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A Bondade

de Deus e a
Relutância
Humana

Sherman Isbell
SUMÁRIO

1) A BENEVOLÊNCIA DE DEUS...................................... 3
O Caráter de Deus............................................................ 5
2) A MISERICÓRDIA DE DEUS....................................... 8
John Howe.......................................................................... 9
Jonathan Edwards............................................................. 9
Robert Murray M’Cheyne.............................................. 10
John Murray..................................................................... 10
O réprobo......................................................................... 11
Amar nossos inimigos.................................................... 12
Davi................................................................................... 12
Um exemplo Puritano.................................................... 14
A Bondade de Deus e
a Relutância Humana
Mateus 23:33-39
Lucas 19:41-44
“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedre-
jas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reu-
nir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos
debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt 23:27).

1) A BENEVOLÊNCIA DE DEUS
A primeira coisa que queremos destacar nestes textos das Es-
crituras é a benevolência de nosso Deus. Eles se referem a Jesus
no período final de seu ministério. O Senhor olha para a cidade
de Jerusalém e chora sobre ela. Muito semelhantemente às la-
mentações de Jeremias, Jesus está lamentando pela cidade. Da
mesma forma que Jeremias lamentou por causa da apostasia de
Jerusalém em sua época, Jesus também lamenta a apostasia des-
ta cidade em Sua época aqui na terra. Jesus demonstra grande
compaixão para com a cidade através de suas lágrimas derra-
madas por ela. Jesus lamenta que o povo tenha se desviado do
caminho. Ele afirma que queria reunir a todos, mas eles não
quiseram e com isso eles estão manifestando o mesmo espírito
já de há muito conhecido naquela cidade.

No v. 34 de Mateus 23, Jesus diz: “... eis eu vos envio profetas,


sábios e escribas”. Aqui Jesus fala consciente da sua natureza
A Bondade de Deus e a Relutância Humana

divina. Ele é o Deus eterno que desde o Velho Testamento já


mandava profetas a Jerusalém. Da mesma forma em Lucas 19,
Ele chora pela cidade dizendo: “Ah! Se conheceras por ti mes-
ma, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isto agora está oculto
aos teus olhos”. Com compaixão e lamentos Jesus está conside-
rando o fato de que a cidade está cega. Eles não podiam discer-
nir nem perceber que Ele era o verdadeiro Messias. Os líderes
estavam cegos tanto quanto o povo da mesma forma que em
outra oportunidade Jesus diz que se um cego guia outro cego,
ambos irão cair. O mesmo ele diz dos fariseus em Mateus 23:13
– “Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais
aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que
entrariam permitis entrar”. E o v. 15: “porque percorreis o mar
e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o
tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós”. A cidade
tinha guias cegos e o povo estava cego também.

No Evangelho de João vemos o mesmo no capítulo 1:11,


quando o apóstolo diz: “Veio para o que era seu e os seus não
o receberam”. Jesus veio para Israel, aqueles que estavam exter-
namente em aliança com Deus, mas eles não o quiseram rece-
ber. Paulo fala o mesmo em Romanos nos capítulos de 9 até 11,
quando diz que esta cegueira desceu sobre todo o Israel e que
Israel tinha zelo por Deus, mas um, zelo sem entendimento;
os judeus se desviaram do caminho e não foram reconciliados
com Deus.

Aqui nestes textos de Mateus 23 e Lucas 19, quando Jesus se


dirige à Jerusalém lamentando e chorando por ela, Ele diz que
a cidade vai cair debaixo do juízo de Deus. O apóstolo Pau-
lo também fala do juízo de Deus caindo integralmente sobre o
povo de Deus e identifica Jerusalém como estando conforme o
espírito de Hagar e seu filho que nasceu segundo a carne, com
auto-confiança e auto-dependência em lugar de ter fé em Deus.
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O caráter de Deus
Quando Jesus está demonstrando compaixão para com a ci-
dade de Jerusalém Ele a expressa com emoções humanas. Por
isso muitas pessoas dizem que isso nada diz do caráter de Deus,
porque as emoções humanas não se acham em Deus. Dizem
que as emoções humanas envolvem sentimentos que por vezes
oscilam para cima e para baixo demonstrando vulnerabilidade;
vemos o que os outros fazem conosco e reagimos com amar-
gura, tristeza ou com alegria. Mas Deus não é vulnerável desta
forma, dizem; não oscila para ter momentos que ora estão em
cima e ora estão em baixo; nossos sentimentos têm muito a ver
com nossos corpos e nossa condição física e por isso existe cer-
ta falta de estabilidade que acompanha nossas emoções; nada
disso existe em Deus. Então, dizem que quando Jesus estava se
lamentando e chorando pela cidade de Jerusalém, isso tudo ti-
nha a ver apenas com sua natureza humana e nada com sua
natureza divina.

Mas devemos enfatizar aqui que compaixão e misericórdia


não são coisas apenas emocionais, mas coisas que têm a ver
com o caráter. Jesus não tem um caráter em sua natureza huma-
na e um outro caráter em sua natureza divina. Ele é ao mesmo
tempo Deus e homem, mas é apenas uma só pessoa. O caráter
de sua personalidade divina é manifesto também na sua huma-
nidade. Quando olhamos para o Filho de Deus encarnado no
registro dos Evangelhos, o vemos lidando com as pessoas e de-
monstrando compaixão, misericórdia e benevolência para com
elas, mas ao mesmo tempo o vemos demonstrando ira contra
o pecado. Assim percebemos que todas essas coisas têm a ver
com Seu caráter e expressam aquilo que Ele é como Deus.

Temos de pensar que, mesmo tendo uma natureza divina


tanto quanto uma natureza humana, a sua identidade pessoal
é aquilo que Ele tem desde toda a eternidade como uma das
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pessoas da Trindade. Nós somos pessoas humanas, mas Jesus


não é uma pessoa humana, Ele é uma pessoa divina. Jesus já
tinha uma identidade pessoal antes de ser concebido no útero
da virgem Maria. Ele é uma pessoa divina que sempre exis-
tiu na Trindade. Jesus sempre teve uma natureza divina, mas
quando foi concebido na virgem Maria Ele acrescentou a Si
mesmo uma natureza humana. Ele assumiu um corpo huma-
no, uma alma humana que tinha mente e vontade humanas,
e mesmo assim Sua auto-consciência pessoal continuou sen-
do a de uma pessoa divina como sempre foi. Jesus pensava a
respeito e Si mesmo, como a mesma pessoa que desde toda
eternidade estava no seio do Pai. Assumindo uma alma hu-
mana e um corpo humano Ele simplesmente expressou aquele
caráter divino que pertencia à Sua pessoa divina. Por causa
disso, quando tentado, foi impossível para Jesus cair em peca-
do porque era uma pessoa divina com todo caráter divino de
um membro da deidade.

Então, quando vemos o Senhor Jesus Cristo — no registro


dos Evangelhos — fazendo alguma coisa, tudo o que Ele fazia
estava relacionado com seu caráter e era uma expressão da Sua
pessoa divina desde toda a eternidade e, por extensão, é uma
expressão do caráter do próprio Deus Trino — Pai, Filho e Es-
pírito Santo.

Vejamos algumas belas palavra de Hugh Martin, um presbi-


teriano escocês do século XIX:

“O coração compungido de Jesus está se derramando em


lágrimas por Jerusalém” — Esta é uma afeição totalmente hu-
mana que revela a compaixão divina por pecadores. As graças
humanas do homem Jesus são uma janela pela qual podemos
ver e contemplar os atributos divinos. Esses atributos divinos
e graças humanas coexistem juntos naquele homem chamado
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Jesus. É uma harmonia gloriosa e perfeita. Não há nenhuma


discordância entre a divindade e a humanidade quando são
unidas neste Deus-homem e homem-Deus, Jesus, Emanuel.
Não há nenhuma discordância entre os atributos da divindade
e as graças da humanidade de Jesus. Estas são evidências que
são expressas no caráter de Emanuel. Podemos nos aproximar
e contemplar justiça santa e amor sem igual naquele homem
Jesus; e entrando por esta porta aberta do seu caráter como ho-
mem — porque existe uma unidade entre sua humanidade e
sua divindade — nós podemos prosseguir sem solução de con-
tinuidade alguma; podemos entrar logo nas profundezas do seu
caráter como Deus. Vemos no homem Jesus-Cristo, a glória de
Deus; vemos a glória de Deus no rosto de Jesus Cristo.

Um dos puritanos ingleses, John Howe, fala sobre esta com-


paixão da longanimidade de nosso Salvador Jesus para com os
pecadores e diz que isso é uma manifestação daquilo que vemos
na Trindade inteira. Howe fala desta paciência e compaixão na
divindade. O Senhor deseja que os pobres pecadores estejam
olhando para Ele como um Deus que está disposto a se recon-
ciliar com eles; um Deus que não mantém sua ira para sempre.
Essa longanimidade é um atributo que expressa muito bem a
natureza divina; essa paciência é a parte mais preciosa da coroa
imperial. O Senhor se gloria nisso como algo que só Ele tem.
Lemos em Oséias 11:9 – “Não executarei o furor da minha ira;
não voltarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não
homem, o Santo no meio de ti; eu não virei com ira”. É como
se Deus dissesse: “Se eu fosse o homem mais humilde da terra
eu os teria consumido muito tempo atrás, mas Eu sou Deus e
não homem; minha paciência é maior do que toda a paciência
criada; não há marido que tenha tamanha paciência com sua
esposa; não há pai que tenha tamanha paciência para com seu
filho; paciência semelhante àquela que Eu tenho demonstrado
para com você”.
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A Bondade de Deus e a Relutância Humana

John Howe diz que, por esta razão, Deus tem paciência até
para com pecadores que estão zombando dele e o tratando de
forma leviana. Deus está dando uma evidência graciosa de que
tem uma natureza reconciliadora que mostra graça, compaixão
e misericórdia até para com o pior pecador que existe.

“O coração compungido de Jesus está se derramando com lá-


grimas por Jerusalém”. O que temos nestas lágrimas do Senhor
Jesus é uma manifestação da compaixão, da longanimidade e
benevolência do eterno Filho de Deus. É uma benevolência que
Ele manifesta por meio de compaixão para com pessoas cegas
que não o desejam.

2) A MISERICÓRDIA DE DEUS
A segunda coisa que podemos ver nestes textos citados no iní-
cio é que Deus se deleita em mostrar misericórdia. O Senhor
está mostrando muita paciência para com pecadores; Jesus está
lidando diretamente com seus inimigos e nessa condição Ele
se revela como o Messias. O que está sendo manifesto em tudo
isso é o caráter de Deus. Nas palavras dos textos de Mateus e
Lucas, Jesus mostra a vontade revelada de Deus. Jesus não está
salvando todas estas pessoas; não é Seu propósito eterno sal-
var todas as pessoas, mas mesmo assim, em suas palavras e por
meio de suas ações, Jesus mostra que há uma revelação que en-
volve o caráter de Deus. Deus está manifestando Sua disposição
e deleite em demonstrar misericórdia, que em si mesmo é uma
coisa agradável e que é algo que Ele gosta de fazer.

Deus gosta de ver quando pecadores se arrependem dos seus


pecados, tornando-se santos e entrando num estado de bênção.

Mas ao mesmo tempo vemos que não é o propósito eterno


de Deus salvar todas as pessoas. Deus tem outras coisas que
leva em consideração. Tem outros, objetivos, propósitos e alvos
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que persegue. Mesmo Ele se deleitando em Si mesmo quando


um pecador se converte e nEle tem fé, ao mesmo tempo o Se-
nhor leva em consideração outros fatores que o levam a não
determinar fé salvífica a outras pessoas.

John Howe
O puritano inglês, John Howe, disse: “Deus mostra Sua gene-
rosidade quando revela Sua vontade de que pecadores venham
e O recebam com fé verdadeira. Ao mesmo tempo Ele não apli-
ca Sua vontade decidindo dar-lhes a fé necessária para crerem
de uma forma eficaz vindo até Cristo. Em lugar disso Deus não
concede a fé salvadora e passa por cima de algumas pessoas
deixando-as na condenação”. Então, Howe faz a pergunta: “Será
então, à luz disso, que Deus sinceramente não se apraz em ver
homens se convertendo e crendo? Percebemos que tanto o fato
de Deus se deleitar em ver pessoas se convertendo e crendo
nEle ao ouvir o Evangelho, quanto o Seu propósito eterno de
justiça e santidade, todos são aspectos do caráter de Deus e da
Sua natureza. Deus manifesta estes diferentes aspectos da Sua
natureza para várias pessoas, em diversos contextos, tempo e
formas, conforme Sua vontade soberana”.

Jonathan Edwards
Jonathan Edwards fala algo semelhante quando comenta de
algo na disposição da natureza de Deus. Ele diz que Deus se
apraz em que homens vis possam achar santidade e felicidade.
Ele diz que “o pré-conhecimento de Deus para com estas coisas
e sua sábia pré-determinação em que homens não sejam salvos,
não impedem que Deus, mediante os convites do Evangelho,
mostre-lhes disposição em salvá-los”.
Vamos falar de uma forma mais simples. Deus tem um ca-
ráter de demonstrar generosidade às criaturas, mas é uma ge-
nerosidade estabelecida conforme sua vontade soberana. Deus
concede aos homens várias dádivas nesta vida, mas é possível
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que para alguns Ele não conceda a dádiva da vida eterna. Deus
é amor. Necessariamente e eternamente Ele é amor. Se Ele não
fosse amor não seria Deus. Ele tiraria de Si mesmo a perfeição
que tem. Mas este amor se manifesta e se expressa conforme a
Sua soberana vontade e determinação e também é do Seu agra-
do manifestar Sua eterna justiça trazendo ira e destruição sobre
o homem perverso.

Robert Murray M’Cheyne


Estas coisas que Jonathan Edwards falou são refletidas nas
pregações do grande pastor escocês Robert Murray M’Cheyne.
M’Cheyne gostava muito de ler os escritos de Jonathan Edwar-
ds. Se você deseja ver uma pregação puritana muito bonita na
qual a compaixão de Deus é expressa, deve ler os sermões de
Robert Murray M’Cheyne. Costumava-se dizer que bastava
olhar para seu rosto quando ele subia no púlpito, para se enxer-
gar sua ansiedade até o ponto de desejar morrer, para que seus
ouvintes fossem convertidos. Você encontra isso nas pregações
dos puritanos e que reflete um pouco a piedade e compaixão do
Senhor Jesus, o mestre deles.

John Murray
Faz uns cinqüenta anos que o Prof. John Murray do Semi-
nário de Westminster escreveu sobre estes assuntos. Na época
muitos ficavam preocupados com a linguagem que ele usava
quando dizia: “Deus deseja a salvação daqueles que ouvem o
evangelho”. Ele falou estas palavras quando fazia parte de uma
comissão da Assembléia Geral da sua Igreja nos Estados Uni-
dos (OPC). Um outro membro da comissão me contou de uma
conversa que teve com o Prof. Murray. Naquela conversa Prof.
Murray explicou o que ele queria dizer com esta expressão. Ele
disse que usava esta expressão no mesmo sentido que o Puri-
tano inglês John Howe usou, quando disse que Deus tem uma
vontade complacente. O que significa isso? Hoje usamos esta
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palavra – complacente – no sentido de “não me importo com


isso” ou, “não tenho muita preocupação com este assunto”. Mas
alguns séculos atrás, na época do puritano John Howe, esta
palavra tinha um outro significado específico. Não significava
apenas que você “não tem objeção nenhuma”, ou que não faria
nenhuma hostilidade contra alguma coisa, mas ser complacente
significava alguma coisa na qual você se satisfaz ou tem prazer.

John Howe estava simplesmente dizendo que na verdade re-


velada de Deus — por exemplo, Deus claramente revela na Bí-
blia que não era correto Jacó enganar seu irmão Esaú ou, Deus
declara que pecadores devem vir até Cristo e descansar nele
para obterem salvação — Ele se deleita quando as pessoas O
obedecem. Essas palavras que Deus falou não são palavras va-
zias que flutuam no ar, mas de fato são o reflexo real do caráter
e da disposição do Seu ser. Não é somente a vontade secreta de
Deus (conforme seu propósito e decreto eternos) que expres-
sam a natureza e o caráter de Deus, mas também toda a verdade
revelada de Deus em toda a Escritura e em todos os atos e pala-
vras do Senhor Jesus. Estas coisas reveladas também estão ma-
nifestando e expressando a natureza e o caráter do nosso Deus.

Esse entendimento sobre quem é Deus, é algo bem comple-


xo. Não é algo simplório onde se vê apenas um lado do assunto
(apenas a soberania e Deus – NE). Estamos considerando que
há muitas facetas no processo de Deus lidar com o homem. Esta
maneira de entender quem é Deus não é uma coisa incoerente,
ilógica, porque esta visão de Deus leva em consideração tudo o
que a Bíblia diz sobre Ele.

O réprobo
Tomemos o exemplo do homem réprobo e perverso. Quando
Deus criou este homem Ele demonstrou sua sabedoria e poder
divinos. Os atributos de Deus foram demonstrados na criação
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deste homem e quando Deus traz esta criatura e a coloca debai-


xo do seu juízo, Ele também está manifestando outros atributos.
Ele manifesta a soberania de Sua vontade e da Sua justiça quan-
do na reprovação Ele condena este homem à destruição eter-
na. Mas quando Deus está lidando com este réprobo nesta vida
Deus também manifesta outros atributos divinos na vida deste
homem. Deus também manifesta a bondade, a generosidade e a
benevolência do Seu caráter divino. Deus mostra estes atributos
quando está concedendo aos réprobos o sol, a chuva e a bênção
sobre a colheita. Quando concede o consolo e as alegrias de ter
uma esposa que o ama e lhe é fiel e as bênçãos de ter filhos em
quem se deleita. Então o réprobo está desfrutando de todas es-
tas benevolências que vêm das mãos de Deus e até chega a ter a
graça de experimentar alguma bênção do evangelho no âmbito
da família. Pode até chegar ao ponto de desfrutar da bênção de
ouvir o próprio Cristo vindo até ele falando-lhe pela pregação.

Amar nossos inimigos


Este aspecto do tratamento de Deus para com os perversos é
visto em Lucas 6:35-36 – “Amai, porém, os vossos inimigos, fa-
zei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande
o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno
até para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos, como
também é misericordioso vosso Pai”. Aqui Jesus nos chama a
imitar o caráter de Deus neste ponto. Por que devemos amar
nossos inimigos? Por que devemos tratar bem aqueles que nos
tratam mal? A resposta é que devemos ser tudo isso porque
nosso Deus é misericordioso. Devemos ser de fato e na prática,
filhos do Altíssimo! Devemos ser como Deus é. Deus é benigno
até para com os ingratos e maus.

Davi
Em 2 Samuel, capítulo10, há um registro de Davi como rei de
Israel. Davi mandou mensageiros para consolarem a Hanum, fi-
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lho do rei de Amon que havia morrido. Aqui vemos uma nação
que era inimiga do povo de Deus e que estava fora da aliança.
Davi teve um espírito compassivo, misericordioso e benevolen-
te para com estas pessoas. Ele demonstra isso ao mandar seus
mensageiros para consolar um filho que perdera seu pai, mas
os inimigos amonitas não conseguiram entender este espírito
de misericórdia e benevolência. Não entenderam o que Davi
desejava fazer e por isso disseram que os mensageiros haviam
chegado para espiar a cidade, pois desejavam fazer alguma coi-
sa contra eles. Por isso os amonitas rejeitaram os mensageiros,
“rapou-lhes metade da barba, cortou-lhes metade dos vestidos”
e mandou-os embora humilhados. O que estava acontecendo?
Deus é misericordioso e compassivo. Davi é um homem segun-
do o coração de Deus e por isso vive com esta mesma compai-
xão, misericórdia e benevolência. Cristo é a luz do mundo e o
povo de Deus é a luz do mundo; é a luz e a graça da benignidade
de Deus. O povo de Deus tem a mesma generosidade e miseri-
córdia de Deus, mesmo nas coisas temporais. Estes atributos de
Deus estão brilhando nos atos e ações de Davi para com seus
inimigos. Isso acontece também com a oferta do evangelho.

Jesus chora por Jerusalém


Jesus fala com a cidade de Jerusalém. A cidade que mata
os profetas e apedreja os que lhe foram enviados. Jesus disse:
“Quantas vezes eu quis reunir os teus filhos como a galinha ajun-
ta os seus pintinhos debaixo de suas asas, mas vós não quisestes”.
A ilustração aqui é esta: Uma galinha tem seus pintinhos ao seu
redor mas, voando lá no alto há uma águia que vai mergulhar
e pegar um dos pintinhos e o matar. A galinha vem correndo
para os seus pintinhos, abre suas asas e os pintinhos correm e
se refugiam debaixo das asas da sua mãe que fecha as asas para
protegê-los. Lá está tudo completamente escuro e os pintinhos
não podem ver nada e estão seguros junto ao corpo seguro e
aquecido da mamãe. O mundo de perigo está longe deles e eles
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não podem ver o perigo porque a mamãe vai resolver tudo. Os


pintinhos estão dependendo de sua mãe e se sentem comple-
tamente seguros. Jesus fala como uma pessoa divina e infinita
e diz que vai abrir suas asas infinitas e reunir cidades inteiras
até os confins da terra; Jesus tem a capacidade de reunir todos
debaixo de suas asas infinitas.

Isso é a grande benignidade do Senhor Jesus que é manifes-


tada e declarada na pregação do Evangelho. Não é uma procla-
mação que revela Seu propósito eterno de salvar a todas as pes-
soas, pelo contrário, é uma declaração de Sua vontade revelada.
É uma proposta condicional. Quando os pecadores confiarem
em Cristo, o Senhor estará disposto e preparado para salvá-los.
Se rejeitarem a Cristo e não demonstrarem desejo de vir até
Ele, no dia do juízo uma parte da condenação deles será por-
que viram e ouviram tamanha benignidade tendo o evangelho
sido colocado à sua frente e tendo-lhes sido feito o convite de
vir a Cristo, mas o rejeitaram. Eles serão condenados por causa
desta rejeição também. Paulo diz em Romanos 1:21 que eles se-
rão condenados por causa do pecado da ingratidão: “porquan-
to, tendo conhecido a Deus, contudo não o glorificaram como
Deus, nem lhe deram graças, antes nas suas especulações se
desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu”. Você
não é ingrato para com um ato que não é misericordioso, mas a
ingratidão acontece quando alguém fez um ato de misericórdia,
um ato de benignidade para com você e você não lhe é grato.

Um exemplo Puritano
Finalmente vejamos um exemplo de como um puritano iria
descrever esta disposição de Cristo em receber pecadores que
vêm a Ele em verdadeira fé. É uma pregação puritana do século
XVII do puritano escocês James Durham (1622-1658). Ele foi
um dos maiores pregadores da Escócia naquele século. Ele foi
um dos autores de um documento que muitas vezes é publica-
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Sherman Isbell

do junto com os Padrões de Westminster: “O Resumo de Todo


Conhecimento Salvífico”. É um resumo do caminho da salvação.
James Durham está pregando em Mateus 22:4 — “Enviou ainda
outros servos com esta ordem: Dizei aos convidados: Eis que já
preparei o meu banquete; os meus bois e cevados já foram aba-
tidos, e tudo está pronto; vinde para as bodas”. Este texto fala
de um rei que deseja realizar um banquete para o casamento
de seu filho e convida pessoas para a festa. Durham diz em seu
sermão:

“Saiba qual a comissão que tenho para com vocês hoje; minha missão é
declarar-lhes que o rei está organizando um casamento para seu filho e
já preparou todas as coisas para reconciliar você com Ele. O rei prepa-
rou o casamento e também o modo de cumprir seu propósito. Ele está
falando com você por meio de Sua Palavra pregada pelos seus servos;
fala para vocês através de nós pregadores; estamos falando para você em
nome dele; declaramos a você que o abençoado Senhor Jesus Cristo está
lhe cortejando; nós estamos falando, publicando e proclamamos: ‘vejam
isso! Nosso Senhor Jesus Cristo não está longe para ser alcançado, Ele
está aqui querendo fechar-se nas bodas com você; o Pai está disposto e
preparado, já deu o consentimento para o casamento; o noivo está pre-
parado, Ele fez muitas coisas e está esperando o seu consentimento; a
festa está preparada, o vestido nupcial está preparado, falta apenas pegar
esta roupa e vesti-la. Faça isso da seguinte forma: deposite fé no Senhor.
O contrato de casamento está preparado, nada precisa ser mudado; ele
está pronto e disposto a aceitar você se estiver disposto a aceitá-Lo; nosso
abençoado Senhor Jesus Cristo diz que se agrada em casar com você; só
falta você pegar a caneta e assinar seu nome embaixo do contrato”.

O que James Duham está dizendo aqui? Ele está seguran-


do ao mesmo tempo muitas verdades preciosas da Palavra de
Deus. O Pr. Maurice Roberts me contou sua experiência quan-
do descobriu a doutrina da soberania de Deus, muitos anos
atrás. Disse-me que se lembrou de todas as coisas que havia
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A Bondade de Deus e a Relutância Humana

feito e que todas estas coisas já haviam sido pré-determinadas


por Deus antes da fundação do mundo. Se ele pegava o ônibus
ficava pensando: “Deus já pré-determinou isso antes da funda-
ção do mundo. Se eu ficar do lado direito ou esquerdo do ôni-
bus, até isso Deus determinou antes da fundação do mundo”. Se
ele descia do ônibus na parada errada, dizia: “Isso já havia sido
pré-determinado antes da fundação do mundo”. Mas chega um
momento no tempo quando mesmo crendo que isto é verdade,
concomitantemente temos de tomar decisões responsáveis. Isso
pede algum grau de maturidade até alcançarmos a capacidade
de segurar estas duas verdades ao mesmo tempo: a soberania de
Deus e nossa responsabilidade, ao mesmo tempo.

No início sentimos que há uma tensão entre estas duas ver-


dades e até pensamos que uma destas verdades exclui a outra.
Mas não podemos ficar paralisados sem tomar nenhuma deci-
são por pensar que Deus já pré-determinou tudo antes da fun-
dação do mundo. Devemos fixar todas estas verdades bíblicas
em nossos atos e pensamentos.

Devemos fazer o mesmo em nossas pregações. Nossa prega-


ção deve manifestar a confiança que temos na soberania divina,
mas ao mesmo tempo nossa pregação deve também manifestar
a realidade da responsabilidade humana. Devemos entender
que há os atributos de Deus e os aspectos da Sua natureza e que
todos Seus atributos e todos os aspectos do Seu caráter devem
ser proclamados e manifestados em nossas pregações.

Amém.

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A Bondade de Deus e a
Relutância Humana
Palestra proferida pelo Pr. Sherman Isbell no Simpósio Os
Puritanos em Maragogi - julho/2007. Pr. Sherman é pastor
presbiteriano [Free Church of Scotland (Continuing)] em
Washington DC e editor da revista “The Master’s Trumpet”.

O Rev. Sherman Isbell nasceu no Mississippi em 1950, foi


educado na Universidade de Edimburgo, da Igreja Livre da
Escócia College, e da Universidade de Berna (Suíça). Desde
1989 tem servido como ministro em sua congregação perto de
Washington, DC. É editor do The Master’s Trumpet, um jornal
teológico publicado pelo Presbitério dos Estados Unidos, na Igreja
Livre da Escócia (Continuada). Ele contribuiu com artigos para
The Banner of Truth, The Ordained Servant, e The Dictionary of
Scottish Church History and Theology, e é tradutor para o inglês
das Confissões Reformadas dos séculos 16 e 17. O Rev. Isbell é
professor visitante no Puritan Reformed Theological Seminary.
Ele é casado desde 1991

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