do discurso
análise do discurso multimodal e do
papel da imagem utilizada nesse meio na tela. Para isso, as reflexões serão
digital. Os enunciados multimodais respaldadas na perspectiva da semiótica
presentes nas práticas discursivas do social, proposta por Kress e Van Leeween
WhatsApp revelam a imagem como (2001), na qual o discurso é multimodal,
modo semiótico privilegiado para a
construção de sentido na tessitura uma vez que é constituído por modos se-
discursiva na tela de dispositivos mó- mióticos, que se articulam na construção
veis – smartphones. de sentido da teia discursiva.

Palavras-chave: Multimodalidade. Se-


miótica Social. Práticas discursivas.
WhatsApp. *
Doutora em Linguística. Professora e pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação da Universidade Católica
de Pernambuco. Área de atuação: Linguagem e Multi-
modalidade. E-mail: renataflfonte@gmail.com
**
Doutora em Educação. Professora pesquisadora da
Universidade Católica de Pernambuco. Área de atuação:
Linguagem e Tecnologias. E-mail: r.caiado@globo.com

Data de submissão: jul. 2014 – Data de aceite: ago. 2014


http://dx.doi.org/10.5335/rdes.v10i2.4147

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Na contemporaneidade, o avanço Segundo Ferro (2014), esse aplicativo
tecnológico da mídia digital, em especial é considerado um dos projetos de maior
das tecnologias móveis, promove o sur- sucesso no meio digital, pois conta com
gimento de diversos aplicativos e novos elevada adesão de usuários de disposi-
acessórios que possibilitam a leitura e tivos móveis. Nos primeiros quatro anos
a produção discursiva na tela. Exemplo de vigência, o crescimento do WhatsApp
dessas tecnologias móveis são os smar- é superior ao do Facebook.
tphones, que contribuem para o surgi- Podemos encontrar na interação via
mento de novas práticas discursivas WhatsApp diversos gêneros discursivos,
mediadas por textos verbais e visuais. que variam quanto ao estilo, ao forma-
Logo, o discurso constituído com o to e ao conteúdo. Esses gêneros podem
auxílio das tecnologias digitais da infor- permear práticas discursivas formais ou
mação e comunicação é, em sua essência, informais. Essas práticas multimodais
multimodal. O bate papo no WhatsApp é integram palavras, sons, imagens e movi-
multimodal, pois os recursos disponibili- mentos, sincronicamente, em um meio ca-
zados no aplicativo possibilitam mesclar racterizado por noções de multilinearidade
diferentes modos semióticos, como som, e exigem dos sujeitos dialógicos “atitudes
imagem, vídeo, texto verbal na tela. ativamente responsivas”, conforme propõe
O WhatsApp Messenger é um aplica- a perspectiva dialógica bakthiniana.
tivo que permite trocar mensagens pelo Discutir a multimodalidade atrelada
celular/smartphone. Está disponível para à tecnologia digital móvel e refletir sobre
telefones iPhone, BlachBerry, Android, a inter-relação entre texto verbal e ima-
Windows Phone e Nokia com acesso à gem em práticas discursivas ocorridas
internet (3G ou WI-FI, quando dispo- no aplicativo WhatsApp torna-se neces-
nível). O WhatsApp possibilita enviar sário frente aos desafios impostos pela
mensagens escritas, de áudio e de vídeo cultura digital, que envolvem práticas
e imagens. O aplicativo foi criado em diferenciadas de leitura e escrita na tela.
2009 pelo norte-americano Brian Acton
e pelo ucraniano Jan Koum, que foram A multimodalidade em
funcionários do Yahoo. A ideia de criar
esse aplicativo, que possibilita a troca
dispositivos digitais
de mensagens, foi de Jan Koum e surgiu móveis
no momento em que a academia que fre-
quentava proibiu o uso de celulares. As As novas tecnologias digitais da infor-
ligações perdidas, enquanto praticava mação e comunicação permitem mesclar
esportes, o incomodavam e o mobilizaram diferentes modos de representação: a
a pensar em uma alternativa para essa imagem pode ser combinada ao texto es-
questão, daí a ideia de criar o WhatsApp.1 crito, o som e o movimento adicionado à
imagem (KRESS, 1998). Tais tecnologias

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são capazes de reunir simultaneamente dispositivos móveis WhatsApp favorece
múltiplas semioses (texto, som e imagem) a mescla de diversos modos semióticos,
em gêneros discursivos no meio digital sejam de natureza verbal, por meio de
(MARCUSCHI, 2010), favorecendo a sons ou da escrita, sejam de constituição
bricolagem de várias linguagens amalga- visual, como é o caso da imagem.
madas em um mesmo suporte (XAVIER, Para o estudo das imagens, Kress e
2009) e as diversas possibilidades de Leeuwen (1996) propõem a Gramática
significação do texto eletrônico nas inte- do Design Visual, advogando que a
rações on-line (ROJO, 2009). linguagem visual possui uma sintaxe
Kress (1998) ressalta que o discurso própria, uma vez que seus elementos es-
sempre teve natureza multissemiótica, tão organizados entre si para expressar
apesar disso, privilegiava-se o papel do significados coerentes.
texto escrito, deixando-se de considerar A seleção de determinado modo semi-
o potencial representacional e comu- ótico depende do objetivo do sujeito na
nicacional do texto visual. Segundo o prática discursiva e indica o conteúdo do
autor, os aspectos visuais nas tecnologias que pretende expressar. Segundo Barros
contemporâneas, como no computador, e Meira (2010), na perspectiva da Semió-
podem estar relacionados aos tipos e tica Social, o autor e o leitor selecionam
tamanhos de fontes e layout, que confi- um modo semiótico para destacá-lo em
guram o texto. um momento específico da interação.
Conceber o discurso como constituição A respeito da relação da imagem com
multimodal é essencial para compre- texto escrito, Santanella e Nöth (2008
ender os vários modos semióticos que [1997], p. 54) retomam considerações
estão integrados nas práticas discursivas de Barthes (1964) e de Kalverkämper
presentes no meio digital, pois a forma (1993). Os autores ressaltam o questio-
como a linguagem verbal relaciona-se namento de Barthes (1964, p. 38):
à visual contribui para a construção de Será que a imagem é simplesmente uma
sentido na interação dialógica. duplicata de certas informações que um
A multimodalidade no discurso im- texto contém, e portanto, um fenômeno de
plica o uso de vários modos semióticos. redundância, ou será que o texto acrescenta
novas informações à imagem?
A maneira como esses modos são com-
binados pode reforçar a mesma ideia, Partindo desse questionamento,
desempenhar papéis complementares ou Santanella e Nöth (1997) afirmam que
hierárquicos, nos quais um determinado a relação imagem-texto ocorre em um
modo semiótico predomina em relação contínuo que vai da redundância à infor-
ao outro (KRESS; LEEUWEN, 2011). matividade. Com base nas observações
Nesse caso, o conteúdo do discurso pode de Kalverkämper (1993), nesse contínuo,
ser expresso, principalmente, pelo texto há três formas distintas de relação da
verbal ou pela imagem. O aplicativo para imagem com o texto. A imagem pode

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ser inferior ao texto, sendo, portanto, Martinec e Salway (2005) sintetizam
redundante, caso em que podemos citar os diferentes status da relação entre
as ilustrações cuja presença da imagem imagem e texto por meio do diagrama
não é essencial para a compreensão do a seguir:
texto, logo se excluídas do texto não com-
prometem sua compreensão; a imagem Figura 1: Status do sistema de relação imagem-
pode ser superior ao texto quando é mais -texto
informativa em relação a ele, situando-
-se, portanto, na escala da informativi-
dade. Neste tipo de composição textual
“sem a imagem, uma concepção do objeto
é muito difícil de ser obtida” (SANTA-
NELLA e NÖTH, p. 56-57); ou a imagem
pode ser equivalente à palavra, quando
a imagem é integrada ao texto, tendo a
mesma importância, sugerindo que a Fonte: Martinec; Salway, 2005, p. 349 (tradução nossa).
relação entre imagem e texto encontra-se
no meio do contínuo, entre a redundân- Ao refletir sobre as relações entre
cia e a informatividade, essa relação de imagem e texto, Barthes (1977) propõe
equivalência entre texto e imagem. duas formas principais de inter-relação:
Martinec e Salway (2005) mencionam ancoragem e relay. Na primeira, o texto
que o status de equivalência ou igualda- direciona o leitor para o significado da
de entre imagem e texto pode caracteri- imagem, ajudando-o a identificar os
zar uma relação de independência ou de elementos dela. O texto faz referência à
complementariedade. imagem. Nessa forma de relação, o texto
Segundo os autores, imagem e texto tem a função de elucidar parte da men-
são independentes e de igual status quan- sagem icônica. A relação de ancoragem
do se combinam, mas um não modifica o pode ser encontrada em fotografias de
outro. Quando ambos se modificam, seu imprensa e anúncios. Já na inter-relação
status é considerado complementar. denominada relay, texto e imagem são
No status de igualdade, seja inde- complementares. As palavras e as ima-
pendente ou complementar, a imagem gens são fragmentos de um sintagma
inteira relaciona-se a um texto inteiro. mais geral, como acontece nos desenhos
Quando a imagem relaciona-se a apenas animados e nas histórias em quadrinhos.
uma parte do texto ou quando o texto A relação imagem-texto de ancoragem
está relacionado à parte da imagem, o nos faz pensar no texto que funciona
status é de subordinação, caracterizan- como legenda da imagem, guiando o
do uma relação desigual (MARTINEC; leitor para o sentido dela. Logo, o texto
SALWAY, 2005). serve de base para a leitura da imagem.

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Já na relação entre imagem e texto co- Procedimentos
nhecida como relay, o leitor necessita
observar a imagem e o texto para cap- metodológicos para a
tar o sentido do discurso multimodal, análise verbo-visual de
lembrando o status de igualdade entre
discursos multimodais no
imagem-texto, defendido por Martinec
e Salway (2005). WhatsApp
Segundo Kress e Van Leeuwen (1996),
A realização desta pesquisa envolveu
a imagem, como parte integrante do
uma análise verbo-visual de discursos
texto escrito, contribui para o observador
multimodais no aplicativo WhatsApp.
compreender a semiótica da composição
Para essa análise, selecionamos três
textual e a ideologia do produtor do texto.
fragmentos de práticas discursivas de
As tecnologias digitais móveis favore-
diferentes usuários desse aplicativo.
cem a construção de textos multissemi-
O WhatsApp contribui para a consti-
óticos sem que para isso seus usuários
tuição do discurso multimodal, no qual
necessitem de expertise, porém, ser
há possibilidade de mesclar palavras
letrado digital contribui para integrar
e emoji, anteriormente denominado
diferentes modos semióticos disponíveis
emoticons, que tem origem japonesa.
no meio digital.
Shigetaka Kurita foi o criador dos emoji
Xavier (2005, p. 135) afirma que:
orientais. A ideia de sua criação surgiu
Ser letrado digital pressupõe assumir
nos anos de 1990, diante da necessidade
mudanças nos modos de ler e escrever os
códigos e sinais verbais e não-verbais, como de ferramentas e técnicas rápidas de
imagens e desenhos, se compararmos às comunicação, principalmente, do público
formas de leitura e escrita feitas no livro, até adolescente japonês. Inicialmente, Ku-
porque o suporte sobre o qual estão os textos
digitais é a tela, também digital. rita e uma equipe de designers criaram
176 carinhas, capazes de expressar va-
As práticas discursivas no WhatsApp riadas emoções. Mais tarde, essa ideia
são permeadas por discursos multimo- foi difundida por outras empresas, que
dais e exigem sujeitos autônomos, ativos, elaboraram outros conjuntos de emoji.2
intencionais, na medida em que deverão Os ícones passaram a ser usados no texto
selecionar os modos semióticos para a digital, elegendo desenhos com a função
constituição da tessitura discursiva. de expressar ideias específicas ou um
No próximo tópico, refletiremos sobre estado de humor.3
a maneira que os sujeitos relacionam No WhatsApp há diversos ícones ou
texto verbal/escrito e imagem no apli- emoji, que incluem carinhas com expres-
cativo WhatsApp, a partir da análise sões faciais diferenciadas, gestos manu-
de fragmentos de práticas discursivas ais, símbolos relacionados às profissões,
ocorridas nesse aplicativo. e que expressam sentimentos, pessoas,

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relógio com a marcação da hora, objetos Análise e discussão dos
variados, animais, números, frutas, par-
tes do corpo, placas, entre outros. Abaixo discursos multimodais no
apresentamos alguns exemplos desses WhatsApp
emoji disponíveis no aplicativo.
Ao analisar as práticas discursivas
no aplicativo WhatsApp, realçaremos
Figura 2 – Exemplos de Emoji para smartphones
a relação entre palavra e imagem, e o
papel desta última em três contextos de
interação distintos.

CONTEXTO 1: WhatsApp de uma família.


Participam deste grupo 10 (dez) pessoas.
PERFIL DOS SUJEITOS – IDADE –
FORMAÇÃO – TEMPO QUE USA O
APLICATIVO: No contexto abaixo 02 (dois)
sujeitos interagem. Com idades próximas: 62
anos, 60 anos; ambos os sujeitos utilizam o
aplicativo há mais de dois anos.

Figura 3 – Prática discursiva I

Fonte: Dispónível em: <http://inner.geek.nz/archives/2009/


02/06/the-truth-about-iphone-emoji/>.

Analisaremos, a seguir, qualitati-


vamente, três fragmentos de práticas
discursivas extraídas do aplicativo What-
sApp, na tentativa de refletir, a partir
da classificação proposta por Martinec
e Salway (2005), os usos que os sujeitos
fazem dos aspectos multimodais na re-
lação entre texto verbal e visual e sobre
os papéis da imagem na constituição
multimodal do discurso na tela.

Fonte: elaborada pelas autoras a partir da captura de telas


do aplicativo WhatsApp em smartphone.

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Na prática discursiva acima, parti- Na sequência, o sujeito 2 expõe o
ciparam dois sujeitos pertencentes ao segundo ícone, que é de uma placa de
grupo familiar, um sujeito de 62 anos trânsito, com o significado de “parada
e outro sujeito de 60 anos. O contexto obrigatória” e depois introduz o ícone
temático envolvido foi o feriado do dia do número 1, que representa, pela ima-
do trabalhador, que é comemorado no gem, o dia de um calendário. Esse ícone
dia primeiro de maio. indica o dia que ocorrerá a “parada
Para iniciar o bate papo no aplicativo, obrigatória”, dia primeiro de maio, dia
o sujeito 1 utiliza um recurso do aplica- do trabalhador. Para encerrar seu turno,
tivo WhatsApp, que foi o de inserir um o sujeito 1 “sorri”, por meio da carinha
cartaz, que continha uma mensagem que representa sorriso, acrescenta outro
verbal caracterizada pelo texto escrito: ícone de “positivo”, inferimos que con-
“Vai começar tudo de novo. Então... Boa cordando com a afirmação do sujeito 2 e
Semana pra você!!” acompanhada da ima- sentindo-se satisfeito, e introduz o emoji
gem ilustrativa do personagem Garfield. da carinha que solta um beijo de coração,
Ao ocupar o turno discursivo, o sujei- como forma de despedida. As imagens
to 2 interage utilizando, apenas, emoji, substituíram o texto verbal, garantindo a
inserindo quatro deles em sequência construção coesa, coerente e com sentido
temporal na sua enunciação digital. O do texto visual.
primeiro emoji utilizado pelo sujeito 2 O sujeito 1, quando volta a ocupar o
representa o gesto manual que expõe turno discursivo, após o primeiro car-
o dedo polegar para cima, sinalizando taz enviado, também faz uso, apenas,
o gesto emblemático de “positivo”. No da imagem - de emoji - na construção
contexto dessa interação, esse tipo de do seu discurso. Incialmente, introduz
imagem pode ter sido utilizada como for- uma carinha com sorriso, expressando
ma de compreensão acerca do que foi dito satisfação com o feriado. Essa ideia de
contentamento também é reforçada pelo
por Garfield ou como introdução da sua
gesto emblemático que sinaliza legal.
resposta que tinha a intenção de relem-
Por fim, o sujeito encerra a interação
brar ao sujeito 1 que o próximo feriado
dialógica com a carinha, que solta um
(parada obrigatória) estava próximo. Os
beijo, retribuindo o mesmo ato de seu
gestos emblemáticos são construídos so-
interlocutor a partir da mesma imagem.
cialmente e determinados culturalmente
Nesse fragmento, os emoji substituem
e podem ser realizados na presença ou
o texto verbal, sendo realçados na cons-
na ausência da fala (MCNEILL, 2000).
tituição dos discursos dos sujeitos, que
Na interação dialógica do fragmento I,
são formados apenas pelas imagens que
o ícone que representa o gesto emble-
significam e contextualizam a prática
mático foi apresentado na ausência do
discursiva. Logo, o discurso na tela, na
texto escrito.
Prática Discursiva I é de natureza essen-

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cialmente visual. Consideramos que as A prática discursiva II mostra dois
imagens possuem status de independên- contextos de interações distintos: convite
cia absoluta, uma vez, que foram usadas e comunicado de chegada a um determi-
na interação sem a presença do texto ver- nado destino.
bal e com coerência semântica, situando- No primeiro contexto, o sujeito 1 inicia
-se no contínuo da informatividade. a interação dialógica na tela com o intui-
Esse tipo de status da imagem tem to de convidar o sujeito 2 para andar de
sido encontrado em outras práticas bicicleta. Para isso, o sujeito 1 combina
discursivas de sujeitos considerados le- quatro emoji (figura de casal + bicicleta
trados digitais, que utilizam o aplicativo + sol + relógio, que marca o horário das
WhatsApp. 7h30) seguido do ponto de interrogação;
Em um contexto interativo diferente, inferimos que o significado desse texto
observamos o uso de texto visual e de visual seja: “Vamos andar de bicicleta
texto verbal na constituição do discurso às 7h30 ?”. No contexto dialógico, as
dos sujeitos. imagens articulam-se de forma coesa e
coerente na constituição do discurso do
CONTEXTO 2: WhatsApp de um casal. sujeito 1. Logo, dispensam palavras para
PERFIL DOS SUJEITOS – IDADE – seu entendimento, ocupando o status de
FORMAÇÃO - TEMPO QUE USA O independência absoluta e situando-se na
APLICATIVO: Os 02 (dois) sujeitos
possuem ensino superior completo e tem escala da informatividade.
51 anos; utilizam o aplicativo há três anos. A compreensão do sujeito 2 é clara
quando esse ocupa o turno discursivo,
Figura 4 – Prática discursiva II enfaticamente, por meio do texto verbal
“Topooo” ao aceitar o convite do sujei-
to 1 expresso no discurso de natureza
imagética. Em seguida, confirma o
horário da atividade física por meio do
questionamento: “7h30???” e encerra seu
turno discursivo com as letras “Kkkk”,
que significam gargalhadas no meio di-
gital, representando sua sonoridade em
interações face a face e, também, o fato
de o sujeito 1 ter conhecimento de que
o sujeito 2 não gostava de acordar cedo
para prática de esportes. No contexto
dialógico, os textos verbais representam
o status de independência absoluta, sen-
Fonte: elaborada pelas autoras a partir da captura de telas do informativos.
do aplicativo WhatsApp em smartphone.

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Diferentemente do discurso do sujeito discurso multimodal ao integrar imagens
1, que teve constituição visual, o discurso e texto verbal em seu enunciado digital.
do sujeito 2 foi de natureza verbal de Introduz seu turno com um ícone de
forma a aproximar a interação na tela contexto religioso – duas mãos unidas
da interação face a face. No discurso em sinal de oração/agradecimento. Nesse
desse sujeito, observamos marcas signi- contexto dialógico, essa imagem poderia
ficativas como o alongamento da palavra significar a expressão “graças a Deus”.
“Topo”, que foi grafada “Topooo”. Essa Em seguida, deseja para o sujeito 2 um
estratégia de triplicar a letra modifica o bom dia por meio do texto verbal. No
layout do texto escrito tradicional e tem fecho do seu enunciado, volta a usar
a função de substituir o alongamento da imagem representada pelo emoji da
duração da palavra falada nas interações carinha que manda “beijo de coração”.
face a face e pode ter sido utilizada para As imagens e o texto verbal apresentam
enfatizar seu aceite e expressar grande dados novos, ou seja, expressam diferen-
interesse pelo convite. tes significados, que dão continuidade
Diante do aceite do sujeito 2, o sujeito ao discurso de forma coesa e coerente.
1 usa dois ícones que representam o ges- Podemos pensar numa relação entre
to emblemático de legal; o primeiro pode imagem-texto de complementariedade
ter significado sua satisfação do aceite do do discurso multimodal.
convite e o segundo pode ter sido usado Um terceiro tipo de inter-relação
para confirmar o horário do passeio de entre imagem e texto verbal no aplica-
bicicleta. Após o uso desses ícones em- tivo WhatsApp pode ser evidenciado na
blemáticos, seu discurso apresenta dois interação dialógica abaixo.
emoji da carinha sorridente, demostran-
do seu estado de alegria e para fechar seu CONTEXTO 3: WhatsApp de uma família.
turno expõe duas carinhas que soltam Participam deste grupo 10 (dez) pessoas.
um beijo de coração, caracterizando um PERFIL DOS SUJEITOS – IDADE –
contexto de despedida com afeto. O dis- FORMAÇÃO – TEMPO QUE USA O
curso do sujeito 1 foi de natureza visual APLICATIVO: No contexto abaixo 03
(três) sujeitos interagem. Todos possuem
com status de independência absoluta
ensino superior completo e têm respecti-
em relação ao texto verbal ausente. Logo, vamente: 62 anos, 60 anos e 49 anos; os
a imagem está situada no contínuo da sujeitos utilizam o aplicativo há mais de
informatividade. dois anos.
No segundo contexto, o sujeito 2 ocu-
pa o turno discursivo para comunicar
sua chegada. Para isso, usou apenas o
texto verbal “Cheguei amor”. O sujeito
1 insere-se na interação por meio do

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Figura 5: Prática discursiva III do cartaz. Conforme considerações de
Martinec e Salway (2005), a imagem
relaciona-se à palavra “família” do texto
verbal, indicando uma relação imagem-
-texto desigual, de subordinação. Esse
mesmo status pode ser observado no final
do cartaz. Segundo Kress e Leeuwen,
(2011 [2001]), a imagem da “família” e
a do “coração” têm o papel de enfatizar
as palavras escritas.
O sujeito 2 assume o turno discursivo
usando apenas emoji, ao incorporar no
seu discurso o ícone emblemático de
legal, revelando a aprovação da mensa-
gem, e na sequência, a carinha sorrindo,
mostrando estado de satisfação.
Já o sujeito 3 mesclou em seu discur-
so imagens e texto verbal. Sua entrada
no turno discursivo inicia com a exposi-
ção da carinha com sorriso, sinalizando
sua satisfação com a mensagem sobre
a família. Em seguida, incorpora em
Fonte: elaborada pelas autoras a partir da captura de telas seu enunciado a imagem do sol que
do aplicativo WhatsApp em smartphone.
antecipa e contextualiza o texto verbal
posterior, que expressa “bom dia”. Nesse
Ao iniciar a interação dialógica, o
momento, a inter-relação entre imagem
sujeito 1 insere um cartaz constituído de
e texto verbal é de ancoragem, pois o
texto multimodal, no qual há a imagem
texto verbal favorece a compreensão
da família dos Flintstones do lado es-
da imagem expressa. De outro modo,
querdo acompanhada de uma mensagem
a compreensão do texto verbal não
verbal sobre “família”. Nesse caso, com
depende da presença da imagem, logo
base na classificação de Kalverkämper
é inferior ao texto, funcionando como
(1993), a imagem é inferior ao texto,
ilustração. Dando continuidade ao seu
sendo redundante, pois sua presença
turno, o sujeito 3 expõe, em sequência,
não é primordial para construção de sen-
vários outros emoji. Ressaltamos que a
tido do texto, seu papel é de ilustração.
presença da mesclagem entre texto ver-
Neste exemplo, a imagem teve o papel
bal e visual foi evidenciada no contexto
de sintetizar o texto verbal, ou melhor,
de fechamento do turno, na despedida,
de realçar a palavra-chave, a temática quando grafa “Bjs” seguido de dois emo-

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ji, distintos, de beijo. A linguagem visual Nas práticas discursivas analisadas,
expressa pelos emoji teve o papel de no aplicativo WhatsApp, os sujeitos dia-
reforçar a palavra escrita. Nesse caso, lógicos inter-relacionaram texto verbal/
imagem e texto verbal são equivalentes escrito e imagem de formas diversas.
no significado, apresentam, segundo Logo, esses modos semióticos apresenta-
Martinec e Salway (2005), status igual ram status diferenciados: superior, igual
e independente. ou inferior, conforme representamos no
diagrama abaixo.

Figura 6 – Status do sistema de relação Imagem-Texto no WhatsApp

Fonte: elaborada pelas autoras.

Considerações finais i) Imagem substituta do texto verbal;


ii) Imagem que enfatiza o sentido do
No aplicativo WhatsApp há uma pre- texto verbal;
dominância do status de independência iii) Imagem que antecipa o texto ver-
absoluta da imagem em relação ao texto bal;
verbal nos sujeitos analisados, pois ela iv) Imagem que ilustra o texto verbal;
exerce papel relevante para a constru- v) Imagem que sintetiza o texto verbal.
ção do enunciado digital com caráter
No WhatsApp, as práticas discursivas
informativo no contexto dialógico pesqui-
multimodais são favorecidas, tendo em
sado. O processo de letramento digital
vista os recursos disponíveis nesse apli-
dos sujeitos participantes da pesquisa
cativo, o contexto e o propósito da intera-
contribuiu para este uso, garantindo ra-
ção, assim como o grau de intimidade dos
pidez e expressão diferenciada de ideias
sujeitos e o tempo de uso do WhatsApp.
complexas.
Em relação aos papéis da imagem nas
práticas discursivas analisadas, nesse
aplicativo, destacam-se:

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