FRAUDE À EXECUÇÃO: Tendo-se em conta que, no patrimônio do devedor,
reside a garantia do cumprimento de suas obrigações, toda a alienação de bens desse patrimônio traz um prejuízo potencial aos credores, na medida em que desfalca aquela garantia. Daí porque busca o legislador impor limites aos efeitos dos atos de disposição patrimonial, tachando-os de fraudulentos. A fraude, como ato atentatório à responsabilidade patrimonial, pode ser de duas espécies: a fraude contra credores e a fraude à execução.
5.1. FRAUDE CONTRA CREDORES: Consiste na diminuição
maliciosa do patrimônio, no propósito de desfalcar a garantia em que aquele consiste, em detrimento dos interesses dos credores, por conduzir o devedor à situação econômica de insolvência. O instituto vem disciplinado pelos arts. 158-165 do CC, sendo indispensável, à sua configuração, a prova do animus do devedor (consilium fraudis) e da situação de insolvência, que caracteriza o dano ao credor (eventus damni). Embora o CC comine a essa espécie de fraude a pena de nulidade relativa, tem a doutrina sustentado que, em verdade, a conseqüência da fraude é a ineficácia do negócio fraudulento, em relação a alguns credores (ineficácia relativa ou inoponibilidade). Isso porque a sentença que declara a existência da fraude contra credores não acarreta o simples retorno ao status quo ante, com o reingresso do bem no patrimônio do devedor, como ocorreria se de nulidade se tratasse. Tal sentença, proferida em ação própria, nominada de ação pauliana, limita- se a eliminar os efeitos do negócio fraudulento, e apenas em relação aos credores que manejaram a ação (CC, art. 158, caput e §§), permitindo- lhes excutir os bens alienados de forma fraudulenta (CC, art. 165). Vale dizer, ainda, que tal ineficácia é sucessiva, o que significa que, enquanto não proferida a mencionada sentença de procedência do pedido formulado em ação pauliana, o negócio jurídico é plenamente eficaz.
5.2. FRAUDE À EXECUÇÃO: Na essência, a fraude à execução não
difere da fraude contra credores, dela se divorciando apenas em grau, por ser mais grave o ato fraudatório na primeira espécie, porque praticado quando já em curso demanda em face do devedor, de sorte que a ofensa não é só aos interesses privados dos credores, mas a própria autoridade do Estado-juiz, porquanto já iniciada a atividade jurisdicional. Uma vez praticada a fraude à execução, o negócio jurídico assim entabulado, tal como na fraude contra credores, é ineficaz, em relação à execução, de sorte que os bens dispostos poderão ser objeto de penhora. Mas, diversamente do que ocorre com a fraude contra credores, a ineficácia, na fraude à execução, prescinde de sentença proferida em ação pauliana, tratando-se, destarte, de ineficácia primária. Se assim é, a fraude à execução pode ser alegada incidentalmente no próprio processo de execução, ou mesmo declarada de ofício pelo juiz. Ademais, na fraude à execução, dispensa-se a prova do consilium fraudis, que está presumido juris et de jure na simples prática do tipo normativo que configura a fraude à execução.
5.2.1. PRESSUPOSTOS COMUNS: Das hipóteses
configuradoras de fraude à execução, arroladas no art. 592, I e II, do CPC, extraem-se os seguintes pressupostos comuns:
a. ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE BENS: Por
alienação, entenda-se qualquer disposição voluntária de bens, por ato inter vivos, seja a título oneroso, seja a título gratuito. Oneração, por seu turno, significa a constituição em favor de terceiro, também por ato voluntário inter vivos, gratuito ou oneroso, de direito real de garantia ou de fruição sobre bem do devedor, dentre aqueles previstos no art. 1.225, II a X, do CC.
a. LITISPENDÊNCIA: O segundo pressuposto comum às
hipóteses configuradoras de fraude à execução é a existência de demanda já em curso. Como tal, entende-se aquela em que já houve citação, ato processual que, dentre outros efeitos, induz litispendência (art. 219).
5.2.2. PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS: Ao lado
daqueles pressupostos comuns, existem outros que dizem respeito apenas a uma das hipóteses de fraude à execução. São eles:
a. LITIGIOSIDADE DO BEM: Na hipótese descrita no art.
593, I, é preciso que o bem alienado ou onerado fraudulentamente seja litigioso, ou seja, que seja objeto de disputa em ação real. A alienação ou oneração, no caso, não é inválida, e sim ineficaz, o que permite a excussão, pelo credor, do bem alienado ou onerado, em caso de procedência daquela ação real, procedendo-se, então, na forma do art. 626.
a. INSOLVÊNCIA POTENCIAL: Na fraude tipificada no
art. 593, II, é preciso que a alienação ou oneração do bem, ocorrida no curso de ação pessoal, tenha a virtualidade de acarretar a insolvência fática do réu/devedor, de molde a por em risco o adimplemento da obrigação discutida na demanda.
5.3. ALIENAÇÃO DE BEM PENHORADO: A alienação ou
oneração de bem penhorado não é tipificada pela lei como fraude à execução. No entanto, a conseqüência jurídica é a mesma: a ineficácia do negócio jurídico fraudulento, em relação à execução, por se tratar de ato atentatório à função jurisdicional, corporificada pelo ato material de constrição judicial sobre o bem, que o Estado-juiz, no exercício de sua autoridade e no desempenho de função pública, separou do patrimônio do devedor, a fim de satisfazer o crédito exeqüendo. Destarte, a causa da ineficácia não é, neste caso, a configuração da fraude, e sim o vínculo processual que o ato de constrição judicial (arresto, seqüestro, penhora) impõe sobre a coisa, sujeitando-a ao poder sancionatóobre a coisa, sujeitando-a ao poder sancionatao constricao equencia,o, ou seja, que seja objeto de disputa em acao rio do Estado, sem, todavia, afetar os direitos do devedor- proprietário, que poderá exercê-los livremente, mas sem alterar aquele vínculo processual.
5.4. FRAUDE À EXECUÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO:
Consta do art. 593, III, que a fraude à execução também ocorrerá em outras hipóteses previstas em lei. Dentre essas, sobreleva em importância aquela descrita no art. 185, do CTN, que presume juris et de jure fraudulenta a alienação ou oneração de bens do sujeito passivo da obrigação tributária, quando já houver o crédito sido inscrito em dívida ativa. A regra somente não se aplica se tal alienação ou oneração não tornar o patrimônio do devedor insuficiente à quitação do débito (CTN, art. 185, parágrafo único).
5.5. A FRAUDE À EXECUÇÃO E A PROTEÇÃO AO
TERCEIRO DE BOA-FÉ: Embora se sustente que, uma vez concretizados os tipos normativos configuradores da fraude à execução (CPC, art. 593; CTN, art. 185), assim como no caso de alienação de bem penhorado, emerge a presunção absoluta da intenção fraudatória (consilium fraudis), é crescente a preocupação com a situação do terceiro que, procedendo diligentemente e de boa-fé, adquiriu o bem do devedor, o que vem conduzindo à relativização daquela presunção. E, como é princípio geral de direito que a boa-fé se presume, cabe ao credor prejudicado o ônus de provar que o adquirente sabe ou deveria saber que a alienação se deu em fraude à execução. Nos casos do inciso I do art. 593 e de alienação de bem penhorado, o registro no cartório de imóveis torna absoluta a presunção de que o adquirente possuía tal conhecimento, face à oponibilidade erga omnes do ato registrário. Em não havendo o registro, para que se aplique a sanção de ineficácia à alienação ou oneração do bem, caberá ao credor demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que o adquirente sabia que havia litispendência ou penhora, ou que, ao menos deveria saber, e não soube porque não utilizou a diligência comum na prática de tais negócios, exigida do homo medius.