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13out Resenha Wanderson Gurgel PDF
13out Resenha Wanderson Gurgel PDF
resenha
MUITA RETÓRICA,
POUCA LITERATURA
Wanderson Lima1
GURGEL, Rodrigo. Muita retórica, pouca literatura. Campinas-SP: Vide Editorial, 2012.
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Professor Adjunto da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Poeta e ensaísta, mantém o
blog Epigramas e epitáfios [http://epigramaseepitafios.blogspot.com.br/]. E-mail:
wandersontorres@hotmail.com
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[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano V - teresina - piauí - outubro de 2013]
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[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano V - teresina - piauí - outubro de 2013]
Curitiba, entre os anos de 2010 e 2012. São 20 textos que abordam, em ordem
cronológica, nossos prosadores a iniciar por Alencar e encerrar por Graça Aranha,
como esclarece o subtítulo da obra. Promete o autor, o que nos exulta, uma
continuação da obra, adentrando no nosso Modernismo.
Desde já, o maior mérito de Muita retórica, pouca literatura será combater
aquela apatia de que falei em linhas anteriores, o receio metodológico de julgar
(quando não o medo de se comprometer!) que engessa as leituras que se fazem do
nosso cânone. Gurgel aceita sem delongas a aventura da descoberta; mete-se em
meio àqueles clássicos em prosa do século XIX e do início do século XX já cheios
de leituras consagradas, diria mesmo cristalizadas, e impõe sua presença
aventureira: sempre dialogando com nossos melhores críticos, admoesta, elogia,
repropõe, admira, ironiza, lamenta. Não exatamente no plano ideológico, mas no
plano retórico, Gurgel se aproxima do que faz Harold Bloom no mundo anglo-
saxão: uma crítica viva, culta, estilisticamente clara e altamente personalista, sem
laivos de solipsismo, tratando as obras literárias como monumentos vivos e fontes
de reflexão sobre a condição humana – diria, no caso do crítico brasileiro, que há
uma ênfase bastante significativa na condição histórica do homem tupiniquim.
O primeiro mérito que nos salta os olhos quando lemos um crítico que julga
é sua coragem. Tal coragem, porém, terá pouco valor se não vier acompanhada de
outras virtudes, pois qualquer doidivanas pode, a rigor, tornar-se um polemista do
noite para dia. Isto a fatia brasileira da Internet o prova todo dia. Mas Rodrigo
Gurgel pode ser muita coisa, menos um doidivanas. Culto, cheio de temperança,
apaixonado pelo seu ofício, Gurgel vale-se de uma estratégia (esta presente mais em
Ezra Pound do que em Harold Bloom) que enriquece bastante o seu ensaísmo:
suas avaliações são, a todo o momento, corroboradas por citações de trechos da
obra que ele está analisando. Cada virtude, cada defeito das obras que o crítico
aborda recebem sua imediata ilustração. Isto faz de Muita retórica, pouca literatura um
valioso compêndio de como se ler um romance e do que faz com que um romance
seja bom.
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[revista dEsEnrEdoS - ISSN 2175-3903 - ano V - teresina - piauí - outubro de 2013]
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Quanto ao fio histórico – embora o livro não seja, stricto sensu, de história da
literatura – consiste, como bem notou Ronald Robson, em uma contraposição
entre duas “escolas”: a da afetação eloquente oriunda de José de Alencar e a do
ironismo e da contenção retórica derivada de Manuel Antônio de Almeida e seu
Memórias de um sargento de milícias. O lado positivo será o de Almeida – de onde sairá,
inclusive, Machado de Assis. A ironia destes últimos desconfia da verbosidade e do
simulacro de mundo que ela constrói; com isso, os ironistas apresentam uma visão
do social mais lúcida e penetrante, uma expressão mais aguda, desviando nossas
letras de sua tendência ao superficialismo. Não se trata, porém, de uma polaridade
maniqueísta: no próprio Alencar o autor sabe reconhecer traços meritórios. E, o
que a princípio pode parecer curioso, Machado, por seu niilismo, receberá sutis
piparotes.
Uma crítica judicativa nos convida a um duelo – saudável – com o crítico. E
é natural que ora aplaudamos ora nos chateemos com as avaliações que ele emite.
Assim, como qualquer leitor apaixonado que conheça minimamente a literatura
nacional, tenho meus pontos de concordância e de discordância com Rodrigo
Gurgel. Por exemplo, a dureza com que ele trata Graça Aranha me parece
justíssima, mas o mesmo eu não diria de sua avaliação sobre o Inocência de Visconde
de Taunay. Os elogios a Inglês de Sousa me deram esperança de que o talentoso
autor paraense seja reavaliado em nosso cânone, mas a crítica a O Cortiço me
pareceu dura ao ponto de ser injusta. Enfim, perspectivas, circunstâncias, vieses
distintos – tudo muito natural. Aqui e ali, fiquei com a impressão de que o critério
moral suplantou, mesmo que por questões de milímetros, no coração do crítico, o
critério estético: é o caso das críticas a Machado, e a Aluísio Azevedo, por exemplo.
Um último mérito do livro, que não posso deixar de citar, é ter trazido a
debate autores negligenciados do cânone nacional. Alguns eu sequer ouvira falar,
mas pelo menos um deles eu tenho certeza de que mereceria melhor sorte: João
Francisco de Lisboa. Que o segundo volume que nos foi prometido de Muita
retórica, pouca literatura chegue a nós o mais breve possível.