Você está na página 1de 1

<

A partir da referência a Hito Steyerl e à sua conferência Bubble Vision, reflecti


sobre a sua afirmação de que, no mundo virtual com visão de 360º e apesar de se
constituir como uma visão total excedendo até os limites humanos, na verdade o corpo
está ausente. Isto significa que a nossa visão, excedida artificilamente quanto aos seus
limites, ultrapassa os limites fisiológicos do nosso próprio corpo. Embora colocados
no centro dessa imagem panorâmica, estamos sempre longe dela. A realidade passou
a ser uma ultra-realidade, não apenas limitada à nossa experiência directa e presencial,
isto é, limitada à captação de informação pelos nosso cinco sentidos, nem limitada
à transmissão de realidades sob a forma oral ou escrita, para se tornar imbuída
de uma nova camada: imaterial, ubíqua, que viaja à velocidade da luz.
A imagem que passa através do ecrã e o transcende transforma-se, sofrendo
uma distorção aquando dessa passagem. Paralelamente, aquilo que percepcionamos
como real no seu sentido estrito é, já por si, sujeito a uma distorção, já que o nossso
mecanismo de visão pressupõe a transformação de uma realidade tridimensional
numa realidade bidimensional, ou seja, numa imagem. Isto significa que o nosso
mundo é percepcionado visualmente sob a forma de imagens. Curiosamente,
a imagem projectada no fundo da retina é invertida relativamente à original,
tal como deveria ter sido representada na bola de cristal que a figura da pintura
Salvatore Mundi segura na mão esquerda e que nos aparece como erro
de perspectiva e ponto de partida para um mistério.
Assim, essa passagem da luz através da retina e o seu processamento implicam
inevitavelmente uma distorção sobre a imagem original/realidade, quer pelo seu
‘achatamento’ para duas dimensões, quer pelo facto de se processar através de uma
tranformação de impulsos luminosos ou informação lumínica em impulsos nervosos
através de um conjunto de células específicas da retina: os cones (visão a cores)
e os bastonetes (tons de branco, preto e cinza ou visão
nocturna). A primeira-imagem, agora transformada em
impulsos eléctricos viaja através das fibras do nervo óptico
até ao cortex occipital, situado na parte de trás do crânio.
E é aí que vemos realmente. Apenas no cortex occipital os
impulsos nervosos são descodificados e transformados de
novo em imagens, segundo a interpretação do nosso
cérebro e a sua comparação com dados anteriores
(memória).
Então, é o nosso cérebro que fabrica as imagens
que produzem a nossa realidade, embora paradoxalmente
(e se considerarmos o caso da realidade virtual), nesse
processo de produção o nosso corpo possa estar ausente
dessa realidade.

Imagem da cratera lunar Dedalus, na face


negra da Lua. Apollo 11, Nasa. (invertida)

Você também pode gostar