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A. Plano semântico:
A defesa da objetividade
Nada existe para além daquilo que, de facto, é percetível para o ser humano, para além
daquilo que percebemos através dos órgãos dos sentidos. Caeiro é o poeta do real e do
objetivo.
O Homem deve renunciar ao pensamento, pois este implica que se deturpe o significado das
coisas que existem, sem que seja necessário pensarmos nelas. Para Caeiro, só os sentidos
contam, principalmente o olhar. Ele só se interessa por aquilo que capta pelas sensações.
Nesta medida, é um sensacionista. Vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são,
e procura gozá-las com despreocupada e alegre sensualidade.
Caeiro identifica-se com a Natureza, vive segundo o seu ritmo, deseja nela se diluir, integrando-se
nas leis do Universo. Considera que o ser humano deve submeter-se às leis naturais e não deve
racionalizar processos que existem naturalmente (por exemplo, as ideias de vida ou de morte,
que existem enquanto verdades absolutas).
O paganismo
Da ideia de comunhão absoluta com a Natureza resulta uma visão pagã da existência, que
consiste na descrença total na transcendência; a única verdade é a sensação.
B. Plano formal:
Polissíndetos.
Predomínio da coordenação.
Irregularidade estrófica.
1
Verso livre.
Ausência de rima.
Aproximação à prosa.
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Caeiro olhava “com uma formidável infância” (diz Fernando Pessoa). E por esta busca da
infância podemos ver, desde já, neste heterónimo de Pessoa, uma intenção de renascer, de lutar
contra o elaborado, o artificial, o falso, e um apelo ao reencontro da ingenuidade das crianças.
Uma afirmação atribuída por Álvaro de Campos a Alberto Caeiro foi esta: “Toda a coisa
que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a
vemos”. E acrescenta ainda Campos: “O meu Mestre Caeiro não era pagão: era o paganismo (...).
Em Caeiro não havia explicação para o paganismo; havia consubstanciação.”
Ao definir o seu mestre Caeiro como o paganismo, Fernando Pessoa / Álvaro de Campos
queria(m) significar um regresso às origens, em que a oposição sentir / pensar não existisse, e
tudo quanto fosse fruto da razão e do pensamento fosse recusado.
Ora, como por aqui se vê (numa primeira leitura, direta e mais elementar), o mestre Caeiro
aparece-nos como um ingénuo, um amante da simplicidade e da inocência, da natureza sem
metafísica, da vida simples do campo. Não tendo mais que a instrução primária e escrevendo
mal o português, entregava-se às sensações desprovidas de pensamento (a sensação é tudo – é
saúde –, o pensamento é doença). É nisso que Caeiro se aproxima do guardador de rebanhos,
integrando-se como ele na natureza, vagabundeando passivamente pelos espaços, fruindo a
felicidade de cada coisa.
Apaixonado pelo presente (aceitar o passado ou o futuro seria atraiçoar a natureza), pelo
concreto, pelo imediato, pela anulação da subjetividade, sempre preocupado com o olhar
(sensações visuais), ele diz aceitar as coisas tal como se lhe apresentam, admirando a sua
originalidade, diversidade e mobilidade – que é o que constitui, segundo ele, o seu signo de
existir. E neste ponto reside toda a sua sabedoria.
Foi a dor de pensar, a mágoa do viver consciente, que levou Pessoa a admitir como mestre
de si próprio e dos seus heterónimos a figura do instintivo Caeiro. Para este, pensar não é
compreender, pensar anula a felicidade, é o instrumento da divisão do ser, da sua desintegração;
pensar é sofrer, é virar as costas ao mundo e às sensações. A visão total perante o mundo, a
desejada unificação só se obterá com a anulação do pensamento.
Caeiro propõe um regresso à inconsciência, ao pasmo essencial – gesto que, apesar da sua
complexidade, se tende imediatamente a relacionar com essa espécie de paraíso-perdido que é
o tempo da infância, encarado como tempo de uma pré-consciência feliz.
Mas esse regresso constitui um impossível para Pessoa, pelo que o heterónimo manifesta
apenas uma intenção, um desejo de que assim seja – mas nunca poderá ser. A superação do
problema que preocupa Pessoa não encontrará também através de Caeiro a solução ansiada.
A simplicidade de Caeiro é apenas aparente. Ele não é efetivamente o que afirma ser, mas
antes alguém que aspira a ser a realidade que enuncia – o que constitui uma contradição mal
disfarçada. Tudo com quanto depara é marcado pela argúcia (subtileza, agudeza de espírito) que
o caracteriza, pela sua capacidade de observação, pela sua inteligência e racionalidade,
resultando daí a formulação de constantes juízos de valor e uma sistematização de pensamento
que culmina com afirmações do tipo “o único sentido íntimo das coisas / É elas não terem
sentido íntimo nenhum”.
E é assim que toda a imagem de “grau zero” que esse heterónimo de Pessoa pretende
transmitir soa como um disfarce. Caeiro, em suma, é um filósofo da não filosofia (nas palavras de
Jacinto do Prado Coelho), é alguém que diz nada ter a ver com a metafísica, mas que se mostra,
em cada momento, profundamente comprometido como ela. Ao negar toda a metafísica, já está
a raciocinar, já está a construir uma nova metafísica: uma anti metafísica.